Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1320/11.4TVLSB.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: VENDA
USURA
ALTERAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/19/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A simples venda, tendo como função indirecta a garantia de um crédito, não se confunde com a titularidade de um direito real de garantia que é susceptivel de consubstanciar “pactum fiduciae” proibido pelo artº 694º do CC, se faculta a apropriação dos bens por ela onerados, em caso de incumprimento, “convertendo” a garantia real em direito de propriedade.
- O conceito de usura, prescrito no artigo 282º nº1 do Código Civil, implica se verifique: 1) O desequilíbrio ou desproporção no seio do negócio; 2) A situação de fraqueza do lesado; 3) A exploração reprovável pelo usurário.
- A actual crise financeira pela dimensão da sua ocorrência, pela sua não antecipabilidade generalizada e pelo facto de ser global constitui uma alteração anómala e superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a vontade de contratar previsto no artigo 437º nº1 do CC, que todavia não aproveita à parte lesada se está em mora - artigo 438º do CC.
(sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

M.S.A., com sede na Rua … Cascais, intentou a presente ação declarativa de condenação, contra L Fundo de Investimento Imobiliário, gerido e legalmente representado pela S. S.A., com sede em  Lisboa (adiante referido como “1.º Réu”), e N – Fundo de Investimento Imobiliário, gerido e legalmente representado pela S. S.A., com sede em  Lisboa (adiante referido como “2.º Réu”, ou, conjuntamente com o 1.º Réu, “Réus”), alegando, em síntese que:

- a A. adquiriu um terreno onde se propôs construir e promover um empreendimento imobiliário de luxo, composto por 36 lotes de terreno, subdivididos em 120 unidades de alojamento e 11 outras frações, umas de utilização comum, outras de exploração turística, que incluíam infraestruturas gerais, portaria e serviços, espaços verdes, receção e escritório, estacionamento, ténis, piscina, minimercado, restaurante, apoio desportivo;

- em 19/05/1999 foi celebrado com o então CPP um mútuo de 1.500.000.000$00 destinado ao financiamento das obras de infraestruturas, garantido por hipoteca sobre a quase totalidade das frações (entretanto constituídas, mas não construídas);

- o contrato foi celebrado no pressuposto de que o banco financiaria também as unidades de alojamento até que a A. pudesse dispor de proveitos próprios com a venda das mesmas, sabendo o banco que a A. não tinha meios para liquidar as responsabilidades decorrentes do contrato de empréstimo senão depois de construir e comercializar as unidades de alojamento;

- as infraestruturas ficaram concluídas em finais de 2001 e a A. começou a solicitar outros financiamentos cuja concessão o CPP foi protelando até que, em 2003, recusou, propondo como alternativa o financiamento através de fundos de investimento geridos pela sociedade gestora detida pelo banco;

- dada a natureza e regime legal dos fundos, a operação teria de passar pela aquisição dos lotes pelos fundos;

- o preço a pagar pelos fundos teria de ser utilizado, em primeiro lugar, para liquidar as responsabilidades decorrentes do empréstimo contraído junto do CPP e cancelamento da hipoteca, e, em segundo lugar, para financiar a construção das frações de utilização comum e de exploração turística;

- a A. ficaria com uma opção de recompra dos lotes vendidos, por cinco anos prorrogáveis;

- assim, entre novembro de 2003 e fevereiro de 2007, a A. vendeu aos RR. doze lotes de terreno, compreendendo um total de 88 frações pelo valor global de € 23.000.000,00;

- paralelamente, a Autora celebrou com os Réus Contratos de Reserva sobre as frações vendidas, adquirindo uma opção de compra sobre estas, pelo prazo de 5 anos (prorrogável), mediante o pagamento de determinadas remunerações financeiras, que, pagas até março de 2009, totalizaram € 4.586.614,75;

 a Autora efectuou e custeou a construção, incluindo projetos e licenciamentos, das 8 frações imobiliárias de utilização comum (que incluem infraestruturas gerais, portaria e serviços, espaços verdes, receção e escritório, estacionamento, ténis e piscina) e das 3 frações imobiliárias de exploração turística; efetuou e custeou a construção, incluindo projetos e licenciamentos de construção e utilização de 27 moradias; assegurou os serviços de manutenção e conservação das propriedades cedidas aos Réus até á presente data, cujo custo não foi seguramente inferior a € 1.100.000; readquiriu 14 frações pelo valor total de € 6.790.381,09;

- com a contração económica que se instalou a partir de 2008, a A. não conseguiu readquirir as frações como esperava e iniciou negociações com os RR. no sentido de prorrogarem os prazos de reaquisição pela A.;

- desde março de 2009, os RR. não só não recusaram as negociações, como reconheceram por escrito que as circunstâncias económicas impunha a renegociação das condições contratuais;

- até que, por carta de 28/02/2011, os RR. negam-se a equacionar prorrogações de prazos e exigem o pagamento das remunerações financeiras vencidas e não pagas.

Termina pedindo que a acção seja julgada provada e procedente e, em consequência,

i) Seja declarada a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados pela Autora e pelo 1.º Réu, relativos às frações designadas pelas letras AB-B, AB-C, AB-D, AB-E, AB-F, AB-G, AB-H, AB-I, AB-L, AB-M, AB-N e AB-O, que constituem o Lote 33, às frações designadas pelas letras AC-A, AC-B, AC-D, AC-E, AC-F, AC-G, AC-H, AC-I, AC-J, AC-L, AC-M, AC-N, AC-O e AC-P, que constituem o Lote 34, às frações designadas pelas letras “L” do lote 18, “N” do Lote 20, às frações designadas pelas letras “X-I”, “X-J”, “X-M” e “X-N”, todas integrantes do Lote 29, às frações designadas pelas letras AE-A, AE-B, AE-C, AE-D, AE-E, AE-F, AE-G, AE-H, AEI, AE-J e AE-L que constituem o Lote 36, e às frações designadas pelas letras AD-A, AD-B, AD-C, AD-E, AD-F, AD-G, AD-H, AD-I, AD-J, AD-L, AD-M e AD-N que constituem o Lote 35, todas estas descritas na Certidão de Registo Predial de Cascais, inscritas na Conservatória sob o n.º 02058/050588, Y, Alcabideche, bem como dos contratos de reserva celebrados sobre estas mesmas frações;

ii) Seja declarada a nulidade dos contratos de compra e venda celebrados pela Autora e pelo 2.º Réu, relativos às frações designadas pelas letras YA, YB, YC, YD, YE, YF, YG, YH e YI, que constituem o Lote 30, e às frações designadas pelas letras ZA, ZB, ZC, ZD, ZE, ZF, ZG e ZH, que constituem o Lote 31, todas estas descritas na Certidão de Registo Predial de Cascais, inscritas na Conservatória sob o n.º 02058/050588, Y, Alcabideche, bem como dos contratos de reserva celebrados sobre estas mesmas frações;

Subsidiariamente

iii) Caso se entenda que os negócios jurídicos celebrados pela Autora com os Réus não são nulos, seja reconhecida a alteração anormal das circunstâncias e em consequência declarada a resolução dos contratos celebrados entre Autora e Réus (compras e vendas e contratos de reserva) com as consequências legais nos termos do Artº 437º do Código Civil; ou

Subsidiariamente relativamente ao pedido anterior

iv) Se se entender que não se justifica a resolução dos contratos peticionada sejam os mesmos ser modificados de acordo com a equidade o que imporá, designadamente, a extensão dos prazos durante os quais a Autora pode readquirir os imóveis supra identificados e a redução das remunerações financeiras e demais encargos suportados pela Autora nos termos dos contratos de reserva.

Em sede de contestação, com reconvenção, os RR. alegam, resumidamente, que:

- inexistiram na celebração dos contratos entre as partes quaisquer intenções que não as que naturalmente correspondem às estipulações inseridas nos mesmos contratos;

- a A. não pagou aos RR., desde 2009 até se extinguirem por caducidade ou resolução, os contratos de reserva e os direitos de compra neles previstos;

- a A. embolsou a quantia de € 1.150.000,00, paga pelo 1.º R. com vista à construção de moradias no lote 34 e não as construiu;

- o contrato de reserva relativo ao lote 34 foi resolvido pelo 1.º R. com fundamento em incumprimento pela A., e a A. foi interpelada para restituir a quantia, sem que, até à data, o tenha feito;

- entre 31/12/2009 e 01/08/2011, os contratos de reserva findaram, uns por caducidade pelo decurso do tempo, e outros por resolução declarada pelos RR. com fundamento no incumprimento definitivo da A.;

- os RR. são donos das frações adquiridas à A. e esta tem recusado a entrega das mesmas, o que impede os primeiros de a venda ou o arrendamento das fracções em causa.

Termina pedindo que a acção seja julgada não provada e improcedente, com a sua consequente absolvição do pedido; e que a reconvenção seja julgada procedente, por provada, devendo, em consequência:

a) Condenar-se a A. a pagar ao Primeiro R. a quantia de € 2.510.649,90 (correspondente à soma das quantias acima especificadas relativas às prestações mensais devidas pela A. como contrapartida dos direitos de compra e não pagas e da quantia paga pelo Primeiro R. ao abrigo da adenda ao contrato de reserva relativo ao lote 34, que a A. não restituiu), acrescida de juros, à taxa legal, desde as datas do vencimento das obrigações, acima assinaladas, até integral embolso, que nesta data se liquidam em € 186.704,29;

b) Condenar-se a A. a pagar ao Segundo R. a quantia de € 221.313,25 (correspondente à soma das quantias acima especificadas relativas às prestações mensais devidas pela A. como contrapartida dos direitos de compra e não pagas), acrescida de juros, à taxa legal, desde as datas do vencimento das obrigações, acima assinaladas, até integral embolso, que nesta data se liquidam em € 26.332,98;

c) Declarar-se extintos por caducidade, conforme acima especificado, os contratos de reserva e os direitos de compra neles previstos relativos aos lotes 18 (fração autónoma L), 20 (fração autónoma N), 33 (frações autónomas ABB, AB-C, AB-D, AB-E, AB-F, AB-G, AB-H, AB-I, AB-L, AB-M, AB-N, ABO), 35 (frações autónomas AD-A, AD-B, AD-C, AD-D, AD-E, AD-F, ADG, AD-H, AD-I, AD-J, AD-L, AD-M, AD-N) e 36 (frações autónomas AEA, AE-B, AE-C, AE-D, AE-E, AE-F, AE-G, AE-H, AE-I, AE-J, AE-L), e por resolução os contratos de reserva e os direitos de compra neles previstos relativos aos lotes 30 (frações autónomas YA, YB, YC, YD, YE, YF, YG, YH, YI), 31 (frações autónomas ZA, ZB, ZC, ZD, ZE, ZF, ZG, ZH) e 34 (frações autónomas AC-A, AC-B, AC-C, AC-D, AC-E, AC-F, AC-G, AC-H, AC-I, AC-J, AC-L, AC-M, AC-N, AC-O, AC-P), condenando-se a A. a reconhecer a extinção desses contratos e a reconhecer os RR. como proprietários das frações autónomas relativas a esses lotes acima identificadas;

d) Declarar-se extinto por caducidade o direito de compra previsto na cláusula 10.ª, n.º 3, do documento complementar à escritura pública de compra e venda do lote 29 e a obrigação de não vender ou prometer vender prevista no n.º 4 dessa mesma cláusula, condenando-se a A. a reconhecer a extinção desses direito e obrigação e a reconhecer os RR. como proprietários das frações autónomas X-I, X-J, X-M, X-N, relativas a esse lote;

e) Condenar-se a A. a abster-se da prática de qualquer ato material de uso ou gozo das frações autónomas acima identificadas relativas aos lotes 18, 20, 29, 30, 31, 33, 34, 35 e 36, incluindo a respetiva promoção para venda a terceiros, visitas ou acessos, cessando toda e qualquer utilização seja de que forma for das mesmas, e a entregar ao Primeiro R. as chaves de acesso às moradias existentes nas frações autónomas relativas aos lotes 29 e 33 de que este R. é proprietário;

f) Condenar-se a A. a pagar ao Primeiro R., a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 500,00, por dia, até ser feita prova da efetiva devolução das chaves de acesso às identificadas frações relativas aos lotes 29 e 33 e completa cessação da utilização das mesmas.

A A. replicou, pugnando pela improcedência do pedido reconvencional.

Houve tréplica.

Subsequentemente, a A. desistiu do pedido relativamente à fração AB-E do lote 33, e a R. desistiu do pedido reconvencional no que à mesma fração respeita, a que correspondia o valor proporcional de € 60.070,12 (€ 53.323,27 a título de capital e € 6.746,85 a título de juros vencidos à data da contestação).

Em consequência, o primeiro pedido reconvencional passa a: a) Condenar-se a A. a pagar ao Primeiro R. a quantia de € 2.457.326,63 (correspondente à soma das quantias acima especificadas relativas às prestações mensais devidas pela A. como contrapartida dos direitos de compra e não pagas e da quantia paga pelo Primeiro R. ao abrigo da adenda ao contrato de reserva relativo ao lote 34, que a A. não restituiu), acrescida de juros, à taxa legal, desde as datas do vencimento das obrigações, acima assinaladas, até integral embolso, que nesta data se liquidam em € 179.957,44.

a) Os contratos de compra e venda celebrados entre a A. e o 1.º R., bem como os celebrados entre a A. e o 2.º R., são inválidos (nulos ou anuláveis)?

i) Tal invalidade resulta de consistirem em esquemas de financiamento montados de forma a contornar a proibição legal de concessão de financiamento por parte dos fundos de investimento imobiliário?

ii) Tais contratos constituíram uma alienação fiduciária em garantia, à qual se deverá aplicar por extensão teleológica a proibição do pacto comissório?

iii) Os mesmos contratos têm carácter usurário?

b) Verificou-se alteração anormal das circunstâncias que justifica a resolução dos contratos celebrados entre Autora e Réus (compras e vendas e contratos de reserva), ou, pelo menos, a sua modificação, nomeadamente a extensão dos prazos durante os quais a A. pode readquirir os imóveis e a redução das remunerações suportadas pela A. nos contratos de reserva?


Foram fixados os seguintes factos  (ao que interessa):

1. A Autora é uma sociedade comercial que tem por objeto, nomeadamente, a realização de “investimentos e promoção imobiliária e turística” e a “construção e desenvolvimento de empreendimentos imobiliários” (A).

2. Os RR. são fundos de investimento imobiliário que, nos termos dos respectivos Regulamentos de Gestão, devem constituir uma carteira de valores formada por activos diversificados, mas predominantemente imobiliários, em obediência a critérios de segurança, rendibilidade e liquidez (B).

3. Mais estabelecem os Regulamentos de Gestão dos RR. que as suas carteiras de valores podem ser constituídas por prédios já construídos, constituídos ou não em regime de propriedade horizontal, e prédios destinados ao desenvolvimento de projetos de construção, todos inscritos no registo predial como fazendo parte do Fundo, e que a aquisição de imóveis para a carteira do RR. terá por finalidade o arrendamento dos mesmos ou outra forma de exploração onerosa, bem como a sua revenda (C).

4. No âmbito da sua atividade comercial, a A. adquiriu um terreno com a área total de 205.414 metros quadrados, inserido no Parque Natural de Sintra Cascais, na freguesia de Alcabideche, Concelho de Cascais, inscrito na matriz sob o artigo 12138, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cascais – Segunda Secção (anteriormente 2ª Conservatória do Registo Predial de Cascais) sob o número 02058/050588 (D).

5. Em 9 de maio de 1998, foi aprovado pela Direção Geral do Turismo e depositado, o Título Constitutivo do empreendimento denominado “Aldeamento Turístico da Marinha Guincho” (adiante abreviadamente referido por “Empreendimento”) (E).

6. Nos termos do referido título constitutivo do Empreendimento, este seria composto por 36 lotes de terreno subdivididos em 120 unidades de alojamento a construir e 11 outras frações imobiliárias (F).

(…)

9. Em 27 de novembro de 1998, a Autora constituiu o regime de propriedade horizontal sobre o mesmo prédio, dividindo os 36 lotes de terreno em 120 unidades de alojamento, sendo 19 individualizadas (moradias unifamiliares com as características de T-5 (lotes 8 a 26, inclusive) e 101 em grupo, com as características de T-3 (56 unidades nos lotes 28, 29, 33, 34 e 36), T-2 (37 unidades nos lotes 27, 30, 32 e 35) e T-1 (8 unidades no lote 31), 3 frações de exploração turística (lotes 6 e 7), destinadas a minimercado, restaurante, club-house e apoio desportivo e, finalmente, partes comuns que são constituídas por infraestruturas gerais e infraestruturas de utilização turística, o qual veio a ser objeto de retificação por escritura pública de 31 de outubro de 2006 (I).

(…)

11. Na sequência dos factos descritos nos artigos precedentes, veio a ser celebrado em 19 maio de 1999 um contrato de empréstimo, garantido por hipoteca, pelo qual o atual Banco Santander Totta, à data denominado Crédito Predial Português, (adiante referido como o “Banco”), concedeu à acionista maioritária da A. – denominada Cabo da Roca – Guincho, SGPS, S.A. um mútuo de Esc. 1.500.000.000$00 (um milhão e meio de contos) destinado ao financiamento das obras de infraestruturas do Empreendimento, com as demais cláusulas constantes do documento de fls. 429 a 438 (K).

12. Conforme consta do respectivo título, para garantia do referido empréstimo a Autora constituiu em favor do Banco hipoteca sobre parte das fracções (L).

14. O CPP foi incorporado pelo  Banco Santander Totta, S.A. (N).

15. No dia 7 de agosto de 2003, a Autora celebrou com o 1.º Réu, então gerido e representado pela sociedade SANTANDER IMOVESTE, SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO, S.A., Escritura Pública de Compra e Venda das frações designadas pelas letras AB-A, AB-B, AB-C, AB-D, AB-E, AB-F, AB-G, AB-H, AB-I, AB-J, AB-L, AB-M, AB-N e AB-O, que constituem o Lote 33, Fração AB, compostas por catorze unidades de alojamento do tipo T-3, com logradouro comum, jardim e piscina, descritas na Certidão de Registo Predial de Cascais já junta, inscritas na Conservatória sob o n.º 02058/050588, Y, Alcabideche, pelo preço global de € 1.600.000,00 (um milhão e seiscentos mil euros) (O).

16. No mesmo dia 7 de agosto de 2003, a Autora celebrou com este 1º  Reu  um contrato denominado de Reserva, pelo qual: — o Primeiro R. concedia à A. um direito de compra da totalidade das frações autónomas por si adquiridas, pelo prazo de 5 anos, período durante o qual se obrigava a não vender nem prometer vender as frações sem autorização da A. (cláusulas 1.ª, n.º 1, e 2.ª, n.º 1); — o preço de compra pela A. deveria ser igual ao valor do investimento do Primeiro R. (preço de compra acrescido dos custos da escritura e do registo) atualizado anualmente pelo índice de Preços do Consumidor, sem habitação, acrescido de 1% (cláusula 2.ª, n.º 2); — pela reserva mantida a seu favor, a A. obrigava-se a pagar mensalmente ao Primeiro R. o montante que resultasse da aplicação ao valor do investimento do Primeiro R. de uma taxa anual correspondente à Euribor a 12 meses acrescida de um “spread” de 3% (cláusula 3.ª); — caso a A. não exercesse o direito de compra das frações dentro do prazo de 5 anos estabelecido no contrato, este cessaria automaticamente os seus efeitos (cláusula 5.ª); — caso ambas as partes acordassem no início da construção das frações autónomas objeto do contrato, a parte do respetivo custo que viesse a ser suportada pelo Primeiro R. integraria o valor do seu investimento para efeitos de apuramento do preço de venda em caso de compra pela A. e para efeitos de apuramento da contrapartida prevista na cláusula 3.ª, e nos demais termos constantes do doc. de fls. 479 a 483 (P).

17. Em 12 de novembro de 2003, a Autora celebrou com o 1.º Réu, Escritura Pública de Compra e Venda das frações designadas pelas letras “L” do lote 18, “N” do Lote 20, “O” do Lote 21, “P” do Lote 22 e “Q” do Lote 23  pelo preço global de € 1.650.000,00 (um milhão seiscentos e cinquenta mil euros) (Q).

18. No mesmo dia 12 de novembro de 2003, foi celebrado pela Autora e pelo 1.º Réu, o denominado Contrato de Reserva, relativo às mesma frações vendidas nos termos do doc. de fls. 489 a 493 (R).

19. A vigência do referido contrato de reserva foi depois, relativamente aos lotes 18, 20 e 23, prorrogada por mais 24 meses, em resultado de proposta da A. de 21 de outubro de 2008 e aceitação do Primeiro R. de 7 de janeiro de 2009 (S).

20. No dia 16 de janeiro de 2004, a Autora celebrou com o 1.º Réu  Escritura Pública de Compra e Venda sobre as frações designadas pelas letras AC-A, AC-B, ACD, AC-E, AC-F, AC-G, AC-H, AC-I, AC-J, AC-L, AC-M, AC-N, AC-O e AC-P, que constituem o Lote 34, Fração AC, compostas por quinze unidades de alojamento do tipo T-3 (a construir), com logradouro comum (jardim e piscina), pelo preço global de € 1.750.000,00 (um milhão setecentos e cinquenta mil euros) (T).

21. No mesmo dia 16 de janeiro de 2004, a Autora celebrou com o 1.º Réu, um contrato de Reserva, relativo às mesmas frações com conteúdo idêntico ao acima referido relativamente ao lote 33, nos termos do doc. de fls. 499 a 503 (U).

22. Em 18 de agosto de 2004, a Autora celebrou com o 1.º Réu, Escritura Pública de Compra e Venda de Bem Imóvel Futuro, integrando Documento Complementar, das frações designadas pelas letras “X-A”, a “X-N”, todas integrantes do Lote 29, todas correspondentes treze unidades de alojamento do tipo T-3, ainda por construir, pelo preço global de € 5.850.000,00 (cinco milhões, oitocentos e cinquenta mil euros) (V).

23. Nessa escritura, a A. declarou ser essencial à sua vontade de contratar que os RR. expressamente reconheçam e aceitem a existência da possibilidade de reaquisição das futuras moradias e respetivos terrenos, objecto do contrato, a ter lugar nos termos da opção de compra regulada na cl. 10.ª do documento complementar anexo (W).

24. No documento complementar anexo à escritura pública de compra e venda de bem futuro, as partes acordaram que a Autora teria direito de opção de compra da totalidade do terreno e respetivas moradias; bem como acordaram os termos em que o preço acordado seria pago, ficando a Autora com a obrigação de proceder a essa construção, tudo conforme melhor consta do doc. de fls. 511 a 523 (X).

25. O Primeiro R. veio depois a conceder à A. uma prorrogação do prazo para o exercício do direito de compra pela A., previsto na cláusula 10.ª, n.º 3, do documento complementar, até 31 de dezembro de 2009 (Y).

26. No dia 24 de agosto de 2005, a Autora celebrou com o 1.º Réu, Escritura Pública de Compra e Venda das frações designadas pelas letras AE-A, a AE-L que constituem o Lote 36, Fração AE, pelo preço global de € 1.349.990,00 (um milhão, trezentos e quarenta mil, novecentos e noventa euros) (Z).

27. No mesmo dia 24 de agosto de 2005, a Autora celebrou com o 1.º Réu um contrato de Reserva, relativo às mesmas frações nos termos que constam do doc. de fls. 530 a 534 (AA).

28. No dia 27 de março de 2006, a Autora celebrou com o 1.º Réu, Escritura Pública de Compra e Venda sobre as frações designadas pelas letras AD-A, a  AD-N que constituem o Lote 35, pelo preço global de € 1.750.000,00 (um milhão, setecentos e cinquenta mil euros) (AB).

29. No mesmo dia 27 de março de 2006, a Autora celebrou com o 1.º Réu, um contrato de Reserva, relativo às mesmas frações nos termos constantes do doc. de fls. 540 a 544 (AC).

30. No dia 14 de setembro de 2006, a Autora celebrou com o 2.º Réu, gerido e legalmente representado pela sociedade SANTANDER GESTÃO DE ACTIVOS – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO, S.A., escritura pública de compra e venda sobre as frações designadas pelas letras YA, a YI, que constituem o Lote 30, Fração Y, pelo preço global de € 1.250.000,00 (um milhão, duzentos e cinquenta mil euros) (AD).

31. No mesmo dia 14 de setembro de 2006, a Autora celebrou com o 2.º Réu, representado pela sociedade SANTANDER GESTÃO DE ACTIVOS – SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE INVESTIMENTO MOBILIÁRIO, S.A., um contrato de Reserva, relativo às mesmas frações designadas pelas letras YA, YB, YC, YD, YE, YF, YG, YH e YI, nos termos constantes do doc. de fls. 551 a 556 (AE).

32. No dia 22 de fevereiro de 2007, a Autora celebrou com o 2.º Réu, , Escritura Pública de Compra e Venda sobre as frações designadas pelas letras ZA, a ZH, que constituem o Lote 31, Fração Z, pelo preço global de € 650.000,00 (seiscentos e cinquenta mil euros) (AF).

33. No mesmo dia 22 de fevereiro de 2007, a Autora celebrou com o 2.º Réu, um contrato de Reserva, relativo às mesmas frações, conforme melhor consta do doc. de fls. 563 a 568 (AG).

34. Em 28 de julho de 2006, a Autora e o 1.º Réu celebraram um aditamento ao Contrato de Reserva de 7 de agosto de 2003, dando nova redação à Cláusula Terceira daquele, tendo-se em consequência acordado o pagamento pelo Réu do montante de € 5.400.000,00, a disponibilizar à medida do avanço da construção, bem como o alargamento do prazo para exercício do direito de recompra por mais 32 meses, e o mais que consta do doc. de fls. 569 a 578 (AH).

35. Em 13 de junho de 2008, a Autora e 1.º Réu celebraram um segundo aditamento ao Contrato de Reserva de 7 de agosto de 2003, alterando uma vez mais a Cláusula Terceira daquele e que consistia num aumento do valor da construção dos edifícios de € 600.000, i.e. de € 5.400.000 para € 6.000.000, e o mais que consta do doc. de fls. 579 a 584 (AI).

36. Em consequência, na data da assinatura da mesma Adenda, o 1º Réu pagou à Autora, a acrescer ao valor entregue na escritura, o referido valor de € 600.000 (AJ).

37. Em 2 de maio de 2007, a Autora e o 1.º Réu, celebraram uma adenda ao contrato de reserva acordado em 16 de janeiro de 2004, a qual visava fundamentalmente encarregar a Autora da conceção e construção das 15 moradias que constituíam o lote 34 e alargar o prazo para exercício do direito de opção, nos termos do doc. de fls. 585 a 594 (AK).

38. Nos termos previstos na mesma Adenda o 1º Réu entregou à Autora a quantia de € 1.150.000, o que fez através de dois pagamentos de € 575.000 efetuados em 2 de maio de 2007 e em 23 de novembro de 2007 (AL).

39. O segundo desses pagamentos foi feito na sequência da emissão do alvará de obras de construção pela Câmara Municipal de Cascais, que ocorreu em 16 de novembro de 2007, no qual se previa o início da construção para 21 de novembro de 2007 e que era válido até 11 de novembro de 2009 (AM).

40. Em 22 de janeiro de 2007, por Escritura Pública de Compra e Venda a Autora exerceu o seu direito de opção de compra relativo à fração autónoma designada pela letra “O” do Lote 21, ainda por construir, pelo montante de € 388.426,20, conforme doc. de fls. 594 a 598 (AN).

41. Em 23 de junho de 2006, por Escritura Pública de Compra e Venda a Autora exerceu o seu direito de opção de compra relativo à fração autónoma designada pela letra “P” do Lote 22, ainda por construir, pelo montante de € 367.008,54, conforme doc. de fls. 599 a 608 (AO).

42. Em 20 de março de 2009, por Escritura Pública de Compra e Venda a Autora exerceu o seu direito de opção de compra relativo à fração autónoma designada pela letra “Q” do Lote 23, ainda por construir, pelo montante de € 399.383,00 (trezentos e noventa e nove mil, trezentos e oitenta e três euros), com a intenção de revender a mesma, conforme doc. de fls. 609 a 615 (AP).

43. Em 19 de abril de 2007 a Autora exerceu a opção de compra e transmitiu o seu direito a terceiro que adquiriu a fração designada pela letra “X-B” do Lote 29, pelo montante de € 486.010,00, conforme doc. de fls. 616 a 621 (AQ).

44. Em 11 de maio de 2007, por Escritura Pública de Compra e Venda, a Autora exerceu a opção de compra contratada e readquiriu o imóvel designado pela letra “X-F” do Lote 29, pelo montante de € 486.650,00 (quatrocentos e oitenta e seis mil seiscentos e cinquenta euros), conforme doc. de fls. 622 a 628 (AR).

45. Em 22 de maio de 2007, a Autora exerceu a opção de compra contratada e transmitiu o seu direito a terceiro que adquiriu a fração designada pela letra “X-D” do Lote 29, pelo montante de € 487.257,70 (quatrocentos e oitenta e sete mil, duzentos e cinquenta e sete euros e setenta cêntimos), conforme doc. de fls. 629 a 634 (AS).

46. Em 28 de junho de 2007, por Escritura Pública de Compra e Venda, a Autora exerceu a opção de compra contratada e readquiriu o imóvel designado pela letra “X-A” do Lote 29, pelo montante de € 488.679,00 (quatrocentos e oitenta e oito mil, seiscentos e setenta e nove euros), conforme doc. de fls. 635 a 641 (AT).

47. Em 06 de dezembro de 2007, por Escritura Pública de Compra e Venda, a Autora exerceu a opção de compra contratada e readquiriu o imóvel designado pela letra “X-L” do Lote 29, pelo montante de € 495.765,00 (quatrocentos e noventa e cinco mil, setecentos e sessenta e cinco euros), nos termos do doc. de fls. 642 a 646 (AU).

48. Em 29 de setembro de 2008, por Escritura Pública de Compra e Venda, a Autora exerceu a opção de compra contratada e readquiriu o imóvel designado pela letra “X-C” do Lote 29, pelo montante de € 511.612,65 (quinhentos e onze mil, seiscentos e doze euros e sessenta e cinco cêntimos), conforme doc. de fls. 647 a 653 (AV).

49. Em 28 de outubro de 2008, por Escritura Pública de Compra e Venda, a Autora exerceu a opção de compra contratada e readquiriu o imóvel designado pela letra “X-E” do Lote 29, pelo montante de € 513.352,00 (quinhentos e treze mil, trezentos e cinquenta e dois euros), nos termos do doc. de fls. 654 a 660 (AW).

50. Em 10 de março de 2009, a Autora exerceu a opção de compra contratada e transmitiu o seu direito a terceiro que adquiriu a fração designada pela letra “X-H” do Lote 29, pelo montante de € 516.542,00 (quinhentos e dezasseis mil, quinhentos e quarenta e dois euros), nos termos do doc. de fls. 661 a 671 (AX).

51. Em 26 de junho de 2009, por Escritura Pública de Compra e Venda, a Autora exerceu a opção de compra contratada e readquiriu o imóvel designado pela letra “X-G” do Lote 29, pelo montante de € 516.070,00 (quinhentos e dezasseis mil e setenta euros), nos termos do doc. de fls. 672 a 678 (AY).

52. Por Escritura Pública de Compra e Venda datada de 4 de dezembro de 2009, a Autora, exercendo o seu direito de opção, adquiriu ao 1.º Réu a fração autónoma designada pelas letras AB-J, do lote 33, correspondente a moradia tipo T-3, de dois pisos, com garagem e área coberta de 120m2, pelo montante de € 583.415, conforme doc. de fls. 679 a 685 (AZ).

53. Em 18 de agosto de 2010, a Autora exerceu a opção de compra contratada e transmitiu o seu direito a terceiro que adquiriu a fração designada pelas letras “AB-A” do Lote 33, correspondente a moradia tipo T-3, de dois pisos, com garagem e área coberta de 120m2, pelo montante de € 550.000,00 (quinhentos e cinquenta mil euros), nos termos do doc. de fls. 686 a 694 (BA).

54. A Autora vendeu, portanto, aos Réus, entre novembro de 2003 e fevereiro de 2007, doze lotes de terreno, compreendendo um total de 88 frações dos tipos T-1, T-2, T-3 e T-5 pelo valor global de € 23.000.000,00 (vinte e três milhões de euros) (BB).

55. Paralelamente, a Autora celebrou com os Réus Contratos de Reserva sobre as frações vendidas, adquirindo uma opção de compra sobre estas, pelo prazo de 5 anos (prorrogável), mediante o pagamento das seguintes remunerações: Entre agosto de 2003 e agosto de 2010, a Autora pagou um total de € 1.237.623,59 relativa às frações que compõem o Lote 33; Entre dezembro de 2003 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 109.048,72 relativa às frações que compõem o Lote 18; Entre dezembro de 2003 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 109.048,72 relativa às frações que compõem o Lote 20; Entre dezembro de 2003 e janeiro de 2007, a Autora pagou um total de € 58.979,93 relativa às frações que compõem o Lote 21;

Entre dezembro de 2003 e junho de 2006, a Autora pagou um total de € 46.056,44 relativa às frações que compõem o Lote 22; Entre dezembro de 2003 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 109.048,72 relativa às frações que compõem o Lote 23; Entre janeiro de 2004 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 693.181,36 relativa às frações que compõem o Lote 34; Entre agosto de 2004 e setembro de 2009, a Autora pagou um total de € 1.189.164,25 relativa às frações que compõem o Lote 29; Entre agosto de 2005 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 333.519,68 relativa às frações que compõem o Lote 36; Entre março de 2006 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 371.557,37 relativa às frações que compõem o Lote 35. Entre setembro de 2006 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 234.720,41 relativa às frações que compõem o Lote 30; Entre março de 2007 e fevereiro de 2009, a Autora pagou um total de € 94.665,56 relativa às frações que compõem o Lote 31 (BC).

56. Sucede que, a partir de 2008, com a profunda crise que começou por afectar os mercados financeiros e depois teve consequências graves noutros sectores da economia, em especial no imobiliário, se verificou uma contração do crédito bancário para as empresas e particulares e subsequentemente uma redução rápida e progressiva das vendas de imóveis e a degradação acentuada dos respectivos preços (BD).

57. A Autora cessou o pagamento das remunerações devidas nos termos dos denominados Contratos de reserva em março de 2009 (BE).

58. Por carta de 6 de janeiro de 2010, cuja cópia está de fls. 695 a 699, os RR. mostraram-se receptivos a uma renegociação (BF).

59. Através de carta datada de 28 fevereiro de 2011, os Réus comunicaram à Autora que não era possível “equacionar prorrogações de prazos de Contratos de Reserva (…) por se encontrarem caducados”, exigindo ainda, do mesmo passo, o pagamento dos montantes devidos a título de remunerações vencidas e não pagas, e o mais que consta de fls. 700 a 703 (BG).

60. Na venda dos lotes ou moradias a terceiros a Autora auferiu, e deveria auferir, uma margem considerável em relação ao montante do reembolso a efectuar aos Réus pela respetiva “revenda” (BH).

61. Foi a seguinte a relação entre os preços pelos quais as frações autónomas ali identificadas foram vendidas pelo Primeiro R. à A. e os preços pelos quais esta última as alienou a terceiros:

Compra pela A. à 1.ª R. Venda pela A. a terceiros

Lote Fração Data Valor Data Valor Diferença Lote 21 O 22-02-2007 388.426,20€ 07-03-2007 400.000,00 € 11.573,80 €

Lote 29 X-A 28-06-2007 488.679,00€ 28-06-2007 650.000,00 € 161.321,00€

Lote 29 X-C 29-09-2008 511.612,65€ 29-09-2008 710.000,00 € 198.387,35€

Lote 29 X-E 28-10-2008 513.352,00€ 28-10-2008 735.000,00 € 221.648,00€

Lote 33 AB-J 04-12-2009 583.415,00€ 04-12-2009 685.000,00 € 101.585,00€ 694.515,15 € (BI)

62. A A. não construiu as moradias a que se reporta a adenda de 2 de maio de 2007 (lote 34), nem restituiu a quantia de € 1.150.000,00 mencionada em AL) (BJ).

63. A A. efectuou o pagamento dos projectos de arquitetura e de especialidades, e das taxas urbanísticas e obteve o alvará de construção do lote 34 (BK).

64. Por notificação judicial avulsa realizada em 26 de maio de 2011, o Primeiro R. comunicou à A. a caducidade do contrato de reserva celebrado em 12 de novembro de 2003 relativamente aos lotes 18 (fração autónoma L) e 20 (fração autónoma N) (BL).

65. Por notificação judicial avulsa realizada em 26 de maio de 2011, o Primeiro R. comunicou à A. a caducidade do contrato de reserva celebrado em 18 de agosto de 2004 relativamente ao lote 29 (frações autónomas X-I, X-J, X-M, X-N) (BM).

66. Por notificação judicial avulsa realizada em 26 de maio de 2011, o Primeiro R. comunicou à A. a caducidade do contrato de reserva celebrado em 7 de agosto de 2003 relativamente ao lote 33 (frações autónomas AB-B, AB-C, AB-D, AB-E, AB-F, AB-G, AB-H, AB-I, AB-L, AB-M, AB-N, AB-O) (BN).

67. Por notificação judicial avulsa realizada em 26 de maio de 2011, o Primeiro R. comunicou à A. a caducidade do contrato de reserva celebrado em 27 de março de 2006 relativamente ao lote 35 (frações autónomas AD-A, AD-B, AD-C, AD-D, AD-E, AD-F, AD-G, AD-H, AD-I, AD-J, AD-L, AD-M, AD-N) (BO).

68. Por notificação judicial avulsa realizada em 26 de maio de 2011, o Primeiro R. comunicou à A. a caducidade do contrato de reserva celebrado em 24 de agosto de 2005 relativamente ao lote 36 (frações autónomas AE-A, AE-B, AE-C, AE-D, AE-E, AE-F, AE-G, AE-H, AE-I, AE-J, AE-L) (BP).

69. Por notificação judicial avulsa realizada em 5 de julho de 2011, o Primeiro R. declarou resolvido o contrato de reserva celebrado em 14 de novembro de 2006 relativamente ao lote 30 (frações autónomas YA, YB, YC, YD, YE, YF, YG, YH, YI) caso não fosse feito o pagamento das quantias devidas pela A. ao Primeiro R. no prazo de 15 dias, produzindo a resolução efeitos nos 10 dias seguintes ao termo desse prazo (BQ).

70. Por notificação judicial avulsa realizada em 5 de julho de 2011, o Primeiro R. declarou resolvido o contrato de reserva celebrado em 22 de fevereiro de 2007 relativamente ao lote 31 (frações autónomas ZA, ZB, ZC, ZD, ZE, ZF, ZG, ZH) caso não fosse feito o pagamento das quantias devidas pela A. ao Primeiro R. no prazo de 15 dias, produzindo a resolução efeitos nos 10 dias seguintes ao termo desse prazo (BR).

71. Por notificação judicial avulsa realizada em 5 de julho de 2011, o Primeiro R. declarou resolvido o contrato de reserva celebrado em 16 de janeiro de 2004 relativamente ao lote 34 (frações autónomas AC-A, AC-B, AC-C, AC-D, AC-E, AC-F, AC-G, AC-H, AC-I, AC-J, AC-L, AC-M, AC-N, AC-O, AC-P) caso não fosse feito o pagamento das quantias devidas pela A. ao Primeiro R. no prazo de 15 dias, produzindo a resolução efeitos nos 10 dias seguintes ao termo desse prazo (BS).

72. Os pagamentos exigidos não foram realizados (BT).

73. A A. tem impedido o acesso dos RR. às referidas fracções, nomeadamente às moradias construídas nas frações autónomas que integram os lotes 29 e 33, relativamente às quais a A. se tem recusado a entregar as chaves de acesso a essas moradias (BU).

74. A retenção das fracções relativas aos lotes 29 e 33 pela A. impede os RR. de promover contactos e visitas com eventuais interessados na futura transmissão ou arrendamento das mesmas, uma vez que não lhe são acessíveis (BV).

75. A A. já assegurou e efectivou a reaquisição de 14 das fracções alienadas aos Réus, incluindo 11 fracções correspondentes a moradias já construídas (incluindo três mediante cessão da sua opção de compra a terceiros), tendo pago ao 1.º Réu o montante total de € 6.790.381,09 (seis milhões setecentos e noventa mil trezentos e oitenta e um euros e nove cêntimos) (BW).

76. O contrato de empréstimo com o Crédito Predial Português foi negociado e acordados os respetivos termos com base num estudo de viabilidade económica do Empreendimento elaborado pelo então designado “Banco Alves Ribeiro” (1.º).

77. Esse estudo de viabilidade económica do Empreendimento mereceu a aprovação dos responsáveis do Banco (2.º).

78. O Banco sabia que a Autora se propunha liquidar as responsabilidades decorrentes do contrato de empréstimo, dentro do prazo contratado, com a comercialização dos lotes ou das unidades de alojamento, pois era isso que constava do estudo de viabilidade (4.º e 5.º).

79. As obras de construção das infraestruturas do Empreendimento foram realizadas e ficaram concluídas em meados de 2001 – trata-se do que é designado no estudo de viabilidade por infraestruturas públicas essenciais (fls. 443 e 335) (6.º).

80. Em outubro de 2001, a A. solicitou ao CPP financiamento para a construção dos lotes 27 e 28, que veio a ser financiada por um banco terceiro, e que, em outubro de 2002, a A. solicitou ao CPP a concessão de empréstimo para a construção do lote 29, que o CPP veio a negar por carta de 26/11/2002 (7.º e 8.º).

81. O banco sugeriu formas alternativas de a A. conseguir dar continuidade ao projeto (9.º).

82. No início de 2003, a A. entra em negociações com os RR., através da sua legal representante, então designada Santander Imovest – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S. A., com vista a encontrar uma solução que lhe permitisse dar continuidade ao projeto (10.º).

83. Entre as ideias sugeridas pelo banco, encontrava-se um possível acordo com fundos de investimento imobiliário geridos pela sociedade gestora detida pelo Banco (11.º).

84. O contrato a celebrar com o fundo estava limitado pelo regime jurídico dos fundos imobiliários, devendo passar pela aquisição de direitos sobre bens imóveis (12.º).

85. Dentro do conversado entre as partes, o preço pago pelos fundos para aquisição dos lotes seria utilizado pela Autora para, em primeiro lugar, liquidar as responsabilidades decorrentes do empréstimo, e, em segundo lugar, pagar a construção das frações imobiliárias de utilização comum (ténis, piscina, parque infantil, portaria, entre outras) e de exploração turística (restaurante, clube, entre outras) e das unidades de alojamento previstas para cada lote de terreno, de acordo com o faseamento previsto (13.º).

86. Os preços das vendas aos RR. foram utilizados na liquidação das responsabilidades do empréstimo de maio de 1999 do Banco e cancelamento das hipotecas incidentes sobre cada lote ou fração alienada em favor dos fundos aqui Réus (14.º).

87. Os montantes sobrantes foram afetados à construção das frações imobiliárias de utilização comum (ténis, piscina, parque infantil, portaria, entre outras) e de exploração turística (restaurante, clube, entre outras), cuja conclusão as partes tinham por fundamental para valorização do Empreendimento como um todo e para valorização de cada fração autónoma por si própria (15.º).

88. Para pagar a construção das unidades de alojamento, a A. usou os montantes pagos pelos RR. no âmbito das adendas referidas nas alíneas AH, AI e AK (16.º).

89. Os edifícios (moradias) assim construídos permaneceriam, num momento inicial, na titularidade do fundo ou fundos de investimento imobiliário (17.º).

90. A Autora, através de contratos denominados de “reserva”, celebrados com o fundo adquirente dos lotes, simultaneamente com a respectiva compra e venda, ficava com uma opção de compra dos lotes vendidos ao fundo durante um prazo que, a manterem-se as condições de mercado, lhe pareceu suficiente para realizar as construções previstas e proceder à venda dos imóveis construídos aos clientes finais (18.º).

91. Durante o prazo de vigência do contrato “de reserva”, de 5 anos prorrogáveis, e até efectivação da sua opção de compra, a Autora pagaria ao fundo uma remuneração mensal que consistia na aplicação de uma taxa anual correspondente à Euribor a 12 meses acrescida de um Spread de 3% ao mês calculada sobre o montante do preço pago pelo fundo, acrescido dos custos com as escrituras de compra e venda e respetivos registos (19.º).

92. Nos termos dos contratos “de reserva”, a Autora conservaria, como conservou, a posse e disponibilidade dos imóveis alienados aos Réus, cabendo-lhe não só a sua conservação e manutenção, como inclusive o direito de promover a respetiva venda a terceiros (20.º e 26.º).

93. Quando assim o entendesse, a Autora poderia readquirir os imóveis ao fundo pelo valor acima referido (preço pago acrescido dos custos da escritura e registo) atualizado anualmente de acordo com o Índice de Preços do Consumidor, sem habitação, do Instituto Nacional de Estatística, acrescido de 1% e das remunerações entretanto vencidas ou até ceder a terceiros o direito de aquisição dos imóveis desde que assegurasse o pagamento do montante assim calculado (21.º).

94. Tendo em consideração que o Banco era titular de hipotecas sobre a quase totalidade do património da A., que os encargos decorrentes do empréstimo de maio de 1999 se tinha acumulado, que o processo subjacente ao projeto do empreendimento era complexo, que o registo da propriedade horizontal incidente sobre o imóvel da Autora tinha natureza provisória, seria muito difícil à A. obter financiamento junto de outros bancos (22.º).

95. Nos termos dos contratos de reserva celebrados, todas as despesas relativas às frações autónomas, nomeadamente as despesas relativas a condomínio ou outros tipos de custos (exceto contribuição autárquica), seriam suportadas pela A. (24.º).

96. Estando também previsto que, caso as partes viessem a acordar na construção, toda a parte que viesse a ser suportada pelo Fundo integraria o valor do investimento mencionado na cl. 2.ª, para efeitos do apuramento do preço de venda numa futura aquisição pela A., bem como para os efeitos previstos na cl. 3.ª (25.º).

97. Em 28/07/2006, as partes fizeram o aditamento (junto aos autos a fls. 569-78) ao contrato de reserva de 07/08/2003, no qual, considerando que o Lusimovest reservou para a A. o direito de opção de compra da totalidade das frações do lote 33, que ambas as partes pretendem se proceda à construção de 14 moradias nas frações transmitidas, que o Lusimovest pretende encarregar a A. da conceção e construção das moradias, acordaram encarregar a A. dessa construção, comprometendo-se a A. a entregar ao Lusimovest as edificações resultantes da construção, pelo preço global de € 5.400.000,00 a ser pago de forma faseada (28.º).

98. A construção das 13 moradias correspondentes às designadas pelas letras “X-A”, “X-B”, “X-C”, “X-D”, “X-E”, “X-F”, “X-G”, “X-H”, “X-I”, “X-J”, “X-L”, “X-M” e “X-N”, todas integrantes do Lote 29, incluindo os respetivos projetos e licenciamentos de obras e utilização, foi efetuada pela Autora, tendo, pelo menos 5 das moradias ficado concluídas em 2007 (29.º).

99. A construção das 14 moradias correspondentes às frações designadas pelas letras AB-A, AB-B, AB-C, AB-D, AB-E, AB-F, AB-G, AB-H, AB-I, AB-J, AB-L, AB-M, AB-N e AB-O, que constituem o Lote 33, Fração AB, incluindo os respectivos projetos e licenciamentos de obras e utilização, foi efectuada pela Autora (30.º).

100. Em 02/05/2007, as partes fizeram o aditamento (junto aos autos a fls. 585-94) ao contrato de reserva de 16/01/2004, no qual, considerando que o Lusimovest reservou para a A. o direito de opção de compra da totalidade das frações do lote 34, que ambas as partes pretendem se proceda à construção de 15 moradias nas frações transmitidas, que o Lusimovest pretende responsabilizar a A. pela conceção e edificação das moradias, a A. comprometeu-se a entregar ao Lusimovest as edificações resultantes da construção, e responsabilizou-se pelo processo de construção, pelo preço global de € 5.750.000,00 a ser pago de forma faseada (31.º).

101. A Autora efectuou e custeou a construção, incluindo projetos e licenciamentos, das 8 frações imobiliárias de utilização comum (que incluem infraestruturas gerais, portaria e serviços, espaços verdes, receção e escritório, estacionamento, ténis e piscina) e das 3 frações imobiliárias de exploração turística (32.º).

102. A A. assegurou os serviços de manutenção e conservação das partes comuns, sem nada cobrar aos RR., até à data (34.º).

103. Quando celebraram os contratos de compra e venda dos lotes e os simultâneos contratos de “reserva”, as partes pensavam que as moradias seriam vendidas dentro dos prazos destes últimos e por preço superior ao que tinha sido pago pelos RR. (35.º).

104. A Autora tem contactado os Réus no sentido de, alegando a modificação das circunstâncias decorrente da crise económica, acordar soluções que permitam a manutenção do previsto e acordado entre as partes, designadamente a continuação da construção das unidades de alojamento e a manutenção dos direitos de opção (40.º e 41.º).

105. Até recentemente (reportado à data da propositura da acção) os RR. não recusaram a negociação, manifestando-se disponíveis para encontrar soluções (42.º e 43.º).

106. As partes acordaram oralmente em não dar início à construção das moradias previstas para o lote 34, enquanto tivessem parte considerável das outras ainda por vender (44.º e 71.º).

107. Durante o ano 2010, realizaram-se várias reuniões entre as partes com o intuito, pelo menos por parte da A., de renegociarem os acordos celebrados (45.º).

108. A A. apresentou várias propostas (46.º).

109. A carta datada de 28/02/2011 apenas foi recebida pela A. em 18/03/2011 (47.º).

110. Moradias do lote 33 foram avaliadas em 2010 pelo Deutsche Bank e pelo Santander Totta por € 800.000,00 (T-4+1), € 823.050,00 (T-4) e € 791.106,00 (T-3+1); o conjunto das 13 moradias do mesmo lote 33 foram avaliadas no mesmo ano 2010, a pedido da Santander Asset Management, por € 7.650.000,00; em 2013, a Colliers avaliou o mesmo conjunto de moradias do lote 33 em € 5.742.000,00; em 2009, uma moradia do lote 29 (T-3) foi avaliada, a pedido da Santander Asset Management, em € 512.000,00; e em 2013, a Colliers avaliou 4 das moradias do lote 29 (que no total são 13 T-3) por € 1.968.000,00 (50.º, 53.º e 55.º).

111. Em abril de 2009, uma moradia T-2, no lote 27, já construída, foi avaliada pela ImoCaixa por € 750.000,00 (51.º).

112. Os 220 m2 de terreno em que está implantada a moradia foram avaliados em € 245.000,00 (52.º).

113. Em 2010, os 240 m2 de terreno em que está implantada uma moradia T-4 do lote 33, foi avaliado pelo Deutsche Bank em € 264.000,00 (54.º).

114. Os lotes ainda não construídos – 18, 20, 30, 31, 34, 35 e 36 – foram avaliados em 2013, pela Colliers, para a Santander Asset Management, pelo valor global de € 8.540.206,00 (56.º).

115. Todas as aquisições efetuadas pelos RR. à A. foram precedidas de avaliações dos prédios efetuadas por um avaliador interno e de avaliações efetuadas por dois peritos independentes, que comprovaram a razoabilidade dos preços estabelecidos (59.º).

116. Os valores de compra e venda pedidos pela A. foram logo aceites pelos RR. e foram calculados pela A. tendo em consideração os fundos necessários para prosseguir e desenvolver o seu projeto imobiliário (60.º).

117. Como os RR. bem sabem o valor por eles entregue à A. foi o necessário para distratar as hipotecas que incidiam sobre os imóveis hipotecados ao Banco e para financiar a construção das frações imobiliárias de utilização comum e de exploração turística previstas no projeto do empreendimento e das unidades de alojamento previstas para cada “lote” de terreno, de acordo com o faseamento previsto (61.º).

118. A própria A. tinha interesse em que os preços atribuídos aos imóveis fossem tão baixos quanto possível por forma a minorar os encargos que teria de suportar (63.º).

119. Os RR. estavam disso conscientes (64.º).

120. Tal como nos contratos celebrados entre a A. e os RR. que têm por objeto a construção das moradias dos Lotes 29, 33 e 34, na qual a A. não auferia qualquer lucro ou margem na construção (65.º).

1            21. Os valores dos distrates foram os seguintes:

Data Lote Montante Valor do Distrate Diferença 07/08/2003

 33 € 1.600.000,00 € 883.848,00 € 716.152,00 12/11/2003 18, 20, 21, 22 e 23 € 1.650.000,00 € 1.023.884,00 € 626.116,00 16/01/2004

34 € 1.750.000,00 € 921.645,00 € 828.355,00 18/08/2004

29 * € 2.000.000,00 € 950.365,00 € 1.049.635,00 24/08/2005

36 € 1.349.900,00 € 211.071,00 € 1.138.829,00 27/03/2006

35 € 1.750.000,00 € 688.870,00 € 1.061.130,00

14/09/2006

30 € 1.250.000,00 € 505.000,00 € 745.000,00

22/02/2007

31 € 650.000,00 € 347.808,00 € 302.192,00 * Montante entregue na data da escritura pública de compra e venda de bem imóvel futuro - cf. Documento n.º 13 junto com a Petição Inicial e al. Z) da Matéria Assente. (67.º e 68.º)

122. Por carta datada de 29/09/2008, Autora comunicou ao 1.º Réu que perante a situação de crise era necessário prorrogar o prazo para construção do lote 34 (72.º).

123. Ao que o 1.º Réu, através do seu legal representante, anuiu por carta de 16/12/2008 (73.º).

124. A A. requereu a renovação do alvará de construção, tendo sido emitida novo alvará de obras de construção (75.º).

125. Depois, porque não era possível pedir nova renovação pura e simples do alvará de obras de construção, submeteu um projeto de alteração por forma a prorrogar a validade do alvará emitido (76.º).

A sentença a final decretou:

  Pelo exposto, julgo a ação totalmente não provada e improcedente, absolvendo os RR. dos pedidos; e julgo a reconvenção procedente por provada e, em consequência:

a) Condeno a A. a pagar ao Primeiro R. a quantia de € 2.457.326,63 (correspondente à soma das quantias relativas às prestações mensais devidas pela A. como contrapartida dos direitos de compra, e não pagas, e da quantia paga pelo Primeiro R. ao abrigo da adenda ao contrato de reserva relativo ao lote 34, que a A. não restituiu), acrescida de juros, à taxa legal, desde as datas do vencimento das obrigações, acima assinaladas, até integral embolso, que na data da contestação importavam em € 179.957,44.

b) Condeno a A. a pagar ao Segundo R. a quantia de € 221.313,25 (correspondente à soma das quantias relativas às prestações mensais devidas pela A. como contrapartida dos direitos de compra e não pagas), acrescida de juros, à taxa legal, desde as datas do vencimento das obrigações, acima assinaladas, até integral embolso, que na data da contestação importavam em € 26.332,98;

c) Declaro extintos por caducidade os contratos de reserva e os direitos de compra neles previstos relativos aos lotes 18 (fração autónoma L), 20 (fração autónoma N), 33 (frações autónomas ABB, AB-C, AB-D, AB-F, AB-G, AB-H, AB-I, AB-L, AB-M, AB-N, ABO), 35 (frações autónomas AD-A, AD-B, AD-C, AD-D, AD-E, AD-F, ADG, AD-H, AD-I, AD-J, AD-L, AD-M, AD-N) e 36 (frações autónomas AEA, AE-B, AE-C, AE-D, AE-E, AE-F, AE-G, AE-H, AE-I, AE-J, AE-L), e por resolução os contratos de reserva e os direitos de compra neles previstos relativos aos lotes 30 (frações autónomas YA, YB, YC, YD, YE, YF, YG, YH, YI), 31 (frações autónomas ZA, ZB, ZC, ZD, ZE, ZF, ZG, ZH) e 34 (frações autónomas AC-A, AC-B, AC-C, AC-D, AC-E, AC-F, AC-G, AC-H, AC-I, AC-J, AC-L, AC-M, AC-N, AC-O, AC-P), condenando a A. a reconhecer a extinção desses contratos e a reconhecer os RR. como proprietários das frações autónomas relativas a esses lotes;

d) Declaro extinto por caducidade o direito de compra previsto na cláusula 10.ª, n.º 3, do documento complementar à escritura pública de compra e venda do lote 29 e a obrigação de não vender ou prometer vender prevista no n.º 4 dessa mesma cláusula, condenando a A. a reconhecer a extinção desses direito e obrigação e a reconhecer os RR. como proprietários das frações autónomas X-I, X-J, X-M, X-N, relativas a esse lote;

e) Condeno a A. a abster-se da prática de qualquer ato material de uso ou gozo das frações autónomas acima identificadas relativas aos lotes 18, 20, 29, 30, 31, 33, 34, 35 e 36, incluindo a respetiva promoção para venda a terceiros, visitas ou acessos, cessando toda e qualquer utilização seja de que forma for das mesmas, e a entregar ao Primeiro R. as chaves de acesso às moradias existentes nas frações autónomas relativas aos lotes 29 e 33 de que este R. é proprietário;

f) Condeno a A. a pagar ao Primeiro R., a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 500,00, por cada dia de atraso na devolução das chaves de acesso às identificadas frações relativas aos lotes 29 e 33.

Desta sentença apelou a  Autora  que lavrou as conclusões ao  adiante:

A correcta apreciação da prova produzida de acordo com as regras da experiência comum, e bem assim, a necessária coerência da decisão da matéria de facto no seu conjunto impõem:

1ª Que a resposta ao quesito 11º da base instrutória seja alterada para provado que “Como alternativa ao financiamento à construção solicitado, o Banco sugeriu um possível acordo com fundos de investimento imobiliário geridos pela sociedade gestora detida pelo Banco.”

2ª Que a resposta ao quesito 60º da base instrutória seja alterada para provado que “Os valores entregues pelos RR. à Autora foram solicitados pela Autora e fixados pela Autora e pelos RR. numa lógica de puro financiamento, ou seja de determinação dos fundos necessários para prosseguir e desenvolver o projecto imobiliário da Autora ”.

3ª Que a resposta ao quesito 62º da base instrutória seja alterada para provado que “117-A. Nunca as partes negociaram qualquer preço para venda dos imóveis aos RR., venda essa que não estava no horizonte das partes”.

4ª Que a resposta ao quesito 66º da base instrutória seja alterada para provado que “120-A. Como os RR. muito bem sabiam e sabem”.

5ª Que a resposta ao quesito 18º da base instrutória seja alterada para provado que “A Autora, através de contratos denominados de “reserva”, celebrados com o fundo adquirente dos lotes, simultaneamente com a respectiva compra e venda, ficava com uma opção de compra dos lotes vendidos ao fundo durante um prazo que, a manterem-se as condições de mercado, pareceu às partes suficiente para realizar as construções previstas e proceder à venda dos imóveis construídos aos clientes finais”.

6ª Que a resposta ao quesito 36º da base instrutória seja alterada para provado que “103-A. O referido em 103 constituiu um pressuposto em que ambas as partes assentaram a sua decisão de contratar nos termos expostos e veio, em virtude da crise, global e nacional, que assolou os mercados financeiro e imobiliário, a revelar-se erróneo”.

7ª Que a resposta ao quesito 39º da base instrutória seja alterada para provado que “103-B. Por causa da crise financeira e económica, a Autora ficou impossibilitada de cumprir pontualmente as obrigações assumidas nos contratos celebrados com os Réus

8ª Do conjunto dos factos provados tal como corrigidos nos termos supra indicados quando aplicável – em especial dos Factos 116, 117, 118, 119, 120, 120-A, 60, 81, 82, 83, 84, 89,90, 91 e 92 – resulta claríssimo que cada par de contratos de compra e venda / reserva, tinha por escopo o financiamento da construção das moradias a construir pela Autora para dar continuidade ao seu projecto imobiliário.

9ª Dos mesmos factos resulta claro que os contratos em causa foram concebidos formalmente como compras e vendas associadas a contratos de opção denominados de reserva, mas correspondem, substancialmente, a financiamentos concedidos pelos Réus à Autora, garantidos pela transferência antecipada da propriedade dos bens imóveis em causa.

10ª Tais negócios violam a proibição de concessão de financiamentos por parte dos fundos de Investimento Imobiliário consagrada no artigo 27.º, n.º 1, alínea b), Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho e foram concebidos com manifesta intenção de contornar o disposto na referida disposição legal imperativa.

11ª Tais negócios são portanto nulos por fraude à lei nos termos do Artº 294º do Código Civil.

12ª Resulta inelutavelmente dos factos provados, em especial do confronto entre os montantes envolvidos em cada uma das vendas dos imóveis e os valores de mercado desses mesmos imóveis (Factos 60, 61, 103, 110, 111, 112, 113, 114, 117, 117-A, 118 e 119, 120 e 120-A), das efectivas recompras efectuadas pela Autora (Factos 40 a 53) e ainda dos Factos 89, 92 e 95 que nenhuma das partes teve vontade de contratar compras e vendas definitiva e que as alienações dos imóveis efectuadas em favor dos Réus visavam garantir o ressarcimento  dos montantes por estes entregues.

13ª Tais negócios violam a proibição do chamado pacto comissório contida no artigo 694.º do Código Civil.

14ª Dada a evidente desnecessidade de tutelar direitos de terceiros de boa-fé (por total inexistência dos mesmos no caso vertente), impõe-se no caso dos presentes autos a extensão teleológica da proibição contida no artigo 694.º do Código Civil nos termos previstos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-03-2011, proferido no processo n.º 279/2002.E1.S1 disponível em www.dgsi.pt e, em consequência, devem os contratos celebrados ser declarados nulos.

15ª Resulta dos Factos 10, 11, 12, 80, 85, 86, 94 e 116 a 120-A, que a Autora celebrou os contratos sub-judice em situação de necessidade de que os réus tinham perfeito conhecimento.

 16ª Resulta dos Factos 54, 75, 55, que os Réus são neste momento titulares de 74 fracções (88-14 objecto de recompra), das quais 18 completamente construídas, que adquiriram pelo valor líquido de € 11.623.004,16.

17ª Resulta dos Factos 110, 111, 112 e 113 que o valor dos referidos bens é muito superior ao pago pelos Réus.

18ª Resulta ainda dos Factos 85, 86, 87, 92, 95, 101 e 102 que foi a Autora que tratou e custeou a manutenção dos referidos bens e ainda procedeu a expensas suas à construção das infra-estruturas de utilização comum e de exploração turística que valorizam o conjunto do empreendimento.

19ª Está portanto sobejamente comprovado a grave desproporção entre as prestações dos contraentes ou, por outras palavras, a existência de um benefício manifestamente excessivo ou injustificado para os Réus.

20ª Estão portanto reunidos os requisitos que impõem que os negócios em causa sejam considerados usurários e como tal anulados nos termos do Artº 282.º do Código Civil.

21ª As partes contrataram na convicção de que seria bastante provável que as moradias fossem vendidas dentro dos prazos dos contratos de reserva e por preço superior ao pago pelos RR. (Facto 103) e foi este o risco razoavelmente assumido por ambas.

22ª O eclodir da crise tornou praticamente impossível o que ambas as partes tinham por razoavelmente provável no momento em que contrataram (Facto 56).

23ª A expectativa que as partes tinham de que seria possível vender as casas com relativa facilidade e por preços superiores, veio, em virtude da crise, global e nacional, que assolou os mercados financeiro e imobiliário, a revelar-se errónea, tendo a Autora, por causa da crise financeira e económica, ficado impossibilitada de cumprir pontualmente as obrigações assumidas nos contratos celebrados com os Réus (Factos 103-A e 103-B).

24ª A questão que é colocada pelo instituto da alteração das circunstâncias no caso concreto é a de saber se as partes contratariam como contrataram se soubessem que as vendas das moradias aos clientes finais nos prazos previstos e por preços superiores aos pagos pelos Réus seria praticamente impossível: é por demais evidente que não o fariam, nem uma nem outra.

25ª Os Factos 15 a 18 e 20 a 33; 103, 22 a 25 e 98; 34 a 36 e 99; 37, 38, 106, 122 e 123; 56; 103-A e 103-B, 104, 105, 107 e 109; e 57 (este último demonstrativo de que a Autora não estava em mora quando ocorreu a alteração das circunstâncias) demonstram à saciedade que estão reunidos todos os requisitos para que os negócios ajuizados sejam declarados resolvidos ou, no limite, modificados segundo juízos de equidade, nos termos do artigo 437.º, nº 1, do Código Civil.

26ª Ao decidir que a Autora não poderia pedir a resolução dos contratos por supostamente não estar em condições de restituir o que recebeu a sentença incorre em manifesta nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do Artº 668º nº 1 al. d) do CPC (Artº 615º nº 1 al. D no “Novo” CPC).

27ª Improcedem manifestamente os pedidos reconvencionais pelas razões expostas nas conclusões que precedem.

28ª Improcede, em particular e em qualquer caso, o pedido de “devolução” da quantia de  €1.150.000,00 acrescida de juros uma vez que o que está demonstrado – Factos 37 a 39, 100, 106, 122 a 125 – é que a Autora cumpriu as obrigações a que estava adstrita no âmbito do aditamento celebrado em 2 de Maio de 2007.

29ª A decisão recorrida violou todas as disposições legais acima referidas nas presentes conclusões.

  As  RR contra alegaram a sustentar o acerto da sentença proferida.

  Objecto do recurso:

  O recurso coloca como questões a resolver saber se:

  Houve erro no  julgamento de facto na parte respeitante à matéria constante dos pontos 11º, 18º 36, 39º, 60º,  62 e 66 da base instrutória

Saber se a sentença é nula por excesso de pronuncia quando decidiu que a autora não poderia pedir a resolução dos contratos por supostamente não estar em condições de restituir o que recebeu artº 615 d) do cpc

  Saber se os contratos ajuizados são nulos por fraude à lei e por usura

  Saber se em qualquer caso  tais contratos devem ser resolvidos por alteração superveniente e anormal das circunstancias em que as partes fundaram a decisão de contratar ou ao menos se devem ser reduzidos equitativamente.

  Saber se os pedidos reconvencionais devem ser improcedentes-

  Fundamentação de facto:

  Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.

  Fundamentação de direito:

  Do invocado  erro de julgamento:

Matéria de facto relacionada com a alegada nulidade dos contratos:

Artigo 11.º da BI com o seguinte teor:  “A alternativa proposta pelo Banco consistia no financiamento da construção através de fundos de investimento imobiliário geridos pela sociedade gestora gerida pelo Banco?”.

O Tribunal a quo deu como provado que “Entre as ideias sugeridas pelo banco, encontrava-se um possível acordo com os fundos de investimento imobiliário geridos pela sociedade gestora detida pelo banco”.

A Recorrente pretende que a referida resposta seja alterada nos seguintes termos: “Como alternativa ao financiamento à construção solicitado, o Banco sugeriu um possível acordo com fundos de investimento imobiliário geridos pela sociedade gestora detida pelo Banco”.

Nesta sede a testemunha Pedro Gaivão declarou que «Não ia financiar, ia pagar. O Fundo pagava aquelas casas, pagava a construção. O lote era nosso, e as casas eram nossas e nós pagámos». «Não, mas não foi financiada a Marinha Guincho, nada, quer dizer, foi paga… A Marinha Guincho tinha obrigação de nos entregar uma…Não, isso nunca, quer dizer as conversas comigo, nunca isso foi encarado como um financiamento…

Testemunha António Ramalho (à data dos factos, Administrador do Banco) : «Conceber alguma proposta, não. Portanto, para… para ir directamente à sua pergunta, não. Agora, nas conversas com a Marinha Guincho seguramente foram dadas muitas soluções, que eram tradicionais do Crédito Predial Português nessa altura. Seguramente foi… foi dada uma solução, que era uma solução que nós pressionávamos muito para dar, que era em caso de incumprimento fazer promessa de dação em cumprimento a dois anos. Que era uma coisa que nós fazíamos normalmente, a todos os… e com execução específica… a todos os… os clientes. Que era para não fazer a execução da hipoteca, dávamos um período aos… aos clientes, para eles tentarem vender. Porque normalmente esta disfunção entre o valor que as pessoas acham que podem vender, e aquilo que o mercado dá, as pessoas percebiam que era mais útil para elas vender do que obviamente caírem na hipoteca. E com certeza que foram propostas várias coisas. Do género, venda X lotes, reduz o crédito, reforce com outras garantias que tenha. Seguramente foram dadas inúmeras soluções tentativas, porque essa… nas relações com os… com os clientes, sobretudo com clientes desta dimensão porque isso já é um cliente grande para efeitos de Crédito Predial Português, seguramente que o banco faz um aconselhamento do cliente, quando percebe que o cliente está com… exactamente por aquilo que eu lhe disse no início. Estes créditos só são pagos com vendas. E o banco sabe isso tudo de origem. Se não se venderem os lotes».

Na verdade tais depoimentos são por si suficientes atenta a qualidade das  próprias testemunhas intervenientes nos negócios para afastar a convicção que a autora pretende ter resultado do julgamento.

Por um lado.

Por outro lado, visando esta acção precisamente a nulidade dos contratos por terem um fim proibido por lei o qual será na versão da autora o de “financiar” afigura-se-nos que tal factualidade, por  essa mesma razão,  assume natureza de conceito jurídico essencial por constitutivo da qualificação jurídica do contrato e desse modo não poderá ser objecto de prova mas sim de subsunção jurídica a partir de factos objectos e simples que o demonstrem, ou não.

Improcede pois nesta parte a apelação.

 Artigo 60.º da BI com o seguinte teor: “Os valores entregues pelos RR. à A. foram solicitados pela A. e fixados pela A., pelo Banco e pelos RR. numa lógica de puro financiamento, ou seja, de determinação dos fundos necessários para prosseguir e desenvolver o projecto imobiliário da A.?”.

O Tribunal a quo considerou provado apenas que “Os valores de compra e venda pedidos pela A. foram logo aceites pelos RR. e foram calculados pela A. tendo em consideração os fundos necessários para prosseguir e desenvolver o seu projecto imobiliário”.

A Recorrente requer que a referida resposta passe a ter o seguinte conteúdo: “Os valores entregues pelos RR. à A. foram solicitados pela A. e fixados pela A. e pelos RR. numa lógica de puro financiamento, ou seja de determinação dos fundos necessários para prosseguir e desenvolver o projecto imobiliário da A.”.

A alteração requerida a esta resposta da BI surge prejudicada pela  decisão já tomada quanto à natureza do facto «financiamento», pelo que deve manter-se expurgada deste, enquanto assumido conceito  jurídico, a resposta do tribunal  à matéria de facto.

Sem prejuízo, o certo é que a testemunha  Pedro Gaivão declarou que «não podemos comprar nem vender nenhum património imobiliário sem a existência do parecer de dois peritos independentes registados na Comissão de Mercado de Valores Mobiliários e portanto embora esse parecer seja… seja um parecer chamemos consultivo, não propriamente deliberatório, mas tem influência na cotação da unidade de participação e por consequência salvo alguma coisa muito excepcional que não aconteceu nestes casos, portanto não vem muito ao caso de falar nisso, não gostaríamos muito e nunca o fizemos de ir fora do enquadramento do valor dado por esses peritos, e a Marinha Guincho também concordou com esses valores (…)os peritos não são nossos, são da CMVM ou registados na CMVM»  o que em si afasta a pretendida convicção da apelante.

Improcede, por isso, também aqui apelação.

O artigo 62.º da BI tem a seguinte formulação: “Nunca as partes negociaram qualquer preço para venda dos imóveis aos RR., venda essa que não estava no horizonte das partes?”.

O Tribunal remeteu para a resposta dada ao artigo 60.º da BI, de acordo com a qual, como vimos em cima: “Os valores de compra e venda pedidos pela A. foram logo aceites pelos RR. e foram calculados pela A. tendo em consideração os fundos necessários para prosseguir e desenvolver o seu projecto imobiliário”.

A Recorrente entende que este artigo deveria ser dado como provado, nos seus exactos termos.

Vejamos.

Esta questão prende-se com a alegada simulação do negócio, por um lado e por outro lado é matéria contrária ao que consta expressamente do teor das escrituras de compra e venda.

Nessa medida, a prova testemunhal produzida é inapta a apoiar convicção do tribunal uma vez que não é legalmente admissível face ao disposto nos art 393º do CC.

O que vale por dizer que o contrário do que aqui se pergunta resulta afirmado nas declarações constantes do próprio teor das escrituras de compra e venda juntas aos  autos cuja contraprova tem os limites substantivos afirmados.

O artigo 66.º da BI tem a seguinte formulação: “120-A. Como os RR. muito bem sabiam e sabem”.

O Tribunal a quo deu como provado «o artigo 65.º da BI de acordo com o qual nos contratos celebrados entre a Recorrente e os Recorridos que têm por objecto a construção das moradias dos lotes 29, 33 e 34, a Recorrente não auferia qualquer lucro ou margem na construção.

Ao contrário, o Tribunal considerou não provado que questão posta no artigo 66.º da BI.

A Recorrente entende que deveria ser dado como provado que os Recorridos tivessem conhecimento dessa inexistência de lucro ou margem na construção.

A testemunha Henrique Araújo depôs a esta matéria o seguinte:  «  Vamos lá ver, um empreiteiro, um empreiteiro teria, teria ganho ali uma margem, a Marinha Guincho não sei, porque não é o empreiteiro, se geriu bem, se geriu mal, se recorreu aos  subempreiteiros certos ou não, não sei. Para nós, para nós foi o valor de mercado e agora os resultados da Marinha Guincho não sei.  Vamos lá ver, um empreiteiro, um empreiteiro teria, teria ganho ali uma margem, a Marinha Guincho não sei, porque não é o empreiteiro, se geriu bem, se geriu mal, se recorreu aos  subempreiteiros certos ou não, não sei. Para nós, para nós foi o valor de mercado e agora os resultados da Marinha Guincho não sei»

Este depoimento afasta a pretendida alteração à matéria de facto na medida em que é idóneo a colocar a duvida sobre a questão colocada.

Improcede aqui a apelação, também.

Da alegada alteração superveniente das ciurcunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar:

Artigo 18.º da BI tem a seguinte formulação: “A A. através de contratos denominados ‘de reserva’, celebrados com o fundo adquirente dos ‘terrenos’ simultaneamente com a respectiva compra e venda, ficava com uma opção de compra dos lotes vendidos ao fundo durante um prazo que, em condições de mercado minimamente normais, seria  suficiente para realizar as construções previstas e proceder à venda dos imóveis construídos aos clientes finais?”.

O Tribunal a quo deu como provado que “A A., através dos contratos denominados de ‘reserva’, celebrados com o fundo adquirente dos lotes, simultaneamente com a respectiva compra e venda, ficava com uma opção de compra dos lotes vendidos ao fundo durante um prazo que, a manterem-se as condições de mercado, lhe pareceu suficiente para realizar as construções previstas e proceder à venda dos imóveis construídos aos clientes finais”.

A Recorrente entende que a referida resposta deve ser alterada, passando a considerar-se provado que: “A A., através de contratos denominados de ‘reserva’, celebrados com o fundo adquirente dos lotes, simultaneamente com a respectiva compra e venda, ficava com uma opção de compra dos lotes vendidos ao fundo durante um prazo que, a manterem-se as condições de mercado, pareceu às partes suficiente para realizar as construções previstas e proceder à venda dos imóveis construídos aos clientes finais»

Aceita a recorrida a alteração proposta pelo que face a um tal acordo nos escusamos sequer de apreciar o mérito da apelação nesta parte, alterando-se consequentemente a resposta dada pelo tribunal no sentido defendido pela recorrente que assim passará a ter a seguinte redacção:  “A A., através de contratos denominados de ‘reserva’, celebrados com o fundo adquirente dos lotes, simultaneamente com a respectiva compra e venda, ficava com uma opção de compra dos lotes vendidos ao fundo durante um prazo que, a manterem-se as condições de mercado, pareceu às partes suficiente para realizar as construções previstas e proceder à venda dos imóveis construídos aos clientes finais»

Artigo 36.º da BI.

O Tribunal a quo considerou não provada a matéria vertida no artigo 36.º da BI, no qual se lê o seguinte: “Tal pressuposto, em que ambas as partes assentaram a sua decisão de contratar nos termos expostos, veio, em virtude da crise, global e nacional, que assolou os mercados financeiro e imobiliário, a revelar-se erróneo?”.

De acordo com a Recorrente, deveria ter-se como provado que: “O referido em 103 constitui um pressuposto em que ambas as partes assentaram a sua decisão de contratar nos termos expostos e veio, em virtude da crise global e nacional, que assolou os mercados financeiro e imobiliário a revelar-se erróneo”.

Depoimento da testemunha Joaquim Ferreira (ao que interessa)…«Não se venderam, é assim, eu acho que hoje toda a gente sabe porque é que não se vendem as casas, não é, com esta crise do imobiliário tal como está, pronto, todos os pressupostos daquele plano soçobraram a partir de 2001, logo, olhe, 2002, 2003, mas agravados agora com… com 2008, não é, com a crise do imobiliário, isso…»

Depoimento da testemunha Pedro Gaivão ao que interessa « (…)mas é um problema de saber se no início da crise por exemplo» …

Depoimento da testemunha Pedro Novaes (ao que interessa) «De certa forma passou a ser anormal, não devido a nada que se prenda com a Marinha Guincho, mas sim… por causa de uma conjuntura que a certa altura foi… e são vários outros… são… não é só o componente crise, às vezes há outros elementos, há outros desenvolvimentos… há vários factores que, que nós não podemos identificar à partida, mas…».

Os depoimentos ora transcritos abordam a crise relacionando-a com a queda das vendas embora o não façam com exclusividade.

Todavia é um facto publico e notório a crise financeira que abalou o mundo ocidental nos finais de 2008 e as  suas repercussões no nosso país com o surgimento de uma profunda crise financeira que implicou o recurso ao FMI,  e a impossibilidade de recurso aos mercados financeiros por parte das instituições financeiras portuguesas, por uma lado e,   por outro lado a crise económica que lhe sobreveio com recessão prolongada a incidir  nomeadamente no domínio imobiliário.

Excluir esta situação da involução que sobreveio às empresas é ao que se pensa afastar entre si duas realidades que na verdade está indissoluvelmente interligadas e justificaram de resto decisões judiciais como  as conhecidas nos contratos Swap. Daí que se entenda que neste contexto especifico assiste razão à autora na pretendida alteração da resposta à matéria de facto a que por isso se atende passando a resposta a este ponto da 36 BI a ser a de PROVADO que Tal pressuposto, em que ambas as partes assentaram a sua decisão de contratar nos termos expostos, veio, em virtude da crise, global e nacional, que assolou os mercados financeiro e imobiliário, a revelar-se erróneo”. alterando-se consequentemente a resposta dada pelo tribunal à quo nestes precisos termos.

O artigo 39.º da BI tem a seguinte redacção  “Por causa da crise financeira e económica, a A. ficou impossibilitada de cumprir pontualmente as obrigações assumidas nos contratos celebrados com os RR.”.

Sustenta a Recorrente que esta matéria deveria ter sido considerada provada, nos seus precisos termos.

Os depoimentos prestados em tribunal não habilitam a uma resposta positiva a esta pergunta nem tal seria possível a partir da experiencia e senso comuns. Pelo que não é de atender nesta parte ao requerido, que assim se indefere, muito embora como refere a apelada a crise tenha contribuído para o agravamento da situação financeira da apelante e consequente impossibilidade  de cumprimento  o que permite uma resposta restritiva a este ponto 39º da BI  com o teor ao adiante: provado  apenas que a crise financeira e económica, influenciou  impossibilidade de a A. cumprir pontualmente as obrigações assumidas nos contratos celebrados com os RR, alterando-se nestes precisos  termos a factualidade assente.

II Quanto à nulidade a  sentença por excesso de pronuncia:

Funda-se esta invocação no facto de na mesma sentença constar a dado passo da sua fundamentação que «a Autora não poderia pedir a resolução dos contratos por supostamente não estar em condições de restituir o que recebeu a sentença incorre em manifesta nulidade, por excesso de pronúncia, nos termos do artº 668º nº 1 al. d) do cpc;  artº 615º nº 1 al. d) do  cpc».

Na verdade este trecho constitui tão só mera argumentação jurídica daí que não tenha aptidão para produzir os efeitos pretendidos de nulidade da sentença que respeita às questões processuais e substantivas equacionadas nos autos.

Desatende-se por isso à reclamada nulidade.

Quanto ao mérito da causa:

Dos pedidos da autora

Nulidade dos contratos por fraude à lei.

Da natureza jurídica dos contratos celebrados com os RR

A autora defende que se trata de contratos de financiamento à construção os quais nulos por estarem feridos de diversas invalidades que convoca.

A sentença apelada e os RR sustentam que se trata de contratos de compra e venda coligados com contrato atípico de reserva de compra e venda,  ou de opção,  perfeitamente válidos e eficazes.

O interesse da questão reside no facto dos RR serem sociedades comerciais (fundos de investimento)  cujo regime legal consta designadamente dos dl º 60/2002, de 20 de Março, com posteriores alterações mormente as  decorrentes do dl à 252/2003, de 17 de Outubro e dl 70.2010 de 18.06.

Vem do Dl 60.2002 a proibição legal dos Fundos  concederem crédito designadamente do artº 27º que prescreve:.

«Operações vedadas

1 - Aos fundos de investimento é especialmente vedado:

a) Onerar por qualquer forma os seus valores, excepto para a obtenção de financiamento, dentro dos limites estabelecidos no presente diploma;

b) Conceder crédito, incluindo a prestação de garantias;

c) Efectuar promessas de venda de imóveis que ainda não estejam na titularidade do fundo de investimento, exceptuando-se as promessas de venda de imóveis efectuadas no âmbito da actividade referida no n.º 2 do artigo anterior.

2 - As sociedades gestoras não podem efectuar quaisquer transacções entre diferentes fundos de investimento que administrem».

Do mesmo modo que vem deste diploma mas artigo 26º  a descrição legal das  actividades que podem ser desenvolvidas pelos fundos, a saber: 

«Artigo 26.º

Actividades e operações permitidas

1 - Os fundos de investimento podem desenvolver as seguintes actividades:

a) Aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa;

b) Aquisição de imóveis para revenda.

2 - Os fundos de investimento podem ainda desenvolver projectos de construção de imóveis, com uma das finalidades previstas no número anterior e dentro dos limites definidos para cada tipo de fundo de investimento, podendo a CMVM definir, por regulamento, os termos e condições em que esta actividade pode ser desenvolvida.

3 - Os fundos de investimento podem adquirir imóveis cuja contraprestação seja diferida no tempo, considerando-se este tipo de operações para efeitos da determinação dos limites de endividamento definidos no presente diploma.

4 - A CMVM, pode definir, por regulamento, as condições e limites em que os fundos de investimento podem utilizar instrumentos financeiros derivados para fins de cobertura de risco»

Posto isto,  temos que  questão colocada pela recorrente e que aqui se analisa consiste a nosso ver na interpretação a dar às cláusulas contratuais formalizadas, tendo em conta os interesses e  fins das partes na celebração do negócio.

Aceitando que financiamento é uma operação financeira em que a parte financiadora, em geral uma instituição financeira, fornece recursos para outra parte que está sendo financiada, de modo que esta possa executar algum investimento específico previamente acordado como contraponto a empréstimo, temos ainda que  os recursos do financiamento precisam necessariamente de  ser investidos do modo acordado em contrato.

 A financiadora então pode cobrar ou não cobrar juros sobre o montante  financiado de acordo com o valor e o tempo de pagamento, ou mesmo não realizar a cobrança do valor financiado em caso de financiamentos não-reembolsáveis.

O financiamento reembolsável  constitui  uma especifica modalidade de crédito concedido a terceiros  que demonstrem capacidade de pagamento e condições para desenvolver projetos, com prazos de carência e amortização  calculados em função da combinação entre os prazos de execução dos projetos, sua geração de caixa e a capacidade de pagamento da empresa e pode prosseguir-se através de diversos instrumentos jurídicos e diversas formas.

Havendo vários  tipos  de financiamento aquele  que é aqui discutido é o tipo de financiamento externo indirecto que acontece sempre que uma entidade recorre a uma instituição financeira para obter capital normalmente por  empréstimo remunerado a fim de prosseguir a sua actividade, no caso proceder a investimentos.

O financiamento em si é  pois um conceito económico ou financeiro que no entanto pode ser prosseguido   através de uma multiplicidade de instrumentos jurídicos

Só a titulo de exemplo de modelos jurídicos consagrados de financiamentos consagrados na lei como contratos típicos temos o ALD e o Leasing ( embora apenas confiados a determinadas entidades  jurídicas )   mas descortinamos ainda  subsídios, concessão de prazos de pagamento,  descontos na aquisição de bens, perdão de juros,   renegociação de divida.

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Posto isto, vejamos  o que veda a lei aos RR.

Da leitura que fazemos da norma em causa a lei veda aos RR a  concessão de crédito, cfra artº 27º  b) do dl 62.2002 «Conceder crédito, incluindo a prestação de garantias».

O crédito não tem em si mesmo um fim eleito e como tal não constitui um financiamento stricto sensu,  todavia, o  que nos parece é que  atenta a latidão do conceito de financiamento e as  inúmeras formas porque pode ser prosseguido a proibição do financiamento a que alude o normativo só encontrará eco nesta norma se este for prosseguido através da concessão de um crédito.

Da explanação do conceito de financiamento supra podemos retirar que  no caso dos autos parece fora de duvida que assistimos a um financiamento da actividade económica  da autora. Mas trata-se de um financiamento pelo lado da autora.

A autora necessitava de  capital para prosseguir os seus investimentos e recorreu aos RR obtendo-o pelos proveitos que auferiu dos diversos negócios de compra e venda que com estes celebrou.

Poderia ter obtido esse financiamento externo e indirecto pelo qual optou através de inúmeros instrumentos jurídicos,  (e antes até  o fez através de crédito que lhe foi concedido pelas instituições bancárias) no entanto, e no que à matéria dos autos interessa,  veio a satisfazê-lo através da  celebração dos contratos dos autos, que sendo de compra e venda nuns casos e de «reserva» aqui contratos atípicos, noutros casos,  não estão, estes todavia no plano das actividades proibidas aos réus, por um lado e,  por outro  lado,  satisfazem o interesse de todas as partes.

Daí que muito embora alinhando com a apelante quando defende que através dos contratos dos autos se pretendeu financiar o seu investimento, não se alinha todavia com a mesma quando daqui pretende retirar a nulidade destes  contratos por fraude à lei.

Na verdade,  aquele fim mediato, que é o da autora , não pode dizer-se que o seja também como principal ou acessório  pela banda dos RR, bem pode afirmar-se até que para estes é indiferente,  pois, foi alcançado mas através de contratos que não ferem o disposto na norma legal que proíbe aos Fundos a concessão de crédito mas de meios jurídicos que estão ao seu dispor mercê do preceituado no artº 26º do dl 26.2002  e não fere,  desde logo,  porque não se descortina que a proibição possa operar assim de modo tão singelo uma vez que caso os contratos de reserva viessem a caducar a compra e venda sempre ficaria de pé, por um lado e por outro lado, não se descortina o   dever de reembolso das quantias em causa que sempre seriam requisito de um contrato de credito na modalidade de financiamento reembolsável.

Significa isto que a vontade contratual expressa não pode ilidir-se,  sem uma correspondência mesmo que mínima no clausulado do contrato  e,  esta,  inexiste no sentido apontado

Improcede pois por aqui este segmento da apelação.

A questão do pacto comissório por  extensão teleológica (artº 694º do  CC)

Sustenta a apelante que « Resulta inelutavelmente dos factos provados, em especial do confronto entre os montantes envolvidos em cada uma das vendas dos imóveis e os valores de mercado desses mesmos imóveis (Factos 60, 61, 103, 110, 111, 112, 113, 114, 117, 117-A, 118 e 119, 120 e 120-A), das efectivas recompras efectuadas pela Autora (Factos 40 a 53) e ainda dos Factos 89, 92 e 95 que nenhuma das partes teve vontade de contratar compras e vendas definitiva e que as alienações dos imóveis efectuadas em favor dos Réus visavam garantir o ressarcimento dos montantes por estes entregues e que … Tais negócios violam a proibição do chamado pacto comissório contida no artigo 694.ºdo Código Civil»

Vamos ver.

O artigo  694º do  CC prescreve que: «é nula mesmo que seja anterior ou posterior à constituição da hipoteca a  convenção pela qual  o credor fará sua a coisa onerada no caso de o  devedor não cumprir».

Pode uma tal previsão estender-se à situação dos autos?

 A argumentação do Acordão do STJ referenciado nas alegações da apelante:  « O Ac. de 21/12/05, proferido pelo STJ no P. 04B4479 analisou detalhadamente as razões que justificam o regime legal constante do referido art. 694º, fazendo-o nos seguintes termos, a que inteiramente aderimos: Consigna o artº 694º do CC a proibição absoluta do pacto comissório, oriunda, como lembra Menezes Cordeiro, da "velha constituição de Constantino" "Direitos Reais", Lex, 1993, pág. 765), proibição essa, nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela, fundada "no prejuízo que do pacto comissório pode resultar para o devedor, que seria facilmente convencido, dado o seu estado de necessidade, a aceitar cláusulas lesivas dos seus interesses", tal fundamento sendo "paralelo ao da proibição da usura", a proibição abrangendo "também, pelo seu espírito, o pacto pelo qual e convencione o direito de venda particular", o pacto comissório, "por sua própria natureza", só se compreendendo "quando anterior ao vencimento do crédito (para o caso de não cumprir)"o sublinhado nosso cfr. Código Anotado" - 4ª Edição Revista e Actualizada -, vol. I, pág. 718.)

Acompanhamos, antes, a respeito da ratio da proibição do pacto comissório, o sustentado por Manuel Januário da Costa Gomes, quando escreve:

"A ideia dominante entre nós é a de que a proibição do pacto comissório é justificada pela necessidade de proteger o devedor face a eventuais extorsões por parte do credor, identificando-se com a ratio do art. 1146º que pune a usura, bem como com o pensamento subjacente à condenação dos negócios usurários (art. 282º).

Aderindo, grosso modo, à ideia de COSTANZA, parece-nos que a ratio da proibição do pacto comissório é plúrima e complexa, relevando, a um tempo, o propósito de proteger o devedor da (possível) extorsão do credor e a necessidade, que corresponde a um interesse geral do tráfego, de não serem falseadas as "regras do jogo", através da atribuição injustificada de privilégios a alguns credores, em objectivo (seja ele efectivo ou potencial) prejuízo dos demais. A correcção negocial não se compadece com mecanismos que possam legitimar, directa ou indirectamente, a institucionalização de "castas" entre os credores, fora das vias transparentes e objectivas que justificam as excepções ao princípio par conditio creditorum ("Assunção Fidejussória de Dívida"- Almedina 2000 -, pág. 92 a 94).

O artº 694º do CC não tem aplicação directa nos autos uma vez que não estamos no domínio das garantias das obrigações. Também não é o que defende a apelante que antes pretende a aplicação da norma por  extensão teleológica.

Só que aqui deparamos  com um obstáculo.

O valor da venda dos imóveis à apelante foi o proposto pela Autora que os RR aceitaram sem discutir  (facto 116º).

  E se o que a lei pretende antes do mais com a proibição constante da norma é proteger o devedor de uma possível situação de usura não é concebível em tal caso que este aproveitamento tenha ocorrido pela banda dos RR.

Nem este entendimento pode resultar dos factos provados nos ptos 117 a 119 uma vez que a situação era a de total liberdade negocial e opções nesse segmento. O facto de interessar à autora um preço de venda baixo e ser esse o proposto por si e aceite pelos réus não pode a nosso ver depois ser usado contra esses mesmos réus, tão pouco preenche sequer o conteúdo indispensável a uma convocação do regime legal do artº 694º do CC.

A autora agiu de acordo com a sua previsão de interesses ao tempo. E essa previsão para si radicava numa venda temporária que como se viu veio a frustar-se pela frustração da expectativa negocial.

Não pode é agora imputar aos RR responsabilidade na frustração do seu  negócio

Há uma outra razão a elencada no Acordão do STJ por remissão à posição dos autores italianos e designadamente  Constanza para apelar ao regime da norma que é a do «interesse geral no regular  e correcto desenvolvimento das relações jurídicas» .

Todavia  não obstante a pertinência deste principio o mesmo só faz sentido depois de verificado o aproveitamento injusto de uma parte em relação à outra o que in casu somos de opinião não  ter acontecido.

Como se faz ainda apelo no citado Arresto : « Sem embargo das semelhanças que se possam descortinar entre a típica funcionalidade de um verdadeiro pacto comissório – facultando ao titular de um direito real de garantia a apropriação dos bens por ela onerados, em caso de incumprimento – e a venda tendo como função indirecta a garantia de um crédito, consubstanciada no «pactum fiduciae» acordado entre vendedor e comprador (frequentemente dissimulado, encoberto ou oculto pelos contraentes, não constando ou transparecendo minimamente do contrato formal de alienação que celebraram), importa acentuar a radical e estrutural diversidade de situações jurídicas subjacentes a cada uma de tais hipóteses.

São, na realidade, vias jurídicas estruturalmente diferenciadas a que, por um lado, se traduz em onerar um bem do devedor (ou de terceiro), vinculando-o à garantia de um crédito mediante constituição de um direito real e garantia, e estipulando-se que – se ocorrer incumprimento da obrigação e só nesse preciso momento – poderá o titular do direito real de garantia apropriar-se do bem hipotecado, «convertendo» a garantia real em direito de propriedade ; e a que, por outro lado, se traduz em proceder-se à imediata alienação de certo bem ao credor - produzindo, naturalmente, tal negócio de venda efeitos reais imediatos, transferindo sem mais a propriedade do bem para a esfera jurídica do comprador – estando, porém, subjacente a tal alienação um pacto «fiduciário» celebrado entre os contraentes, do qual resulta a vinculação do credor/comprador às obrigações de conservação do bem transmitido e de posterior revenda ou retransmissão em benefício do anterior proprietário, logo que o fim de garantia do crédito se mostre exaurido.

Esta diversidade estrutural das situações jurídicas em confronto – hipoteca com pacto comissório e venda em garantia, tendo subjacente o «pactum fiduciae» entre os contraentes - impede, desde logo, que se possa pretender «converter» ou convolar livremente de uma situação para a outra; como se afirma no Ac. de 19/9/06, proferido pelo STJ no P. 06A2092:

Daí que não se descortine por isso a razão reclamada pela apelante, nesta parte.

Da usura reclamada pela apelante

Sustenta esta que resulta dos Factos 10, 11, 12, 80, 85, 86, 94 e 116 a 120-A, que a Autora celebrou os contratos sub-judice em situação de necessidade de que os réus tinham perfeito conhecimento.

 Resulta dos Factos 54, 75, 55, que os Réus são neste momento titulares de 74 fracções (88-14 objecto de recompra), das quais 18 completamente construídas, que adquiriram pelo valor líquido de € 11.623.004,16.

 Resulta dos Factos 110, 111, 112 e 113 que o valor dos referidos bens é muito superior ao pago pelos Réus.  Resulta ainda dos Factos 85, 86, 87, 92, 95, 101 e 102 que foi a Autora que tratou e custeou a manutenção dos referidos bens e ainda procedeu a expensas suas à construção das infra-estruturas de utilização comum e de exploração turística que valorizam o conjunto do empreendimento.

Está portanto sobejamente comprovado a grave desproporção entre as prestações dos contraentes ou, por outras palavras, a existência de um benefício manifestamente excessivo ou injustificado para os Réus.

Ora,

Prescreve o artigo 282º nº 1 do Código Civil, que “É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados”.

Esta norma mergulha as suas raízes no Direito Romano, onde o injustificado ou excessivo desequilíbrio no seio do contrato dava origem ao vício da lesão, que foi alvo de várias tentativas de objectivação, nomeadamente no tocante ao critério de apuramento do preço que estava na origem do vício, acabando por optar-se pela “regra da metade” sendo injusto o preço quando era inferior a metade do valor do imóvel vendido – Cfr. CJ 4,44,2.

 Este esforço de clarificação manteve-se na vigência das Ordenações mas desapareceu no Código de Seabra que pura e simplesmente “não admitia a usura como vício geral e recusava mesmo a sua relevância na compra e venda (artigo 1852º) embora a admitisse, como caso excepcional, no artigo 1426º no caso do contrato de aprendizagem”.

     Com o Código Civil de 1966 a figura ressurge, mas agora distanciada da lesão propriamente dita, deslocando seu acento tónico para o conceito de usura sob a influência do Direito alemão - § 138 – afastando-se todavia daquele na medida em que não insere a regulamentação na ofensa aos bons costumes. À luz do artigo 292º ressaltam dois vectores: um objectivo, traduzido no carácter excessivo e desproporcionado do resultado e, por outro lado, a vertente ética da relação contratual, censurando o aproveitamento pelo usurário da condição de inferioridade ou carência do lesado.

     Conjugando e concretizando as dimensões patenteadas no conceito de usura, poderemos dizer serem seus elementos essenciais 1) O desequilíbrio ou desproporção no seio do negócio; 2) A situação de fraqueza do lesado; 3) A exploração reprovável pelo usurário.

Dos factos provados não se retira a materialidade indispensável à usura.

Efectivamente não se retira que os RR  conscientes da situação de de fraqueza da autora se tivessem aproveitado desta para explorarem a mesma.

Bem ao contrário a autora tomou a decisão de investir na sua actividade comercial. Optou de acordo com as possibilidades ao tempo existentes no mercado pelo negócio que  veio a efectuar. E já no âmbito deste negócio optou (livremente) pelos valores pelos quais veio a vender, tendo sido sua  a opção do preço. Nos contratos de reserva  o tempo negociado foi o tempo que ambas as partes entenderam razoável para a criação de condições para a recompra. Os RR nada propuseram ou impuseram seja quantos aos preços de venda seja quanto aos prazos para a recompra. Foi a autora que propôs. Se a sua projecção foi errada, não parece lícito que reconduza este erro a usura dos RR.  ( Cfra pto 103º da sentença qto 35)  O risco do negócio não pode confundir-se com usura.

Efectivamente havia aqui um risco, assumido por ambas as partes. Sendo certo que teoricamente para a autora esse risco apresentava uma fatalidade que pela natureza das próprias rés era superior ao que estas corriam. Mas tal circunstancia não tem aptidão para tornar o negócio invalido, donde que não se reconhece também aqui razão à apelante.

Para além de não se verificar o requisito da exploração de uma situação de fraqueza também não se alcança a desproporção dos valores aqui reclamados pois  para que esta pudesse ser justificativa de um tal vício haveria que aproximar-se de um enriquecimento próximo do equivalente ao dobro do valor da compra  ou seja os RR terem comprado por 10 o que valia 20.

Não foi o caso.

Portanto também aqui falece a  apelação.

Da alteração anormal e  superveniente das circunstâncias  em que as partes fundaram a vontade de contratar.

Funda-se esta razão da apelante na invocação que a crise económica e financeira que sobreveio às circunstancias  em que as partes fundaram a decisão de contratar se terão alterado de modo anormal.

vejamos

Dispõe o artigo 437º, n.º 1 do Código Civil:

“1 – Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa - fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.

2 – Requerida a resolução, a parte contrária pode opor-se, declarando aceitar a modificação do contrato nos termos do número anterior”.

Convocamos para esta matéria do recurso o que a tal respeito recentemente se decidiu no STJ Ver 1387/11.5TBBCL.G1.S1, 7.ª secção, Granja da  Fonseca em 10.10.2013 e in www dgsi

«Analisando este preceito, considera o Prof. Galvão Telles que circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar “são as circunstâncias que determinaram as partes a contratar, de tal modo que, se fossem outras, não teriam contratado ou tê-lo-iam feito ou pretendido fazer, em termos diferentes. Trata-se de realidades concretas de que as partes não tiveram consciência, pois nem sequer pensaram nelas, dando-as como pressupostas; ou de realidades concretas de que tiveram consciência, mas convencendo-se de que não sofreriam alteração significativa, frustradora do seu intento negocial. Ou não passou sequer pela cabeça dos interessados que o status quo se modificaria: ou admitiram que tal ocorresse, mas em medida irrelevante. Aquela pressuposição ou esta convicção inexacta tem de ser comum às duas partes, porque, se não se deu em relação a uma e ela se calou, deixa de merecer protecção”.

“Que a alteração deve ser significativa, que deve assumir apreciável vulto ou proporções extraordinárias, põe-no em relevo a lei ao falar de alteração anormal (artigo 437º, n.º 1)”.

“As aludidas circunstâncias constituem a base do negócio. Mas a base do negócio apresenta-se aqui, quanto à configuração e ao regime, como algo de diverso da base do negócio em matéria de erro. A base do negócio no domínio do erro tem carácter subjectivo, porque se traduz na falsa representação psicológica da realidade. A base do negócio no domínio da alteração das circunstâncias tem carácter objectivo, visto não se reconduzir a uma imaginária falsa representação psicológica da manutenção de tais circunstâncias”.

“A base do negócio no erro é unilateral: respeita exclusivamente ao errante. A base do negócio na alteração das circunstâncias é bilateral: respeita simultaneamente aos dois contraentes. A lei (artigo 437º, n.º 1) fala, acentuadamente, das circunstâncias em que as partes (plural) fundaram a decisão de contratar; não refere as circunstâncias em que o lesado com a superveniente modificação teria fundado a sua decisão de contratar, proposição destituída de todo o sentido”.

“Aliás, no momento da outorga do contrato não pode ainda falar-se de lesado, porque lesado só existirá, futura e eventualmente, se as circunstâncias em que os estipulantes fundaram a decisão de contratar vierem a sofrer modificação que torne o contrato prejudicial para um deles: lesado será esse”.

A resolução ou modificação do contrato é admitida em termos propositadamente genéricos, para que, em cada caso, o tribunal, atendendo à boa - fé e à base do negócio, possa conceder ou não a resolução ou modificação.

Este normativo citado reconhece, pois, à parte lesada, pela ocorrência de alterações anormais das circunstâncias em que fundou a sua vontade de contratar, o direito à resolução ou à modificação do contrato.

“Se é verdade que os contratos são para cumprir – pacta sunt servanda – e se a lei portuguesa não contempla teoria do limite sacrifício, desonerando, em certos casos, o devedor de cumprir; a boa fé e o instituto do abuso do direito podem ser convocados como moderadores da rigidez daquele princípio.

A constatação de que pode não ser justo exigir do devedor que cumpra, a todo o custo, quando as circunstâncias que estiveram na base da sua decisão de contratar se alteraram imprevista e radicalmente, impõe, em nome da justiça, da equidade e do equilíbrio contratual que se pondere a modificação (segundo o critério da equidade), ou a resolução do contrato.

Sobre o antagonismo que a questão postula, teorizou-se, doutrinando a “clausula rec sic stantibus”, a “teoria da previsão”, a “teoria da imprevisão” e a “teoria da base do negócio”, procurando uma construção que salvaguardasse a justiça do contrato, encarado não como um vínculo indestrutível em homenagem ao inicial consenso negocial, [“pacta sunt servanda”] mas antes admitindo não ser justo que o vínculo contratual ficasse imune a imprevistas, anómalas e penalizadoras alterações supervenientes geradoras de intolerável desequilíbrio contratual”.

A lei não exige, ao contrário do Código italiano, que a alteração seja imprevisível, mas o requisito da anormalidade conduzirá praticamente quase aos mesmos resultados…”. A possibilidade de modificação ou alteração dos contratos com apelo ao art. 437º, nº1, do Código Civil, confronta dialecticamente dois princípios; o da autonomia privada, que impõe o cumprimento pontual do contrato que mais não é que a execução do programa negocial, e o princípio da boa fé, que visa assegurar o equilíbrio das prestações de modo a que a uma das partes não seja imposta uma desvantagem desproporcionada que favoreça a contraparte.

Ao que se atende, como ponto de partida é à base do negócio, ao circunstancialismo em que as partes assentaram a decisão de contratar, o que pressupõe um consenso negocial recíproco sem o qual não teriam celebrado certo negócio jurídico, ou não o teriam celebrado nos termos em que o fizeram.»  Citado acordão do stj

Conforme adverte Carneiro da Frada[12], a propósito de saber se a actual crise financeira representa uma grande alteração das circunstâncias, “a forma inopinada e profunda, como a actual crise eclodiu, com a surpresa de muitos ou de quase todos, mesmo especialistas, parece apontar nesse sentido. Entre os factores a ponderar, há que considerar a dimensão da sua ocorrência, a sua não antecipabilidade generalizada e o facto de radicar em causas interdependentes múltiplas que ultrapassam o poder de actuação e influência dos actores económicos singulares (por mais ponderosos que sejam) e se protejam mesmo, como crise global, para além dos limites dos países e das várias zonas económicas do planeta)”  Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito versus Contratos de Gestão de Carteiras, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 69, páginas 633 e  Ac do STJ de 10.10.2013.

Na sentença recorrida neste segmento deu-se como provado que : pto 56 «a partir de 2008, com a profunda crise que começou por afetar os mercados financeiros e depois teve consequências graves noutros sectores da economia em especial no imobiliário, se verificou uma contração rápida do crédito  bancário para as empresas e particulares e subsequentemente uma redução rápida e progressiva das vendas de imóveis e a degradação acentuada dos respectivos preços» e por alteração da matéria de facto já neste Tribunal que  artº 39º da BI  «apenas que a crise financeira e económica, influenciou  impossibilidade de a A. cumprir pontualmente as obrigações assumidas nos contratos celebrados com os RR, alterando-se nestes precisos  termos a factualidade assente»

Os contratos dos autos datam de 2003, portanto de uma época em que não era expectável a crise que veio a ocorrer.

Secundamos o entendimento de Carneiro Frada que vai no sentido que a crise financeira constituiu também para o nosso país, as nossas empresas, e as nossas famílias uma imprevisível e anormal alteração de circunstancias o que leva a concluir pela aplicabilidade em concreto aos contratos dos autos do regime constante do artº 437º do CC, como vem reclamado pela apelante.

Sucede é que este regime tem requisitos de factos que são cumulativos, a saber, para além da  alteração relevante  das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar, ainda que:

 essas circunstâncias fundamentais hajam sofrido uma alteração anormal.

a estabilidade do contrato envolva lesão para uma das partes.

 tal manutenção do contrato ou dos seus termos afecte gravemente os princípios da boa - fé.

 a situação não se encontre abrangida pelos riscos próprios do contrato.

 a inexistência de mora do lesado.

Do teor dos factos provados se retira desde logo a existência de mora pela banda  da autora que como ficou assente cessou o pagamento das remunerações devidas em março de 2009 fcto 57

Esta circunstancia torna até inútil a apreciação da verificação dos  demais requisitos do instituto.

Como vem decidido na parte final do Ac do STJ de 28.01.2015, supra citado : « A mora impede a “parte lesada” de beneficiar do direito de resolução ou modificação do contrato prevista no art. 437º, nº1, como assinala o art. 438º do Código Civil».

  Ao que acresce que não se antevê como se  poderia em qualquer caso aplicar o instituto aos contratos caducados que supõem a vigência dos mesmos.

Dai que faleça também nesta parte a apelação.

Da reconvenção:

A sorte da reconvenção está directamente ligada à sorte dos pedidos da autora uma vez que a mesma se fundou no incumprimento desta dos  contratos  negociados.

“Pacto sunt servanda”. Assente a validade e eficácia dos contratos ajuizados nas suas  cláusulas não se vê como pode a autora fugir ao cumprimento  daquilo a que se obrigou. (artº 405º, 406º, 762º, 763º, 798º e 799º 804º e 805º todos do cc)

Daí que também nesta parte seja de manter a sentença apelada.

Segue deliberação:

Na improcedência da apelação mantém-se a sentença apelada.

Custas pela apelante.

Lisboa, 19/2/2015

Isoleta Almeida Costa

Carla Mendes

Octávia Viegas