Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1037/12.2TTLSB.L1-4
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: HORÁRIO DE TRABALHO
ALTERAÇÃO
ACORDO DE EMPRESA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/04/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. O artigo 217.º do CT regula as situações em que um trabalhador tem um determinado horário de trabalho, que configura no tempo a sua prestação de trabalho e em função do qual este organiza a sua vida, pretendendo o empregador alterar essa situação por necessidades organizativas da empresa.

II. A alteração do horário de trabalho reconduz-se à fixação de um novo horário e, logo, é susceptível de forçar o trabalhador a reorganizar a sua vida, tal qual terá ocorrido relativamente ao horário inicial. Por isso mesmo, a lei regula essa possibilidade de cautelas significativas, estabelecendo o artigo 217.º, um conjunto de exigências ao empregador, entre as quais, o dever de ressarcimento económico dos trabalhadores que, por força da alteração do horário, tenham que suportar um aumento de despesas.

III. O Acordo de Empresa entre a CP — Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., e o SMAQ—Sind. Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses, publicado no BTE de 22-09-2003, na parte respeitante à regulamentação da organização do tempo de trabalho, contém um conjunto de cláusulas dirigidas a regular o caso particular e específico do “pessoal da carreira de condução-ferrovia/tracção”.

IV. Delas resulta que os seus horários de trabalho serão  «(..) em princípio, os que lhes correspondem nas respectivas sedes”, mas com a particularidade de serem individualmente «(..) organizado(s) pela empresa em regime de escalas de serviço (..)», de modo a assegurarem  «(..) a prestação de trabalho por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho».

V. Tal significa que a colocação de um trabalhador dessa carreira numa determinada escala, diferente da que vinha praticando, embora se traduza na prática de um horário de trabalho diferente, não consubstancia uma verdadeira alteração ao horário de trabalho, nos termos previstos no art.º 217.º do CT. Na verdade, como decorre do n.º1 da Cláusula 20.º, é inerente à carreira de condução ferrovia/tracção, estarem os trabalhadores nela integrados sujeitos a variações no seu horário, decorrendo as mesmas das escalas de serviço em que forem inseridos.

VI. É essa especificidade que explica as cláusulas imediatamente seguintes, em concreto a 20.º A e a 20.º B, onde se definem as regras, respectivamente, no que respeita às “Apresentações ou retiradas na sede” e às “Apresentações ou retiradas em local diferente da sede”, através das quais as partes procuraram fixar determinados princípios na organização das escalas de serviço, restringindo os poderes da empregadora Ré e impondo-lhe determinadas obrigações de natureza pecuniária, quando os mesmos não forem observados.

VII. Da cláusula 20.º A, retira-se que na organização das escalas de serviço, isto é, na organização dos horários de trabalho do pessoal que desempenha as funções inerentes às categorias compreendidas na carreira de condução ferrovia/tracção - Maquinista; Maquinista técnico; Inspector de tracção; Inspector-chefe de tracção – de modo a prestarem trabalho «(..)por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho», deve observar-se o seguinte: i) as escalas não devem prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas; ii) nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, as escalas devem atender aos horários de funcionamento desses transportes; iii) excepcionalmente, as escalas poderão não observar aquelas limitações, mas nesse caso a Recorrente terá que observar o disposto nos n.ºs 2 e 3, nomeadamente quanto aos pagamentos ai previstos.

VIII. A cláusula 20.º A do AE não exclui o n.º5, do artigo 217.º do CT. O que acontece é terem campos de aplicação distintos.

IX. Quando na colocação de um trabalhador da carreira de condução /ferrovia numa determinada escala, elaborada no âmbito dos poderes de fixação do horário de trabalho previstos nas aludidas cláusulas, a empregadora não observe os deveres a que está vinculado, isto é, os limites estabelecidos nas aludidas cláusulas ao seu poder de as elaborar, então a eventual violação de direitos do trabalhador deve ser aferida à luz do estabelecido nas próprias cláusulas, nomeadamente na cláusula 20.º A.

X. A cláusula 20.º A, não impõe ao empregador que atenda ao local de residência do trabalhador, assentando no pressuposto de que este tem a sua vida organizada em função de determinado local de trabalho, para tanto contando com o regime de trabalho em escalas de serviço organizadas pela empregadora, de modo “a não prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas”, e a ter em conta, “nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos (..) os horários de funcionamento desses transportes” [n.º1, da cláusula 20.º A].
     (Elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Parcial:ACORDAM DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO

I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa,  AA instaurou acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, a qual veio a ser distribuída ao 5º Juízo - 1ª Secção, contra CP – Caminhos de Portugal, EPE, pedindo a condenação desta a pagar-lhe o seguinte:

 - €33.903,36 – devida por aplicação da Cláusula 20ª-A do AE CP/SMAQ;

- ou, subsidiariamente €32.136,00 – como compensação económica pelo aumento das despesas resultante da alteração do horário de trabalho, em conformidade com o CT;

- em qualquer dos casos, ainda, €15.000,00 – a título de compensação pela violação dos seus direitos de personalidade.

Para sustentar essa pretensão alega, no essencial, o seguinte:

- Exerce as funções de Inspector de Tracção no Depósito de Tracção de Contumil da Ré, Porto, ao qual foi afecto em Setembro de 2005. Em Março de 2007, tendo-se a unidade de negócios “CP Regional” dividido em “CP Regional” e “CP Longo Curso”, concorreu e ficou afecto à segunda por lhe permitir manter o seu horário inicial, estando previsto para este posto o horário das 09:00 às 17:00 horas;

- Foi por causa do horário que para ali concorreu, porquanto reside em Viseu desde 2001 e aquele horário era conciliável com os comboios que serviam a estação de Mangualde, próxima da sua residência.

- Porém, em 01/04/2009 a Ré alterou o horário do Autor para 06:00-14:00 ou 14:00- 22:00, o que passou a impedir o Autor de usar diariamente os comboios na deslocação para casa, como sempre fizera, por os mesmos não servirem a estação de Mangualde a horas compatíveis. Dessa alteração resultou que o Autor passou a usar a sua viatura própria e a percorrer cerca de 260 quilómetros em cada dia de trabalho – tendo a Ré pago ao Autor a generalidade dos dias trabalhados com entrada às 06:00 horas;

- Entre 01/06/2009 e 15/08/2010 a Ré alterou de novo o horário para 06:30- 14:30 ou 14:00-22:00 – o que manteve a necessidade do Autor quanto ao uso de viatura mas, agora, já sem o pagamento de qualquer valor pela Ré, sendo certo que a Ré deveria tê-lo compensado pelo acréscimo de despesas com a alteração de horário, quer pela lei geral quer pelo AE.

Reclamou, por isso, o pagamento das deslocações efectuadas em todo aquele período, que computou em €32.136,00 referentes aos 87.360 quilómetros percorridos, já deduzidos os €7.020,00 pagos em Abril e Maio de 2009 – a que acrescem €5,26 por cada um dos 336 dias, a título de ajudas de custo, no total de €1.767,36, sendo o valor somado, de quilómetros e ajudas de custo, de €33.903,36.

Mais concretizou os prejuízos de natureza não patrimonial sofridos na sequência do comportamento da Ré, pelos quais pediu o respectivo ressarcimento em €15.000,00.

Recebida a petição inicial e citada a ré, realizou-se audiência de partes, mas sem que se tenha alcançado a conciliação entre aquelas, tendo a ré sido notificada para contestar a acção.

No prazo legal a Ré deduziu contestação, contrapondo, em síntese:

 - O Autor sempre trabalhou para a Ré em conformidade com escalas de serviço, estando por isso sujeito às necessidades de rotatividade;

- O A. ficou afecto ao Depósito de Tracção de Contumil entre 01/09/2005 e 31/01/2007, lugar a que concorreu para a categoria de Inspector de Tracção e em que existiam 3 turnos que o A. assegurava rotativamente, em conformidade com a escala de serviço;

- Em 2007, na sequência da reestruturação, o A. ficou voluntariamente afecto ao Posto de Tracção de Contumil, com período de laboração contínua e sem promessa de qualquer horário de trabalho, pese embora viesse a ser praticado um turno único das 09:00 às 17:00 horas para a gestão de material motor e de pessoal;

- Em Abril de 2009, reavaliadas as necessidades, foram criados os dois turnos referidos pelo Autor, mantendo-se um terceiro para os acompanhamentos;

- Constatou-se, porém, que à hora de início do primeiro havia falta de transportes públicos que servissem Contumil – razão por que a Ré pagou ao A. a respectiva compensação em todos e apenas nos 28 dias em que o A. entrou às 06:00 horas, em conformidade com o AE, e alterou esse início para as 06:30. Com tal alteração, tendo já os trabalhadores acesso a Contumil usando a rede de transportes públicos, entende que nada mais tem de pagar (tanto mais que é irrelevante se os transportes públicos servem ou não o local de residência).

Terminou pugnando pela absolvição dos pedidos e defendendo que o Autor alterou a verdade dos factos, litigando de má-fé, pedindo a respectiva condenação em indemnização a fixar pelo Tribunal.

Respondeu o A.,  negando ter actuado de má-fé.

Findos os articulados foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto e a fixação da base instrutória.

O processo prosseguiu para julgamento, acto que foi realizado com observância das formalidades legais, tendo sido fixada a matéria de facto (fls. 172), sem que tenham sido apresentadas reclamações.

Subsequentemente foi proferida sentença, culminando com a decisão seguinte:

Em face do exposto, e por aplicação das mencionadas normas jurídicas, julgo a acção parcialmente procedente e, em conformidade:

1. Condeno a Ré a pagar ao Autor

a) a título de compensação pelo aumento das despesas sofridas com a alteração do horário de trabalho entre 01/04/2009 e 15/08/2010, o valor vier a ser apurado em posterior liquidação e que corresponderá àquele que foi aprovado para os funcionários do regime geral da Administração Pública pelo uso de viatura própria, multiplicado por 260 quilómetros por cada dia de trabalho prestado em que o Autor tenha usado a sua viatura nas deslocações de e para a sua residência em Viseu, descontado o valor já pago em Abril e Maio de 2009, tudo até ao limite de €32.136,00;

b) €5.000,00 – como compensação pelos prejuízos não patrimoniais resultantes de a Ré não ter pago, em tempo, a compensação referida na alínea que antecede.

2. Absolvo a Ré do mais peticionado.

3. Declaro não verificada a má fé do Autor, razão por que a absolvo do respectivo pedido.

(..)».

     I.2 Inconformada com essa decisão, a R. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.

As alegações foram concluídas nos termos seguintes:

(…)

     I.3 O Recorrido apresentou contra alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:

(…)

I.4 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se pela improcedência do recurso.

I.5 Foram colhidos os vistos legais.

I.6 Delimitação do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), as questões que se colocam para apreciação são as seguintes:
A) Reapreciação da prova - Se o tribunal a quo devia ter considerado provado ainda outros factos, nomeadamente:

- i) O A. pernoitou no seu local de trabalho em dias e quantidade não concretamente apurados”;

- ii) “Da estação de Aveiro o primeiro comboio passa às 04h43, de segunda a domingo, com ligação em Porto Campanhã para Contumil, onde tem horas de chegada, às 06h25 ou 06h28”;.

- iii) “Da estação de Contumil partem dois comboios - com partida às 22h01 e 22h06 e chegada a Porto Campanhã às 22h05 e 22h10 , respetivamente - que fazem ligação ao primeiro comboio realizado após as 22h com destino a Aveiro - o comboio parte de Porto Campanhã às 22 h14 e chega a Aveiro às 23h13”.

B) Se o Tribunal a quoerrou a aplicação do direito aos factos, ainda que não seja alterada a matéria de facto, nomeadamente ao considerar aplicável e fundar a condenação no n.º5, do art.º 217.º do CT.

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1     MOTIVAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo,  com interesse para a decisão da causa, fixou a seguinte factualidade:

(…)

1. Em 04/06/1990, o Autor foi admitido ao serviço da Ré com a categoria de maquinista.

2. O Autor é sindicalizado no Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses.

3. Desde Setembro de 2001 que o Autor reside em Viseu.

4. Ambas as partes reconhecem nos autos que a distância da residência do Autor até Contumil se situa na ordem dos 130 quilómetros.

5. A utilização por transporte ferroviário não importava qualquer custo aos trabalhadores da CP, incluindo o Autor.

6. O Autor utilizava o transporte ferroviário entre a sua residência (estação de Mangualde) e o local de trabalho.

7. A Ré organizava o serviço mediante escalas, as quais eram elaboradas segundo os critérios de gestão da Ré na perspectiva, designadamente, de garantir os períodos de descanso obrigatórios, a prestação efectiva do serviço público de transporte e a circunstância de o início e o fim dos horários dos trabalhadores ser servido, no local de trabalho, pela rede de transportes públicos, não contando para tanto com os locais em que cada trabalhador residia.

8. Em Setembro de 2005 foi colocado no Depósito de Tracção de Contumil, Porto, por ter concorrido para esse lugar e para a categoria de Inspector de Tracção.

9. O aviso de concurso não previa qualquer horário de trabalho em particular.

10. O Depósito de Tracção de Contumil tinha um período de funcionamento de laboração contínua assegurado por:

a) 3 (três) turnos de gestão de material motor:

1. das 00:00 às 08:00 horas,

2. das 08:00 às 16:00 horas e

3. das 16:00 às 00:00 horas

b) 1 (um) turno de gestão de pessoal - entre as 08:00 e as 16:00 horas;

c) Turnos de acompanhamentos de comboios.

11. O Autor prestava as suas funções em qualquer um dos turnos, consoante aquele que lhe fosse atribuído na escala.

12. Por vezes, nas deslocações de e para a residência, o Autor ia apanhar o comboio que passa por Aveiro, que tinha um horário compatível.

13. O Autor esteve afecto ao referido Depósito de Tracção de Contumil até 31/01/2007.

14. Na sequência de uma reestruturação que efectuou, a Ré criou duas unidades: a “CP Regional” e a “CP Longo Curso”.

15. O Depósito de Tracção de Contumil manteve-se em funcionamento sob a gestão da CP Regional e, embora se situem no mesmo local – o Depósito (CP Regional) e o Posto (CP Longo Curso) - constituíam unidades independentes.

16. O Posto de Tracção de Contumil geria a circulação ferroviária e o pessoal afecto à CP Longo Curso.

17. Em 01/02/2007, de forma voluntária, porque nisso viu vantagens em termos dos horários que acreditou virem a ser praticados, o Autor passou a ficar afecto à “CP Longo Curso” e, nessa sequência, ao Posto de Tracção de Contumil.

18. Apesar da possibilidade de laboração contínua do Posto, designadamente com turnos de acompanhamento de comboios, o Autor efectuava o horário das 9:00 às 17:00 horas, destinado à gestão do material motor e de pessoal.

19. Contumil encontra-se inserido na área urbana do Porto e é servido por uma rede regular de transportes públicos (comboios, autocarros e metro) nas horas das 06:30 e 00:00 horas.

20. Em 01/04/2009, reponderadas as necessidades no Posto de Tracção de Contumil, a Ré criou 2 novos turnos de 8 horas cada, rotativos, mantendo-se os de acompanhamentos:

a) das 06:00 às 14:00 horas e

b) das 14:00 às 22:00 horas.

21. Com esta alteração o Autor deixou de poder usar o transporte ferroviário desde e para a sua residência, estação de Mangualde, por não dispor de horários compatíveis.

22. Na estação que serve a residência do Autor – estação de Mangualde – o primeiro comboio passa às 05:57 horas de segunda-feira a sábado e às 07:03 horas de domingo, com ligação em Coimbra para Contumil onde têm horas de chegada, respectivamente, às 08:44 e 09:44 horas.

23. No sentido contrário, o último comboio com ligação a Mangualde parte de Contumil às 18:45 horas, estabelece ligação em Coimbra e tem hora de chegada a Mangualde às 21:43 horas.

24. Nessa sequência, o Autor passou a utilizar a sua viatura própria desde e para a sua residência.

25. Durante o mês de Abril de 2009, o Autor trabalhou:

a) 12 dias entre as 06:00 e as 14:00 horas – nos dias 1, 2, 9 a 13 e 25 a 29;

b) 12 dias entre as 14:00 e as 22:00 horas – nos dias 3 a 5, 8, 15 a 21 e 24.

26. Nos dias referidos na alínea a) que antecede, a Ré pagou ao Autor os quilómetros percorridos nas deslocações com a sua viatura própria, à razão de 260 quilómetros por dia e €0,40 por quilómetro.

27. Durante o mês de Maio de 2009, o Autor trabalhou:

a) 16 dias entre as 06:00 e as 14:00 horas – nos dias 1 a 3, 12, 13, 17 a 22, 24 e 27 a 30;

b) 7 dias entre as 14:00 e as 22:00 horas – nos dias 4 a 6, 11, 14, 15 e 31.

28. Nos dias referidos na alínea a) que antecede, a Ré pagou ao Autor os quilómetros percorridos nas deslocações com a sua viatura própria, à razão de 260 quilómetros por dia e €0,40 por quilómetro.

29. A referida situação no Posto de Tracção de Contumil manteve-se até 31/05/2009.

30. Em 01/06/2009, por ter constatado a ausência de transportes públicos que servissem Contumil e pudessem ser usados pelos trabalhadores afectos ao turno das 06:00 horas, a Ré alterou aquele turno para o período das 06:30 às 14:30 horas.

31. O Autor continuou a utilizar o seu automóvel particular, pelas razões mencionadas em 21.

32. Durante o mês de Junho de 2009, o Autor trabalhou durante 14 dias.

33. Durante o mês de Julho de 2009, o Autor trabalhou durante 23 dias.

34. Durante o mês de Agosto de 2009, o Autor trabalhou durante 13 dias.

35. Durante o mês de Setembro de 2009, o Autor trabalhou durante 16 dias.

36. Durante o mês de Outubro de 2009, o Autor trabalhou durante 20 dias.

37. Durante o mês de Novembro de 2009, o Autor trabalhou durante 18 dias.

38. Durante o mês de Dezembro de 2009, o Autor trabalhou durante 20 dias.

39. Durante o mês de Janeiro de 2010, o Autor trabalhou durante 14 dias.

40. Durante o mês de Fevereiro de 2010, o Autor trabalhou durante 20 dias.

41. Durante o mês de Março de 2010, o Autor trabalhou durante 23 dias.

42. Durante o mês de Abril de 2010, o Autor trabalhou durante 19 dias.

43. Durante o mês de Maio de 2010, o Autor trabalhou durante 21 dias.

44. Durante o mês de Junho de 2010, o Autor trabalhou durante 23 dias.

45. Durante o mês de Julho de 2010, o Autor trabalhou durante 22 dias.

46. Durante o mês de Agosto de 2010, o Autor trabalhou durante 14 dias.

47. O Autor deslocou-se de para a sua residência na maior parte dos dias trabalhados, em quantidade não concretamente apurada.

48. Pelas deslocações realizadas nos meses de Junho de 2009 e seguintes, a Ré nada mais pagou ao Autor.

49. A situação manteve-se até 15/08/2010.

50. Com as referidas deslocações, que implicavam designadamente mais combustível e mais gastos com a manutenção da viatura, o Autor viu aumentadas as despesas para um montante que o seu vencimento não conseguia suportar.

51. Nos anos de 2009 e 2010 o Autor registou, respectivamente, €26.804,63 e €28.344,29 de rendimentos do trabalho.

52. Não se lhe conhecem outros rendimentos além dos do trabalho.

53. A esposa encontrou-se desempregada nos anos de 2009 e 2010.

54. O Autor deixou de ter condições económicas para prover às necessidades do agregado familiar.

55. Tal situação fez com que a esposa e os filhos do Autor tivessem de ir para casa dos sogros deste, em Lisboa, tendo ficado a cargo dos mesmos durante cerca de 1 ano.

56. O A. passou a oferecer-se para trabalhar nos dias que lhe pertenciam como de descanso, a fim de aumentar os rendimentos do trabalho.

57. Passou a ir visitar a família nos dias de descanso, por vezes de 15 em 15 dias.

58. Pelas dificuldades económicas, passou a omitir algumas refeições.

59. A situação descrita causou sofrimento ao Autor.

60. Sentia-se cansado, amargurado e triste.

61. A Ré sugeriu que o Autor pernoitasse no hotel usado pelos maquinistas, a expensas da empresa, sempre que não fosse a casa – o que o A. não aceitou.

62. Em 15/08/2010, o Autor passou a entrar às 10:00 e a sair às 18:00, o que já lhe permitia utilizar o transporte ferroviário nas deslocações entre a residência e o local de trabalho, situação que se mantém.

II. 2 - Reapreciação da prova

(…)

II.3 MOTIVAÇÃO DE DIREITO

A questão que se coloca reconduz-se, no essencial, a saber se o Tribunal a quoerrou a aplicação do direito aos factos, ao considerar aplicável e fundar a condenação no n.º5, do art.º 217.º do CT.

Embora a o início da relação laboral remonte a 4/06/1990, ainda em plena vigência do Regime Individual do Contrato de Trabalho, constante do Decreto- Lei nº 49.408, de 24.11.1969, os pedidos formulados pelo A. têm por base factos ocorridos  entre 1 de Junho e 15 de Agosto de 2009, logo, já na vigência do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

Assim, por força do disposto nas normas de aplicação da lei no tempo contidas Lei n.º 7/2009, nomeadamente no art.º 7.º n.º1, consagrando o princípio de aplicação imediata da lei nova aos contratos de trabalho celebrados antes da sua entrada em vigor, “salvo quanto a efeitos de validade e efeitos de factos ou situações totalmente passadas anteriormente àquele momento”, na apreciação da questão em apreço atender-se-á  a este diploma.

Para além disso, atenta a filiação sindical do Autor, terá ainda aplicação o Acordo de Empresa celebrado entre a CP - Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., e o SMAQ - Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses, publicado no BTE nº 35, de 22 de Setembro de 2003.

Esse foi, igualmente, o entendimento seguido na sentença, sem que tenha sido objecto de discordância das partes.

II.3.1 Entendeu a Senhora Juíza que aferindo-se a questão apenas face ao disposto na cláusula 20.º A, do AE, “(..) e sabendo-se que o local onde o Autor presta funções, Contumil, se encontra inserido na área urbana do Porto e é servido por uma rede regular de transportes públicos entre as 06:30 e as 24:00 (ponto 19 da factualidade), tem razão a Ré quando invoca que, nos termos do AE, apenas teria de compensar o Autor durante os meses de Abril e Maio de 2009 e somente nos dias em que este iniciou funções às 06:00”.

Contudo, considerou que a questão que se coloca é diversa, sendo-lhe aplicável o artigo 217º, nº 5, do CT, quando estipula que “a alteração que implique acréscimo de despesas para o trabalhador confere direito a uma compensação económica”.

Insurge-se a recorrente contra esse entendimento usando um conjunto de diferentes argumentos que, na apreciação a que de seguida iremos proceder, começaremos por apontar, mas alertando-se já que por uma questão de precedência lógica, seguiremos uma ordem diversa da inculcada pelo recorrente.

II.3.2  O primeiro dos argumentos da recorrente passa pela afirmação de que o Tribunal a quo não pode reconhecer as despesas acrescidas alegadas pelo recorrido, recorrendo ao critério definido no n.º 2, da cláusula 20.º A, do AE (conclusões K e M).

Com o devido respeito, parece-nos que a recorrente não interpretou convenientemente a sentença recorrida.

Com efeito, como resulta logo da parte da sentença que já transcrevemos, mas também do logo em seguida nela consta -  que  já de seguida transcreveremos -  contrariamente ao que afirma a recorrente, o Tribunal a quo não se serviu do n.º2 da Cláusula 20.º A, para reconhecer as despesas acrescidas alegadas pelo A.. É verdade que recorreu a essa cláusula, mas apenas para aproveitar o critério ai constante para determinação do valor da compensação (em valor a ser encontrado em liquidação de sentença).

Como se disse, tal resulta claro da parte seguinte:

E, conforme os autos claramente mostram, o Autor deixou de poder dispor do transporte ferroviário e a ter de usar a sua viatura própria – o que lhe causou o inerente acréscimo de despesas que, à míngua de rendimentos, se tornaram insustentáveis.

Por essa via, há-de a Ré ter de compensar o A. na sua exacta medida – o que, na ausência de melhor critério, se fixa nos precisos termos que já vinham sendo seguidos pelas partes nos meses de Abril e Maio de 2009: o valor aprovado para função pública pelo uso de viatura própria, multiplicado por 260 quilómetros correspondentes à distância percorrida de e para a residência, em cada dia de trabalho prestado (subtraídos, necessariamente, aquele que foi já pago pela Ré naqueles dois referidos meses».

Assim, improcedem as referenciadas conclusões.

II.3.3  Por razões de ordem lógica, como referimos,  prosseguimos agora para a última linha de argumentação da recorrente, na qual recusa a aplicação do n.º5 do  art.º 217.º do CT, já que os antecedentes argumentos pressupõem  que a norma foi aplicada.

No essencial, defende a Recorrente que aquela norma não é aplicável ao caso concreto atento o disposto no AE quanto à alteração dos horários de trabalho, designadamente na cláusula 20.º A, de onde decorre que só há obrigação de compensar nos casos previstos no n.º2, estabelecendo-se logo o método de cálculo da compensação, o que pretendeu afastar a aplicação do n.º5, do art.º 217.º , sendo que o AE consagra um regime especial acordado nos termos do n.º2 do art.º 22.º do Decreto- Lei n.º 381/72, de 09/10 [Conclusões EE a QQ].

Antes de mais, importa assinalar que o argumento da recorrente, pelo menos tal como literalmente expresso, não leva em conta que o AE, publicado no BTE de 22-09-2003,  foi celebrado a 6 de Agosto de 2003, antes até de ser  aprovado o precedente Código do Trabalho de 2003, em 27 de Agosto, pela Lei n.º 99/2003.  Logo, jamais poderiam as partes outorgantes do AE ter pretendido afastar a aplicação do n.º 5, do Código do Trabalho /09, que só viria à luz do dia anos depois.

Quanto muito, deverão é ter tido em conta a legislação vigente à data, nomeadamente o DL n.º 409/71, de 27.09, sendo certo que o art.º 12, com a epígrafe “Critérios especiais de organização dos horários de trabalho”, com a alteração introduzida pelo art.º 5.º da Lei 21/96, de 23 de Julho, passou a conter mais dois números, nomeadamente os n.ºs 3 e 4, no primeiro deles, na alínea d), estabelecendo-se “As alterações que impliquem acréscimo de despesas para os trabalhadores conferem direito a compensação económica”.

Com a revogação daquele diploma pela Lei n.º 99/2003, que aprovou o Código do Trabalho, a norma passou a constar neste diploma no n.º5, do art.º 173.º (com a epígrafe “Alteração do Horário de trabalho”). Actualmente, isto é, no CT/09,  consta do n.º 5, do art.º 217.º.

Como se vê, está determinada a origem da norma, sendo de referir, como a seguir se verá pela transcrição, que apenas difere da original em pormenores de redacção.

O art.º 217.º do CT, com a epígrafe “Alteração de horário de trabalho” dispõe o seguinte:

1 - À alteração de horário de trabalho é aplicável o disposto sobre a sua elaboração, com as especificidades constantes dos números seguintes.

2 - A alteração de horário de trabalho deve ser precedida de consulta aos trabalhadores envolvidos e à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão sindical ou intersindical ou aos delegados sindicais, bem como, ainda que vigore o regime de adaptabilidade, ser afixada na empresa com antecedência de sete dias relativamente ao início da sua aplicação, ou três dias em caso de microempresa.

3 – Exceptua-se do disposto no número anterior a alteração de horário de trabalho cuja duração não seja superior a uma semana, desde que seja registada em livro próprio, com a menção de que foi consultada a estrutura de representação colectiva dos trabalhadores referida no número anterior, e o empregador não recorra a este regime mais de três vezes por ano.

4 – Não pode ser unilateralmente alterado o horário individualmente acordado.

5 - A alteração que implique acréscimo de despesas para o trabalhador confere direito a compensação económica.

6 – Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto neste artigo.

     Para melhor compreendermos o âmbito de aplicação do art.º 217.º e, mais precisamente, o sentido e alcance do seu n.º5, é necessário começar por deixar algumas notas elementares sobre o que é o horário de trabalho e os princípios que presidem à respectiva organização.

 Segundo a noção legal, entende-se por horário de trabalho a determinação das horas de início e termo do período normal de trabalho diário e do intervalo de descanso, bem como do descanso semanal (art.º 200.º/1 do CT).

Numa explicação mais elaborada, Monteiro Fernandes escreve o seguinte:

- “O horário de trabalho é um esquema respeitante a cada trabalhador, no qual se fixa a distribuição das horas do período normal de trabalho – número de horas diárias e semanais que o trabalhador está contratualmente obrigado a prestar – ao longo do dia e da semana: horas de entrada e de saída, intervalos de descanso, dia de descanso semanal”.

[Direito do Trabalho, 14.ª ed., Almedina,  Coimbra, 2009, pp. 352].

A lei confere ao empregador o poder de estabelecer o horário de trabalho, dentro dos limites legais (art.º212.º /1 do CT), e com observância na sua elaboração de determinados deveres, expressos na lei (n.º 2 do mesmo artigo), entre eles, e para o que aqui releva, “facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar”. 

A atribuição deste direito ao empregador inscreve-se no quadro dos poderes de direcção e organização do trabalho que a lei lhe reconhece (art.º 97/CT).

     Contudo, como elucida Monteiro Fernandes, “Nada impede que os horários de trabalho sejam objecto de acordo no âmbito do contrato individual de trabalho, o que se traduzirá, obviamente, em restrição daqueles poderes; e nada obsta, também, a que os horários de trabalho sejam objecto de negociação e acordo a nível colectivo, (..) com o significado de uma renúncia da entidade empregadora a uma parte das suas prerrogativas de organização e gestão da empresa” [Op. cit., pp. 352].

      O artigo 217.º do CT regula as situações em que um trabalhador tem um determinado horário de trabalho, que configura no tempo a sua prestação de trabalho e em função do qual este organiza a sua vida, pretendendo o empregador alterar essa situação por necessidades organizativas da empresa.

Como decorre do n.º1, o empregador pode alterar unilateralmente o horário de trabalho, salvo se este tiver resultado de acordo expresso em sede do contrato individual de trabalho (n.º4), mas em tal alteração deve respeitar os requisitos estabelecidos no n.º2. Estes requisitos, contudo, são afastados se a alteração não for superior a uma semana, nas condições específicas estabelecidas no n.º3.

Recorrendo de novo ao ensinamento de Monteiro Fernandes, a alteração do horário de trabalho reconduz-se, afinal, à fixação de um novo horário e, logo, é susceptível de forçar o trabalhador a reorganizar a sua vida, tal qual terá ocorrido relativamente ao horário inicial. Por isso mesmo, a lei regula essa possibilidade de cautelas significativas, estabelecendo o artigo 217.º  “(..) um conjunto de exigências, entre as quais (..) o dever de ressarcimento económico dos trabalhadores que, por força da alteração do horário, tenham que suportar um aumento de despesas” [Op. cit., p. 356].

Em suma, é esse o campo de aplicação do n.º5, do art.º 217.º, sendo de ter presente, como já se deixou esclarecido, que a norma não constitui qualquer inovação introduzida pelo CT actual, ou mesmo pelo precedente, remontando a sua origem ao DL n.º 409/71, de 27.09, mais precisamente, com a alteração introduzida ao artigo 12.º desse diploma, pelo art.º 5.º da Lei 21/96, de 23 de Julho.

Vale isto por dizer, que à data da celebração do Acordo de Empresa entre a CP — Caminhos de Ferro Portugueses, E. P., e o SMAQ—Sind. Nacional dos Maquinistas dos Caminhos de Ferro Portugueses, publicado no BTE de 22-09-2003, já a lei laboral estabelecia este dever para o empregador que procedesse à alteração do horário de trabalho do trabalhador.

Importa agora que nos debrucemos sobre o AE – CP/ SMA, mostrando-se relevante começar por assinalar que de acordo com o artigo 7.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro —LRCT —, que  até à entrada em vigor do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, regulava as relações colectiva de trabalho, «[a]s convenções colectivas de trabalho obrigam as entidades patronais que as subscreverem e as inscritas nas associações patronais signatárias, bem como os trabalhadores aos seu serviço que sejam membros quer das associações celebrantes, quer das associações sindicais representadas pelas associações sindicais celebrantes», norma que, consagrando, quanto ao âmbito pessoal dos efeitos das convenções colectivas, o princípio da filiação, veio, com irrelevantes alterações de redacção, a ser transposta para o artigo 552.º, n.º 1, do CT/03 e, posteriormente, para o art.º 496.º n.º1, do CT/09.

 Por outro lado, releva também reafirmar que à data da celebração da AE não havia impedimento legal, nem tão pouco existe actualmente, a que a fixação de horários de trabalho seja objecto de negociação colectiva e acordo a nível colectivo.

Com efeito, decorre do art.º 6.º n.º 1, do DL 519-C1/79 (LRCT), que veio a ser transposto para o art.º 533.º n.º1, do CT/03, constando agora do art.º 478.º n.º1 do actual Código, que em matéria de organização do tempo de trabalho os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho apenas estão sujeitos a dois limites: i) não podem contrariar norma legal imperativa; ii) não podem regulamentar os períodos de funcionamento.

Assim, é neste enquadramento legal que deve ser entendido o AE – CP/ SMA, na parte em que regula  a “Organização da prestação do trabalho” [Capítulo VI].

Por outro lado, contrariamente ao defendido pelo recorrido, o apelo da Recorrente ao Decreto-Lei n.º 381/72, de 9 de Outubro, é também válido, pese embora a revogação do Decreto-lei n.º 409/71, de 27 de Setembro (Lei da duração do trabalho, a que já nos referimos), com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, conforme expresso no artigo 21.º n.º1, al. b), da  Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que o aprovou. Por outras palavras, a revogação expressa do DL 409/71, não implicou, como consequência directa e necessária, a revogação tácita do DL 381/72.

Com efeito, embora o DL 381/72, de 9 de Outubro, tenha surgido na sequência do DL 409/71, mais precisamente, por via disposto no n.º2, do artigo 1.º deste diploma, que fazia “(..) depender da publicação de decretos regulamentares específicos a aplicação do regime nele definido ao trabalho prestado às empresas concessionárias de serviço público” [cfr. preâmbulo do DL 381/72], é preciso não esquecer que o art.º 7.º da Lei n.º 99/2003, de 2 de Agosto, dispõe o seguinte:

-“As remissões de normas contidas em diplomas legislativos ou regulamentares para a legislação revogada por efeitos do artigo 21.º consideram-se referidas às disposições correspondentes do Código do Trabalho”.

Assim, quando o n.º1, do artigo 1.º do DL 381/72, dispõe que “(..) e o regime definido no Decreto-lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, são aplicados às empresas concessionárias, subconcessionárias e arrendatárias do serviço público dos transportes ferroviários, com as adaptações constantes do presente diploma”, deve entender-se que essa remissão é válida para as normas que no Código do Trabalho/03 passaram a ocupar-se da matéria que era disciplinada por aquele diploma, nomeadamente, para os artigos 155.º e seguintes, da Secção III - “Duração e Organização do Tempo de Trabalho”, do Capitulo II – “Prestação do Trabalho”.

Para além disso, note-se,  o AE – CP/ SMA, foi celebrado e entrou em vigor ainda na vigência do DL 409/71, dado que o início da vigência do Código do Trabalho/03 só ocorreu em 1 de Dezembro de 2003 (art.º 3.º/1, da Lei 99/2003).

Retomando a linha de raciocínio que vínhamos seguindo, cabe atentar no AE – CP/ SMA, mais precisamente na parte em que regula  a “Organização da prestação do trabalho” [Capítulo VI].

Uma primeira nota, para assinalar que nesse capítulo encontramos cláusulas dirigidas aos trabalhadores em geral e outras que têm em vista regular o caso particular e específico do “pessoal da carreira de condução-ferrovia/tracção”.

No caso em concreto, são estas últimas que nos interessam. E, para que fiquemos já cientes sobre quem são os trabalhadores abrangidos por essa regulamentação específica, cabe atentar no ANEXO I, ao AE, que compreende o “Regulamento de carreiras CP/SMAQ — 2003”, em cujo CAPÍTULO I, sob o título “Disposições gerais”, consta o seguinte:

«I—Âmbito de aplicação

1—O presente regulamento aplica-se à carreira de condução-ferrovia/tracção».

E, do CAPÍTULO II, decorre que a “Carreira de condução” compreende as seguintes «Categorias: Maquinista; Maquinista técnico; Inspector de tracção; Inspector-chefe de tracção».

Ora, como decorre dos factos provados, o A. começou por ser admitido ao serviço da R., em 4/6/1990, com a categoria de maquinista (facto 1), até que em Setembro de 2005, passou a ter a categoria de Inspector de Tracção, por ter concorrido à mesma (facto 8).

Segundo a descrição funcional da categoria, constante do Capítulo II, ao  “Inspector de tracção”  cabe, genericamente,  «Assegurar a orientação e supervisão da actividade operacional do pessoal de condução, instruindo-o sempre que necessário, e acompanhar a realização dos serviços e o funcionamento das unidades motoras (..)».

Debrucemo-nos agora, contendo-nos dentro do que aqui releva, sobre as  cláusulas respeitantes à regulamentação da organização do tempo de trabalho, em particular no que respeita às especificidades para os trabalhadores da “carreira de condução-ferrovia/tracção”.

A cláusula 18.ª, com a epígrafe “Período normal de trabalho”, relativamente a estes trabalhadores, estabelece no seu n.º2, que «O período normal de trabalho diário dos trabalhadores da carreira de condução-ferrovia não pode ser inferior a seis horas nem superior a nove horas, quer seja diurno, nocturno ou misto, contando-se por seis horas mesmo que aquele limite não seja atingido».

Segue-se a Cláusula 19, com a epígrafe, “Horários de trabalho”, aqui não se encontrando distinção entre os trabalhadores da carreira de condução-ferrovia e outros trabalhadores, onde se lê o seguinte:

- «[1] Os horários de trabalho a que estão sujeitos os trabalhadores são, em princípio, os que lhes correspondem nas respectivas sedes.

    [2] Os trabalhadores deslocados ficam sujeitos aos horários que lhes corresponderem nesses locais de trabalho, desde que, nesses locais, esteja em vigor um horário para o serviço a executar».

A Cláusula 20.ª / “Escalas de serviço”, dirige-se precisamente aos trabalhadores da carreira de condução-ferrovia, dela constando, para além do mais:

- «[1] O horário de trabalho do pessoal da carreira de condução-ferrovia/tracção será organizado pela empresa em regime de escalas de serviço.

  [2] Entende-se por escalas de serviço os horários de trabalho individualizados, destinada assegurar a prestação de trabalho por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho.

 [3] As escalas de serviço devem prever, em relação a cada trabalhador, as horas de início e termo de cada período normal de trabalho, a atribuição do trabalho, a indicação do local (na sede ou fora da sede) onde se inicia cada p. n. t. e onde é gozado o repouso, bem como o período para a tomada de refeição, nos termos da cláusula 21.ª

(…)».

Num breve parêntesis, mostra-se pertinente fazer já notar que da conjugação destas duas cláusulas resulta, no que concerne ao “pessoal da carreira de condução-ferrovia/tracção”,  que os seus horários de trabalho serão  «(..) em princípio, os que lhes correspondem nas respectivas sedes”, mas com a particularidade de serem individualmente «(..) organizado(s) pela empresa em regime de escalas de serviço (..)», de modo a assegurarem  «(..) a prestação de trabalho por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho».

Tal significa, no que respeita à carreira de condução-ferrovia/tracção, que a colocação de um trabalhador numa determinada escala, diferente da que vinha praticando, embora se traduza na prática de um horário de trabalho diferente, não consubstancia uma verdadeira alteração ao horário de trabalho, nos termos previstos no art.º 217.º do CT. Na verdade, como decorre do n.º1 da Cláusula 20.º, é inerente à carreira de condução ferrovia/tracção, estarem os trabalhadores nela integrados  sujeitos a variações no seu horário, decorrendo as mesmas das escalas de serviço em que forem inseridos.

É essa especificidade que explica as cláusulas imediatamente seguintes, em concreto a 20.º A e a 20.º B, onde se definem as regras relativamente aos trabalhadores desta carreira, respectivamente, no que respeita às  “Apresentações ou retiradas na sede” e às “Apresentações ou retiradas em local diferente da sede”, através das quais as partes procuraram fixar determinados princípios na organização das escalas de serviço, restringindo os poderes da empregadora Ré e impondo-lhe determinadas obrigações de natureza pecuniária, quando os mesmos não forem observados.

 Para o caso releva essencialmente a primeira delas, exactamente aquela em que o A. se estribou para vir através da acção reclamar a condenação da R. no pagamento das quantias pedidas. Assim, estabelece a cláusula 20.º A [Apresentações ou retiradas na sede], o seguinte:

[1]As escalas de serviço são elaboradas de modo a não prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas, e de modo que, nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, tenham em conta os horários de funcionamento desses transportes, salvo o disposto no número seguinte.

[2] Em excepção ao disposto no número anterior, os trabalhadores poderão ter apresentação e retirada de serviço sem aquelas limitações, desde que:

a) A empresa pague ao trabalhador um abono de transporte desde a residência do trabalhador até ao local onde este deve iniciar o período normal de trabalho diário ou desde o local onde aquele terminou o período normal de trabalho diário até à sua residência, conforme o caso;

b) Conste da escala a menção de que se trata de apresentação ou retirada ao abrigo deste número;

c) O início e o termo do período normal de trabalho ocorram no mesmo local;

d) Iniciando-se o período normal de trabalho diário entre a 1 hora e 30 minutos e as 5 horas e 30 minutos, o mesmo não pode ter uma duração superior a seis horas.

[3] O abono de transporte referido no número anterior corresponde a uma das seguintes quantias:

a) Ajuda de custo de E 5,26, acrescida do valor pago pelo trabalhador no transporte em táxi entre a sua residência e o local de apresentação ao serviço ou do local de retirada do serviço para a sua residência, consoante o trabalhador inicie ou termine o seu período de trabalho; ou

b) Ajuda de custo de E 5,26, acrescida do pagamento dos quilómetros do percurso de ida e regresso entre a residência do trabalhador e o local de apresentação, ao preço/quilómetro aprovado para a função pública para as deslocações efectuadas em viatura própria, no mínimo de 10 km.

Em suma, desta cláusula, em articulação com as anteriormente referidas,    retira-se que na organização das escalas de serviço, isto é, na organização dos horários de trabalho do pessoal que desempenha as funções  inerentes às categorias compreendidas na carreira de condução ferrovia/tracção - Maquinista; Maquinista técnico; Inspector de tracção; Inspector-chefe de tracção – de modo a prestarem trabalho «(..)por períodos não regulares no que respeita à duração diária e semanal e às horas de início e termo do período normal de trabalho», a recorrente deve observar o seguinte:

- i) as escalas não devem prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas;

- ii) nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos, as escalas devem atender aos horários de funcionamento desses transportes;

-iii) excepcionalmente, as escalas poderão não observar aquelas limitações, mas nesse caso a Recorrente terá que observar o disposto nos n.ºs 2 e 3, nomeadamente quanto aos pagamentos ai previstos.

O fundamento em que o A. se sustenta passa precisamente pela afirmação de que a recorrente na organização das escalas de serviço não observou o disposto no n.º1, nomeadamente ao colocá-lo a prestar trabalho na escala de serviço que prevê a entrada a entrada e a saída, respectivamente, às 06h30m e às 14h30m ou às 14h00  e às 22h00, alegando que tal não lhe permitia fazer uso dos transportes públicos, obrigando-o a usar o seu veículo automóvel, por isso pretendendo ser pago nos termos estabelecidos na aludida cláusula.

É certo que o A. também faz apelo ao n.º5, do art.º 217.º do CT, mas para o caso de se entender não ser “(..) aplicável ao presente caso as disposições convencionais (..)”que indicou, nomeadamente a cláusula 20.º A [art.º 92.º da Pi].  

Pois bem, como se deixou dito, no que respeita aos trabalhadores da carreira de condução-ferrovia/tracção, pela especificidade do regime de organização do tempo de trabalho a que estão sujeitos, a colocação de um trabalhador numa determinada escala, diferente da que vinha praticando, embora se traduza na prática de um horário de trabalho diferente, não consubstancia uma verdadeira alteração ao horário de trabalho, nos termos previstos no art.º 217.º do CT. O que aqui ocorre é a integração numa nova escala, desse modo resultando fixado o correspondente horário de trabalho, mas em termos definidos no instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e, note-se,  dentro de parâmetros com os quais o trabalhador deve contar desde que integre uma das categorias da carreira de condução /ferrovia, por ser inerente às mesmas a prestação de trabalho sujeito a esse condicionalismo.

O que os trabalhadores dessa carreira podem exigir, na medida em que são esses os deveres a que está sujeito o empregador, é que na elaboração das escalas de serviço sejam observadas os princípios e limites fixados no instrumento de regulamentação colectiva aplicável, desde logo, nas cláusulas 20.ª e  20.º A.

Não quer isto significar - como afirma a recorrente - que a cláusula 20.º A do AE exclua o n.º5, do artigo 217.º do CT. Não exclui, nem poderia, por se tratar de norma imperativa.

O que acontece é terem campos de aplicação distintos. Uma determinada situação, ainda que relativa a um trabalhador da carreira de condução /ferrovia, poderá eventualmente enquadrar-se no art.º 217.º  desde que, em determinadas circunstâncias concretas, haja uma alteração de horário, mas que não resulte da elaboração de escalas nos termos consentidos pelas cláusulas 20.ª e 20.º A, isto é, desde que pretenda fixar um horário fora de escala ou fixar um horário numa situação para além daquelas a que têm aplicação as cláusulas.

Em contrapartida, quando na colocação de um trabalhador da carreira de condução /ferrovia numa determinada escala, elaborada no âmbito dos poderes de fixação do horário de trabalho previstos nas aludidas cláusulas, a empregadora não observe os deveres a que está vinculado, isto é, os limites estabelecidos nas aludidas cláusulas ao seu poder de as elaborar, então a eventual violação de direitos do trabalhador deve ser aferida à luz do estabelecido nas próprias cláusulas, nomeadamente na cláusula 20.º A.

Na indagação sobre o sentido e alcance destas cláusulas, importa ainda deixar claro que a cláusula 20.º A, não impõe ao empregador que atenda ao local de residência do trabalhador, assentando no pressuposto de que este tem a sua vida organizada em função de determinado local de trabalho, para tanto contando com o regime de trabalho em escalas de serviço organizadas pela empregadora, de modo “a não prever entradas e saídas na sede entre as 2 e as 5 horas”, e a ter em conta, “nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos (..) os horários de funcionamento desses transportes” [n.º1, da cláusula 20.º A].

É a cláusula seguinte, isto é a 20.ª B,  que manda atender ao local de residência dos trabalhadores, mas para os casos de apresentações ou retiradas em local diferente da sede, estabelecendo, parra além do mais, que «Poderão ocorrer apresentações ou retiradas em locais diferentes da sede (depósito, posto ou centro de trabalho a que o trabalhador pertence), desde que as mesmas se verifiquem na área de um círculo de 5 km de raio cujo centro é a sede do trabalhador ou dentro dos limites geográficos do aglomerado populacional a que esta pertence, contando-se a duração do período normal de trabalho diário apenas a partir do momento da apresentação e até ao momento da retirada nesses locais diferentes da sede.

Confrontando as cláusulas, logo se percebe que a entidade empregadora apenas tem que atender ao local de residência do trabalhador quando lhe determine que se apresente para iniciar a actividade diária ou que a termine em locais diferentes da sede, isto é, do depósito, posto ou centro de trabalho a que o trabalhador pertence.

O que bem se compreende, posto que nestes casos, tendo o trabalhador a sua vida organizada em função de determinado local e dos horários em escala que poderá praticar, por efeito daquela determinação irá ver alteradas as suas rotinas e terá que reajustar a organização da sua vida pessoal e familiar para se deslocar para um local mais longe do que o habitual para iniciar a prestação da actividade ou, finda a mesma,  terá que regressar de um local mais longínquo, em qualquer caso, desde logo,  despendendo maior tempo.

II.3.4 Atentemos agora nos factos relevantes.

Como já se mencionou, o A. foi admitido ao serviço da R., em 4/06/1990, com a categoria de maquinista (facto 2).

Desde Setembro de 2001 que reside em Viseu (facto 3), localidade que se situa a cerca de 130 km de Contumil (facto 4).

Em Setembro de 2005, concorreu para o lugar da categoria de Inspector de Tracção, no Depósito de tracção de Contumil (facto 8), sendo certo que o aviso do concurso não previa qualquer horário de trabalho em particular (facto 9) e que tinha um período de funcionamento de laboração contínua assegurado por três turnos de gestão de material motor – 00h00 às 08h00/08h00 às 16h00/ 16h00 às 00h00 -, um turno de gestão de pessoal – entre as 08h00 e as 16h00 – e turnos de acompanhamento de comboios (facto 10).

Sendo certo, conforme também provado, que a Ré organizava o serviço nesse local de trabalho mediante escalas, as quais eram elaboradas segundo os critérios de gestão da Ré na perspectiva, designadamente, de garantir os períodos de descanso obrigatórios, a prestação efectiva do serviço público de transporte e a circunstância de o início e o fim dos horários dos trabalhadores ser servido, no local de trabalho, pela rede de transportes públicos, não contando para tanto com os locais em que cada trabalhador residia (facto 7). Isto é, noutras palavras, a R. organizava o serviço nos termos consentidos nas cláusulas 20.ª e 20.ª A, para os trabalhadores da carreira de condução ferrovia /tracção, na qual se integrava o A.

Por conseguinte, quando concorreu a esse lugar, pese embora residisse a 130 km do local onde se deveria apresentar para iniciar a prestação de trabalho e onde a terminaria diariamente, o  A. assumiu que ficaria sujeito a integrar qualquer um daquele horários conforme lhe fosse atribuído na escala e, logo, que eventualmente poderia ser enfrentar dificuldades em conciliar a necessidade de se deslocar dessa distância com a oferta de transportes públicos, entre eles os proporcionados pela Recorrente, que pode utilizar gratuitamente (facto 5).

E assim aconteceu, constando provado que prestava as suas funções em qualquer um dos turnos, consoante lhe fosse atribuído em escala (facto 11), bem assim que “Por vezes, nas deslocações de e para a sua residência, o Autor ia apanhar o comboio que passa por Aveiro, que tinha um horário compatível” [facto 12], significando tal, implicitamente, que nessas vezes tinha que deslocar-se da sua residência até Viseu pelos seus próprios meios, sendo de presumir que o fizesse em carro próprio.

Anteriormente, isto é, antes de ter concorrido aquela função e local de trabalho,  utilizava o transporte ferroviário entre a sua residência (estação de Mangualde) e o local de trabalho a que então estava afecto (facto 6).

Entretanto, o Depósito de Tracção de Contumil, embora mantido em funcionamento,  foi objecto de uma reestruturação, tendo a Ré criado duas unidades independentes,  a “CP Regional” e a “CP Longo Curso” (factos 14 e 15).

Nesse circunstancialismo, “em 01/02/2007, de forma voluntária, porque nisso viu vantagens em termos dos horários que acreditou virem a ser praticados, o Autor passou a ficar afecto à “CP Longo Curso” e, nessa sequência, ao Posto de Tracção de Contumil”, o qual “geria a circulação ferroviária e o pessoal afecto à CP longo Curso (facto 16).

Importa reter, como resulta claramente dos factos, que se trata de uma opção pessoal assumida pelo A. na perspectiva de obter vantagens “em termos de horários que acreditou virem a ser praticados”, isto é, mas sem que lhe estivesse garantido por qualquer forma poder efectivamente alcançar uma situação mais vantajosa em termos de horários e, também, sem que tivesse havido qualquer imposição da empresa, mudando-o de serviço.

Provado está, também, que “Apesar da possibilidade de laboração contínua do Posto, designadamente com turnos de acompanhamento de comboios, o Autor efectuava o horário das 9:00 às 17:00 horas, destinado à gestão do material motor e de pessoal” [facto 18], o que vale por dizer, que pelo menos no imediato, o risco assumido pelo A. na sua opção foi-lhe favorável.

Porém, note-se, atento o regime próprio da carreira em que está integrado, nomeadamente no que respeita à prestação de trabalho em escalas de serviço, o A. não podia contar que essa situação que lograra obter se mantivesse estável e imutável.

Por isso mesmo, em 01/04/2009, reponderadas as necessidades no Posto de Tracção de Contumil, a Ré criou 2 novos turnos de 8 horas cada, rotativos, mantendo-se os de acompanhamentos, das 06:00 às 14:00 horas e b) das 14:00 às 22:00 horas (facto 20).

A nova situação levou a que o Autor deixasse de poder usar o transporte ferroviário desde e para a sua residência, estação de Mangualde, por não dispor de horários compatíveis (21).

Essa situação manteve-se até 31-05-2009 (facto 29), sendo certo que nesse período a Ré pagou-lhe os quilómetros percorridos nas deslocações com a sua viatura própria, à razão de 260 quilómetros por dia e €0,40 por quilómetro (facto 28), relativamente aos dias em que prestou trabalho em horário que não lhe permitiu fazer uso dos transportes públicos (facto 27).

Impõe-se aqui mais um parêntesis, apenas para fazer notar que o facto de a R. ter assumido o pagamento enquadra-se na previsão do n.º1, segunda parte, da cláusula 20.º A., uma vez que  Contumil, inserido na área urbana do Porto é servido por uma rede regular de transportes públicos (comboios, autocarros e metro), mas entre as 06h30 e as 00h00 (facto 19). Com efeito, se tivermos presente, o n.º1 da cláusula 20.ª, impõe à recorrente que na elaboração das escalas, tenha em conta  “nas grandes áreas urbanas servidas por redes regulares de transportes públicos,(..) os horários de funcionamento desses transportes”, limite que não foi observado na fixação do turno com início às 06h00. E, nesse caso, como decorre do n.º2, da mesma cláusula -  que, como já se explicou,  funciona independentemente do local de residência do trabalhador -  é devido “(..) abono de transporte desde a residência do trabalhador até ao local onde este deve iniciar o período normal de trabalho diário ou desde o local onde aquele terminou o período normal de trabalho diário até à sua residência, conforme o caso” [al.a)].

Contudo, em “1/06/2009, por ter constatado a ausência de transportes públicos que servissem Contumil e pudesse ser usados pelos trabalhadores afectos aos turnos das 06h00, a ré alterou aquele turno para o período das 06h30 às 13h30m” (facto 30).

Vale isto por dizer, que a R. procurou harmonizar os horários a serem praticados em escala de serviço, com a exigência constante da parte final do n.º 1 da cláusula 20.ºA, para desse modo evitar o pagamento a que estava obrigada, quer ao A. quer a qualquer outro trabalhador na mesma situação, caso mantivesse inalterados os turnos a serem praticados em escala de serviço.

Aqui chegados, cabe agora assinalar que foi com base nestes factos e seguindo proximamente o essencial desta linha de raciocínio, que a Senhora Juíza, numa primeira fase conclui “Se assim é, e sabendo-se que o local onde o Autor presta funções, Contumil, se encontra inserido na área urbana do Porto e é servido por uma rede regular de transportes públicos entre as 06:30 e as 24:00 (ponto 19 da factualidade), tem razão a Ré quando invoca que, nos termos do AE, apenas teria de compensar o Autor durante os meses de Abril e Maio de 2009 e somente nos dias em que este iniciou funções às 06:00”.

Contudo, em seguida enveredou pela aplicação do n.º5, do art.º 217.º, posição que, já se percebeu pelo que anteriormente exposto, não merece a nossa concordância.

II.3.5 Mas vejamos mais detalhadamente a questão, atento o disposto na Cláusula 20.º A,  tendo em conta o alegado pelo A. como fundamento para sustentar os pedidos deduzidos e  atentando nos factos assentes.

A alteração do turno com início às 06h00, para as 06h30m, para assim ficar compatibilizado com os horários de funcionamento dos transportes públicos da grande área urbana do Porto, efectuada pela Recorrente a partir de 1-06-2009, manteve-se até 15-08-2010, sendo relativamente a este período que o A. pretende ser compensado, nos termos previstos na cláusula 20.º A, pelas deslocações que fez em transporte próprio, alegando como fundamento o facto de poder usar o transporte ferroviário desde a sua residência, servida pela estação de Mangualde, em razão dos horários não serem compatíveis (factos 31 e 21).

Com efeito, na estação de Mangualde, o primeiro comboio passa às 05:57 horas de segunda-feira a sábado e às 07:03 horas de domingo, com ligação em Coimbra para Contumil onde têm horas de chegada, respectivamente, às 08:44 e 09:44 horas (facto 22). E, no sentido contrário, o último comboio com ligação a Mangualde parte de Contumil às 18:45 horas, estabelece ligação em Coimbra e tem hora de chegada a Mangualde às 21:43 horas (facto 23).

Em suma, pretende o A., pese embora a apontada alteração feita pela R., que esta mantivesse os pagamentos, nos termos do n.º2, da cláusula 20.ª A, como fez naquele período em que não observara integralmente o n.º1, da mesma cláusula.

Mostra-se pertinente voltar a assinalar que o A. já anteriormente se vira confrontado com este problema, o que explica que por vezes fosse apanhar o comboio que passa por Aveiro, por ter um horário compatível (facto 12), dado que então, após concorrer para o Depósito de Tracção de Contumil e para a categoria de Inspector de Tracção, prestava funções em qualquer dos turnos então existentes (facto 11). Não se sabe quais as horas de início e termo dos turnos de acompanhamento dos comboios, mas sabe-se que os turnos de gestão de material motor eram das 00h00 às 08h00, das 08h00 às 16h00 e das 16h00 às 00h00.

Como bem se vê, embora os turnos de então não se iniciassem tão cedo, nem terminassem tão tarde, sempre que coubesse ao A. iniciar a prestação de trabalho às 08h00 ou conclui-la às 00h00, não poderia servir-se do comboio na estação de Mangualde, quer para a ida quer para a volta.

Certo é, como também se fez notar, que essa dificuldade de em determinados dias conciliar o horário com os transportes ferroviários disponíveis a partir da sua residência foi um ónus assumido pelo A., quando decidiu concorrer àquelas funções e naquele local de trabalho, não podendo sequer partir do pressuposto, caso em determinadas alturas obtivesse uma situação vantajosa – como aconteceu no período em que desempenhou funções no horário das 09h00 às 17h00  (facto 18) – que tal fosse vinculativo para a empregadora.

Ora, é precisamente por essa mesma ordem de razões que a sua pretensão não pode ser acolhida.

O A. apenas teria fundamento caso alegasse e demonstrasse que a R., ao elaborar a escala de serviço para dar resposta aos turnos, não cumprira com o disposto no n.º1 da Cláusula 20.º A, mas não é esse o seu fundamento.

Em rigor, o que o A. pretende é fazer depender a responsabilidade da R. de factos que, nestas circunstâncias, são irrelevantes, isto é, a localidade que voluntariamente elegeu para fixar a sua residência e a decisão de concorrer para um local distante da mesma cerca de 130 km.

Ora, salvo o devido respeito, tal não tem cabimento, pois como já se explicou antes a aludida cláusula não atende à localidade da residência habitual do trabalhador, nem de resto o poderia fazer. De outro modo, cair-se-ia no absurdo da recorrente, para usar da disponibilidade dos trabalhadores, organizando as escalas de serviço, estar sempre dependente do local da respectivas residências, fixadas voluntariamente por cada um deles, independentemente de residirem até a centenas de quilómetros de distância.

Na verdade, se assim fosse, sempre que um trabalhador da carreira de condução ferrovia /tracção, decidisse concorrer para um qualquer lugar, ainda que bem distante da sua residência habitual e, logo, levantando óbvios problemas de compatibilização dos transportes disponíveis com a necessidade de cumprir os horários de trabalho, estaria a Recorrente obrigada a compensá-lo nos termos da cláusula 20.º A, pese embora fosse alheia à opção dele ter concorrido àquele lugar de trabalho. Se assim fosse, em qualquer situação congénere, impunha-se à recorrente um ónus tal qual ela tivesse imposto aos trabalhadores uma transferência do local de trabalho, causando-lhe prejuízo sério, sendo certo que à luz do estabelecido no AE, na cláusula 16.ª, em regra, “A empresa só pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não causar prejuízo sério ao trabalhador ou se resultar de mudança total ou parcial do estabelecimento onde aquele presta serviço (n.º1).

 II.3.6 Concluindo, assiste razão à recorrente - ainda que por razões não inteiramente coincidentes com as que esgrimiu -  quando defende não ter aplicação ao caso concreto o n.º5, do art.º 217.º do CT/09, bem assim que face ao disposto nas cláusulas 20.º e 20.º A, do AE, não assiste fundamento ao Autor para ver os pedidos procedentes e, logo, que a decisão recorrida deve ser revogada.

Consequentemente, ficam, assim, prejudicados os demais argumentos da recorrente, também dirigidos a afastar a aplicação do n.º5, do art.º 217.º CT/0 e relativos à remessa para liquidação de sentença.

Uma última nota no que respeita aos danos não patrimoniais. Ccomo se sabe, para serem atendidos é necessário, desde logo, que se verifiquem os pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, isto é, conforme decorre do disposto no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, a violação de um direito ou interesse alheios, a ilicitude ou antijuridicidade dessa violação, o vínculo de imputação ao agente do facto lesante desses direitos ou interesses, o dano sofrido e o nexo de causalidade entre o facto lesante e o dano.

Significa isso, no domínio do direito laboral, que para haver direito à indemnização com fundamento em danos não patrimoniais, como condição fulcral, terá o trabalhador que começar por provar a violação culposa dos seus direitos, só a partir daí cabendo indagar sobre a verificação dos demais requisitos, entre eles os decorrentes do art.º 496.º do CC.

Assim, sendo certo que nem sequer se provou haver por banda da Recorrente qualquer violação culposa dos direitos do autor, necessariamente improcede o pedido e, logo, caberá igualmente revogar a decisão recorrida quanto a esse ponto.


***

Considerado o disposto no art.º 446.º n.º 1 e 2 do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de apelação, revogando a sentença recorrida, com a consequente absolvição da Recorrente/Ré  dos pedidos deduzidos pelo Recorrido/Autor.

            Custas pelo recorrido.

           

Lisboa, 4 de Dezembro de 2013           

Jerónimo Freitas (relator)           

Francisca Mendes (1.ª adjunta)

Maria Celina de J. Nóbrega (2.ª Adjunta)

Decisão Texto Integral: