Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA LEONOR BOTELHO | ||
Descritores: | SENTENÇA FUNDAMENTAÇÃO EXAME CRÍTICO DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/26/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | –Compete ao Tribunal verter na decisão qual a concreta prova que teve em conta e que factos da mesma retirou. –Resultando dos autos que existe prova potencialmente relevante, designadamente testemunhal, que não foi arrolada compete ao Tribunal, nos termos do artº 340º do C.P.P., providenciar pela sua produção. –Toda a afirmação factual tem de ser sustentada em prova, excepto aquela que resulta da aplicação de regras da experiência ou conexões lógicas. –Impende sobre o julgador a obrigação de proceder ao exame crítico das provas produzidas, assim permitindo sindicar o percurso seguido na formação da sua convicção, percurso esse que se impõe lógico e racional e em consonância com as regras da experiência comum. –O exame crítico deve consistir na explicitação coerente, lógica e racional do processo de formação da convicção do julgador, devendo traduzir-se na indicação das razões que levaram à formação da sua convicção, isto é, dos motivos pelos quais as diferentes provas foram, ou não, valoradas e em que sentido, nele se explanando ainda os fundamentos que levaram o Tribunal a considerar, ou não, idóneos e credíveis os meios de prova produzidos. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: * * I–RELATÓRIO 1.1.– Decisão Recorrida No processo comum singular com n.º 1334/18.3 TELSB do Juízo Local Criminal de Lisboa – Juiz 2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido VS, melhor identificado nos autos, mediante acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176.°, n.°1, alíneas b) e c), do Código Penal. Realizado o julgamento, foi proferida sentença que, a final, condenou o arguido pela prática de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art.º 176°, n.°1, alínea c), do Código Penal, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período. Inconformado com essa decisão dela recorreu o arguido, no seguimento do que foi declarada a nulidade da sentença proferida pela 1ª Instância por falta de exame crítico da prova, determinando-se a baixa do processo para elaboração de nova decisão expurgada da referida nulidade. Remetido o processo à 1ª Instância, veio a ser elaborada nova sentença que a final decidiu nos seguintes termos: «a)- condenar o Arguido VS pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176°, n°1, c), do Código Penal na pena de três (3) anos de prisão; b)- suspender a execução da pena de prisão pelo período de três (3) anos (art. 50°, nºs 1 e 5, do C. Penal); c)- condenar o Arguido na taxa de justiça que se fixa em 2 UC, e nas custas do processo». * 1.2.– Recurso De novo inconformado com essa decisão, dela recorreu o arguido, pugnando pela revogação da sentença recorrida e pela sua absolvição, e, caso assim não se entenda, pugnando pela diminuição da pena aplicada, dizendo ainda não terem sido apurados quaisquer factos quanto às suas condições de vida. Apresentou as seguintes conclusões: «1–É do modesto entendimento do recorrente que os factos constantes das al. a) a d) do elenco da factualidade dada como provada, deveriam, pelo contrário, ter sido dados como não provados, por não ter sido produzida prova em sede de audiência de discussão e julgamento que permitisse o Tribunal a quo formar uma convicção firme e segura de que os factos alegados se terão efetivamente verificado, que se terão verificado exatamente da forma descrita e que, mais importante, terá sido o arguido, ora recorrente, quem os terá praticado. 2–Pelo que, conclui o recorrente, no seu modesto entender, que, face à não produção de prova, deveria a factualidade constante da acusação ter sido dada como não provada, sendo a acusação julgada improcedente, e, em consequência, o arguido, ora recorrente, VS, ser absolvido dos factos de que vem acusado. 3–O Tribunal a quo dá como provado que um ficheiro, constituído por um vídeo de seis segundos, terá sido partilhado pelo ora recorrente, através das contas de Instagram e de Facebook, que identifica com o ID e o URL, respetivamente, garantindo que o recorrente era o único utilizador das mesmas. 4–Senho o ID e o URL o mero endereço identificador de uma página na Internet, que em nada garante quem foi o seu criador ou se correspondem os dados lá contidos com o real utilizador, é de questionar como conseguiu o Tribunal a quo formar uma convicção sem margem para qualquer dúvida, de que terá sido o arguido, ora recorrente, a partilhar efetivamente o ficheiro, e não qualquer outra pessoa, uma vez que a prova que se fez em sede de audiência de discussão e julgamento foi nenhuma! 5–Estamos perante uma alegada partilha numa rede social, que do conhecimento comum, aos dias de hoje, é de mínima ou nenhuma fiabilidade, revelando-se a mesma de fácil acesso indevido, ou facilmente “pirateada” ou “hackeada”, mesmo por pessoa não muito engenhosa. 6–Sem esquecer, claro está, toda uma imensidão de possibilidades, que não foram afastadas pelo Tribunal a quo, nomeadamente a hipótese de o ora recorrente, ingenuamente ou negligentemente, ter iniciado a sessão na sua conta num aparelho público, ou de um ente conhecido ou familiar, e não ter o cuidado de a encerrar, a hipótese de o recorrente ter emprestado o telemóvel/computador a alguém, ou ter recebido visitas em casa com acesso aos seus aparelhos eletrónicos, onde a conta estivesse aberta, permitindo, desta forma, que terceiros pudessem ter acesso à conta e fazerem o que entenderem sob a identidade de outrem... Enfim, um sem número de possibilidades que não foram avaliadas e afastadas pela prova produzida em sede de audiência e julgamento, que, no modesto entender do recorrente, foi nenhuma, ou tão parca e despida de segurança e certeza jurídicas que não poderia nunca permitir ao Tribunal formar outra convicção que não a absolvição do arguido! 7–Em momento algum existe qualquer facto provado ou dado concreto que permita o Tribunal a quo, sem sombra de qualquer dúvida, concluir os factos descritos na acusação terão efetivamente acontecido, que terão acontecido daquela exata forma, e, o mais importante, que terão sido alegadamente praticados pelo ora recorrente. 8–Questiona assim o recorrente como foi possível o Tribunal a quo concluir que terá sido o arguido, ora recorrente, a enviar seja o que for a partir de uma conta numa rede social, que não permite garantir com a mínima fiabilidade, aliás, com fiabilidade nenhuma, quem está efetivamente atrás do ecrã, a fazer seja o que for. 9–Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, a mera possibilidade de a simples identificação da rede social (ID) servir como prova em processo penal para efeitos da condenação de qualquer pessoa é aberrante! 10–Formou o Tribunal a quo uma convicção tão forte e plena ao ponto de concluir pela condenação do recorrente, sem entender necessária qualquer prova testemunhal, cf. se pode confirmar pela verificação das atas das audiências de discussão e julgamento, que nenhuma referência fazem à audição de testemunhas, órgãos de polícia criminal ou outras. Além de que o relatório emitido pelo National Center for Missing and Exploited Children que terá servido de base à investigação dos autos encontra-se em língua estrangeira e não devidamente traduzido para a Língua Portuguesa. 11–Ora, isto significa que não foi feita prova em sede de audiência de discussão e julgamento que corrobore os factos que constam da acusação, baseando-se, apenas, o Tribunal a quo em documentação fornecida em resultado da investigação levada a cabo pela Polícia Judiciária, que, em momento algum, refere o nome do arguido, e que não foi discutida, apreciada e corroborada em sede de audiência de discussão e julgamento. 12–Forma o Tribunal a quo também a sua convicção num documento fornecido pela NOS. Não entende o recorrente, com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, como foi possível ao Tribunal retirar qualquer conclusão deste documento, que não fosse uma conclusão a favor do arguido, quando tal relatório apenas refere um número de telemóvel 91…., que ainda se mantém ativo, mas em nome de MR, residente na Rua …, e que, portanto, nada tem que ver com o arguido, ora recorrente, VS, residente na Rua …... 13–Existe também uma informação da Altice no elenco dos documentos que terá permitido a formação da convicção do Tribunal a quo, e que a única informação que traz aos autos é um endereço IP que estará registado em nome de JS, o que é demonstrativo de que, em mais um momento, nunca é o ora recorrente identificado. 14–Dá o Tribunal a quo como provado o constante da al. b) da matéria de facto dada como provada. No entanto, questiona o recorrente como conseguiu o Tribunal a quo formular uma convicção plena e segura o bastante para dar como provada a alegada partilha do suposto vídeo com a pessoa de nome AR, tendo apenas, e mais uma vez, como único dado a identificação de um titular de uma conta. 15–Suscita até estranheza e curiosidade, com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, como foi possível o mesmo Tribunal chegar a tal conclusão, uma vez que essa pessoa não foi ouvida em sede de audiência de discussão e julgamento. 16–Tudo questões que, no modesto entender do recorrente, não poderiam, por terem ficado sem resposta, ou não terem sido afastadas em sede de audiência de discussão e julgamento, ter contribuído para a formação da convicção firme e segura que aparentemente foi formulada pelo Tribunal a quo. 17–Porquanto, não foi produzida qualquer prova dos factos constantes da acusação em sede de audiência de discussão e julgamento, o que se pode concluir pelas Atas das Audiências de Discussão e Julgamento, e, como tal, o arguido deveria, sem mais, ter sido absolvido! 18–Quanto mais não fosse ao abrigo do princípio in dúbio pro réu. 19–No seu modesto ponto de vista, entende o recorrente que os eventuais indícios que possam existir não permitem, nem poderiam permitir, ao Tribunal a quo formar uma convicção plena e segura, para além da “dúvida razoável”, da ocorrência dos factos, de que os mesmos terão acontecido da forma descrita, e, mais importante, de que terá sido o arguido, ora recorrente, quem os praticou. 20–O princípio in dúbio pro réu, constitucionalmente consagrado, defende que qualquer dúvida probatória deve ser decidida a favor do réu, aqui arguido/recorrente. 21–Face à não produção de prova, verificada no decurso da audiência de discussão e julgamento, ou à manifesta insuficiência da mesma, conforme se argumentou anteriormente, é dificilmente concebível, com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, que o Tribunal tenha conseguido formular uma convicção firme e segura o bastante para culminar na condenação do arguido, ora recorrente, VS. 22–No modesto entender do recorrente, tal não é possível. 23–Revela-se extremamente difícil conceber, salvo melhor entendimento, o Tribunal a quo não tenha ficado com sérias dúvidas sobre se os factos constantes da acusação efetivamente se verificaram, e, mais importante, que terá sido o recorrente alegadamente o seu autor. 24–Ao não resolver a dúvida que necessariamente teria que existir na mente do julgador, o Tribunal a quo violou o princípio in dúbio pro réu! 25–Tal como refere o Acórdão do TRE (proc. n.º 60/16.2GEBNV.E1), disponível em www.dgsi.pt, “Ora, perante uma dúvida objectiva e razoável que não foi ultrapassada em audiência, o non liquet sobre os factos constitutivos da infração criminal (ou sobre factos que afastem a ilicitude ou a culpa) deve transformar-se numa decisão favorável ao arguido em homenagem ao princípio da presunção de inocência consagrado no artigo 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa, o qual abarca o princípio in dúbio pro reo e decorre igualmente do primado da culpa”. [...] “Na verdade, e em primeiro lugar, o princípio da presunção de inocência do arguido isenta-o do ónus de provar a sua inocência, a qual parece imposta (ou ficcionada) pela lei, o que carece de prova é o contrário, ou seja, a culpa do arguido, concentrando a lei o esforço probatório na acusação”. 26–E bem assim o STJ (proc. n.º 186/18.8GFVFX.L1.S1), igualmente disponível em www.dgsi.pt, citando Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Portuguesa, 2.ª Edição, Lisboa, 2008, pp. 51-52), “O princípio do in dubio pro reo intervém e legalmente impõe-se a sua aplicação, quando e se, depois de concluída a tarefa da valoração da prova, o resultado não é conclusivo. De acordo com tal princípio finda a valoração da prova, a dúvida insanável sobre os factos deve favorecer o arguido. O princípio do in dubio por reo não é um princípio de direito probatório, mas antes uma regra de decisão na falta de uma convicção para além da dúvida razoável sobre os factos”. 27–Também Figueiredo Dias ensina que o princípio in dúbio pro réu implica que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à “dúvida razoável” do Tribunal (Clássicos Jurídicos - Direito Processual Penal, Reimpr., Coimbra, Coimbra Editora, 2004, pp. 146), e, ainda, Germano Marques e Henrique Salinas ensinam que “Em tal situação, o princípio político-jurídico da presunção de inocência impõe a absolvição do acusado, já que a condenação significaria a consagração de ónus de prova a seu cargo, baseado na prévia presunção da sua culpabilidade” (in “Anotação XII ao artigo 32.º da CRP”, in Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2010, pp. 724-725). 28–Ora, entende o recorrente, no seu modesto ponto de vista, que não foi feita prova da sua culpa, pelo que deveria ter vigorado e prevalecido o princípio da presunção de inocência aliado ao princípio in dúbio pro réu, devendo o mesmo ser absolvido de todos os factos de que vem acusado. 29–É difícil entender como foi possível ao Tribunal a quo concluir, para além da dúvida razoável, que os factos descritos na acusação efetivamente ocorreram, que ocorreram da forma descrita e, o mais importante, não se conseguiu demonstrar para lá da dúvida razoável que terá sido o arguido, ora recorrente, VS, quem os terá praticado. 30–Mais, é ainda difícil entender como conseguiu o Tribunal a quo ficar satisfeito em termos de certeza e segurança jurídicas, bem como da boa descoberta da verdade material, ao ponto de ter ficado o Tribunal sem quaisquer dúvidas de que terá sido o ora recorrente a praticar os alegados factos, e não uma qualquer outra pessoa da sua habitação, mormente seu pai e sua mãe - cf. pp. 3 e 6 da sentença recorrida. 31– O raciocínio a ser feito, de acordo com o nosso ordenamento jurídico, de acordo com o espírito do sistema, e de acordo com o Estado de Direito em que vivemos, deverá ser no sentido de que a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento deve ser tão forte que consiga afastar a presunção de inocência constitucionalmente consagrada! Consequentemente, não se conseguindo uma convicção para além da “dúvida razoável”, ou seja, não ficando o Tribunal garantido, nunca poderá o Tribunal decidir em desfavor do réu, caso em que estaria, precisamente, a violar o princípio in dúbio pro réu, que é exatamente, salvo melhor entendimento, o que acontece nos presentes autos! 32–Não existe qualquer outro meio de prova que permita corroborar o conteúdo dos documentos que terão formado a convicção do Tribunal a quo, pelo que, com o devido respeito, mais dúvidas necessariamente existem, e necessariamente terão que existir, na mente de julgador. 33–Deveria o Tribunal a quo ter decidido em favor do arguido, por não ter sido possível a formação de uma convicção para lá da “dúvida razoável”. Não o tendo feito, como não o fez, violou o Tribunal a quo o princípio in dúbio pro réu, pelo que deveria o arguido, ora recorrente, ter sido absolvido de tudo o que vem acusado. 34–Apenas no caso de V/ Exas. não atenderem à argumentação do recorrente anteriormente alvo de reflexão, o que se admite apenas por mera hipótese, entende o recorrente que a pena que lhe foi concretamente aplicada, em termos da sua adequação e proporcionalidade, se encontra desajustada. 35–É facto completamente inilidível que o recorrente não tem antecedentes criminais, conforme conta do seu Certificado de Registo Criminal. 36–A pena justa, adequada e proporcional não é, com todo o respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, a pena que foi aplicada ao recorrente! 37–De acordo com o art. 40.º, n.º2, do CP, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. 38–O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70.º do CP, nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Finalidades preventivas essas, quer gerais, quer especiais. 39–A prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção dentro da qual devem atuar as considerações de prevenção especial, cujas irão determinar, em última instância, a medida da pena. 40–A determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art. 71.º, n.º 1, do CP), devendo a pena ser determinada dentro dos limites impostos pela moldura de prevenção, cujo limite máximo será o ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e o limite mínimo será o ponto comunitariamente aceitável. Dentro desta moldura, a medida concreta da pena será encontrada de acordo com as necessidades de ressocialização do agente, sendo nunca ultrapassável a medida da culpa. 41–Assim, o Tribunal deve atender a todas as circunstâncias que deponham contra ou a favor do agente, previstas no art. 71.º, n.º 2, do CP. 42–Circunstâncias essas que, na hipótese e só em hipótese meramente académica, para o caso de o Tribunal a quo não considerar a argumentação aduzida pelo recorrente em momento anterior, salvo melhor entendimento, não foram devidamente ponderadas e apreciadas. 43– Ora, o recorrente está social e familiarmente integrado, tem uma rede de apoio e suporte familiar. Tem um emprego fixo e estável, que lhe permite viver a sua vida de forma autónoma e independente, o que não foi provado pelo Tribunal a quo, mas também não foi provado o contrário, porque NENHUMA PROVA FOI PRODUZIDA! 44–O arguido não tem antecedentes criminais. 45–Pelo que, entende o recorrente, salvo melhor opinião em sentido contrário, atendendo a critérios de equidade, ponderando tudo o que foi exposto, bem como atendendo a critérios de proporcionalidade, prudência e de senso comum, e, ainda, ao circunstancialismo social, económico e familiar, do recorrente, como incentivam Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª ed., p. 449), 46–entende o recorrente, no seu modesto ponto de vista, que a pena que lhe foi aplicada se revela manifestamente exagerada, nunca devendo, por mera hipótese académica, pois não se admite, nem se concebe uma condenação ao arguido, ser aplicada uma pena superior a 1 ano de prisão, suspensa na sua execução por igual período, de forma a atender a privilegiar as exigências de prevenção especial positiva do agente, ou a sua ressocialização, e não ultrapassando a medida da culpa. 47–Isto, apenas e só, caso V. Exas. não atendam à fundamentação aduzida pelo recorrente em ver alterada a matéria de facto dada como provada, o que não se concebe atenta a falta de prova, 48– entendendo o recorrente que terá de ser absolvido do crime a que foi condenado, pois só desta forma se fará Inteira Justiça! Termos em que e nos demais de Direito deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a decisão do Tribunal a quo que condenou o recorrente pelo crime de Pornografia de Menores, p. e p. pelo art. 176.º, n.º1, al. c) do CP, em autoria material e de forma consumada, absolvendo-o de tudo o que vem acusado, ou, caso V. Exas. assim não entendam, o que não se concebe atenta a falta de prova, deve ser reduzida a pena aplicada ao recorrente para o mínimo legal, suspendendo-se a sua execução por igual período, como é de Inteira e Acostumada Justiça!». * 1.2.3.–Na sua resposta, pugnou o Ministério Público pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes conclusões: «1.–Não se conformando com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, que o condenou pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), do CP, na pena de três (3) anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, veio o Arguido interpor o presente recurso, alegando, em síntese, erro de julgamento em relação à autoria, pelo Arguido, dos factos tal como descritos na acusação, impugnando parte da matéria de facto dada como provada, a qual, entende, devia ter sido dada como não provada, pelo que se imporia a sua absolvição da prática do crime pelo qual vinha acusado e foi condenado, de acordo, pelo menos, com o princípio do in dubio pro reo, o qual entente que foi violado. Sem prescindir, considera a pena concretamente aplicada exagerada e desproporcional. 2.– Analisando a prova produzida, por um lado e a motivação da matéria de facto por outro, considera-se, tal como na sentença recorrida, que, apesar de a prova dos autos ser essencialmente documental (com especial enfoque para a informação da Altice de fls. 58, o CD e imagens de fls. 85 – auto de visionamento de fls. 103 e a informação da NOS de fls. 176 e 177), “não é perturbada por qualquer dúvida de foi o Arguido o autor dos factos. Com efeito, o ficheiro referido nos factos provados, no qual é visível uma criança do sexo feminino, de idade compreendida entre os 10 (dez) e os 14 (catorze) anos, nua, no interior de uma habitação, a masturbar o pénis erecto de um indivíduo adulto, cuja identidade não foi apurada, que ejaculou para o rosto da criança, foi partilhado com AR (…), conectada com o Arguido, à data dos factos, quer na rede social Facebook, quer na rede social Instagram, respectivamente com o URL e com o ID supra indicados.” (cfr. pág. 3 da sentença recorrida). 3.–Assim, em face da prova produzida em audiência de julgamento o Tribunal logrou convencer-se totalmente (e convencer-nos) dos factos para além de qualquer dúvida, conforme aliás explanou claramente na sua fundamentação da matéria de facto, sendo que através da leitura deste segmento da sentença, verificamos que esse convencimento corresponde à síntese de um processo lógico e indutivo de formação de conhecimento e não a meras conjecturas ou suspeitas. 4.–Finalmente, no que se refere à medida da pena, seguindo os critérios resultantes da conjugação dos arts. 40º, 70º e 71º do CP ponderadas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime em apreço, abonam ou desfavorecem o Arguido, o Ministério Público entende que a pena aplicada, tal como a sua forma de execução, é adequada e proporcional ao caso sub judice, por se considerar, tal como referido na sentença recorrida, que “o grau de ilicitude é elevado, tendo em conta os efeitos produzidos pelo Arguido, com a sua conduta, apta a fazer perdurar no tempo aquele que é um flagelo de dimensão global, e que atinge, sobretudo, as crianças mais desfavorecidas”, sendo que “não é possível descartar o perigo de continuação da actividade criminosa” (–cfr. págs. 10 e 11 da sentença recorrida). Nestes termos, não deverá ser dado provimento ao presente recurso, devendo manter-se a decisão recorrida na íntegra, fazendo-se, desta forma, a costumada Justiça.» * 1.2.4.–Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se reporta o art.º 416.° do C.P.P., pronunciou-se pela improcedência do recurso, elaborando o seguinte parecer: «Temos presente o parecer por nós já proferido nos autos em 31/5/022 que, no essencial, mantemos. Com efeito, continuamos a entender que a Exmª Magistrada do MP junto da 1a instância apresentou douta Resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela confirmação da decisão recorrida. E, fê-lo: - demonstrando que os factos provados resultam dos meios de prova existentes nos autos, essencialmente de natureza documental, que não cedem perante as objecções interpostas pelo arguido, as quais não impõem decisão diversa acerca desses factos e que permitem ao julgador formar a sua convicção, sem dúvidas, afastando a aplicação do in dúbio pro reu; - completando a sua Resposta através da análise da decisão, na parte referente á medida da pena aplicada, face ao crime pelo qual o arguido foi condenado e aos demais elementos apurados, medida esta que entende adequada e proporcionada às exigências preventivas e sancionatórias, que os factos praticados reclamam. Daí que, subscrevendo a posição assumida pelo MºPº, face á matéria de facto apurada, dúvidas não subsistem relativamente ao seu enquadramento legal, permitindo subsumir tais factos ao crime de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176º, nº 1, al. c), do Código Penal, pelo qual o arguido foi condenado, não descortinando nenhuma razão que possa servir de fundamento para discordarmos da fixação da pena aplicada. Razão pela qual aderimos a esta resposta do MºPº sendo de parecer que o recurso interposto pelo arguido não merece provimento.» * 1.2.5.–Cumprido o disposto no art.º 417.°, nº. 2, do C.P.P., sem resposta, procedeu-se a exame preliminar, após o que, colhidos os vistos, foram os autos a conferência, de harmonia com o preceituado no art.º 419.°, n.° 3, do C.P.P.. * II–FUNDAMENTAÇÃO 2.1.– Objecto do Recurso Dispõe o art.º 412.º, n.º 1, do C.P.P, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. E no n.º 2 do mesmo dispositivo legal determina-se também que versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda: a)- As normas jurídicas violadas; b)- O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e c)- Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada. Constitui entendimento pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo Recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quemtem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso (cfr. Germano Marques da Silva in Curso de Processo Penal, vol. III, 2ª ed., pág. 335, Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal, 6ª ed., 2007, pág. 103, e, entre muitos outros, o Ac. do S.T.J. de 05.12.2007, Procº 3178/07, 3ª Secção, disponível in Sumários do STJ, www.stj.pt, no qual se lê: «O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação - art. 412.°, n.° 1, do CPP -, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso (...) a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes.») Atentas as conclusões apresentadas, que traduzem as razões de divergência com a decisão impugnada, as questões a examinar e decidir prendem-se com saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento com violação do princípio in dubio pro reo e de excesso da medida da pena, bem como de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. * 2.2.–Da Decisão Recorrida 2.2.1.–Na sentença recorrida foram considerados provados e não provados os seguintes factos: «2.1. - Matéria de facto provada a)- Nos dias 13 de Maio de 2018 e 22 de Junho de 2018, o Arguido VS, através da conta do Instagram com o ID 22(…), denominada “VS” bem como através da conta do Facebook com o URL http:/www.facebook.com(….). das quais o Arguido era o único utilizador, partilhou um ficheiro de vídeo, com a duração de 6 segundos, no qual é visível uma criança do sexo feminino, de idade compreendida entre os 10 (dez) e os 14 (catorze) anos, nua, no interior de uma habitação, a masturbar o pénis erecto de um indivíduo adulto, cuja identidade não foi apurada, que ejaculou para o rosto da criança. b)- O Arguido partilhou o referido ficheiro com AR, utilizadora da conta de Facebook com o URL http:/www.facebook.com/(…). registada com o nome AR, e associada ao endereço de correio eletrónico “(…)hotmail.com”. c)- O Arguido sabia que o referido ficheiro tinha conteúdo de teor pornográfico, e envolvia uma criança com idade inferior a 14 anos, e que não podia guardar ou divulgar tal ficheiro a terceiros, como fez. d)- O Arguido agiu livre e conscientemente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime. e)- O Arguido não tem antecedentes criminais. * 2.1.- Matéria de facto não provada Com interesse para a decisão, nenhuma.» * 2.3.-Apreciando e decidindo Do alegado erro de julgamento, com violação do princípio in dubio pro reo, e da invocada insuficiência para a decisão da matéria de facto provada No recurso que interpôs impugna o Recorrente os factos julgados provados sob as alíneas a), b), c) e d), dizendo não ter sido feita qualquer prova quanto aos mesmos, referindo ainda não se compreender como pôde o Tribunal a quoformar a convicção firme de que o arguido é o autor dos factos quando não foi produzida em julgamento qualquer prova que permita retirar tal conclusão. Prosseguindo, diz ainda que, perante as incongruências detectadas dos documentos que serviram de base ao Tribunal a quopara firmar a sua convicção, relativas a número de telefone e IP registados em nome de pessoa diferente do arguido, impunha-se que a dúvida, que necessariamente teria que existir na mente do julgador, fosse resolvida a favor do arguido por aplicação do princípio in dubio pro reo, o que não aconteceu. E, quanto à medida da pena fixada, diz o Recorrente que a mesma é exagerada e desproporcional, não tendo sido foi produzida qualquer prova quanto às suas condições pessoais e económicas, designadamente quanto ao facto de se encontrar social e familiarmente integrado, tendo uma rede de apoio e suporte familiar, e possuindo ainda um emprego fixo e estável, que lhe permite viver a sua vida de forma autónoma e independente. Na sua resposta, defendeu o Ministério Público a improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida, dizendo que a prova documental produzida foi suficiente para convencer o Tribunal a quo da prática dos factos por parte do arguido. Quanto à medida da pena, entende também o Ministério Público que a mesma se mostra justa e proporcional, devendo ser mantida. Vejamos. Impugnando o Recorrente a matéria de facto considerada provada - alíneas a), b), c) e d) - vejamos em que termos fundamentou o Tribunal a quo a sua decisão de facto. É o seguinte o teor da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida: «2.3.- Motivação "O que significa (...), exactamente, livre apreciação da prova, valoração desta segundo a livre convicção do juiz? (...) se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária tem evidentemente esta discricionaridade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever — o dever de perseguir a chamada «verdade material» -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo (...). (...) Do mesmo modo, a «livre» ou «íntima» convicção do juiz, de que se fala a este propósito, não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável. (...) Se a verdade que se procura é, já o dissemos, uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (máxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros. Uma tal convicção existirá quando e só quando (...) o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável." [Jorge de Figueiredo Dias — Direito Processual Penal - 1ª ED. 1974 Reimpressão - Coimbra Editora 2004, pág. 202 e ss.] O Tribunal- formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, resultantes da investigação levada a cabo pela Policia Judiciária, mormente: - relatório, de fls. 4 a 23 dos autos; - informação da Altice, de fls. 58; - CD e imagens, de fls. 85; - auto de visionamento, de fls. 103; - informação da NOS, de fls. 176 e 177. Antecedentes criminais: C.R.C., de fls. 262. Da análise concertada da prova, ainda que a mesma seja essencialmente documental, resultou para o Tribunal a convicção, a qual- não é perturbada por qualquer dúvida, de que foi o Arguido o autor dos factos. Com efeito, o ficheiro referido nos factos provados, no qual é visível- uma criança do sexo feminino, de idade compreendida entre os 10 (dez) e os 14 (catorze) anos, nua, no interior de uma habitação, a masturbar o pénis erecto de um indivíduo adulto, cuja identidade não foi apurada, que ejaculou para o rosto da criança, foi partilhado com AR (…), conectada com o Arguido, à data dos factos, quer na rede social Facebook quer na rede social Instagram, respectivamente, com o URL e com o ID supra indicados. De acordo com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, a apurada conexão do Arguido, naquelas redes sociais, com AR (…), com a qual, repetimos, o referendo ficheiro foi partilhado, exclui qualquer possível imputação de autoria a outros residentes na habitação do Arguido, mormente seu pai e sua mãe. E nenhuma dúvida resta ao Tribunal de que o Arguido, perante factos desta natureza, não podia ignorar, nem a sua elevadíssima censurabilidade pois de uma menor se tratava, e que foi, assim, exposta em redes sociais, com exponencial divulgação pública, nem a punibilidade da conduta. Ao Tribunal- não resta, pelas razões descritas, qualquer dúvida de que foi o Arguido o autor dos factos que lhe são imputados. Antecedentes criminais: C.R.C. de fls. 262.» Perante o excerto transcrito resulta evidente que o Tribunal a quo - apesar da anterior anulação por falta de exame crítico da prova – não explica o que logrou retirar da pouca prova que considerou, concretamente dos documentos a que alude. Por outro lado, compulsados os autos, verifica-se que no inquérito foi recolhida outra prova para além da indicada na sentença recorrida, documental e testemunhal, que incompreensivelmente não foi produzida em julgamento, quando, nos termos previstos no art.º 340.º, n.º 1, do C.P.P., cabe ao Tribunal ordenar a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Resultando dos autos a indicação de testemunhas que têm conhecimento directo dos factos, pelo menos de parte deles, não se compreende que não tenham as mesmas sido ouvidas, como também não se compreende que não tenha sido considerado o auto de busca constante dos autos e os elementos que dele é possível retirar, não tendo também sido ouvido o agente que procedeu a tal busca. E não pode o Tribunal a quo referir-se a factos que resultam de prova constante dos autos, mas que não é pelo mesmo indicada como elemento de prova efectivamente valorada. Na verdade, o Tribunal a quo tomou em consideração elementos que não se retiram dos poucos documentos que indica para motivar a sua decisão de facto, como acontece quando alude à conexão do Arguido, naquelas redes sociais, com AR (…), ou a outros residentes na habitação do Arguido, mormente seu pai e sua mãe, elementos que retira de provas juntas aos autos, mas que não fazem parte do elenco de provas que indica no início da sua motivação de facto. Com efeito, muito embora se refira na decisão recorrida que «O Tribunal- formou a sua convicção com base nos documentos juntos aos autos, resultantes da investigação levada a cabo pela Policia Judiciária, mormente: - relatório, de fls. 4 a 23 dos autos; - informação da Altice, de fls. 58; - CD e imagens, de fls. 85; - auto de visionamento, de fls. 103; - informação da NOS, de fls. 176 e 177. Antecedentes criminais: C.R.C., de fls. 262.» - sublinhado nosso -, certo é que apesar da alusão aos «documentos juntos aos autos, resultantes da investigação levada a cabo pela Policia Judiciária», nada esclarece o Tribunal a quo quanto à prova efectivamente valorada para além da especificadamente indicada (- relatório, de fls. 4 a 23 dos autos; - informação da Altice, de fls. 58; - CD e imagens, de fls. 85; - auto de visionamento, de fls. 103; - informação da NOS, de fls. 176 e 177.). Acresce que, quanto à prova testemunhal, por regra se impõe a audição das testemunhas em audiência de julgamento. Assim, verificando-se que o Tribunal a quo, para além de se referir aos documentos que especificadamente identifica, considera também outros elementos que não especifica, não resultando da sentença recorrida de onde foram retiradas tais conclusões fácticas, é manifesto que não se mostra indicado o caminho que o Tribunal a quo prosseguiu para formar a sua convicção, tornando assim impossível qualquer controlo do raciocínio lógico-dedutivo que fez para retirar as conclusões que retirou quanto à matéria de facto. Para além disso, verifica-se que, como alega o Recorrente, não foram apurados quaisquer factos quanto às condições pessoais e económicas do arguido, não tendo o Tribunal a quo feito qualquer esforço no sentido de investigar e apurar tais condições, sendo que nem sequer ordenou que fosse elaborado o relatório social. Ora, nos termos previstos no n.º 2 do art.º 71.º do C. Penal, na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, devendo considerar, para além do grau de ilicitude do facto, do modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, do grau de violação dos deveres impostos ao agente, da intensidade do dolo ou da negligência, dos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, da conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime e da falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena, também as condições pessoais do agente e a sua situação económica. Verifica-se, porém, que não foi ordenada a realização de qualquer diligência que permitisse conhecer as condições de vida do arguido. De acordo com o disposto nos art.ºs 379.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do art.º 374.º do C.P.P., é nula a sentença que não contenha a enumeração dos factos provados e não provados, bem como uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Impende, pois, sobre o julgador a obrigação de proceder ao exame crítico das provas produzidas, assim permitindo sindicar o percurso seguido na formação da sua convicção, percurso esse que se impõe lógico e racional e em consonância com as regras da experiência comum. O exame crítico deve consistir na explicitação coerente, lógica e racional do processo de formação da convicção do julgador, devendo traduzir-se na indicação das razões que levaram à formação da sua convicção, isto é, dos motivos pelos quais as diferentes provas foram, ou não, valoradas e em que sentido, nele se explanando ainda os fundamentos que levaram o Tribunal a considerar, ou não, idóneos e credíveis os meios de prova produzidos. A propósito, lê-se no sumário do Ac. do STJ de 21.03.2007, relatado por Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt : «VI.-O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cf., v.g., Ac. do STJ de 30-01-2002, Proc. n.º 3063/01). VII.-O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte. VIII.-No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto - a que se refere especificamente a exigência da parte final do art. 374.°, n.° 2, do CPP -, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o art. 410.º, n.° 2, do CPP; o n.° 2 do art. 374.° impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório (cf., nesta perspectiva, o Ac. do TC de 02-12-1998). IX.-A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.» Sobre a mesma questão, afirma também o STJ no Ac. de 17/11/1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss.: «O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária, contraditória ou violadora das regras da experiência comum.». Como claramente resulta dos referidos arestos, podendo ser sucinta, não pode, porém, a motivação da decisão de facto deixar de ser completa, no sentido de permitir perceber, quanto a cada segmento de facto, qual o sentido da decisão, bem como as provas e valoração que delas fez o Tribunal e que lhe dão suporte. Torna-se assim necessário que o Tribunal indique os fundamentos suficientes para que seja possível controlar o processo de formação da convicção do julgador e sua razoabilidade. É que, muito embora o juiz seja livre de atribuir, ou não, força probatória aos elementos de prova submetidos à sua apreciação, impõe-se que explique e fundamente a sua decisão de facto, por forma a permitir sindicar a apreciação que fez da prova produzida, verificando-se se formou a sua convicção com respeito pelas regras da lógica, da razão e da experiência comum. Deste modo, podendo valorar determinada prova em detrimento de outra, não pode, porém, o julgador deixar de examinar todos os meios de prova produzidos, nem omitir as razões que o levaram a atribuir credibilidade ou força probatória a determinadas provas e não relativamente a outras. Porém, no caso sub judice, pelas razões expostas, não é possível verificar qual o percurso que o Tribunal a quo fez na formação da convicção que deixou espelhada na fixação da matéria de facto, sendo impossível verificar se a decisão de facto tem subjacente um caminho lógico, coerente e razoável. De facto, não se mostra examinado todo o acervo probatório existente nos autos, donde resulta que os fundamentos da decisão de facto não se mostram devidamente exteriorizados, nem são perceptíveis as razões da decisão e o processo intelectual, que se pretende lógico, racional e de acordo com as regras da experiência comum, que lhe serviu de suporte. Ora, estando em causa a prolação de uma decisão judicial, é manifesto que a mesma tem que ser fundamentada. Com efeito, o dever de fundamentação das decisões judiciais mostra-se imposto pelo art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, em cujo n.º 1 se determina que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», aparecendo, no processo criminal, como decorrência das garantias de defesa do arguido expressas no art.º 32.º da mesma Lei Fundamental, em cujo n.º 1 se consagra que «o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.» Nos termos previstos no n.º 5 do art.º 97.º do C.P.P., os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. O dever de fundamentação dos actos decisórios visa dar a conhecer aos destinatários da decisão e ao público em geral a justiça e correcção do decidido, permitindo conhecer o processo lógico e racional que subjaz a tal decisão e, consequentemente, o exercício criterioso do direito ao recurso, pois, só conhecendo devidamente a decisão e os seus fundamentos poderá rebater-se o decidido. O cumprimento de tal dever permitirá ainda o auto-controlo por parte do Tribunal que profere a decisão, obrigando-o a reflectir devidamente sobre o decidido e a expressar de forma independente, isenta e imparcial as razões do mesmo, assim contribuindo para a credibilidade e legitimação dos juízes e das suas decisões. O dever de fundamentação «constitui um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (juris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões» - Ac. n.º 59/2006 do Tribunal Constitucional. A ausência de fundamentação ou uma fundamentação insuficiente ou gravosamente deficiente, facilitando decisões arbitrárias e desprovidas de suporte legal e/ou factual, não assegurará as garantias de defesa, já que não permitirá exercer conscientemente o direito ao recurso, pois, desconhecendo-se os fundamentos que suportam a decisão, não poderão os mesmos ser analisados, nem aceites ou rebatidos. E, no que respeita à sentença, estabelece ainda a alínea a) do n.º 1 do art.º 379.º do C.P.P. que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do art.º 374.º do mesmo código, determinando-se neste último dispositivo legal, quanto aos requisitos da sentença, que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. Produzida a prova tendo em vista a descoberta da verdade material, se necessário com recurso ao disposto no art.º 340.º, n.º 1, do C.P.P., impunha-se que o Tribunal a quo considerasse provados ou não provados os factos, cabendo-lhe para o efeito analisar a prova produzida por forma a proferir decisão sobre o conjunto da factualidade imputada ao arguido, considerando-a provada ou não provada, esclarecendo as razões da sua opção fáctica e exteriorizando o percurso seguido na formação da sua convicção. Conforme refere o nosso Supremo Tribunal, no Ac. de 23.04.2008, in CJ (STJ), 2008, T2, pág.205, «o cumprimento do dever de fundamentação deve ser claro e transparente, permitindo acompanhar de forma linear o raciocínio sentenciado». No caso sub judice, não se mostram espelhadas na sentença recorrida as razões que levaram o Tribunal a quo a considerar provada a matéria de facto nos termos em que o fez, verificando-se que são tiradas conclusões de facto que, podendo resultar de outra prova junta aos autos, não resultam dos documentos especificadamente indicados pelo Tribunal a quo. Assim, inexistindo um exame crítico da prova produzida que espelhe o processo de formação da convicção do julgador, concretizando e exteriorizando as razões pelas quais, e em que medida, determinado meio de prova ou determinados meios de prova foram, ou não, valorados e em que sentido, tal situação configura, sem dúvida, inobservância do disposto no citado art.º 374.º, n.º 2, do C.P.P.. Na ausência de tal análise crítica, não é possível sindicar o percurso seguido pelo julgador na formação da sua convicção, mostrando-se impossível verificar se tal percurso se mostra lógico e racional e ainda em consonância com as regras da experiência comum. Por outro lado, a ausência de tal exame crítico não permite também verificar se a decisão de facto enferma do erro de julgamento e da violação do princípio in dubio pro reo invocados pelo Recorrente. Acresce que, como já referimos, não foram produzidas todas as provas constantes dos autos, designadamente a testemunhal, nem valorados todos os documentos juntos aos autos, para além de não terem sido apurados quaisquer factos quanto às condições de vida do arguido que permitam determinar a medida da pena, nos termos exigidos pelo art.º 71.º, n.º 2, do C. Penal, o que configura o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Na verdade, determina-se no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P.: «2- Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a)-A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b)-A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; c)-Erro notório na apreciação da prova.» (sublinhados nossos) Assim, para que se verifique o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada necessário é que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão de direito, devendo ainda o mesmo resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum. Não ocorre esse vício quando o Tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar e os factos dados como provados são suficientes para preencher os elementos do tipo pelo qual o arguido foi condenado e para determinação da sanção aplicável. Como se diz no Ac. do TRL de 18.07.2013, «o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo á impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito, sobre a mesma. No fundo, é algo que falta para uma decisão de direito, seja a proferida efetivamente, seja outra, em sentido diferente, que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa.» Ora, vendo a decisão recorrida, verifica-se efectivamente, pela sua simples leitura, que, para além da ausência de antecedentes criminais, nela não constam quaisquer factos relativos às condições pessoais do arguido e à sua situação económica. Acontece, porém, que os factos referentes às condições pessoais e económicas do arguido são essenciais para determinação da sanção, devendo o Tribunal de julgamento diligenciar pelo apuramento de factos que, na medida do possível, espelhem a personalidade e condições pessoais e económicas do arguido, por forma a proferir decisão fundamentada sobre a escolha e determinação da medida da pena. Com efeito, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estabelece-se no art.º 71.º do C. Penal: «1- A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2- Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a)-O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b)-A intensidade do dolo ou da negligência; c)-Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d)-As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e)-A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f)-A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 3-Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.» (sublinhados nossos) Também os art.ºs 369.º, 370.º e 371º do C.P.P. evidenciam a necessidade de o juiz conhecer a personalidade do arguido e as suas condições de vida (inserção familiar e sócio-profissional) tendo em vista a correcta determinação da sanção, mostrando-se o apuramento dos factos de ordem pessoal e familiar do arguido indispensáveis à determinação fundamentada da pena a aplicar. Compulsados os autos, neles não se vislumbra que o Tribunal a quo tenha feito qualquer diligência para apurar as condições pessoais, económicas e profissionais do arguido, não se mostrando solicitado nem elaborado qualquer relatório social, nem efectuadas quaisquer diligências junto da Segurança Social, da Autoridade Tributária ou de qualquer outra entidade tendo em vista conhecer a situação pessoal e/ou económica do arguido. Ao não se ter diligenciado pelo apuramento de quaisquer factos relativos à personalidade e às condições pessoais e económicas do arguido, resulta evidente que a matéria de facto considerada provada pelo Tribunal a quo é manifestamente insuficiente para a decisão sobre a determinação da sanção, a qual não poderá, assim, ter-se por devidamente fundamentada, nos termos exigidos pelo n.º 3 do art.º 71.º do C. Penal No caso sub judice, está em causa a ausência de apuramento de factos sobre as condições pessoais do arguido que permitam uma adequada e fundamentada decisão de direito quanto à pena a aplicar-lhe, o que configura sem dúvida o alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. A propósito, veja-se o Ac. TRL de 29.03.2011, em cujo sumário se lê: «V.- O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (art.410, nº2, al.a, CPP), verifica-se quando o tribunal não tiver considerado provado ou não provado um facto alegado pela acusação ou pela defesa ou de que possa e deva conhecer, nos termos do art.358, nº1, CPP, se esse facto for relevante para a decisão da questão da culpabilidade, ou quando, podendo fazê-lo, não tiver apurado factos que permitam uma fundada determinação da sanção; VI.- Aquele vício distingue-se da nulidade da sentença, prevista na al.c, do nº1, do art.379, CPP, uma vez que esta só existe quando o tribunal não se tiver pronunciado sobre «questões que devesse apreciar» ou quando se tiver debruçado sobre «questões de que não podia tomar conhecimento», sendo que os conceitos de facto e questão não são sobreponíveis.» (sublinhado nosso) No caso em apreço, é evidente que, podendo e devendo fazê-lo, o Tribunal a quo não ordenou a realização de quaisquer diligências tendo em vista conhecer das condições pessoais do arguido e da sua situação económica. E, assim sendo, resultando, efectivamente, do texto da decisão recorrida a ausência de factos que permitam a decisão de direito quanto à determinação da pena a aplicar ao arguido, verifica-se o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.º 410.º, n.º 2, alínea a), do C.P.P.. Na verdade, conforme se refere no Ac. do STJ de 04.10.2006, relatado por Santos Cabral, «É um dado adquirido em termos dogmáticos que o conceito de insuficiência da matéria de facto provada significa que os factos apurados e constantes da decisão recorrida são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, visto a sua importância para a decisão, por exemplo para a escolha ou determinação da pena.» (realce nosso) Nos termos previstos no n.º 1 do art.º 426.º do C.P.P., «sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º, não for possível decidir da causa, o tribunal de recurso determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio». No caso em apreço, impõe-se determinar a produção das provas necessárias à descoberta da verdade material e boa decisão da causa, se necessário com recurso ao disposto no art.º 340.º, n.º 1, do C.P.P., e apurar também os factos relativos à personalidade e às condições pessoais e económicas do arguido, eventualmente com a realização do relatório social previsto no art.º 370.º do C.P.P. e/ou procedendo-se a outras diligências que sejam consideradas pertinentes e adequadas. Nestes termos, perante as insuficiências referidas, impõe-se anular não só a sentença recorrida, mas também o julgamento, impondo-se o reenvio dos presentes autos para novo julgamento quanto à totalidade do objecto do processo, nos termos previstos no art.º 426.º, n.º 1, do C.P.P.. Consequentemente, procede o recurso interposto pelo arguido. * 2.4.- Das Custas Quanto à responsabilidade por custas do arguido, estabelece o n.º 1 do art.º 513.º do C.P.P. que só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1ª instância e decaimento total em qualquer recurso. Assim, procedendo o recurso interposto, não é o Recorrente responsável pelo pagamento de quaisquer custas. * III–DECISÃO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido VS, anulando-se, consequentemente, a sentença recorrida, bem como o julgamento realizado, determinando-se o reenvio dos presentes autos para novo julgamento quanto à totalidade do objecto do processo, nos termos previstos no art.º 426.º, n.º 1, do C.P.P.. Sem custas. * Elaborado em computador e integralmente revisto pela relatora (art.º 94.º, n.º 2, do C.P.P.) * * Lisboa,26.04.2023 (assinado electronicamente) Maria Leonor Botelho Ana Paula Grandvaux Rui Miguel Teixeira |