Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7605/19.4T8LSB.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: SEGURO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
PRÉMIO
DEVER DE INFORMAR
EXCLUSÃO DA CLÁUSULA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/28/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. Cada vez mais os direitos europeus adoptam normas que prevêem obrigações de informação, consideradas meios destinados à protecção da autonomia contratual entendida em sentido substancial e instrumentos que garantem a liberdade de decisão do contraente, baseada na transparência.
2. Assim acontece, por exemplo, no Draft Common Frame of Reference, no regime Regime Jurídico do Contrato de Seguro e na Lei das Cláusulas Contratuais Gerais.
3. Ao predispor acerca de alteração do montante do prémio do seguro com fundamento no aumento da taxa de sinistralidade, ao cabo de 10 anos de contínua relação contratual, importa que a seguradora actue de acordo com um parâmetro de razoabilidade, de uma forma não burocrática, e transmita a cláusula de ajustamento do prémio acompanhada de uma informação detalhada e cabal, que contemple uma mise en garde quanto ao aumento provável dos encargos futuros, sob pena da dita cláusula ser excluída do contrato.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:  Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A [ … Empresa de Trabalho Temporário]  instaurou contra B [ ….Companhia de Seguros,SA ] acção declarativa, com processo comum, pedindo que se declare a inexistência do direito ao pagamento da cláusula de ajustamento de prémio, no valor de 46.169,54 Euros, por:
a) exclusão das cláusulas contratuais gerais relativas à inclusão da Cláusula de Ajustamento de Prémio, em virtude da sua não comunicação e esclarecimento;
E, subsidiariamente por:
b) remissão da obrigação de pagamento do acerto de prémio, mediante a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, fixando-se abaixo dos 45%;
Ou por
c) acordo quanto ao pagamento do acerto de prémio, mediante a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, fixando-se abaixo dos 45%;
Ou por
d) inexistência do direito de exigir o acerto do prémio por aumento da sinistralidade no ano de 2016, por ineficácia da alteração contratual, uma vez que não foi efectuado o pagamento até à data do seu vencimento, em conformidade com o n.º 4 da cláusula 16.ª das Condições Gerais.
Ou por
e) Violação da cláusula 17.º do sobredito contrato, precisamente da obrigatoriedade de emissão do acerto no ano seguinte.
O Réu contestou pugnando pela improcedência da acção e apresentando por via reconvencional o pedido de condenação da Autora no pagamento da quantia de € 16.235,79 (dezasseis mil, duzentos e trinta e cinco euros e setenta e nove cêntimos).
Houve réplica na qual a Autora veio pugnar pela improcedência do pedido reconvencional.
Após audiência de julgamento, foi proferida decisão que julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente e, em consequência, absolveu a Réu do pedido e condenou a Autora a pagar-lhe a quantia de € 16.235,79.
Inconformada, interpôs a autora competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
I. O presente recurso versa sobre matéria de Facto e de Direito, nos termos infra consignados, incidindo sobre a Sentença proferida na parte em que julgou a acção improcedente e a reconvenção procedente por ser desajustada dos normativos legais positivos aplicáveis in casu.
II. Impõe-se a alteração da matéria de facto dada como provada e da dada como não provada, que se encontra desfasada dos depoimentos prestados em sede de Audiência de Julgamento e que se transcreveram.
III. A alteração da matéria de facto deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância – o que desde já se roga em função daquilo que será infra exposto e aflorado.
IV. Analisada a matéria de facto dada como não provada na douta sentença por contraposição com a prova produzida nos autos, designadamente os depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento e a prova documental, verifica-se que ocorreu erro de julgamento grave e notório, que deve conduzir à alteração da matéria de facto e impõe uma decisão diversa da proferida, o que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
V. Do elenco de factos não provados, e atenta a sua relevância para a justa apreciação do mérito da causa, consta factualidade que, atenta a prova testemunhal e documental produzida nos autos, deveria forçosamente ter sido considerada como provada.
VI. Os factos provados 7, 8 e 27 devem ser considerados não provados.
VII. Os factos não provados 11 e 12 devem ser considerados provados.
VIII. De acordo com a prova gravada aqui transcrita (Registo fonográfico 0200217143305_19759422_2871103, Declarações de parte do legal representante da Autora, 00H:54m:58s a 00H:57m:44s), a A. nunca tomou conhecimento da Cláusula de Ajustamento de Prémio e, se a tivesse conhecido, nunca a poderia ter aceite sob pena de colocar em causa a actividade comercial a que se dedica, implicando a alteração da matéria de facto quanto aos factos provados 7 e 8 a serem considerados não provados.
IX. O facto provado 27 deve ser considerado não provado, dado que, não existiu uma suspensão da cobrança do prémio mas um verdadeiro perdão.
X. Aliás, caso o funcionário da Ré Ricardo …..não fosse consultar as apólices para confirmar as cobranças das CAPs, o certo é que o pagamento desta CAP nunca sequer surgisse como problema.
XI. Veja-se o seu depoimento transcrito acima no artigo 56 das alegações (Registo fonográfico 20200217143305_19759422_2871103, Depoimento da testemunha Ricardo …., 02:05:34 – 02:12:55).
XII. De acordo com a transcrição da prova gravada – declarações de parte do legal representante da Autora - o acordado entre as partes foi um perdão da CAP referente ao aumento da taxa de sinistralidade no ano de 2016, caso ocorresse uma diminuição significativa da referida taxa no primeiro semestre de 2017, o que veio a suceder.
XIII. E o assunto ficou resolvido. Tanto assim foi que, até ao final da vigência do contrato, o recibo referente à aludida CAP não foi emitido; só viria a ser emitido em Fevereiro de 2018, quando já não havia qualquer vínculo contratual entre as partes:
Registo fonográfico 20200217143305_19759422_2871103 Declarações de parte do legal representante da Autora 00H:57m:47s a 00H:59m:51s
Meritíssima Juíza: Então, nessa reunião em que foi referido que iria ser emitido, depois de ter sido referido que iria ser emitido o recibo referente a esta cláusula, o que é que foi falado?
Legal representante da Autora: Na reunião o que foi dito foi o seguinte: Que, se no ano corrente, que era 2017, se houvesse uma baixa sinistralidade durante o primeiro semestre, que o recibo não seria emitido. Portanto, os seis meses passaram-se, efectivamente, houve uma baixa sinistralidade durante esse primeiro semestre e durante esse ano...
Meritíssima Juíza: O que quer dizer com uma baixa sinistralidade?
Legal representante da Autora: Eu, salvo erro, estava abaixo dos 30%.
Meritíssima Juíza: Muito bem.
Legal representante da Autora: Portanto, como houve uma baixa sinistralidade, não é, eles não iriam emitir o tal recibo extra, de agravamento de prémio e não emitiram. Nós chegamos a Setembro ou Outubro, eu, para mim, o assunto ficou resolvido, não é. Não tinha havido emissão de recibo que devia ter sido no final, início do ano, devia ter sido em Janeiro de 2017. Já estávamos em Outubro de 2017. O que tinha sido combinado, acordado, entre mim e a seguradora é que não haveria esse recibo, apesar de eu, volto a
referir, eu não concordava com ele porque não me tinha sido explicado. Mas ficou esse compromisso assente entre as partes. E não houve. E, efectivamente, o recibo… Tanto é que a prova é que não foi emitido. Nem em Outubro nem nesse ano foi emitido o recibo. Já 12 meses depois da ocorrência do facto.
XIV. Tudo isto resultou de forma evidente do seu depoimento, conforme transcrições supra (cfr. registo fonográfico 20200217143305_19759422_2871103, 00H:57m:47s a 00H:59m:51s; 01H:06m:38s a 01H:07m:51s; 01H:08m:30s a 01H:09m:14s; 01H:16m:00s a 01H:18m:11s).
XV. Atento todo o circunstancialismo supra evidenciado, é manifesto que uma audição e análise correctas e justas dos vários depoimentos e uma análise crítica e atenta da prova documental carreada para os autos só poderiam redundar numa convicção díspar daquela que foi a convicção do Tribunal a quo.
XVI. Assim, atenta a prova produzida no processo, testemunhal e documental, deveriam os factos provados 7, 8 e 27 ser considerados não provados e os factos não provados 11 e 12 provados.
DO DIREITO
XVII. A aplicação dos normativos legais padece de graves e censuráveis erros, redundando num errado julgamento de Direito, sendo o desacerto na apreciação jurídica da causa tal que, mesmo uma eventual improcedência da impugnação da matéria de facto [que apenas por hipótese meramente académica se concebe], obrigaria a um reajuste na análise técnico-jurídica da sentença a quo.
DO CONTRATO DE SEGURO
XVIII. A cláusula in questio – de ajuste do prémio por aumento da sinistralidade relativamente ao ano de 2016 – insere-se num contrato de seguro que vigorou entre as partes, daí decorrendo o presente litígio.
XIX. O contrato de seguro é a convenção através da qual uma das partes – o segurador – se obriga, mediante retribuição – o prémio – paga pela outra parte – o segurado – a assumir um risco e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado.
XX. É-lhe aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro – Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, e sendo o contrato de seguro, em regra, um contrato de adesão, importará ainda atender ao Regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, o que se analisa infra.
DA EXCLUSÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS RELATIVAS À INCLUSÃO DA CLÁUSULA DE AJUSTAMENTO DE PRÉMIO, EM VIRTUDE DA SUA NÃO COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO
XXI. In casu, o contrato de seguro em causa nos autos foi um contrato de adesão celebrado mediante Cláusulas Contratuais Gerais, tal como se depreende do teor do Documento n.º 1 junto com a Petição Inicial, pelo que é aplicável o Regime das Cláusulas Contratuais Gerais constante no Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.
XXII. De facto, o contrato de adesão pressupõe a prévia estipulação, por parte de um dos contratantes, em forma geral e abstracta, das cláusulas ou condições contratuais, com vista à sua futura incorporação no conteúdo dos contratos do tipo em causa.
XXIII. A definição de «cláusulas contratuais gerais» remete-nos para as cláusulas «elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar», conforme prescreve o art. 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, ficando sujeitas à disciplina deste diploma.
XXIV. Com tais características presentes, presumir-se-á que as cláusulas que as possuam não resultaram de negociação prévia entre as partes (arts. 1.º, n.º 2 e 2.º, ambos do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro); e caberá à parte que pretenda prevalecer-se do seu conteúdo o ónus da prova de que a cláusula contratual em causa resultou de negociação prévia entre as partes (n.º 3 do art. 1.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro).
XXV. Estando perante Cláusulas Contratuais Gerais, não nos podemos olvidar que a sua etiologia fundamental decorre da constatação de que, sem a preservação de um mínimo de igualdade, não é possível falar em liberdade das partes na conformação da sua vontade negocial, sendo que a sua regulamentação visa a reposição da igualdade nas relações jurídico-negociais, face a uma desigualdade que axiomaticamente se pressupõe.
XXVI. Assim, a lei impõe o cumprimento de certas exigências específicas para permitir a inclusão das cláusulas contratuais gerais no contrato singular, as quais constam dos artigos 5.º a 7.º da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, reconduzindo-se à comunicação das cláusulas contratuais gerais à outra parte – artigo 5.º - e à prestação de informação sobre os aspectos obscuros nelas compreendidos – artigo 6.º.
XXVII. Portanto, a inserção de cláusulas contratuais gerais convoca deveres de comunicação bem como de informação, que se consubstancia na prestação de todos os esclarecimentos que possibilitem ao aderente conhecer o significado e as implicações dessas cláusulas, enquanto meios que radicam no princípio da autonomia privada, cujo exercício efectivo pressupõe que se encontre bem formada a vontade do aderente ao contrato e, para tanto, que esta tenha um cabal conhecimento das cláusulas e seus contornos, a que irá vincular, sob pena de não ser autêntica a sua aceitação.
XXVIII. No caso em apreço, a cláusula em discussão é a cláusula incluída nas condições particulares das apólices designada por “Cláusula de Ajuste de Sinistralidade”, cujo teor é o seguinte:
“Este contrato ficará sujeito à seguinte Cláusula de ajuste de forma a repor a sinistralidade nos seguintes termos:
Se no final da anuidade a taxa de sinistralidade for igual ou superior a 65%, será emitido um recibo adicional de prémio, de forma a repor a sinistralidade em 65%, com um máximo de 25% do prémio comercial anual; Considerando: Taxa de sinistralidade: Custos da anuidade / Prémios da anuidade Custos da anuidade: Indemnizações Emitidas + Provisões Matemáticas + Provisões para sinistros em gestão. Prémios da anuidade: Prémios Comerciais da anuidade, líquidos de estornos.”
XXIX. Como bem se pronunciou o Tribunal a quo, a Recorrida, a quem cabia o ónus de prova, não logrou provar que tal cláusula, antes de ser introduzida no contrato, no ano de 2016, foi sujeita a livre negociação pelas partes, pelo que tem que presumir-se que a mesma foi predisposta, sendo aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais.
XXX. Sucede que a cláusula em questão, para além de não ter sido negociada, não foi devidamente comunicada à Recorrente e muito menos explicada, razão pela qual deve ser considerada excluída do contrato, nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85.
XXXI. Efectivamente, o dever de comunicar corresponde à obrigação de o predisponente facultar ao aderente, em tempo oportuno, o teor integral das cláusulas contratuais de modo a que este tome conhecimento, completo e efectivo, do seu conteúdo.
XXXII. E o dever de informação pressupõe a efectivação da comunicação, dirigindo-se, essencialmente, à percepção do conteúdo e correspondendo à explicação desse conteúdo quando não seja de esperar o seu conhecimento real pelo aderente.
XXXIII. O contrato de seguro em causa foi objecto de alteração para o ano de 2016, tendo sido introduzida a referida cláusula de ajuste de sinistralidade.
XXXIV. A alteração foi “comunicada” através da remessa de uma acta (n.º 21) emitida em 25 de Novembro de 2015 (Documento n.º 2 da Petição Inicial), para entrar em vigor em 01/01/2016, constando desse documento, composto por uma página, numa rubrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES” a cláusula de ajuste de sinistralidade referida.
XXXV. Só num hipotético e hercúleo esforço de criatividade se poderá conceber a mera remessa de uma acta como uma efectiva comunicação.
XXXVI. Se a lei se bastasse com a simples entrega do texto do contrato ou alteração ao mesmo à parte contratante para que esta o analisasse, os referidos artigo 5.º e 6.º do Decreto-Lei n.º 446/85 ficariam vazios de sentido útil ao ditar que as Cláusulas Contratuais Gerais devem ser comunicadas e explicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou aceitá-las, uma vez que em todos os contratos ou alterações o respectivo texto é sempre entregue.
XXXVII. Pelo contrário, o que se exige não é apenas a entrega do texto do contrato ou sua alteração, mas, antes, que fique claro para a parte contratante quais as obrigações que assumiu com a celebração daquele contrato ou quais as alterações que o mesmo irá sofrer e as consequências que isso acarreta para a execução do mesmo.
XXXVIII. Por seu turno, compete a quem apresenta o contrato ou a alteração contratual explicar e fazer ciente à parte as obrigações que assumiu e o que modifica (e em que termos) no vínculo contratual com aquela alteração, o que, de todo em todo, claramente não ocorreu.
XXXIX. Não é pelo facto de o legal representante da Recorrente ser empresário de profissão que podemos presumir que ele estará familiarizado com os termos utilizados e com o tipo de contrato de seguro em causa. Tanto mais quando nem se pode considerar que houve uma efectiva comunicação.
XL. Também não se pode retirar semelhante presunção ou suposição do facto de o contrato ter vigorado por mais de dez anos e da não reclamação de qualquer esclarecimento à Recorrida por parte da Recorrente, porque, efectivamente, aquela concreta cláusula só veio a ser imposta pela Recorrida naquele específico momento temporal e nunca antes.
XLI. Por outro lado, essa conclusão também não poderá ser extraída da circunstância de a Recorrente, nas comunicações trocadas com a Recorrida no ano de 2017 com vista à renegociação da cláusula, compreender o seu conteúdo e alcance.
Aí já o mal estava consumado… E a Recorrente bem teve que se inteirar do teor e do alcance da cláusula, pois a mesma foi uma cláusula-surpresa que lhe foi imposta unilateralmente pela Recorrida, sem que fosse alvo de efectiva comunicação, adequado esclarecimento ou suficiente informação.
Face ao exposto,
XLII. caberia à Recorrida o ónus da prova de que o dever de comunicação e informação da alteração contratual fora cumprido, tal como prescrito no n.º 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 446/85, o que não logrou cumprir.
XLIII. Assim, a referida cláusula de ajustamento do prémio, não tendo sido negociada e não tendo sido devidamente comunicada e muito menos explicada pela Recorrida, deve ser considerada expurgada do contrato, nos termos do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, e, consequentemente, deve ser declarada a inexistência de qualquer dívida da Recorrente face à Recorrida quanto ao putativo prémio adicional por ajustamento da taxa de sinistralidade.
SEM PRESCINDIR,
DA ILICITUDE DA APLICAÇÃO DA CLÁUSULA DE AJUSTAMENTO DO PRÉMIO
XLIV. Sem prejuízo do antedito, a aplicação da cláusula sempre seria ilícita, porquanto foi acordado entre as partes que a mesma não seria aplicada se se viesse a verificar uma diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, 2017, condição que se veio a verificar.
XLV. As partes, ao abrigo da autonomia privada e da liberdade contratual que lhes assiste, celebraram um acordo, segundo o qual, mediante a diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, 2017, ocorreria uma remissão da obrigação de pagamento do acerto do prémio por parte da Recorrida.
XLVI. Condição essa que efectivamente se veio a verificar e, consequentemente, aquele negócio jurídico veio a produzir os seus efeitos, nos termos do artigo 270.º do Código Civil.
XLVII. A remissão é uma causa extintiva da obrigação e quanto a ela vigora uma liberdade de forma, conforme os artigos 219.º e 863.º, n.º 1 do Código Civil.
XLVIII. E importa referir que tudo isto foi acordado independentemente da eventual renegociação das apólices para o ano de 2018. Aliás, o contexto da renovação das apólices para o ano de 2018 foi a situação que, oportunamente, a Recorrida aproveitou para reabrir a questão da Cláusula de Ajustamento de Prémio, usando-a como trunfo negocial e forma de pressão nas negociações com a Recorrente.
XLIX. Assim, ainda que se considere que não ocorreu a remissão da obrigação da Recorrente por parte da Recorrida, a conduta da Recorrida sempre consubstanciaria abuso de direito.
L. Nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
LI. No caso em apreço, a Recorrida entrou em negociações com a Recorrente e com esta celebrou um acordo, segundo o qual, numa perspectiva de manter a relação comercial entre ambas, ocorreria uma remissão da obrigação de pagamento do acerto do prémio por parte da Recorrida, caso se verificasse uma diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, 2017.
LII. No ano seguinte, 2017, verificou-se esta diminuição significativa da taxa de sinistralidade, preenchendo-se a condição acordada pelas partes e o acordo produziu todos os seus efeitos.
LIII. A Recorrente julgou que o assunto estava tratado. Por sua vez, a postura da Recorrida apontava igualmente nesse sentido. Nada disse e nada exigiu à Recorrente.
LIV. Tudo isto para, posteriormente, mais de um ano depois, a Recorrida ressurgir com este assunto como forma de pressão para manter a relação contratual que mantinha com a Autora.
LV. Com as suas condutas contraditórias e violadoras do fim económico e social do direito, da boa-fé e dos bons costumes, a Recorrida agiu em manifesto abuso de direito, nomeadamente na modalidade de venire contra factum proprium – o que expressamente se argui para todos os efeitos legais –, pelo que a aplicação da cláusula de ajustamento do prémio levada a cabo deve ser considerada ilegítima, rectius, ilícita.
LVI. Consequentemente, deve ser declarada a inexistência de qualquer dívida da Recorrente face à aqui Recorrida quanto ao putativo prémio adicional por ajustamento da taxa de sinistralidade.
SEM PRESCINDIR,
DA APLICAÇÃO DO REGIME PREVISTO NOS ARTIGOS 16.º, N.º 4 E 17.º, N.º 3 DAS CONDIÇÕES GERAIS DA APÓLICE.
LVII. Mesmo que se considere que a Cláusula de Ajustamento do Prémio foi devidamente comunicada e explicada à Recorrente, o que não se concede e só por mera hipótese de patrocínio se equaciona, sempre seria de aplicar o regime previsto nos artigos 16.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3 das Condições Gerais (cfr. Documento n.º 1 da Petição Inicial):
“A alteração do prémio por aplicação das bonificações por ausência de sinistros ou dos agravamentos por sinistralidade, regulados pela tabela e disposições anexas, é aplicada no vencimento seguinte à data da constatação do facto.” (cfr. artigo 17.º, n.º 3)
“O não pagamento, até à data de vencimento, de um prémio adicional resultante de uma modificação contratual determina a ineficácia da alteração, subsistindo o contrato com o âmbito e nas condições que vigoravam antes da pretendida modificação, a menos que a subsistência do contrato se revele impossível, caso em que se considera resolvido na data do vencimento não pago.” (cfr. artigo 16.º, n.º 4)
LVIII. Não havendo dúvidas de que estamos perante um prémio adicional resultante de uma modificação contratual, da aplicação destas duas cláusulas resultam as seguintes conclusões:
c) para a cláusula de ajustamento de prémio referente ao aumento de sinistralidade verificado em 2016 ser exigível, a Recorrida teria de ter emitido recibo quanto à referida cláusula, alegadamente em dívida, logo no vencimento seguinte à constatação do facto, ou seja, em 2017;
d) o não pagamento do prémio adicional resultante da mencionada modificação contratual determina a ineficácia da alteração.
LIX. Como ficou amplamente provado nos autos, a Recorrida apenas veio a emitir o recibo referente ao prémio adicional resultante da aplicação da CAP em Fevereiro de 2018, conforme resulta inclusive da data aposta nos Documentos n.º 29 a 34 juntos com a Petição Inicial, ou seja, muito tempo após a altura em que o deveria ter feito, já não vigorando inclusive qualquer relação contratual entre as partes.
LX. Para além da referida prova documental, tal resulta dos próprios depoimentos da testemunha Paulo …., das declarações de José …, respectivamente, gerente do Balcão de Penafiel e director comercial da Recorrida, do depoimento da testemunha Ricardo …., trabalhador da área técnica dos seguros de acidente de trabalho da Recorrida, e, ainda, das declarações de parte do legal representante da Recorrente, Sr. Eng. Joaquim ….
LXI. Assim, e não obstante o Tribunal a quo não estar sujeito às alegações das partes, porquanto se tratava de uma questão de qualificação jurídica – iura novit curia –, o que está em causa é um prazo de caducidade (e não de prescrição como parece entender o Tribunal a quo).
LXII. Nos termos do art. 298.º, n.º 2 do Código Civil, um prazo será considerado prescricional se a lei assim o qualificar; caso contrário, estamos perante um prazo de caducidade, como sucede in casu.
LXIII. A caducidade, ao contrário da prescrição, é de conhecimento oficioso, nos termos do art. 333.º, n.º 1 do Código Civil. pelo que incumbia ao Tribunal a quo dela conhecer.
LXIV. Com efeito, a Recorrida excedeu o prazo que tinha para exercer do seu direito, ficando assim completamente impossibilitado o exercício do mesmo.
LXV. Por esta razão, o prazo para exigir quaisquer valores da Recorrente a título da cláusula de ajustamento de prémio relativamente ao aumento de sinistralidade verificado em 2016 caducou, nos termos do n.º 3 do art. 17.º das Condições Gerais.
LXVI. Simultaneamente, tal importou a ineficácia da alteração contratual que introduziu a referida cláusula e respectivo prémio adicional, conforme o disposto no n.º 4 do art. 16.º das Condições Gerais.
LXVII. Nestes termos, deve ser declarada a inexistência de qualquer dívida da Recorrente face à aqui Recorrida quanto ao putativo prémio adicional por ajustamento da taxa de sinistralidade.
FACE AO SUPRA EXPOSTO:
LXVIII. É notório que o Tribunal a quo não fez a melhor interpretação do Direito aplicável, violando, entre outros, os artigos 219.º, 236.º, 270.º, 334.º, 405.º, 762.º e 863.º
do Código Civil e, ainda, os artigos 5.º, 6.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, pelo que deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a Sentença a quo proferida.
*
Nestes termos, e nos melhores de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, ser revogada a sentença “a quo”, com as demais consequências legais.
Só assim se fará a costumeira Justiça!’’.
A ré apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação da sentença.
*
São questões decidendas saber se:
i) deve ser alterada a decisão de facto, dando como não provados os factos 7, 8 e 27 e como provados os factos n.ºs 11 e 12 considerados não provados;
ii) deve ser excluída do contrato a cláusula de ajustamento de prémio, por aumento da taxa de sinistralidade;
iii) subsidiariamente, a aplicação da cláusula é ilícita, porquanto foi acordado entre as partes que a mesma não seria aplicada se se viesse a verificar uma diminuição significativa da taxa de sinistralidade no ano seguinte, 2017, condição que se veio a verificar;
iv) subsidiariamente, se deve aplicar o regime previsto nos artigos 16.º, 4, e 17.º, 3, das condições gerais da apólice;
v) se deve julgar improcedente o pedido reconvencional.
                                              ***
São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1. A Autora é uma Empresa de Trabalho Temporário, que se dedica ao recrutamento, selecção e colocação temporária de profissionais em sectores específicos de actividade, proporcionando o seu destacamento tanto a nível nacional como a nível internacional;
2. A Ré, B., é uma sociedade que tem por objecto “o exercício da indústria de seguros e resseguros em todo o território português e no estrangeiro, nas modalidades em que estiver autorizada, podendo ainda interessar-se, directa ou indirectamente, em quaisquer negócios ou operações que se relacionem com a exploração do ramo Vida”.
3. No âmbito do exercício da sua actividade, a Autora, em 3 de Janeiro de 2006, subscreveu as seguintes Apólices de Seguros de Acidentes de Trabalho por conta de outrem com a Ré, através de um mediador de seguros, a empresa ….SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO DE SEGUROS, LDA., concretamente através do Exmo. Sr. José ……..:
• Apólice n.º 5017765 – Acidentes de Trabalho – Internos – Funcionários Fixos;
• Apólice n.º 8101156 – Acidentes de Trabalho – Construção Civil Nacional – Trabalho Temporário;
• Apólice n.º 8101185 – Acidentes de trabalho – Estrangeiro – Trabalho Temporário;
• Apólice n.º 8163405 – Acidentes de Trabalho – Indústria Portugal – Trabalho Temporário;
• Apólice n.º 8163408 – Acidentes de Trabalho – Portugal Administrativos Trabalho Temporário;
• Apólice n.º 8163526 – Acidentes de Trabalho – Motoristas Internacional –Trabalho Temporário.
4. As partes acordaram na contratação de um conjunto de Apólices de Seguro a prémio variável, o que, nos termos da alínea b) da cláusula 5.ª do contrato ocorre, “quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pelo segurador as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador do seguro”.
5. Ficou estipulado pelas partes, por um lado, o valor do prémio anual devido pela Autora, bem como o capital seguro por parte da Ré.
6. No decorrer do ano de 2016, verificou-se, sobretudo no último trimestre do ano, um aumento da taxa de sinistralidade nas seguintes Apólices de Seguro:
• Apólice n.º 5017765 – Acidentes de Trabalho – Internos – Funcionários Fixos;
• Apólice n.º 8101156 – Acidentes de Trabalho – Construção Civil Nacional –Trabalho Temporário;
• Apólice n.º 8101185 – Acidentes de trabalho – Estrangeiro – Trabalho Temporário;
7. No período de 2015 para 2016 a Ré remeteu à Autora, mediante a intermediação do mediador de seguros, Sr. José ……, tal como fazia quase todos os meses, uma “Acta” à semelhança de todas as outras que a Autora recebia mensal ou trimestralmente, respeitante às condições particulares do Seguros para o ano de 2016.
8. Nessa Acta, numa rúbrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava uma “Cláusula de Ajuste de Sinistralidade”, nos seguintes termos: “Este contrato ficará sujeito à seguinte Cláusula de ajuste de forma a repor a sinistralidade nos seguintes termos: Se no final da anuidade a taxa de sinistralidade for igual ou superior a 65%, será emitido um recibo adicional de prémio, de forma a repor a sinistralidade em 65%, com um máximo de 25% do prémio comercial anual; Considerando: Taxa de sinistralidade: Custos da anuidade / Prémios da anuidade Custos da anuidade: Indemnizações Emitidas + Provisões Matemáticas + Provisões para sinistros em gestão. Prémios da anuidade: Prémios Comerciais da anuidade, líquidos de estornos.”
9. Nos Anexos da Apólice de Seguro estão previstos “Descontos por Baixa Sinistralidade” nos seguintes termos: “1- O desconto de Baixa Sinistralidade, pode ser aplicado aos contratos, cujo Capital Seguro na última anuidade seja igual ou superior a 1.400 vezes o salário mínimo nacional e a sinistralidade, dos últimos 3 (três) anos civis completos, não exceda os 45%. A primeira atribuição do desconto poderá, no entanto, ser efectuada com base na experiência de dois anos civis consecutivos completos. 2- Entende-se por sinistralidade, para efeitos desse desconto, o valor, em percentagem, resultante da divisão do total dos custos com sinistros no triénio, pelos prémios comerciais do triénio.
Sinistralidade Até 5% Desconto 30%
Mais de 5% até 10% 25%
Mais de 10% até 20% 20%
Mais de 20%até 30% 15%
Mais de 30% até 40% 10%
Mais de 40% até 45% 5%
10. A Ré pretendia, através da Cláusula de Ajustamento de Prémio em virtude do aumento de sinistralidade, um aumento de 45% na taxa base;
11. O Ajuste de Prémio por aumento de sinistralidade abrangeu igualmente as seguintes apólices:
• Apólice n.º 8163405 relativa a Acidentes de Trabalho – Indústria – Trabalho Temporário;
• Apólice n.º 8163408 relativa a Acidentes de Trabalho – Portugal Administrativos – Trabalho Temporário;
• Apólice n.º 8163526 relativo a Acidentes de Trabalho – Motoristas Internacional – Trabalho Temporário;
12. Em 12 de Janeiro de 2017 a Autora remeteu uma comunicação ao mediador de seguros, Sr. José ….., por forma a que este último estabelecesse contacto com a Ré com o fito de (re)negociar a aplicação da Cláusula de Ajustamento de Prémio, (cfr. documento n.º 25 que se dá por integralmente reproduzido), declarando que a aplicação do acerto de sinistralidade no prémio, de modo a colocá-lo nos 65% seria catastrófico para o negócio da Autora.
13. Dessa comunicação resultou a realização de uma reunião entre, por um lado, o legal representante da Autora e, por outro, o Director Comercial e o Gerente da dependência da Agência da Lusitânia.
14. Na Cláusula 16º, nº4 das Condições Gerais do Contrato consta o seguinte: “O não pagamento, até à data do vencimento, de um prémio adicional resultante de uma modificação contratual determina a ineficácia da alteração, subsistindo o contrato com o âmbito e nas condições que vigoravam antes da pretendida modificação, a menos que a susbsistência do contrato se revele impossível, caso em que se considera resolvido na data do vencimento do prémio não pago.”
15. Na Cláusula 17.ª, nº3 das Condições Gerais do Contrato consta o seguinte: “A alteração do prémio por aplicação das bonificações por ausência de sinistros ou dos agravamentos por sinistralidade, regulados pela tabela e disposições anexas, é aplicada no vencimento seguinte à constatação do facto.”.
16. Em 30 de Novembro de 2017 a Autora remeteu uma comunicação à Ré dando conta da sua intenção de não renovação das Apólices de acidentes de trabalho, nomeadamente: • Apólice n.º 5017765 – Acidentes de Trabalho – Internos – Funcionários Fixos; • Apólice n.º 8101156 – Acidentes de Trabalho – Construção Civil Nacional – Trabalho Temporário; • Apólice n.º 8101185 – Acidentes de trabalho – Estrangeiro – Trabalho Temporário; • Apólice n.º 8163405 – Acidentes de Trabalho – Indústria Portugal – Trabalho Temporário; • Apólice n.º 8163408 – Acidentes de Trabalho – Portugal Administrativos – Trabalho Temporário; • Apólice n.º 8163526 – Acidentes de Trabalho – Motoristas Internacional – Trabalho Temporário;
17. Nessa mesma missiva mencionava que tal intenção se prendia com o facto de, em virtude de se ter registado diminuição significativa da sinistralidade, ter recebido propostas de uma congénere com melhores condições e mais competitivas do que as apresentadas pela Ré
18. e conforme fora transmitido ao mediador de seguros, o Sr. José António Araújo, por respeito à relação contratual que durava há quase 12 anos, essa intenção poderia ser reponderada na medida em que houvesse uma reapreciação das taxas e condições propostas por parte da Ré,
19. atribuindo para o efeito um prazo de duas semanas para renegociações.
20. A Ré, mediante intermediação do Sr. José …., apresentou propostas que incluíam a Cláusula de Ajustamento de Prémio (cfr. documento n.º 26 junto com a petição inicial), Cláusula essa que, em 2016, segundo consta do teor do documento n.º 26, ascendia ao valor de 42.948,00 Euros.
21. A 26 de Dezembro de 2017, o mediador de seguros, Exmo. Sr. José …., remeteu uma última proposta à Autora, que incluía como condição contratual, o perdão da cláusula de ajustamento de prémio de 2016, caso a Autora aceitasse continuar com a Ré em 2018 (cfr. documento n.º 28 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido.).
22. Frustradas as negociações, a Ré emitiu em Fevereiro de 2018, avisos de pagamento quanto à Cláusula de Ajustamento de Prémio, no valor total de 46.169,54 Euros: • Apólice n.º 5017765 – prémio no valor de 994,47 Euros. • Apólice n.º 8101156 – prémio no valor de 21.494,86 Euros. • Apólice n.º 8101185 – prémio no valor de 21.463,06 Euros. • Apólice n.º 8163405 – prémio no valor de 1.583,34 Euros. • Apólice n.º 8163408 – prémio no valor de 267,03 Euros. • Apólice n.º 8163526 – prémio no valor de 366,78 Euros.
23. A Autora remeteu à Ré uma missiva datada de 1 de Junho de 2018, (cfr. documento n.º 36 junto com a petição inicial que se dá por integralmente reproduzido) defendendo que tal cláusula não podia ser aplicada, regularizando, por conseguinte, a presente situação.
24. Em 26 de Março de 2019, a Ré remeteu nova missiva à Autora (cfr. documento n.º 37, que se dá, brevitatis causae, por integralmente reproduzido), nos termos da qual voltou a instar no pagamento da aplicação da Cláusula de Ajustamento de Prémio, no montante de 46.169,49 Euros.
25. Simultaneamente a Ré confessou-se devedora da aqui Autora, relativamente aos recibos de estorno relativos às Apólices n.º 8101156, 8163408 e 8163526, no montante total de 29.933,75 Euros.
26. A Ré, através do seu departamento comercial, manteve sempre contacto regular com a Autora e verificaram-se várias negociações ao longo da vigência das apólices em causa.
27. Por motivos comerciais e durante o período em que decorreram negociações a Ré suspendeu a cobrança dos valores correspondentes ao ajuste de prémio em função da sinistralidade verificada no ano de 2016, até as negociações estarem concluídas.
28. O valor dos estornos devidos à Autora resulta do ajuste de prémio variável em função das remunerações informadas pela Autora, que foram inferiores ao estimado.
29. Tendo sido emitidos os seguintes recibos de estorno:
- recibo n.º 001115, emitido no âmbito da apólice n.º 8101156, referente ao período de 01.07.2017 a 31.12.2017, no valor de € 29.602,03 – que se junta como documento n.º 14;
- recibo n.º 001113, emitido no âmbito da apólice n.º 8163408, referente ao
período de 01.01.2017 a 31.12.2017, no valor de € 64,82 – que se junta como documento n.º 15;
- recibo n.º 000668, emitido no âmbito da apólice n.º 8163526, referente ao
período de 01.01.2017 a 31.12.2017, no valor de € 266,90 – que se junta como documento n.º 16.
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Da alteração da decisão de facto
Pretende a recorrente que sejam dados como não provados os factos 7, 8 e 27 e como provados os factos 11 e 12 dados como não provados.
Relembre-se o teor de taus factos:
Factos provados:
7. No período de 2015 para 2016 a Ré remeteu à Autora, mediante a intermediação do mediador de seguros, Sr. José …., tal como fazia quase todos os meses, uma “Acta” à semelhança de todas as outras que a Autora recebia mensal ou trimestralmente, respeitante às condições particulares do Seguros para o ano de 2016.
8. Nessa Acta, numa rúbrica denominada “OUTRAS DECLARAÇÕES”, constava uma “Cláusula de Ajuste de Sinistralidade”, nos seguintes termos: “Este contrato ficará sujeito à seguinte Cláusula de ajuste de forma a repor a sinistralidade nos seguintes termos: Se no final da anuidade a taxa de sinistralidade for igual ou superior a 65%, será emitido um recibo adicional de prémio, de forma a repor a sinistralidade em 65%, com um máximo de 25% do prémio comercial anual; Considerando: Taxa de sinistralidade: Custos da anuidade / Prémios da anuidade Custos da anuidade: Indemnizações Emitidas + Provisões Matemáticas + Provisões para sinistros em gestão. Prémios da anuidade: Prémios Comerciais da anuidade, líquidos de estornos.”
27. Por motivos comerciais e durante o período em que decorreram negociações a Ré suspendeu a cobrança dos valores correspondentes ao ajuste de prémio em função da sinistralidade verificada no ano de 2016, até as negociações estarem concluídas.
Factos não provados:
11. Na reunião referida em 14. Dos factos provados ficou acordado que, caso até meados de 2017 se verificasse uma baixa da sinistralidade, ficando abaixo dos 50%, a CAP referente a 2016 não seria aplicada.
12. No primeiro semestre de 2017, foi possível constatar uma baixa da sinistralidade em níveis inferiores a 30%, não tendo, consequentemente, sido emitida a CAP, em conformidade com o acordado pelas partes.
Depois de ouvido o registo de prova e analisados os pertinentes documentos julgamos que se justifica alterar a decisão de facto apenas no que se refere ao facto provado n.º 7 e ao facto não provado 12, no mais se confirmando o julgamento do primeiro grau.
Na verdade, o representante legal da autora declarou que só depois de alertado pelo mediador que iria ser cobrado um ajuste do prédio por aumento da sinistralidade é que se deu conta de que tinha sido enviada para a sua empresa uma carta com a comunicação de que “lá no meio’’ (sic) estava uma CAP. Não se recorda, todavia, de a ter recebido.
Quer dizer, esse representante reconhece ter recebido a ata, só não sabe quando tal aconteceu, Também a testemunha da ré, Paulo ….., falou no envio dessa mesma ata, embora o tenha feito de uma forma vaga. Afirmou ainda que essa ata foi enviada directamente para o tomador de seguro.
Examinando os documentos constantes dos autos, designadamente as condições particulares de fls. 33 e ss e os documentos n.ºs 25 e 26 juntos com a petição inicial, e sendo certo que os recibos relativos à CAP só foram emitidos pela ré em Fevereiro de 2018, teremos de dar ao n.º 7 dos factos provados a seguinte redacção:
Em data não determinada, entre 25 de novembro de 2015 e dezembro de 2016, a ré enviou para a autora uma Ata respeitante às condições particulares do Seguros para o ano de 2016.
No mais mantém-se a factualidade provada. As testemunhas da autora nada sabem de relevante sobre os factos. Ana ….., técnica de contabilidade na autora desde 2007, disse que por ela só passava “de vez em quando’’ (sic) correspondência da Lusitânia e ainda assim só recibos. Maria …., por sua vez, que prestou serviços de contabilidade para a autora de outubro de 2010 a fevereiro de 2017, apenas fazia a contabilização do pagamento dos recibos, sendo certo que “era o Dr. Joaquim quem fazia as negociações’’ da empresa.
Por outro lado, é também verdade que quer o representante legal da ré, quer a testemunha desta, Paulo …., foram muito claros e consonantes ao explicarem que perante os avultados valores anualmente pagos pela autora era comercialmente proveitoso encontrar uma solução que permitisse que a autora continuasse na carteira de clientes da seguradora. Daí que se justificasse, não propriamente perdoar o valor correspondente à CAP, mas encontrar uma outra solução, intermédia, de compromisso.
Relativamente aos factos não provados, a testemunha da ré, Ricardo ….que demonstrou dominar muito bem os cálculos e a área atuária da ré, esclareceu que só em 2017 a autora conseguiu equilibrar os seus resultados e reduzir a taxa de sinistralidade para valores próximos dos 30%. Redução também referida por Paulo …… .
Assim sendo o facto não provado n.º 12 será transmutado em provado com seguinte redacção:
No primeiro semestre de 2017, foi possível constatar uma taxa de sinistralidade em níveis próximos dos 30%.
No mais não se fez qualquer outra prova.
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Do direito
Passemos agora a abordar a quaestio júris: DA EXCLUSÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS RELATIVAS À INCLUSÃO DA CLÁUSULA DE AJUSTAMENTO DE PRÉMIO, EM VIRTUDE DA SUA NÃO COMUNICAÇÃO E INFORMAÇÃO.
O direito contratual dos países europeus foi originariamente construído na base da liberdade privada, entre nós com expressa consagração no artigo 405.º CC.
Todavia o Estado Social impôs determinados limites a essa liberdade, hoje patentes nos ordenamentos estaduais, mas também no direito europeu. Os novos limites derivam da preocupação em tutelar o contraente mais fraco, designadamente os trabalhadores e os consumidores.
Num feliz resumo, diz Salvatore Patti que “não só se aumentou o número de normas imperativas, mas também se impôs um novo tipo de regras, que não encontram um modelo nos códigos civis europeus e que conduzem a um novo significado da autonomia contratual. Faço referência às normas que preveem obrigações de informação, as quais, como as tradicionais normas imperativas, apresentam as características de não serem derrogáveis pelos contraentes. Essas normas, todavia, não contribuem para fixar o conteúdo do contrato, nem visam integrá-lo ou proibir determinadas manifestações da autonomia contratual, mas garantem uma efectiva autonomia entre ambas as partes e sobretudo põem-nas em condições de igualdade decisional, pois servem para fazer chegar ao contraente desfavorecido, os dados necessários para tomar uma decisão plenamente consciente’’ (Ragionevolezza e Clausole Generali, seconda edizione, Giuffré, editore, Milano, 2016:137/138).
As obrigações de informação são consideradas meios destinados à protecção da autonomia contratual entendida em sentido substancial, instrumentos que garantem a liberdade de decisão do contraente, baseada na transparência.
Não é pois de estranhar que no Draft Common Frame of Reference, preparado como esboço para um futuro código Europeu dos contratos, o artigo 9:402, do Livro II, sob a epígrafe Duty of transparency in terms not individually negotiated disponha:
1) A person who supplies terms which have not been individually negotiated has a duty to ensure that they are draft and communicated in plain, intelligible language.
2) In a contract beteween a businer and a consumer a term which has been supplied by de businer in breach of the duty of transparency imposed by paragraph 1 may as that ground alone be consider unfair.
Não é pois de surpreender que o Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/08, de 16 de abril, dedique os artigos 18.º a 23.º aos deveres de informação do segurador , estipulando que cabe ao segurador prestar todos os esclarecimentos exigíveis e informar o tomador do seguro das condições do contrato (artigo 18.º), dispondo que as informações devem ser prestadas de forma clara, por escrito e em língua portuguesa, antes de o tomador do seguro se vincular (artigo 21.º,1), consagrando um dever especial de esclarecimento (artigo 22.º) e fixando as consequências do incumprimento, pelo segurador, dos deveres de informação e de esclarecimento, distinguindo o incumprimento dos deveres de informação e esclarecimento, que conduzem à responsabilidade civil, ou à responsabilidade civil e à resolução do contrato, ou só à responsabilidade civil, nos termos do art.º 23º, consoante os casos.
Também não constitui espanto ver que o regime das Cláusulas Contratuais Gerais (Decreto-lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, daqui em diante LCCG) dedica duas normas ao dever de comunicação e de informação, respectivamente o artigo 5.º e o 6.º.
Dispõe o artigo 5.º (Comunicação):
1. As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2. A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
3. O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais.
Por sua vez, o artigo 6.º preceitua (Dever de informação):
1. O contratante que recorra a cláusulas contratuais gerais deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte dos aspectos nelas compreendidos cuja aclaração se justifique.
2. Devem ainda ser prestados todos os esclarecimentos razoáveis solicitados.          
Podíamos acrescentar outros diplomas onde se consagra a obrigação de informar, designadamente Lei n.º 24/96, de 31 de julho, (Lei de Defesa do Consumidor, artigos 3.º, d), e 8.º), sem esquecer que o nosso Código de 66 foi de certo modo pioneiro nesta matéria (artigo 573.º CC), mas não queremos alongar o texto com referências a regras que não têm aplicação directa no nosso caso.
Sendo assim as coisas, podemos focalizar os termos do recurso e sublinhar que no caso sujeito está em causa a seguinte cláusula incluída nas condições particulares das apólices designada por “Cláusula de Ajuste de Sinistralidade”: “Este contrato ficará sujeito à seguinte Cláusula de ajuste de forma a repor a sinistralidade nos seguintes termos: Se no final da anuidade a taxa de sinistralidade for igual ou superior a 65%, será emitido um recibo adicional de prémio, de forma a repor a sinistralidade em 65%, com um máximo de 25% do prémio comercial anual; Considerando: Taxa de sinistralidade: Custos da anuidade / Prémios da anuidade Custos da anuidade: Indemnizações Emitidas + Provisões Matemáticas + Provisões para sinistros em gestão. Prémios da anuidade: Prémios Comerciais da anuidade, líquidos de estornos.”
Tem razão o primeiro grau quando afirma que “não tendo sido comprovado pela Ré, a quem cabia o ónus de prova, que tal cláusula, antes de ser introduzida no contrato, no ano de 2016, foi sujeita a livre negociação pelas partes, tem que presumir-se que a mesma foi predisposta, sendo aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais’’.
Trata-se então de saber se tem razão a recorrente quando sustenta que essa cláusula, para além de não ter sido negociada, não lhe foi devidamente comunicada e muito menos explicada, razão pela qual deve ser considerada excluída do contrato’’.
O primeiro grau argumentou da seguinte maneira: “Feita, assim, a comunicação, impunha-se à Autora a adopção de um comportamento diligente, no sentido de tomar conhecimento real e efectivo das cláusulas do contrato.
Com efeito, a forma simples, objectiva e clara como está redigida a cláusula em questão, inserida em documento breve, de uma única página, de forma a poder ser apreendido com rapidez, por qualquer pessoa média, como devemos considerar o legal representante da Autora, empresário de profissão, familiarizado com os termos utilizados devido à sua actividade específica e ao tipo de contrato de seguro em causa, em vigor há mais de dez anos, não reclamava da parte da Ré qualquer esclarecimento.
Por outro lado, das comunicações enviadas pela Autora à Ré no ano de 2017, com vista a renegociar a referida cláusula, verifica-se que aquela compreendia o seu conteúdo e alcance, devendo ter-se apercebido, usando de uma diligência normal, que a cláusula em questão introduzia a obrigação de pagamento de um prémio adicional para ajustamento da sinistralidade, se, durante o ano de 2016, esta aumentasse acima dos parâmetros ali referidos.
Do exposto se conclui pela não verificação de incumprimento pela Ré dos deveres de comunicação e informação’’.
Não estamos de acordo com este raciocínio e com as conlusões a que chega.
Como se referiu, todos parecem reconhecer hoje a fundamental importância da comunicação e da informação para a eficiência e para o equilíbrio dos contratos e, bem assim, para protecção da parte mais débil.
A informação desempenha uma função essencial no processo de escolha dos contratantes ao dissipar a incerteza e como factor de incentivo no comprometimento das partes, desde pelo menos, a formação do contrato e como elemento definidor do conteúdo das obrigações.
De acordo com o standard da razoabilidade e com a cláusula geral da boa fé, qualquer parte tem a obrigação de informar a outra de todos os factos e circunstâncias susceptíveis de afectar o programa do contrato, ainda que para tal não tenha sido solicitada. Neste domínio não importa atender ao nível subjectivo, a um estado psicológico das partes, mas a um parâmetro objectivo.
Quanto mais assimétrica for a distribuição da informação entre os contratantes, quanto mais nocivos também forem para estas as consequências dessa disparidade, mais elevado será o padrão da razoabilidade exigida.
Note-se que o contrato de seguro é classificado na maioria dos ordenamentos ocidentais como de uberrima fides (de máxima boa fé).
Com frequência se acentua o dever de informação por parte do segurado, que, afirma-se,  nada deve esconder da seguradora que possa prejudicar o apuramento cabal do risco que cobre, ferindo-se de nulidade o contrato viciado por falta do cumprimento daquele dever.
No entanto, como resulta do que já dissemos, desse dever não estão isentas, bem pelo contrário, as seguradoras. enquanto predisponentes e enquanto partes mais fortes.
A LCCG não concretiza ou, dito de outro modo, não conteudiza o dever de informação. Mas dá-nos um standard valorativo, um parâmetro para apreciação do comportamento do obrigado: o princípio da razoabilidade (artigo 6.º, 2, LCCG).
Este standard tem ganho terreno no direito europeu, ao ponto de ocupar frequentemente o lugar que tradicionalmente pertencia à boa fé (cfr. Salvatore Patti já citado que refere que o DCFR utiliza mais de um centena de vezes as expressões “razoável’’ ou “razoabilidade’’ e muitas vezes mais do que uma vez no mesmo artigo e Gerardo Villanacci La ragionevolezza nella proporzionalità del diritto, G. Giapichelli Editore, Torino, 2020).
A razoabilidade representaria critério de valoração dos comportamentos levados a cabo pelas partes a fim de individualizar eventuais responsabilidades e distinguir-se-ia da boa fé porquanto inidónea a fundar novas obrigações a cargo dos sujeitos da relação obrigacional.
A razoabilidade traduz-se numa valoração feita pelo juiz que, atendendo às circunstâncias concretas, estabelece se o comportamento que as partes tiveram foi o mais adequado à satisfação dos recíprocos interesses (do credor e do devedor), de acordo com as normas cogentes aplicáveis.
Valoremos então o comportamento da seguradora.
A doutrina tem posto em destaque que:
i) a informação deve preencher três requisitos: adequação: a informação deve ser transmitida através de meios eficientes e com conteúdo adequado; suficiência: informação deve ser cabal e completa; veracidade: a informação deve revelar as reais componentes das cláusulas (cfr. V.g., Paulo Lôbo, A informação como direito fundamental do consumidor, Revista Jus Navigandi, ISSN-1518-4862. Teresina, ano 6.º, n.º 51, 1 outubro, Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2216. Acesso em 19 janeiro 2021).
ii) dentro do conceito amplo de informar é possível distinguir o dever de informação stricto sensu que corresponde à mera comunicação à contraparte das circunstâncias , condições e alcance do negocio a celebrar, , o dever de conselho, que abrange não só a comunicação, mas também a orientação sobre as melhores condutas a adoptar; o dever de advertência, que abrange uma chamada de atenção para os efeitos de determinada proposta, a transmissão de elementos capazes de permitir à contraparte de neles alicerçar uma escolha firme e cuidadosa (Mariana Fontes da Costa, “O dever pré-contratual de informação’’, Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Ano IV, Coimbra editora, 2007:374).
Pois bem: julgamos que a informação dada pela seguradora nas atas que enviou à recorrente e onde consta a Cláusula de Ajuste de Sinistralidade não preenche os requisitos legalmente exigíveis.
Não se discute que a comunicação das novas condições foi feita por escrito e em português, de um modo inteligível. Também não se discute a veracidade da declaração, porquanto a manifestação da vontade de ajustamento do prémio com fundamento no aumento de sinistralidade não é em si nem verdadeira nem falsa.
Igualmente se descarta, o dever de a seguradora dar conselhos à sua cliente.
Mas já se questiona que tal informação tenha sido completa e detalhada como o exigiam as circunstâncias e que tenha sido cumprido o dever de advertência.
Ana Prata, no trecho citado pelo primeiro grau, afirma “Há, finalmente, cláusulas que, por respeitarem a questões de especial importância, justificam uma informação, também ela, especialmente cuidada e completa’’.
Autora e ré estavam ligadas por vários contratos de seguro numa relação que durava mais de 10 anos. Os valores dos prémios anualmente arrecadados pela ré eram especialmente relevantes, tanto assim que a seguradora desenvolveu esforços para “segurar ‘’ a autora na sua carteira de clientes e só acabou por emitir os recibos da CAP já depois e a autora ter optado por outra seguradora, mais concretamente em 2018.
Cabia à recorrida actuar de uma forma menos burocrática e massificada e transmitir a cláusula de ajustamento acompanhada de uma mise en garde quanto ao aumento dos encargos futuros previsíveis/prováveis em conformidade com o histórico da sinistralidade. Ou dito de outro modo: fornecer à autora todos os elementos que lhe permitissem decifrar/prognosticar sozinha, sem ajuda de terceiros, o que significava para si o acréscimo de obrigações que as novas condições representavam.
Neste plano importa não confundir os papéis e obrigações recíprocas e afastar a ideia que nenhum outro esforço se exigia à seguradora, além do que foi despendido, porquanto o representante legal da recorrente estava “familiarizado com os termos utilizados devido à sua actividade específica e ao tipo de contrato de seguro em causa’’, conclusão demasiado vaga (o que é em concreto “estar familiarizado com os termos utilizados’’?) e que não acompanhamos.
Como teria sido razoável, por exemplo, resumir o teor da “prestação’’ da testemunha Ricardo ….em audiência, tão rica em números e esclarecedora, e transmiti-la  oportunamente, pelos canais adequados, ao representante legal da autora!
Preceitua o artigo 8º da LCCG:  
“Consideram-se excluídas dos contratos singulares:
a) As cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do artigo 5.º;
b) As cláusulas comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo;
c) As cláusulas que, pelo contexto em que surjam, pela epígrafe que as precede ou pela sua apresentação gráfica, passem despercebidas a um contratante normal, colocado na posição do contratante real;
d) As cláusulas inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contratantes.”
Do exposto se conclui, ao contrário do que decidiu o primeiro grau, que houve incumprimento pela Ré dos deveres de comunicação e informação, pelo que a cláusula de ajustamento deve considerar-se excluída do contrato.
Deve, pois, o pedido principal da autora ser julgado procedente e, consequentemente, o pedido reconvencional improcedente, já que se funda na validade de uma cláusula, do contrato que dele vai excluída.
*
Pelo exposto, acordamos em julgar a apelação procedente, e, consequentemente, em revogar a decisão impugnada, que se substitui por outra que declara a inexistência do direito da ré ao pagamento da cláusula de ajustamento de prémio, no valor de € 46.169,54 (quarenta e seis mil cento e sessenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), e que absolve a autora do pedido reconvencional.
Custas pela ré.
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28.1.2021
Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura