Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EMÍDIO SANTOS | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO PAGAMENTO VOLUNTÁRIO SANÇÃO ACESSÓRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/30/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | REJEITADO | ||
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Sumário: | I - O pagamento voluntário da coima tem como efeito a aceitação pelo condutor dos factos constitutivos da infracção descritos no auto de notícia. II - Se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, embora o arguido não esteja impedido de apresentar a sua defesa, a mesma é, no entanto, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável (artigo 175º, n.º 4, do C. da Estrada). III - O pagamento voluntário da coima repercute os seus efeitos não apenas no objecto do processo administrativo, mas igualmente no objecto do recurso, quer do que for interposto contra a decisão administrativa quer do que for interposto da decisão judicial proferida em sede de impugnação da decisão administrativa. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa (A), arguido no processo n.º 2367/06.8TBPDL do 3º juízo do tribunal judicial de Ponta Delgada, interpôs recurso da sentença que julgou improcedente o recurso por ele interposto da decisão da Direcção Regional de Obras Públicas e Transportes que o condenou em 60 dias de inibição de conduzir pela prática da contra-ordenação prevista pelo artigo 146º, alínea n), do Código da Estrada, com referência ao artigo 21º, do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro. A final pediu a revogação da decisão e a absolvição dele da prática da contra-ordenação de que foi acusado. Fundamentou a sua pretensão, em síntese, no seguinte: 1. O sinal STOP, designado tecnicamente B2, significa a paragem obrigatória no cruzamento e entroncamento. 2. A sentença recorrida considerou provado que o recorrente imobilizou o seu veículo, cedendo ainda passagem aos restantes que circulavam à sua direita e esquerda. 3. O sinal foi cumprido pelo que não há fundamento de facto e de direito que sustente a decisão recorrida. 4. O tribunal a quo não concretizou ou relacionou quanto tempo é que o recorrente manteve o seu veículo imobilizado, qual o tempo desejável nesta situação, qual a visibilidade no local do sinistro e qual a velocidade imprimida pelo veículo que embateu no do arguido. 5. A sustentação fáctica e os meios de prova são claramente insuficientes para a condenação do arguido nos moldes em que o foi, em total contradição entre a sua fundamentação e respectiva decisão. 6. A sentença não fez a melhor interpretação dos artigos 146º, alínea n), e 29º, ambos do Código da Estrada, e do artigo 21º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro. O Ministério Público não respondeu. Nesta instância, o Ministério Público teve vista dos autos. * Foram colhidos os vistas e realizada a conferência.* Factos considerados provados:1. No dia 30 de Março de 2006, pelas 07:45 horas, na intercepção formada pela Rua da Encarnação com a Rua do Pilar, na Fajã de Cima, o arguido circulava ao volante do veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ...-55-Q.... 2. Nessa intercepção existe um sinal de “STOP” e um espelho para visualizar os veículos que se aproximam pelo lado esquerdo dos veículos que pretendem entrar na via. 3. Ambas as Ruas têm trânsito em ambos os sentidos. 4. No dia e hora referidos em 1., o arguido imobilizou o seu veículo junto do sinal, deixou passar veículos vindos da esquerda e da direita e iniciou a marcha, vindo a dar-se um embate com um veículo que vinha da esquerda. 5. Este veículo circulava a velocidade não concretamente apurada, tendo deixado um rasto de travagem de comprimento também não apurado. 6. O arguido não visionou aquele veículo, dando-se o embate quando o veículo do arguido se encontra com a frente no eixo da via. 7. A faixa de rodagem naquele local tem uma largura de 5 metros. 8. No momento da autuação policial, ocorrida na mesma data, o arguido efectuou voluntariamente o pagamento da coima. 9. Por decisão proferida em 07 de Agosto de 2006, o arguido foi condenado pela Direcção Regional de Obras Públicas e Transportes Terrestres na sanção acessória de inibição de conduzir de 60 dias, tendo da mesma sido notificado em 02 de Outubro de 2006. 10. Desta decisão consta que “conforme auto de notícia n.º 602866251, levantado pela Esquadra de Trânsito da P.S.P., o arguido (A) (…) vem acusado de, no dia 30/03/2006, pelas 7:45 horas, na Rua Encarnação/Rua Pilar, Fajã de Cima, conduzindo um veículo ligeiro de mercadorias, com a matrícula ...-55-Q..., verificou-se não cumpriu com a indicação dada pelo Sinal B2 (...) os factos descritos não permitem concluir pelo carácter dolosa da infracção, mas subsiste a negligência porque o arguido não procedeu com o cuidado a que estava obrigado.” 11. Consta também que, “em 24/04/2006, o arguido foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27.10, e do artigo 175.º do código da estrada” e que “o auto de notícia faz fé em processo de contra-ordenação até prova em contrário, dos factos presenciados ou verificados pelo agente autuante (cfr. artigo 170.º, n.os 3 e 4 do código da estrada”. 12. O arguido exerce a profissão de carpinteiro na firma “Argamaçor – Construção e Engenharia Civil, Lda.”. 13. Aufere um vencimento mensal de € 405,23. 14. Efectua a condução dos colegas de trabalho de e para o local de trabalho. 15. É casado. 16. O arguido tem registo de infracção contra-ordenacional, praticada em 22-05-2000, por transposição de linha longitudinal contínua separadora dos sentidos de trânsito (auto de contra-ordenação n.º 600348520). Factos considerados não provados: Não se provou que: 17. O arguido trabalha como condutor para a sua entidade patronal. 18. A sua actividade diária consiste em conduzir veículos ligeiros de mercadorias. 19. Se ficar inibido de conduzir fica impossibilitado de trabalhar para a sua entidade patronal. * Como se procurará demonstrar o recurso interposto pelo arguido é manifestamente improcedente.No dia 30 de Março de 2006, a Polícia de Segurança Pública levantou auto de notícia contra o arguido no qual lhe imputou a prática da contra-ordenação muito grave prevista pelo artigo 146º, alínea n), do C. da Estrada, por desrespeito da prescrição imposta pelo sinal de paragem obrigatória num entroncamento. A contra-ordenação era punível com coima e sanção acessória de inibição de conduzir (artigo 23º, alínea a), do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro de 1998, e artigos 138º, n.º 1, 146, alínea n), e 147º, n.ºs 1 e 2, todos do C. da Estrada). No momento em que foi levantado o auto de notícia, o arguido efectuou o pagamento voluntário da coima (n.º 8 dos factos provados). Daí que, por força do disposto no artigo 172º, n.º 5, do C. da Estrada, o processo administrativo prosseguiu apenas para aplicação da inibição de conduzir. O n.º 5 do artigo 172º, ao estabelecer que o pagamento voluntário da coima determina o arquivamento do processo, salvo se à contra-ordenação for aplicável sanção acessória, caso em que prossegue restrito à aplicação da mesma, significa que o pagamento voluntário da coima tem como efeito a aceitação pelo condutor dos factos constitutivos da infracção descritos no auto de notícia. Esta aceitação, embora possa ter motivações diferentes, pois tanto pode resultar do reconhecimento da responsabilidade pela infracção como pode resultar do reconhecimento de que não se têm meios de prova para contrariar a força probatória do auto de notícia (cfr. Germano Marques da Silva, in Código da Estrada e Legislação Complementar, Aequitas, Editorial Notícias, páginas 18), restringe o objecto do processo administrativo, o qual abrangerá apenas a questão da sanção acessória de inibição de conduzir. Embora o arguido não esteja impedido de apresentar a sua defesa, a mesma é, no entanto, restrita à gravidade da infracção e à sanção acessória aplicável (artigo 175º, n.º 4, do C. da Estrada). Isto é, na sua defesa, o arguido pode discutir a gravidade da infracção, a duração da inibição, a atenuação especial da sanção acessória ou a suspensão da sua execução. Está-lhe, no entanto, vedado pôr em crise os factos constitutivos da infracção constantes do auto de notícia. O pagamento voluntário repercute os seus efeitos não apenas no objecto do processo administrativo, mas igualmente no objecto do recurso, quer do que for interposto contra a decisão administrativa quer do que for interposto da decisão judicial proferida em sede de impugnação da decisão administrativa. Significa isto que, no recurso que interpuser da decisão administrativa, está vedada ao arguido a impugnação dos factos constitutivos da infracção descritos no auto de notícia. De igual modo é-lhe vedado impugnar estes factos no recurso que interpuser da decisão judicial proferida em sede de impugnação da decisão administrativa. No presente recurso, a par da invocação da interpretação incorrecta dos artigos 146º, alínea n) e 29º do Código da Estrada e artigo 21º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, o arguido invocou a insuficiência dos meios de prova e da matéria de facto para sua condenação bem como a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. A invocação, como fundamento do presente recurso, da insuficiência dos meios de prova para a condenação, está duplamente vedada ao arguido. Em primeiro lugar, ao pagar voluntariamente a multa, o arguido aceitou os factos constantes do auto de notícia. Em segundo lugar, nos termos do artigo 75º, n.º 1, do regime geral das contra-ordenações (Decreto-lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-lei n.º 244/95, de 14 de Setembro e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro de 2001), aplicável ao presente recurso por força do disposto no artigo 186º, do C. da Estrada, este tribunal conhece apenas da matéria de direito. Ora não se ajusta a esta matéria a invocação da insuficiência dos meios de prova para a condenação. No que diz respeito à invocação da insuficiência da matéria de facto provada para a decisão e à contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nada impedia que o recurso tivesse como fundamento estes vícios da decisão recorrida (cfr. artigo 410º, n.º 2, do C. P. Penal). Porém, estes vícios podiam ser invocadas exclusivamente para pôr em crise a decisão na parte relativa à gravidade da infracção e à sanção aplicável mas não para a pôr em crise na parte relativa aos factos constitutivos da infracção. Com efeito, quanto a estes – repete-se – o arguido havia-os aceitado ao efectuar o pagamento voluntário da multa. Ora a verdade é que o arguido invocou os vícios atrás indicados exclusivamente contra a parte da decisão relativa aos factos constitutivos da infracção e com o objectivo declarado de obter a sua absolvição da acusação. O arguido que, no recurso interposto da decisão administrativa, havia pedido a suspensão da execução da inibição de conduzir ou, subsidiariamente, a exclusão, da sanção acessória, da condução de veículos no âmbito da sua actividade profissional e durante o seu horário normal de trabalho, abandonou no presente recurso estas questões para pedir a sua absolvição. O regresso, através do presente recurso, à questão dos factos constitutivos da infracção é processualmente inadmissível. Porém, ainda que se entendesse que lhe era permitido invocar os vícios acima enunciados relativamente a quaisquer partes da decisão, a verdade é que esta não enferma de nenhum dos citados vícios. Na verdade, os factos provados são notoriamente suficientes para a conclusão de que o arguido infringiu a prescrição imposta pelo sinal B2 (paragem obrigatória no cruzamento ou entroncamento junto do qual se encontra colocado o sinal e cedência de passagem a todos os veículos que transitem na via em que vai entrar). Quanto à contradição insanável entre a fundamentação e a decisão ela só existiria se o tribunal tivesse afirmado que o arguido observou a prescrição imposta pelo sinal B2. Ora é manifesto que do texto da decisão recorrida resulta o contrário. Com efeito, depois de proceder a um exame crítico detalhado e esclarecido dos factos considerados provados, concluiu a sentença: “Houve, pois, violação do sinal de STOP na medida em que não foi cumprida a segunda parte da obrigação imposta por esse sinal, que é a de, após a paragem, “ceder a passagem a todos os veículos que se encontrem a transitar na via onde vai entrar”. E, estamos em crer, foi uma violação não dolosa, já que o arguido havia antes demonstrado estar ciente da obrigação de paragem ao sinal STOP, resultando a violação do dever de ceder a passagem subsequente apenas de descuido (com culpa negligente)”. Por todo o exposto é manifesto que o recurso está votado ao fracasso. * Decisão:Rejeita-se o recurso com fundamento na sua manifesta improcedência. * Condena-se o arguido no pagamento de taxa de justiça que se fixa em 5 UC.* Lisboa, 30/10/07Emídio Santos Pulido garcia Gomes da Silva |