Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | ISABEL TEIXEIRA | ||
| Descritores: | ARGUIDO ABSOLVIÇÃO ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário I. A responsabilidade prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP pressupõe prova positiva de que o arguido não foi agente do crime ou que atuou justificadamente, não bastando a absolvição fundada no princípio in dubio pro reo, por esta não afastar as dúvidas sobre a sua inocência. II. Da leitura da alínea c) do n.º 1 do art. 225° do CP Penal, depreendemos que a escolha pelo legislador da expressão “comprovar”, quis significar que o direito de indemnização apenas está reservado ao arguido que tenha sido absolvido e cujas dúvidas acerca da inocência tenham sido totalmente dissipadas. III. O argumento de que não é ónus do arguido provar a sua inocência e que não há distinção entre os diversos fundamentos da decisão de inocência não subsiste em sede de processo e direito civil, onde quem pede uma indemnização tem que alegar e provar os factos constitutivos do seu direito – art. 342º, nº 1 do Código Civil. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – RELATÓRIO: Identificação das partes e indicação do objeto do litígio AA intentou acção declarativa de condenação contra o Estado Português, pedindo que se: “1) Condene o Réu a pagar ao Autor a quantia de 13.566,90€ (treze mil quinhentos e sessenta e seis euros e noventa cêntimos) a título de danos patrimoniais, nomeadamente pela perda de benefício do RSI (2.844,90€) e pelas despesas com o pagamento de honorários (10.722€); 2) Condene o Réu a pagar ao Autor uma quantia nunca inferior a 69.000€ (sessenta mil euros) a título de danos não patrimoniais decorrentes da privação da liberdade injustificada do Autor no âmbito do processo 661/17.1TELSB (60.000€) e pelos danos ao direito à honra e ao bom nome daí resultantes (9.000€); 3) Condene o Réu a pagar ao Autor todas as quantias que este venha ainda a despender a título de danos emergentes pelo pagamento de honorários pela sua representação no presente processo até à sua conclusão; 4) Condene o Réu a pagar os juros vincendos desde a data do trânsito em julgado da decisão até efetivo e integral pagamento. 5) Condene o Réu em custas que sejam devidas, incluindo as de parte e demais encargos e preparos;”. Para tanto alegou, em suma que foi constituído arguido no denominado “processo de Tancos” e que, nesse âmbito, foi privado da liberdade durante 2 anos, 5 meses e 5 dias, vindo, a final, a ser absolvido de todos os crimes pelos quais fora pronunciado. Mais afirma que a prova indiciária em que se baseou o despacho que o submeteu a prisão preventiva, nomeadamente a localização celular, não permitia concluir pela forte indiciação para tanto requerida, tendo o Mmo. Juiz que a decretou feito uma apreciação grosseiramente errada desse e de outros meios de prova e tendo, com base, nessa análise, lhe imputado a prática, em co-autoria, de crime de tráfico de estupefacientes, de associação criminosa, de detenção de arma proibida e de furto sem que tenham sido apurados quaisquer factos que, efectivamente, o sustentassem. Mais aduziu, que não se verificava, em concreto, o perigo de perturbação do inquérito e o perigo de continuação da actividade delitiva que, nesse despacho, foram invocados para aquela decisão e que, além desses crimes e sem a invocação de quaisquer factos concretos que o consubstanciassem, lhe foi imputada, em sede de acusação, a prática, em co-autoria, do crime de terrorismo e de tráfico e mediação de armas e que nada se tendo alterado, na instrução, relativamente à inexistência de indícios de intervenção do Autor nos crimes de que vinha acusado, veio aquele, ainda assim, a ser pronunciado nos exactos termos em que fora acusado. Referiu ainda que se manteve sujeito a prisão preventiva e, depois, a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica, vindo a ser absolvido em virtude de inexistirem meios de prova minimamente credíveis que sustentassem as imputações que lhe eram dirigidas, considerando que, em função da prova produzida em sede de audiência de julgamento, o Autor poderia, desde logo, ter sido restituído à liberdade em virtude da diminuição do risco para a conservação e aquisição da prova. Acrescenta que, em virtude da privação da liberdade a que foi sujeito, o Autor sofreu danos de índole patrimonial e não patrimonial, decorrentes da injustiça que sentia, das condições em que esteve recluso e da humilhação sentida pelas notícias que iam sendo divulgadas sobre o seu envolvimento no processo e sobre a acusação contra si deduzida - as quais veiculavam a posição do Ministério Público -, não tendo o seu nome ficado “limpo” pois não foi noticiada a sua absolvição. Aduzindo que o despacho de aplicação da prisão preventiva é falho de fundamentação, não observou os requisitos legais e que, nos despachos que mantiveram o Autor sujeito a essa medida e, ulteriormente, àqueloutra medida de coacção privativa da liberdade, não se procedeu a um verdadeiro reexame conclui que se verificaram as hipóteses prevenidas pelas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 225.º do Código de Processo Penal. Na contestação, o Réu excepcionou a incompetência do tribunal em razão da matéria e a caducidade do direito de acção, tendo, em sede impugnatória, aduzido que o acórdão proferido no referido processo concluíra pela absolvição do Autor em virtude da insuficiência da prova produzida e não pela demonstração da sua inocência, mais referindo que a manutenção daquele em prisão preventiva fora confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, não se descortinando qualquer erro grosseiro e não servindo a presente acção para detectar erros de julgamento que hajam sido cometidos nesse processo. Pugnou pela procedência das excepções e, subsidiariamente, pela absolvição do Réu do pedido. Após decisão do Tribunal dos Conflitos, foram, na sequência de declaração de incompetência em razão do território, os autos remetidos ao tribunal a quo, que dispensou a audiência prévia tendo proferido despacho saneador em que concluiu pela improcedência das excepções aduzidas e determinou a realização de audiência final. Proferiu sentença, que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência condenou o Réu ESTADO PORTUGUÊS a pagar ao Autor AA a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora vincendos desde a presente data e até integral e efectivo pagamento, sendo estes calculados à taxa anual de juro de 4%, mais condenado em custas o Autor e pelo Réu, na proporção de 39,44% para o primeiro e de 60,56% para o segundo, sem prejuízo do apoio judiciário de que o primeiro beneficia. O R. ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público interpôs o presente recurso, com impugnação da matéria de facto, que terminou formulando as seguintes conclusões: «1ª- A fundamentação de facto da decisão de condenação do R. Estado Português com fundamento na b) do artigo 225.º do C.P.P. é insuficiente, pois, omite do elenco dos factos provados os fundamentos das decisões do Tribunal da Relação de Lisboa que julgaram não providos os recursos interpostos pelo Autor das decisões de decretamento e manutenção da prisão preventiva. 2ª – O Tribunal a quo violou o princípio da investigação e da descoberta da verdade material, preterindo o disposto nos artigos 411.º e 436.º do Código de Processo Civil, ao não requisitar oficiosamente as certidões dos ditos acórdãos, que consubstanciavam factos imprescindíveis para decisão da causa, no quadro das várias soluções plausíveis de direito. 3ª - Existe deficit da matéria de facto provada também no que concerne à identificação dos meios de prova que suportaram as decisões de aplicação e revisão da prisão preventiva, já que estas não se cingiram aos elementos circunscritos nos pontos 1. a 4. do elenco dos factos provados. 4ª – A matéria de facto omitida reveste inequívoco relevo no quadro da apreciação do «erro grosseiro», considerando, por um lado, que os referidos arestos concluíram pela licitude das decisões de aplicação e revisão da prisão preventiva e, por outro lado, que estas decisões estão fundamentadas com base na articulação de um conjunto de meios de prova que não se resumem aos que constam nos factos provados. 5ª- Sem prejuízo, sempre se dirá que, ao sustentar-se na douta sentença recorrida que o decretamento da prisão preventiva e os subsequentes despachos que a mantiveram assentaram num juízo patentemente erróneo sobre os indícios colhidos, configurando um ato temerário, equiparável, ao erro grosseiro, o Tribunal a quo laborou em erro de julgamento, quanto à verificação dos pressupostos previstos da al. b) do n.º 1 do artigo 225.º do C.P.P. 6ª- Com efeito, o erro gerador do dever de indemnizar não é um erro qualquer, mas um erro qualificado, caracterizável como «grosseiro». 7ª – No caso em que o juiz tem de assumir uma decisão sobre a medida coativa, numa fase processual em que o standard probatório assume uma matriz puramente indiciária, o juízo de probabilidade envolve sempre o risco de não confirmação, aspeto que tem de ser relevado aquando da aferição do «erro grosseiro». 8ª- Acresce que o juízo sobre o carácter grosseiro do erro só pode reportar-se ao momento em que a privação da liberdade foi decretada ou mantida, como é aceite unanimemente na jurisprudência. 9ª- Assim, o facto do arguido sujeito a prisão preventiva legalmente decretada vir a ser mais tarde absolvido, não revela, por si só, a existência de erro grosseiro gerador do dever de indemnizar, uma vez que o grau de solidez dos elementos de prova é mais exigente para a decisão de condenar em processo penal do que para a decisão de prender preventivamente. 10ª – Ora, a decisão que decretou a prisão preventiva ao Autor empreendeu uma análise detalhada, crítica e à luz das regras da experiência comum da prova indiciária recolhida até esse momento, que revelava séria probabilidade do Autor ser um dos autores dos crimes indiciados. 11ª- Os factos indiciados pelo Mmº Juiz de Instrução foram, posteriormente, acolhidos na acusação e confirmados, na sua maioria, na fase de instrução, no despacho de pronúncia. 12ª – Acresce que a mesma decisão que impôs ao A. a prisão preventiva foi, posteriormente, confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 13ª – O mesmo se diga em relação às decisões que mantiveram a prisão preventiva, tendo sido julgado improcedente o recurso interposto pelo Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa. 14ª – Em suma, se o erro a que alude a al. b) do n.º 1 do artigo 225.º do C.P.C. há-de ser ostensivo e intolerável, a sua existência não poderá ter passado despercebida a vários juízes com acrescida experiência profissional. 15.ª – Assim, ao concluir que a prisão preventiva imposta ao Autor assentou em erro grosseiro, a sentença recorrida fez uma incorreta interpretação do disposto na al. b) do nº 1 do artigo 225.º do C.P.P., incorrendo na violação deste preceito. 16ª – Por outro lado, afigura-se clara a redação da al. c) do n.º 1 do artigo 225.º do C.P.P. quanto à opção do legislador em responsabilizar o Estado, pelo risco inerente à privação da liberdade, apenas nos casos em que fique comprovado que o arguido não cometeu o crime. 17.ª- A alegada exigência deve ser entendida como um requisito que permite consolidar a ausência de ilicitude e culpa do agente e, bem assim, tornar inequívoca a injustiça do dano causado pela privação da liberdade, sendo esta a razão última da imposição ao Estado da obrigação de indemnizar o lesado. 18ª – A leitura integral do acórdão penal revela que a absolvição do Autor se fundou, na realidade, na aplicação do princípio In Dubio Pro Reo, dada a dúvida insanável sobre a autoria dos factos, emergente da insuficiência da prova produzida. 19ª- O que vale por dizer que desse aresto não resulta que o Autor não foi o agente dos crimes, resultando tão-só que não se provou que o tenha sido. 20ª- Isto significa que a absolvição do Autor, por falta de provas, não preenche os requisitos do direito à indemnização previstos na citada alínea. 21ª- O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 284/2020 que se invoca na douta sentença recorrida para fundamentar a condenação do Réu, para além de não ter força obrigatória geral, não invalida anteriores decisões do mesmo Tribunal, em sentido contrário – cfr. entre outros, Ac. TC n.º 185/2010, DR, II série, 13-09-2010. 22ª- Acresce que a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça tem tomado posição no sentido de não aceitar (face ao direito constituído) a responsabilidade objetiva do Estado por atos praticados no exercício da função jurisdicional, decorrentes de prisão preventiva legal, efetuada e mantida sem erro grosseiro. 23ª- Por conseguinte, ao julgar verificado o fundamento consagrado na al. c) do n. º 1 do artigo 225º do C.P.P., a sentença recorrida violou também este preceito legal. Nestes termos, a douta sentença recorrida deve ser anulada, com vista à ampliação da matéria de facto, de forma a ser aditado ao elenco dos factos provados: a. os factos atinentes aos arestos do Tribunal da Relação de Lisboa que incidiram sobre as decisões que aplicaram e mantiveram a prisão preventiva do Autor, consignando-se os respetivos fundamentos; b. que, além dos meios de prova constantes dos factos provados n.ºs 1 a 4, as decisões que se pronunciaram sobre as medidas de coação impostas ao Autor atenderam a outros elementos de prova existentes no processo; Sem prejuízo, por ter feito errada interpretação e aplicação das normas contidas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 225.º do C.P.P., sempre deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva totalmente o R. Estado Português dos pedidos formulados.». Contra-alegou ao réu, pugnando pela improcedência do recurso, mas interpondo RECURSO SUBORDINADO da aludida Sentença, apresentando as seguintes conclusões: 1. A douta sentença recorrida deu como não provado que: “d) Por conta da sua defesa no processo referido no ponto n.º 1, o Autor despendeu a quantia de € 9.000 a título de pagamento de honorários ao seu advogado” e que “e) Pela elaboração da petição inicial da presente acção, o Autor pagou a quantia de € 1.722 ao seu I. Mandatário.” 2. Resultou da prova produzida em sede de instrução e julgamento que não foi o Autor quem pagou esses honorários aos mandatários que o representaram e representam. 3. No entanto, foi produzida prova suficiente, tal como o próprio Mm.º Juiz reconheceu em sede de julgamento e como se retira da própria sentença recorrida, que foram os progenitores do Autor quem fizeram aqueles pagamentos. 4. Tal resulta não só das declarações de parte prestadas pelo Autor em sede de audiência de julgamento (minuto 02:21 a 2:51 e minuto 20:13), como foi o próprio Mm.º Juiz a quo que o reconheceu em sede de audiência de julgamento (minuto 20:17), resultando ainda dos documentos 28 e 29 juntos com a PI. 5. Por outro lado, a própria sentença recorrida reconhece que esses pagamentos foram feitos pelos progenitores – v. Facto 28. 6. Ainda que não tenha sido expressamente alegado que foram os progenitores quem fez o pagamento, o Tribunal deveria ter dado como provado que assim o foi – até porque foi matéria levada a instrução (porque foi alegado que foi o Autor quem fez o pagamento) e tal constitui um facto instrumental que deve ser tido em conta pelo Tribunal. 7. E mesmo que assim não se entendesse, sempre teria lugar a aplicação do disposto no artigo 412.º do CPC pois é notório, por ser do conhecimento geral, que estando o Autor preso, sem acesso a um multibanco ou meio de fazer qualquer pagamento, teria de ser um terceiro – in casu, os progenitores – a fazê-lo. 8. Assim, os factos não provados d) e e) devem ser substituídos por dois factos provados s, com a seguinte redação: “Por conta da sua defesa no processo referido no ponto n.º 1, os progenitores do Autor pagaram a quantia de € 9.000 a título de pagamento de honorários ao seu advogado; “Pela elaboração da petição inicial da presente acção, os progenitores do Autor pagaram a quantia de € 1.722 ao seu I. Mandatário.” 9. Mesmo que se entenda que ficou por demonstrar o valor pago a título de honorários, deverá tal facto ser tido em conta (com a consequente relegação para liquidação de sentença no que diz respeito à quantificação do dano). 10. O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao considerar que não se verificou o nexo de causalidade entre o facto e o dano, nomeadamente que entre o processo penal e a propositura da presente ação e as despesas com honorários não se divisa qualquer nexo de causalidade. 11. O entendimento do Tribunal não está correto, dado que ignora o facto de que a necessidade da despesa com mandatários judiciais – no valor de € 10.722,00 (dez mil, setecentos e vinte e dois euros) – decorre diretamente da propositura das ações judiciais. 12. Deve entender-se que aqueles honorários foram pagos pelos pais do ora Recorrente para a defesa dos interesses deste na ação penal e nos presentes autos, caso contrário, aquela despesa nunca teria sido realizada, dado que nunca haveria necessidade para tal. 13. As despesas do ora Recorrente com a sua defesa – de € 10.722,00 (dez mil, setecentos e vinte e dois euros) – correspondem a um dano patrimonial decorrente i) do facto de contra si ter sido intentada uma ação penal pelo Réu e ora Recorrido, da qual resultou também a privação da liberdade por um período superior a dois anos e quatro meses (!), e ii) da propositura da presente ação. 14. Neste ponto verifica-se o nexo de causalidade adequada, pois do facto (ação penal conjugada com a consequente ação de responsabilidade civil do Estado pela privação injustificada da liberdade) decorre o dano (despesas com honorários) na esfera jurídica do ora Recorrente. 15. De acordo com jurisprudência recente do STJ, de resto supracitada, a verificação da causalidade adequada “[d]eve partir de um juízo de prognose posterior objetivo, formulado em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual que, em concreto, desencadeou a lesão e o dano, no âmbito da sua aptidão geral ou abstracta para produzir esse dano”. 16. Pelo que, no presente caso verifica-se o nexo de causalidade que gera responsabilidade civil do ora Recorrido, nos termos do artigo 563.º do CC. 17. O Tribunal a quo também não levou em linha de conta o facto de que as despesas com os honorários ocorreram na esfera jurídica do ora Recorrente, conclusão que se impõe pelas máximas da experiência. 18. Não obstante o pagamento de tais despesas ter sido realizado pelos seus pais, tal não significa que o dano não tenha sido produzido na esfera jurídica do ora Recorrente. 19. Isto porque é notório que a situação em que o Recorrente se encontrava – encarcerado, sem acesso a meios de pagamento - não lhe permitia que o mesmo liquidasse os montantes das despesas. 20. O Tribunal recorrido ignorou que o então arguido e ora Recorrente, sujeito a uma situação emocional e psicológica dramática, privado da sua liberdade devido à aplicação das duas medidas de coação mais gravosas do nosso ordenamento jurídico, desempregado, e com a sua situação económica muito fragilizada – tudo do conhecimento do Tribunal a quo – jamais teria a capacidade para despender de um montante superior a dez mil euros(!). 21. Estando “[a]s máximas de experiência estão sujeitas ao mesmo regime dos factos notórios no que se refere à dispensabilidade de prova e à inadmissibilidade de prova contrária”, deverá ser-lhe aplicado o disposto no artigo 412.º do CPC, dispensando o Recorrente de os alegar e provar, dado que resultam da experiência comum, do mundo e da vida. 22. Sendo certo que as máximas de experiência, além de revestirem natureza geral, impõem-se como necessárias ao raciocínio dedutivo que caracteriza a operação presuntiva do julgador. 23. Assim, ainda de acordo com as máximas da experiência, o Tribunal recorrido, estando em posse do quadro dramático do Recorrente, devia presumir que o auxílio no pagamento das referidas despesas era crítico para a defesa do ora Recorrente. 24. E devia presumir que tal auxílio não significa a subtração do dano patrimonial à esfera jurídica daquele. 25. Pelo contrário, de acordo com a situação notória de dependência económica – e não só – dos seus pais, sempre seria expectável que estes procedessem – na medida do possível – ao pagamento das despesas com honorários do Recorrente, cabendo a posteriori o natural direito de regresso dos primeiros. 26. De acordo com firme jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra, de resto aludida supra, o “[d]ireito de regresso é um direito nascido ex novo na esfera jurídica daquele que o extinguiu, ou à custa de quem foi extinta, a obrigação”. 27. Logo, o Tribunal a quo, face a este enquadramento fáctico e de acordo com as máximas de experiência, deveria de presumir que o Recorrente constituir-se-ia como devedor perante os seus pais, credores daquele pelo crédito consubstanciado pelas despesas com os honorários. 28. O dano emergente da ação penal intentada contra o Recorrente, bem como emergente da ação de responsabilidade civil contra o Estado, consubstanciado nas despesas com os honorários dos mandatários judiciais, mantém-se na esfera jurídica do Recorrente, embora perante um credor diferente, os seus pais. 29. Ao invés de ser uma obrigação a cumprir perante os mandatários judiciais na ações (penal e de responsabilidade civil do Estado), o ora Recorrente tem agora que cumprir perante a sua família, atuais credores deste por força do pagamento daquelas despesas e detentores de um efetivo direito de regresso. 30. Quadro factual que o Tribunal bem conhece, ou deveria conhecer pelo Direito, pela ordem natural das coisas e das regras de experiência comum. 31. Nem outra situação seria reconhecida pelo Direito e pela Justiça: o dano ocorreu na esfera do devedor – ora Recorrente – e não se “evaporou” pela alteração do credor. 32. Assim, o ora Recorrente tem uma dívida no montante de € 10.722,00 (dez mil, setecentos e vinte e dois euros), onde num primeiro momento os credores foram os mandatários judicias, porém atualmente são os seus pais. 33. Ao Tribunal recorrido impunha-se a presunção judicial, segundo as máximas de experiência – cujo regime é o dos factos notórios –, da qual resulta do facto conhecido do pagamento dos honorários pela família do ora recorrente, resultou o direito de crédito daquela sobre este último. 34. Por fim, o Tribunal recorrido entendeu que “[o]s dispêndios suportados (…) seriam sempre parcialmente recuperáveis a título de custas de parte (…), o que comprometeria a sua ressarcibilidade a outro título”. 35. Pese embora o facto de o recorrente entender que a quantia devida a título de indemnização pelos danos patrimoniais das despesas com honorários não seja passível de ser reduzida, o Tribunal recorrido entendeu que a ressarcibilidade parcial sempre ocorreria a título de custas de parte, pelo que, a ser assim, impunha-se um cálculo aritmético que adaptasse o montante em causa. 36. O Tribunal a quo incorre em novo erro, dado que pretere os montantes que são devidos a título de danos patrimoniais pelas despesas com honorários. 37. A ser como entende o Tribunal a quo, sempre se impunha a este a dedução da diferença, resultante da divisão das custas de parte, ao montante total da indemnização. 38. Os danos indemnizáveis são, de acordo com o disposto no art. 564º do Cód Civil, todos os prejuízos reais que o lesado sofreu, regendo, em primeira linha, o princípio da reposição natural expresso no art. 562º do Cód. Civil, normativo no qual se consagra a regra da colocação do lesado na situação anterior à lesão. 39. Assim, deve a Sentença Recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que condene o Réu e ora Recorrido no pagamento da quantia de € 10.722,00 (dez mil, setecentos e vinte e dois euros) a título de indemnização pelos danos causados com as despesas com honorários, acrescida dos honorários que sejam devidos até à efetiva cobrança do montante em dívida, e ainda dos juros de mora vencidos e vincendos até integral e efetivo pagamento. 40. Caso não se entenda que o montante de € 10.722,00 pago a título de honorários se encontra devidamente liquidado, deverá este Tribunal condenar o Réu de forma genérica, devendo a liquidação daquele montante (e da totalidade dos danos emergentes pela representação nos presentes autos) ser relegado para liquidação de sentença, devendo ser proferido Acórdão deste Venerando Tribunal que assim o determine em conformidade.» * II – QUESTÕES A DECIDIR: Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, sem prejuízo da apreciação por parte do tribunal ad quem de eventuais questões que se coloquem de conhecimento oficioso, bem como da não sujeição do tribunal à alegação das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (cf. artigos 5.º, n.º 3, 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código do Processo Civil), as questões a tratar são as seguintes: i. Insuficiência da matéria de facto e Impugnação da matéria de facto dada como não provada na sentença sob recurso; ii. Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar; iii. Quantificação dos danos indemnizáveis, máxime os montantes que são devidos a título de danos patrimoniais pelas despesas com honorários. * III – FUNDAMENTAÇÃO: 1ª parte – a matéria de facto Na sentença recorrida foi considerada provada a seguinte factualidade: 1. No âmbito do processo de inquérito n.º 661/17.1TELSB, BB foi inquirida como testemunha, tendo-se exarado que declarou que «(…) conhece o arguido AA, de alcunha CC (…) por intermédio do arguido DD, e por frequentar o JB Bar, conheceu os arguidos EE, cuja filha é afilhada de DD, FF e AA “CC” (…) sobre a relação do arguido AA, conhecido como “CC”, com o arguido DD refere que eram muitos amigos. Não sabe qual o meio de subsistência deste arguido, sabendo que o mesmo também vendia produto estupefaciente na zona de Ansião. Refere que o arguido DD tinha um grande ascendente sobre AA e, como tal, julga que a droga vendida por este último tinha origem no arguido DD. (…) juntamente com AA “CC” e GG, de Albufeira, HH formava um grupo de amigos muito chegados do arguido DD.” (…)». 2. No processo referido no ponto n.º 1 foi apurado que o Autor e DD integravam «(…) um grupo de jogadores de poker que se juntava periodicamente em Chão de Couce. Na lista de jogadores extraída do telemóvel apreendido ao arguido, DD e os restantes arguidos aparecem identificados como DD, II, CC e FF. Este documento foi criada no telemóvel do arguido no dia 12-06-2017, cerca de uma semana antes do furto aos PNT (…)». 3. Em informação elaborada pela Polícia Judiciária no processo referido no ponto n.º 1, exarou-se «(…) O primeiro episódio “revisitado” diz respeito aduas deslocações de DD à zona de Tancos, em acções de reconhecimento ao local levadas a cabo a 06 e 08 de março de 2017, respectivamente. Como foi comentado no relatório intercalar, implicado em ambas as situações, DD fez-se acompanhar, no primeiro caso, por AA (que acciona a antena “Entroncamento IP6” pelas 16:11:41 de 06-03-2017 (…) II.2.a Episódio 11a - Silêncio de DD e coautores do furto aos PNT, na noite de 27 para 28 de junho de 2017 (Anexo A3) Como sucedeu com o episódio alusivo às acções de reconhecimento levadas a cabo em março, o gráfico representando as comunicações da noite do furto aos PNT' (de 27 para 28 de junho de 2017) foi aqui incrementado com os cronogramas dos mesmos três suspeitos: (…) Na noite de 27 para 28 de junho, observa-se um padrão abrangendo a maioria dos visados e consistindo na ausência de comunicações por um período relativamente alargado, durante o qual se supõe ter sido concretizado o furto aos PNT. Além do mais, quase todos partilham uma localização celular comum ou próxima nos momentos que delimitam este silêncio, como é perceptível no quadro ora apresentado. Nome (…) Silêncio Localização Celular (…) Início Fim Início Fim AA: 23.07:46 14:23:41 AVELAR AVELAR (…)». 4. Em interrogatório de arguido no processo referido no ponto n.º 1, JJ declarou «(…) todo o plano era do DD e do KK, “EE” (sócio no tráfico); eles tinham negócios juntos (…) quem tinha negócios juntos era o DD, o EE e o LL (…) “Fizeram sem mim, o DD, o LL, talvez o GG (…)». 5. No processo referido no ponto n.º 1, o Autor foi detido pelas 7 horas e 50 minutos do dia 17 de Dezembro de 2018. 6. O Autor foi conduzido ao Estabelecimento Prisional …., em Lisboa, onde pernoitou. 7. No despacho de apresentação do Autor a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, o Ministério Público fez constar «(…) O arguido AA, (doravante AA), conhecido por CC, também, faz parte do grupo de amigos de Ansião- de DD; (…) 53º No dia 6 Março do ano 2017, o arguido DD e o arguido AA, com o conhecimento do arguido EE, deslocaram-se à zona de Tancos, com o objectivo de fazer um reconhecimento do local para a preparação do assalto; (…) 89º Durante a madrugada do dia seguinte, dia 28 de Junho de 2017, entre as 00.00 horas e as 06.30 horas, em momento não concretamente apurado, o arguido DD, acompanhado dos arguidos EE, MM, NN, AA, OO e HH deslocaram-se em direcção aos Paióis Nacionais de Tancos; (…) «160º Desta rede organizada faziam, ainda, parte os arguidos PP, GG, QQ, HH, OO, AA, os quais executavam funções de revendedores da droga; (…)». 8. No dia 18 de Dezembro de 2018, o Autor foi presente a juiz de instrução para primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo subsequentemente sido proferido o seguinte despacho «(…) o Tribunal entende, que quanto aos factos que constam da apresentação, folhas 5571 a 5645, uma apresentação tem estes factos que aqui dou por integralmente reproduzidos. Considero que … salvo quanto ao facto 185 … que me parecem, têm entendimento que só está indiciado quanto ao DD, que não é um arguido aqui presente, ele não está indiciado quanto aos arguidos. Quanto aos demais factos, entendo que estão fortemente indiciados, quanto aos seguintes arguidos: (…) AA. (…) Quantos aos outros, aos demais factos, considero-os fortemente indiciados, quanto aos arguidos que referi, não é uma questão simples … de amizade. Há dois pontos que são importantes aqui referir: por um lado, de acordo com os … conhecimentos que vou tendo (…) a localização celular, não se refere só aos momentos de comunicação efectiva, a localização celular e por isso é que noutros momentos, eu tentei … no fundo, não estar de acordo, com o facto de serem guardados todos os dados de todas as pessoas (…) é um dado que é guardado, mesmo na ausência de qualquer comunicação, feita ou recebida, basta uma mudança de antena, basta eu andar com o meu telemóvel (…) mesmo que não receba mensagem nenhuma, não vá à Internet, não receba chamada nenhuma, não aconteça nenhum outro evento, ao simples evento está ligado a esta rede, mudou para se estar ligado àquela antena, mudou para (…) ligado àquela antena. Portanto, é realmente uma coisa que tenha, este tipo de invasão da privacidade e que existe, mas (…) por isso, ao contrário do que se possa ntender, tem que se ter algum cuidado na sua utilização, mas não depende deste tipo de comunicação. E por isso é que é relevante. (…) este elemento, é um elemento importante para perceber porque é que a localização celular tem, tem relevância, mas realmente não tem a relevância toda. Só que, foi aqui apresentado, pelas defesas, genericamente falando, para não estar a ir uma a uma, um elemento que também é muito importante, que é (…) conseguiram reconhecer que, não é uma questão de amizade (…). Não é a questão só da amizade. Há a questão … há a seguinte questão, para além das conversas telefónicas, tidas pelas arguidos, posteriormente, em que denotam esse participação e esse conhecimento (…) Mas o facto de os arguidos serem todos amigos, de as defesas aqui, com honestidade, reconhecerem que, quanto ao DD, está fortemente indiciado, está claro, que o mesmo participou nesta actividade de (…) assalto e de (…) e depois da guarda das armas e com a protecção depois da sua tenda. Nós estamos a falar de pessoas que são muito amigas, aquela pessoa está fortemente indiciada e a localização celular destas pessoas, que têm, não só naquela altura, como em dias muito próximos vão ter com ela, que se deslocam ao mesmo tempo e que se (…) desligam ao mesmo tempo. Portanto, isto não é … não estamos a falar, não estamos a falar de factos provados, estamos a falar de indiciação. E aqui há uma forte indiciação que é: e é reconhecido por todos, que aquela pessoa teve participação? Que os outros são muito amigos? Que foram todos e que desapareceram todos da (…) digamos das ligações comunicação, na mesma altura. Havendo ainda diversas comunicações telefónicas e declarações de co-arguido (…) eu não estou em caso algum, em caso algum, não me passaria pela cabeça valorar declarações de co-arguido em singelo. Tenho que referir que, além da prova constante da própria apresentação, o Tribunal teve, obviamente em consideração, as declarações também produzidas aqui, quer na parte em que tinham relevância, portanto … dos arguidos que apostaram, quer, na parte em que também eram absolutamente coerentes com as declarações do JJ, por exemplo do arguido PP, que eram absolutamente coerentes, em pontos, em questões mais pequenas ou menos pequenas, destaco por exemplo (…) momentos de conversa, motivos, relações (…) que as pessoas têm (…) entre elas, que são referidas pelo RR, esses elementos (…) que são referidos e por isso é que essas declarações estão aqui muito extractadas (…) calculo eu, foi a iniciativa do Ministério Público, é que são coerentes com o teor de intercepções telefónicas, quanto a elementos mais pequenos e quanto à verificação destes factos, quer dizer, compreende-se onde é que entra, compreende-se que, tinha-se, quando ele refere que foi contratado para indicar, como é que abria uma determinada fechadura, percebe-se que o método que ele indicou, é depois adquirido, que esse método adquirido é aplicado e portanto, se esses elementos estão todos de acordo, estão todos coerentes com aquilo que depois se foi verificado no local e ainda o que hoje foi aqui declarado, também o método de obtenção das informações, de ter ido lá experimentar e ver a zona, entrado pela … vedação, que fez o buraco e isso tudo e isso tudo também foi aqui relatado e é absolutamente coerente. Ora, se nesses elementos temos a coerência de pessoas com muita amizade, que se encontravam com ele e que foram com ele, temos explicações e temos (…) este (…) o que se faz referência ao apagão, que no fundo, não é considerá-lo, não é possível indiciariamente aceitar como um evento qualquer coisa que faltava bateria a todos ao mesmo tempo, todos que se deslocavam (…) para o sítio onde (…) onde (…) o assalto depois se verificou. Portanto, isto, o Tribunal entende que é fortemente indiciado quanto a estes (…) a estes indivíduos. Um … uma situação à parte, quanto ao Arguido (…) PP, (…) que é a questão de (…) de o tráfico de estupefacientes, no fundo, a actividades dos sócios, relativos ao tráfico de estupefacientes, que tem uma forte indiciação, tendo em conta as declarações do próprio arguido, concretas, definidas, que o envolvem e portanto, não podem deixar de ser abrangidas, por este critério de forte indiciação. Portanto, ficam só excluídos deste, deste critério, os Arguidos (…) para quem o Tribunal entende que existem indícios, mas que esses indícios não têm (…) a força de permitir um (…) concluir por um grau (…) já completamente solidificado (…) Portanto, estes factos do ponto de vista, o Tribunal embora incluam, embora se refiram ao crime de, terrorismo internacional, conforme está indicada a apresentação, dispenso-me de indicar a qualificação jurídica, na medida em que, entendo que não se aplica esse … esse crime, que está, fortemente indiciado, não a estes arguidos, mas sim ao DD. O Arguido (…), também está indiciado, porque o grau é este, de um crime de tráfico de estupefacientes pelo artigo, previsto pelo artigo 21, n.º 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro. Com referência às tabelas 1B, 1C em anexas. Os demais arguidos, portanto os arguidos (…) AA (…) o Tribunal entende que está fortemente indiciada a prática e (…) portanto (…) e pelo, fortemente indiciada (…) apenas indiciada a prática do crime de associação criminosa, previsto pelo artigo 299º do Código Penal, entendo que não vejo qualquer motivo para ver, porque é que uma associação criminosa não pode ter ideia a prática de um crime, destaco só a título exemplificativo e académico, o processo conexo com este, que está apenso a este, que é o exemplo perfeito de uma estrutura militar, organizada, dedicada e confessada para a prática de (…) vários crimes, mas é uma … uma conduta completamente planeada, estruturada, com dever de obediência, com medo, do que é um crime, mas isso é porque tenho gosto de (…) de pelo menos falar de … uma questão jurídica. O crime que, eu entendo que é tráfico de armas, na sua unidade, que isto poderia ser decomposto, mas não tem sentido realmente decompor o crime em (…) tráfico de armas previsto pelos artigos 86, 87, n.º 1 e n.º 2, alínea a) da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e o crime de tráfico de estupefacientes, quanto aos mesmos arguidos, previsto no artigo 21, n.º 1, do Decreto-lei n.º 15/93, de 23 de Janeiro, com referência às tabelas 1B e 1C, entendendo que a forte indiciação quanto a este crime, se refere aos arguidos, OO e HH. (…) É certo que, globalmente, existe um perigo de perturbação do inquérito que decorre de, como foi reconhecido pelas defesas, todos estes arguidos serem amigos, terem algum tipo de relacionamento, conhecimento, terem, de alguma forma, colaborado ou trabalhado numa actividade ilícita, conforme também foi, por exemplo, confessado durante este interrogatórios e (…) decorreu de algumas (…) de algumas (…) de algumas afirmações, claras (…) não (…) é por todo o processo, mas quer dizer, com destaque aqui a estes interrogatórios, que as pessoas têm medo de falar. É certo, que muitas dessas referências são o medo referido ao DD, mas, não (…) como estamos a falar de um grupo envolvido numa situação, entendo que existe um perigo de perturbação de inquérito, eu digo um perigo genérico, na medida em que, honestamente, não se deve considerar como verificando, pela iniciativa de algum destes arguidos. E por isso também é que aqui o perigo que entendo, que aqui se destaca e que é o fundamento de aplicação de medidas coacção, é o perigo de continuação da actividade criminosa. Na realidade, aqui e mesmo olhando para os factos, não é possível deixar de entender que, pessoas que têm a ousadia (…) e (…) e aqui quem prestou declarações, acho que usou palavras um pouco mais fortes, não disse … não foi referido ousadia ou descaramento, é fazer aquilo que bem lhe apetecer, aquilo que entender, independentemente de ser preso, não foi (…) não era (…) não é o Tribunal que diz, eu estou a tentar ser mais, mais leve e mais ponderado, que é, o facto de as pessoas acharem que podem ter um planeamento, para assaltar um sítio onde existem armas e munições, do exército, analisar isso, ir buscar os elementos que fossem necessário, investir os meios que fossem necessários e tirar de lá o armamento que bem entenderam e depois de tudo verificado e do alarme social todo verificado, o alarme social derivado, especificamente, do que é que pode ser feito com aquele tipo de armas e da possibilidade que tem, embora se compreenda que possa, ser algo também facilitado pela (…) fraca, mísera dedicação à guarda dessas munições. Mas independentemente disso, está destacado, está guardado, está bem definido o facto de, os arguidos se sentirem com a liberdade de se organizarem para ir fazer isto, faz suscitar, como aliás também é referido, não só pelo arguido, um dos arguidos que ouvimos hoje, mas também pelo próprio RR, aliás, isto não é uma questão, perfeitamente isolada, um perigo sério de continuação da actividade criminosa. Estes arguidos fazem aquilo que quiserem, isto e muito mais, com toda o perigo para o nosso país, para o que quer que seja e vendem a quer que seja. O que se entende aqui, só não (…) não lhes foi imputado, como disse, o crime de terrorismo, porque entendo, pareceu da prova produzida neste momento que, a definição desse destino, já estamos na parte seguinte, pertencia a outro arguido, ao chefe dessa organização, a DD. Mas o facto de investirem os meios, de irem lá verificar, irem tentar obter informações deste nível e de irem a qualquer sítio, se vão aqui, vão a qualquer sítio e vão quando assim o entenderem. E por isso o perigo de continuação da actividade criminosa é muito forte, existindo também algum perigo de perturbação do inquérito. É esta a conclusão. O Tribunal entende, é o meu entendimento em muitos processos, não é só neste, que a obrigação de apresentações periódicas (…) não tem (…) um campo de aplicação (…) útil, razoável. Só em casos muito ligeiros, em que o perigo de fuga é que justifica a obrigação de apresentações periódicas, não é uma questão de proporcionalidade aos factos, é uma questão de lógica da sua aplicação (…) relativamente aos perigos que se pretendem salvaguardar. (…) Os arguidos AA (…) deverão aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva. O Tribunal entende que essa é a única medida, que com eficácia neste momento, nós estamos a falar de medidas preventivas, são para este momento, garantem este perigo de continuação da actividade criminosa. Só que o Tribunal não conhece todos, os inter-relacionamentos entre os arguidos e eu disse aos arguidos, que não tiro qualquer conclusão quanto ao seu silêncio, mas também não adivinho nada que eles possam dizer quanto ao relacionamento, que exista entre ambos. Neste momento, o que está indicado, embora haja uma liderança por parte do DD, é que todos aderiram voluntariamente e foram nesse (…) nesse sentido, na execução (…) plano. E havendo, razoavelmente considerar que só o RR, teria sido convocado uma determinada ideia de recompensa, seria algo, ainda que, por definir, semelhante a estes arguidos. Esta medida de coacção é proporcional aos factos indiciados à pena previsivelmente a aplicar aos arguidos em julgamento e destaca mais a questão da continuação da actividade criminosa, claro que está sempre intimamente ligado ao alarme social, porque o alarme social não existe numa situação, em que se entende que já não possa existir, mas ao facto de haver uma intensidade elevada, que ainda não foram recuperado o material todo, quanto a uma determinada conduta, que é uma conduta (…) em que os arguidos fazem aquilo que querem, é o mais (…) é o âmago da protecção de um determinado … um determinado elemento, neste caso, armas, armas com muita relevância, que têm muita potencialidade danosa e que podem ser usados aqui ou em qualquer sítio do mundo, prejudicando, não só directamente aquilo que fazem, mas os países envolvidos, na sua comissão (…) aliás, não é por acaso, de um elemento que é referido incidentalmente, mas que obviamente será, de conhecimento público, que o facto de existir um assalto desta natureza e das armas estarem desaparecidas, implica que Portugal tenha que, notificar outros países, tenha que notificar a NATO, tenha que dar justificações sobre o (…) o que é que aconteceu, o material que aconteceu. E por isso o Tribunal entende, que não há outras medidas neste momento, que com razoabilidade se possa aplicar aos arguidos que estão aqui, fortemente indiciados pela prática destes crimes. (…)». 9. O despacho parcialmente transcrito no ponto n.º 8 foi mantido por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. 10. Em despacho proferido a 2 de Março de 2019 no processo referido no ponto n.º 1, foi exarado «(…) Analisado o processo e resultando inexistir alterações aos pressupostos que determinaram a prisão preventiva dos arguidos AA (…), não sendo necessária a sua audição, mantenho tais medidas de coacção (art° 213.° do Código de Processo Penal) (…)». 11. Em informação elaborada pela Polícia Judiciária no processo referido no ponto n.º 1, exarou-se «(…) Na análise de informação (…) encontra-se o seguinte quando demonstrativo, referente a um período comum a todos os arguidos no decurso do qual não efectuaram comunicações com o seus telemóveis. Paralelamente, no início e no fim deste período, todos os arguidos (…) encontravam-se na zona de Ansião Nome (…) Silêncio Início Fim (…) 00:37:52 07:14:11 (…) 23:16:55 09:00:13 AA 23:07:46 14:23:41 (…) 23:47:20 07:17:13 (…) 21:22:50 06:58:45 (…) 20:44:07 09:08:10 (…) 00:02:04 08:15:05 (…)». 12. Em despacho proferido a 31 de Maio de 2019 no processo referido no ponto n.º 1, foi exarado «(…) Analisado o processo e resultando inexistir alterações aos pressupostos que determinaram a prisão preventiva dos arguidos AA (…), não sendo necessária a sua audição, mantenho tais medidas de coacção (artº 213.º do Código de Processo Penal) (…)». 13. Em despacho proferido a 3 de Setembro de 2019 no processo referido no ponto n.º 1 foi exarado «(…) Analisado o processo e resultando inexistir alterações aos pressupostos que determinaram a prisão preventiva dos arguidos AA (…), não sendo necessária a sua audição, mantenho tal medida de coacção quanto a todos (art° 213.° do Código de Processo Penal) (…)». 14. A 26 de Setembro de 2019, foi, no processo referido no ponto n.º 1, proferido despacho de acusação pelo Ministério Público contra o Autor, tendo-lhe sido imputada a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, de associação criminosa, de tráfico e mediação de armas, de terrorismo, de furto e de detenção de armas. 15. Na sequência do referido no ponto n.º 14 foi mantida a sujeição do Autor a prisão preventiva. 16. Em despacho proferido em 20 de Março de 2020 no processo referido no ponto n.º 1 foi exarado «(…) Consequentemente, havia que tomar uma posição quanto ao estatuto coactivo dos arguidos, detidos, tendo presente o transcurso do prazo de prisão preventiva, sem decisão instrutória, ate 17/04/2020. Consigna-se que não ocorreu qualquer alteração dos pressupostos de factos e de direito, designadamente verificação dos requisitos a que alude o art.° 204° do C.P.Penal, no tocante a qualquer dos arguidos sujeitos a medidas de coacção privativas de liberdade. Aliás, tais medidas de coacção foram, sucessivamente, sujeitas pelos arguidos ao crivo do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido, invariavelmente, mantidas pelo aquele Tribunal Superior inclusivamente no caso do arguido AA (…) Reitero que nada se alterou em termos de enquadramento jurídico. Subsiste a impossibilidade de efectivar o Debate Instrutório, seguramente até 17/04/2020. Consequentemente, determino que os arguidos até aqui detidos preventivamente sejam restituídos à liberdade, ficando a aguardar os ulteriores termos do processo com a sujeição às medidas de coacção promovidas, que tenho, nas presentes circunstancias, por adequadas e proporcionais aos perigos invocados e que se mantém reconhecidos, a saber: (…) AA, (…) se apliquem as mesmas medidas de coacção a que se encontra sujeito o arguido DD, nos termos do art.° 217°, no 2 do CPP: a) Proibição de saída para o estrangeiro, com entrega de passaporte, nos termos do artº 200°, n° 1 b) e no 3 do CPP; b) Proibição de saída do concelho da área de residência, nos termos do art.º 200°, n° 1 c) do CPP; c) Proibiçao de Contacto por qualquer meio, nos termos do art.° 200°, n° 1 d) do CPP, com: 1- Todos os arguidos; 2- Testemunhas indicadas na Acusação: (…) d) Proibição de aquisição e uso de armas, nos termos do art. 200º, no 1 e) do CPP; e) Obrigação de apresentação Periódica no posto policial da área da residência, bi-diária, as 10.00 boras e as 16.30 boras, nos termos do art.° 198°, no 1 e 2 do CPP. (…)». 17. O Autor requereu a abertura de instrução, tendo, em interrogatório de arguido, declarado «(…) Quero esclarecer onde é que estive essencialmente na noite do furto. (…) Então, na noite de (…) que decorreu o furto, de 27 para 28 de Junho de 2017, eu quero dizer que, sei onde estive, estive ao fim da tarde em SO no JB Bar com a BB, por isso é que eu a chamei cá, que era para vir falar sobre isso, mas ela não falou, e com o HH (…) Nessa noite, estive com ela e com o HH, estivemos no JB Bar ao fim da tarde, depois (…) Era mais quando eu ia lá tomar café. Sim. E, pronto, e a BB trabalhava lá e costumava lá estar como cliente (…) e o HH também, e nesse dia nós estivemos lá e fomos jantar a um Restaurante que é um Snack-bar que também serve algumas refeições que é o Garden, que é lá em Ansião também. (…) Fomos jantar a esse Restaurante, estivemos lá a jantar (…) É assim, eu nunca jantava muito cedo, (…) Eu nunca jantava normalmente muito cedo (…) muito cedo, portanto, aquilo (…)nós talvez a gente tenha ido jantar por volta ali das 9:00 horas … não, das 10, 11:00 horas, o jantar foi entre (…) Entre as 21:30 … entre … Sim, durante esse espaço de tempo. (…) Estivemos no Garden, jantámos, entretanto, no fim de jantarmos do Garden, o HH foi para casa, por volta das 10 e tal, 11:00 horas, por aí, por essa hora (…) Porque recordo-me. (…) Ah. Como é que eu sei, porque ele disse (…) porque ele disse (…) Não, eu não vi, eu não vi. Ele é que disse que ia para casa. (…) Ele foi-se embora. (…) Não sei se de carro, se a pé, foi para casa. (…) Sim. Exactamente. Exactamente, foi-se embora. E eu fiquei com a BB no Garden e do Garden fomos para o JB Bar. (…) Exactamente. E eu lembro-me … e eu … e eu lembro-me exactamente deste jantar por causa disso mesmo, porque o jantar foi a falar sobre isso, o HH estava muito preocupado, como é normal (…) Em Paris, estava em França. (…) A Senhora estava a trabalhar em França, foi operada lá (…) Então, eu lembro-me exactamente dessa noite. A gente esteve a jantar (…) Ele estava preocupado, eu recordo-me (…) Eu nessa noite, eu até o convidei para sair, para espairecer porque ele estava (…) ele não quis sair, como é normal, não estava com cabeça para ir para noitadas, estava preocupado, não é todos os dias que a nossa mãe vai ser operada a um tumor, não é? as coisas podem correr bem, como podem correr mal, graças aDeus correram bem. E tanto que ele não quis sair para espairecer porque não valia de nada ele estar naquela situação de sofrimento (…) foi para casa. Ele até disse: - Se eu vou sair o meu pai nunca me vai perdoar eu não estar em casa, de ter ido para os copos (…) Pronto, e quis ir para casa e eu compreendi. A BB nesse dia não quis ir para casa, a realidade é esta, é que não quis ir porque ela estava habituada (…) por isso é que eu queria que (…) eu sei que ela se lembra desta data, por isso é que eu a chamei cá para vir (…) para vir dizer isto. Eu sei, eu sei, eu também não, mas eu também não posso obrigá-la, mas gostava muito que ela tivesse dito aqui o que se passou nessa noite, porque … porque eu estou preso há um ano e quase dois meses e acusado duma coisa (…)». 18. HH, em interrogatório de arguido realizado em sede de instrução, declarou «(…) Então desse dia e não da noite, lembro-me mais ainda da tarde, porque à tarde eu recebo aquela chamada difícil da minha mãe antes de ser submetida à cirurgia, antes de ser anestesiada para a cirurgia que ia decorrer na madrugada do dia seguinte, eu nesse dia estive por Ansião, estava em Ansião, lembro-me de fazer essa chamada ao lado do ringue de Ansião nas escadas, lembro-me que a minha namorada estava a trabalhar nesse dia durante o dia porque ela foi ter comigo, eu lembro-me que ela tinha (…) foi à minha procura, foi-me encontrar ali, isso foi uma noite particularmente complicada para mim devo dizê-lo como é lógico, eu sentia-me na eminência (…) também sou uma pessoa muito pessimista, também sentia-me na eminência de poder perder a minha mãe, como é lógico, a minha namorada saiu do trabalho às… por volta das 21:00 e eu um pouco antes disso ligo ao meu pai (…). O meu pai disse “ah não, também não vou beber (…) não vou ao JB hoje vou ficar aqui em casa”. E eu disse “pronto então vou jantar aqui com o AA e com a BB e depois vou ter contigo”. E assim fiz, fui jantar ao Garden, com o AA e com a BB, no fim do jantar, aliás logo no início disse à BB “olha vou para casa, queres vir comigo? Vou para casa para o pé do meu pai” e ela disse, primeiro disse-me que sim, mais tarde disse “ah já sei como é que é, vou (…) tu vais estar a falar com o teu pai sobre assuntos que eu não percebo nada e ou vou estar a apanhar uma grande seca e vou para o quarto sozinha, não, olha vou ficar aqui, vou ficar com o Tijo, vou sair um bocado e vou estar aqui”. Tudo bem, eu até fiquei um pouco incomodado, achei que ficou muito mal, fui para casa. Cheguei a casa estive com o meu pai, estive o resto da noite com o meu pai, fui dormir, no outro dia acordei seriam cerca das nove e tal da manhã, o meu telefone nunca esteve desligado, porque eu nunca iria desligar o telefone (…)». 19. O Autor foi pronunciado nos termos referidos no ponto n.º 14. 20. Por despacho proferido a 4 de Maio de 2020 no processo referido no ponto n.º 1, foi o Autor sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação. 21. Por despacho proferido a 26 de Junho de 2020 no processo referido no ponto n.º 1 foi mantida a medida de coacção referida no ponto n.º 20. 22. Em despachos proferidos a 20 de Outubro de 2020, 18 de Janeiro de 2021 e 14 de Abril de 2021 no processo referido no ponto n.º 1 foi exarado «(…) Cumpre proceder ao reexame dos pressupostos da medida de coacção aplicada aos arguidos. Após análise dos autos, verifica-se que, se mostra desnecessária a audição dos arguidos para o presente reexame, porquanto, se mostram inalterados os fundamentos de facto e de direito que, determinaram a imposição aos arguidos, da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, verificando-se ainda que não se encontra excedido o prazo máximo dessa medida de coacção até à decisão em 1.ª instância. Com efeito, compulsados os autos é dado a verificar que se mantêm inalterados os pressupostos de facto e de direito que estiveram subjacentes à aplicação da referida medida de coação, agora, inclusive, reforçados com a prolação do despacho de pronúncia. Nessa conformidade, tendo em conta que até à presente data não foram carreados para os autos quaisquer elementos que nos permitam concluir pela atenuação das exigências cautelares que o caso impõe, atentos os fundamentos já explanados no despacho de pronúncia proferido no dia 26-06- 2020, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, mantendo-se inalterados os pressupostos de facto e de direito que levaram à aplicação aos arguidos (…) AA M. Moreira da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, não se mostrando ultrapassado o prazo de 2 anos e 6 meses a que alude o artigo 215.º, n.º 1, alínea c), e n.º 3, do Código de Processo Penal (aplicável por força do disposto no artigo 218.º, n.º 3, do mesmo diploma), reforçados com a prolação do despacho de pronúncia, determino que os mesmos aguardem os ulteriores termos processuais sujeitos, para além do TIR já prestado, às medidas de coação de obrigação de permanência na habitação (…)». 23. Em despacho proferido no processo referido no ponto n.º 1 em 5 de Julho de 2021 foi exarado «(…) Decorridos que estão, mais de 3 anos desde a ocorrência dos factos em análise, bem como, mais de 2 anos desde a aplicação das medidas de coação aos arguidos nos presentes autos, forçoso é concluir que as exigências cautelares a que alude o art.º 204.º, alíneas a), b) e c), do CPP, que se faziam sentir no caso concreto se atenuaram, uma vez que, já se encontra concluída a produção de prova e tendo presente que as referidas medidas visavam, no essencial, preservar e salvaguardar a veracidade da prova, o perigo de continuação da atividade criminosa, o perigo de fuga e o perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas. Face ao tempo decorrido e à fase processual em que se encontram os presentes autos, entende este tribunal que, atualmente se atenuaram os referidos perigos a que aludem as alíneas a), b) e c), do art.º 204.º, do CPP, pelo que, não existe atual fundamento para a manutenção das referidas medidas de coação. Nessa conformidade, ao abrigo do disposto no art.º 212.º, n.º 1, al. b), do CPP, declaram-se cessadas as medidas de coação aplicadas a todos os arguidos, que aguardarão os ulteriores termos do processo, sujeitos unicamente ao termo de identidade e residência prestado nos autos. Cumpre realçar que esta decisão, tem por base unicamente a atenuação dos perigos que fundamentaram a aplicação das medidas de coação, não implicando qualquer tomada de posição da parte deste Tribunal Coletivo antecipada quanto ao mérito da pronúncia, nem quanto à eventual condenação (ou absolvição) dos arguidos nos presentes autos (…)». 24. No acórdão proferido no processo referido no ponto n.° 1 e já transitado em julgado quanto ao Autor exarou-se: «(...) B) FACTOS NÃO PROVADOS: (...) Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a decisão da causa que não se encontrem descritos como provados ou que se mostrem em oposição aos provados ou prejudicados por estes, designadamente, que: No ano de 2017, DD, (...) e AA, encontravam-se, por vezes, na localidade de Chão de Couce, Ansião, onde residia o pai de DD, para jogar poker. Um desses encontros teve lugar a 12.06.2017. Durante essas partidas de poker, DD vendia produtos estupefacientes a consumidores que iam ter consigo, sentindo-se à vontade, com os restantes jogadores, para o fazer. Pelo menos no ano de 2017 e até 25.09.2018 (e depois dessa data, até 17.12.2018, sem DD), DD e os seus amigos atrás identificados, mais precisamente (...) AA (...) formaram um grupo de indivíduos que, se dedicavam à actividade organizada de compra e venda de haxixe e cocaína para obterem lucro com o diferencial entre o valor de compra e de venda. No âmbito deste negócio de compra e venda de produtos estupefacientes, os mencionados arguidos contactavam telefonicamente, através dos números de telefone acima referidos, através da rede das operadoras ou, na maioria das vezes, através da aplicação WhastApp. O líder desse grupo organizado era DD. DD tinha um grande ascendente sobre os restantes elementos do grupo que lhe advinha do facto de lhes entregar cocaína e haxixe para revenda, à consignação. DD era conhecido como o grande traficante de Ansião. No entanto, DD organizou um negócio de compra e venda de estupefacientes à escala nacional. DD adquiria cocaína a terceiros em locais não identificados da zona centro e norte do país. n) Assim, (...) AA (...) assumiram esse papel de revendedores, recebendo o haxixe e cocaína à consignação, procedendo à sua venda a consumidores por um valor mais elevado e pagando a DD quando vendessem todo o produto que lhes havia entregado. (...) p) (...) AA (...) vendiam o haxixe e a cocaína com que ficavam à consignação, que lhes era entregue por DD, na zona centro e norte do país. (...) w) Depois da detenção e prisão preventiva de DD, ocorrida a primeira em 25.09.2018, os arguidos revendedores identificados nos artigos que antecedem, continuaram a mesma actividade de compra e venda de haxixe e de cocaína. (...) dd) Essas deslocações tinham como objectivo transportar haxixe do Algarve, transportar cocaína do local onde adquiria a mesma, transportar haxixe e cocaína para os seus revendedores e trazer o produto monetário obtido com a revenda do produto estupefaciente que tinha deixado à consignação. (...) fff) Os arguidos (...) AA (...) agiram de acordo com um plano que DD traçou e ao qual os restantes arguidos aderiram, no âmbito de um grupo que DD criou e do qual passaram a fazer parte os restante referidos arguidos, que se destinava à venda de produtos estupefacientes, cientes da função que lhes competia de revenda do produto, com o intuito de auferir lucros pecuniários com os diferenciais entre os preços de aquisição e de venda, agindo sob a direcção de DD, bem sabendo que todas as suas supra descritas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.(...) hhh) Os arguidos (...) AA (...) bem sabiam que a aquisição de produtos estupefacientes, detenção, transporte, cessão a outrem, por qualquer forma, não lhes era permitido e agiram todos com o intuito de auferir lucros pecuniários com os diferenciais entre os preços de aquisição e venda. iii) As quantias pecuniárias, detidas pelos arguidos (...) AA (...) eram resultantes da venda de produtos estupefacientes. (...) jjjj) No dia 06.03.2017, à tarde, na execução do plano, DD e AA, deslocaram-se ao Polígono de Tancos, no veículo automóvel de DD, de marca Mercedes, e matrícula ..-PN-.., e fizeram um reconhecimento do local para a preparação do Assalto. kkkk) De seguida, dirigiram-se para a casa de AA, na Rua 1, onde se encontraram com EE, pelas 18.05 horas. (...) nnnnn) Cerca de cinco ou dez minutos depois, surgiu, na mesma estrada, do interior da localidade, DD, ao volante de um veículo automóvel, uma carrinha de caixa fechada, de cor cinzenta, com marca e matrícula não identificadas. ooooo) No interior da carrinha, para além de DD, seguiam (...) AA e (...). ppppp) De imediato, DD, por se ter apercebido que (...) estava no interior do seu veículo, fez um sinal de luzes, dando indicação àquele para seguir a carrinha que guiava. qqqqq) De imediato, (...)iniciou a marcha do veículo e seguiu atrás daquela, rrrrr) Ambas as viaturas dirigiram-se para os PNT. sssss) Após passarem a povoação de Roda Grande e o viaduto da A23, os veículos seguiram por uma estrada de terra batida (que deriva, pelo lado esquerdo da estrada de alcatrão) de acesso ao perímetro exterior, junto à rede dos PNT. ttttt) No início dessa estrada de terra batida, DD apagou as luzes da carrinha. uuuuu) E (...) imitou-o, tendo, também, apagado as luzes do veículo que conduzia. vvvw) (...) imobilizou o seu veículo, numa estrada de terra batida, mais estreita, perpendicular à rede exterior, do lado esquerdo, no sentido sulnorte. wwwww) DD deu instruções a (...) para se introduzir nos PNT, através de uma abertura que existia na rede exterior e, com o alicate de corte que trazia consigo, disse-lhe para que fosse até à rede interior e cortasse a mesma. xxxxx) Seguindo instruções de DD, (...), entrou no complexo militar dos PNT, através de uma abertura que existia na rede exterior. yyyyy) (...) aproximou-se da rede interior. zzzzz) De seguida, utilizando o alicate de corte que levou consigo, (...) cortou a rede interna dos PNT. aaaaaa) Após ter cortado a rede interna, (...) saiu para o exterior de ambas as redes, para junto do seu veículo, e ficou a vigiar. bbbbbb) DD tinha dado instruções expressas a (...) para que, na eventualidade de aparecer alguém, deveria apitar e desligar o cabo da bateria, simulando uma avaria no carro. cccccc) Nesse momento, (...) e AA (...) saíram do interior dddddd) Todos estavam de cara tapada, com gorros, passa-montanhas, mangas na cabeça e usavam luvas. eeeeee) Retiraram da carrinha de caixa fechada dois carrinhos-de-mão. ffffff) (...) e AA, munidos dos carrinhos-de-mão, entraram no complexo dos PNT, através das aberturas existentes na rede exterior e na rede interior. gggggg) DD sabia que o material militar de que se pretendia apropriar estava no interior desses paióis, informação que (...), nas conversas que tinha tido consigo, lhe havia transmitido. iiiiii) No interior dos paióis n°s 14 e 15, (...) e AA seleccionaram o material que interessava ao grupo, de acordo com as instruções de DD. iiiiii) Os arguidos (...) AA terminaram o transporte do material militar até à carrinha, pelas 04.00 horas, do dia 28.06.2017. kkkkkk) Os arguidos (...) AA (...) retiraram, levaram consigo o material militar, fazendo-o seu, sabendo que era pertença do Exército Português. (...) rrrrrr) (...) AA (...) guardaram o material militar no terreno sito na Portela de Carregueiros, Carregueiros, Tomar, pertença de sua avó materna do arguido DD e ao qual tinha acesso. ssssss) De seguida, (...) AA voltaram para Ansião onde já se encontravam às 06.58 horas, do dia 28.06.2017. tttttt) Visando eximir-se à sua localização celular, seguindo instruções expressas de DD (...) AA, (...) e o próprio DD desligaram os telemóveis, na noite de 27.06.2017, para 28.06.2017. uuuuuu) Assim: (...) d) AA desligou o telemóvel, pelas 23.07 horas, do dia 27.06.2017, quando se encontrava na sua casa, em Avelar, freguesia do concelho de Ansião, voltando a ligá-lo às 14.23 horas, do dia seguinte, quando já se encontrava, novamente, em casa; (...) vvvvvv) Tinham os arguidos AA plena consciência de que agiram no âmbito de um grupo organizado de que faziam parte, criado e liderado por DD, com tarefas e funções que lhes ficaram especificamente atribuídas, para um plano conjunto, conforme descrito, e tendo sempre como objectivo último o desiderato criminoso do grupo que todos passaram a integrar. wwwwww) Os arguidos (...) AA (...) agiram de comum acordo, em comunhão de esforços e com repartição de tarefas, sob a égide de um plano comum previamente traçado, com o propósito concretizado de entrar nas instalações dos PNT, cortando a respectiva vedação e entrando, no interior do perímetro, através da mesma, bem sabendo que a entrada, nesse local, lhes era vedada, porquanto não é um lugar público, por ser pertença do Estado Português, com o propósito de dali subtrair fazendo seu, como fizeram, através da extracção das fechaduras dos paióis e da entrada no interior dos mesmos, o material bélico que, também, sabiam ser pertença do Estado Português e mesmo assim não se coibiram de o fazer. xxxxxx) Bem conheciam os arguidos (...) AA (...) a natureza e características do material militar que subtraíram e que destinavam a revenda, com o intuito de auferir elevados ganhos pecuniários que seriam repartidos por todos. yyyyyy) Tinham os arguidos (...) AA (...) consciência de que os PNT pertenciam às Forças Armadas Portuguesas, nomeadamente ao Exército Português e que o material militar ali guardado pertencia ao espólio de guerra do Estado Português e sabiam que ao criar, liderar e integrar o grupo de que passaram a fazer parte, grupo que foi criado com o fim descrito, comum a todos, que conheciam, punham em causa a integridade nacional e afectavam o funcionamento do Exército Português. zzzzzz) Tinham os arguidos (...) AA (...) o propósito de vender o material bélico, em especial os explosivos, a elementos ligados à ETA, organização terrorista separatista armada que conheciam, sabendo que essa intenção era segurança e as Instituições do Estado Português e, ainda, a integridade, a unidade, a segurança e a independência do Estado Espanhol. aaaaaaa) Pretendiam, ainda, os arguidos (...) AA, (...) proceder à venda, do restante material militar subtraído, no mercado negro, com o propósito de auferir avultados proventos económicos com a sua venda. (...) C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO: (...) Os factos considerados como não provados foram-no assim pela ausência de prova susceptível de permitir conclusão distinta, uma vez que a prova produzida supra elencada não permitiu ao tribunal formar uma convicção séria e segura quanto aos mesmos. No que respeita aos factos dados como não provados em a) a c), baseou-se o tribunal na total ausência de prova a esse respeito, na medida em que, por um lado, os arguidos (...) e AA confirmaram que jogavam poker no Bar JB, após a hora de fecho do estabelecimento, negando porém, peremptoriamente, que tais jogos ocorressem em Chão de Couce, Ansião, localidade onde residia o pai do arguido DD e que durante essas partidas o arguido DD vendesse produtos estupefacientes. Por outro lado, nenhuma outra prova se fez em audiência de julgamento que comprovasse tal realidade. Cumpre ter presente a respeito que a testemunha BB, namorada do arguido HH - que aquando da ocorrência dos factos vivia em união de facto com este arguido - advertida nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 134.°, n.° 1, alínea b), n.° 2, do CPP, recusou prestar depoimento. No que respeita aos factos não provados em d) a iii), cumpre, antes de mais, afirmar que não se fez prova segura e inabalável, como é processualmente exigível, acerca da ocorrência dos referidos factos. O que existe e que resultou da audiência são meros indícios e determinadas coincidências que não nos permitem, por si só ou apreciados no seu conjunto, concluir que os arguidos actuassem organizados num circuito de venda de produtos estupefacientes a terceiros, destinado exclusivamente à venda reiterada de tais produtos, cuja dimensão e modo de funcionamento conheciam, e que o arguido DD controlava. (...) Como supra se referiu, os arguidos (...) admitiram apenas a posse dos produtos estupefacientes que lhes foram apreendidos nas respectivas buscas domiciliárias e, bem assim, que os mesmos se destinavam a ser vendidos a terceiros, do modo como fizemos consignar nos factos que resultaram como provados, negando, porém, que, o fizessem de forma organizada com os restantes arguidos. Por seu turno, os arguidos (...) AA negaram em audiência de julgamento que se dedicassem à venda organizada de produtos estupefacientes. Por fim, o arguido (...) optou por não prestar declarações em audiência de julgamento. É verdade que se mostram comprovadas nos autos várias deslocações efectuadas pelos arguidos (...) pelo território nacional, bem como, a ocorrência de vários encontros do arguido DD com os restantes co-arguidos (circunstâncias que nenhum dos arguidos negou); porém, tais encontros, por si só, não nos permitem formular qualquer convicção segura e sustentada quanto à circunstância de que tais deslocações e encontros tivessem por escopo a venda organizada de produtos estupefacientes. É certo que de algumas das escutas telefónicas e das conversas mantidas pelos arguidos, poder-se-ia especular quanto à existência de indícios de uma actividade organizada de tráfico de estupefaciente, uma vez que, embora os termos utilizados não sejam directos, no sentido de falar em droga, resulta das regras da experiência que os traficantes e os consumidores utilizam sempre linguagem codificada precisamente para que em eventuais escutas não seja mencionado expressamente o que se desejam comprar, vender, ceder, etc. Porém, a utilização de tal linguagem não permite, por si só - isto é desacompanhada de outra prova - concluir que tais conversas se referem a actividade de tráfico de estupefacientes. Mais, ainda que assim não fosse, sempre se desconheceriam, no caso, por completo, quais as circunstâncias e contextos inerentes, os dias, as horas, as concretas quantidades ou substâncias estupefacientes compradas, fornecidas, vendidas ou cedidas e se efectivamente o foram. Em suma, desconhece-se se foram efectuados quaisquer negócios. Na verdade, a Polícia Judiciária não efectuou a maioria das escutas em tempo real, com subsequente vigilância e em nenhum dos autos de vigilância efectuados se constatou directamente nenhum acto concreto de venda, compra ou cedência de estupefacientes por parte dos arguidos. (...) Por outro lado, cumpre referir que o depoimento prestado a esse respeito, pela testemunha JJ perante autoridade judiciária em 13-11-2018 (...), foi neste aspecto concreto, algo vago e ambíguo, uma vez que não houve qualquer concretização mínima das circunstâncias, dias, horas, concretas quantidades ou substâncias estupefacientes compradas, fornecidas, vendidas ou cedidas e se efectivamente o foram, não permitindo assim a este tribunal formular qualquer convicção segura e sustentada a esse respeito. (...) Ora, em sede de julgamento, para condenar um arguido é preciso uma certeza da existência da infracção, devendo o juiz ser exigente com a prova produzida de molde a apurar da responsabilidade penal do arguido, visando alcançar a demonstração da realidade dos factos. Deste modo, cotejada a prova produzida, entende este Tribunal Colectivo que da prova produzida em audiência de julgamento, as regras da experiência não nos permitem afirmar, na coordenação e conjugação causal dos factos que, com probabilidade próxima da certeza, os arguidos actuassem organizados num circuito de venda de produtos estupefacientes a terceiros, destinado exclusivamente à venda reiterada de tais produtos, cuja dimensão e modo de funcionamento conheciam e que o arguido DD controlava. Com base nas declarações dos arguidos (...), conjugadas com as apreensões de estupefaciente ocorridas nas respectivas residências, este tribunal apenas pode afirmar, com a necessária certeza e rigor, que estes arguidos detinham o produto estupefaciente que lhes foi apreendido e que o destinavam à sua cedência a terceiros do modo como fizemos reverter para os factos provados em 47) a 48) e 50) a 53). De igual forma, no que respeita ao estupefaciente apreendido na posse do arguido (...) este tribunal apenas pode afirmar que este detinha o produto que lhe foi apreendido para o seu consumo da forma como o fizemos reverter para os factos provados em 55). (...) - No que respeita aos factos não provados em jjjj) e kkkk), baseou-se o tribunal na ausência de prova susceptível de permitir conclusão distinta, uma vez que a prova produzida supra elencada não permitiu ao tribunal formar uma convicção séria e segura quanto aos mesmos. Com efeito, os arguidos não confirmaram nas declarações prestadas em audiência de julgamento esta factualidade. Acresce que, a mera circunstância dos telemóveis do arguido DD e AA terem accionado a antena “Entroncamento IP6” (cfr. fls. 18 do apenso 25 do NUIPC 661/17.1TELSB) não é suficiente para provar que os arguidos se deslocaram às instalações dos PNT para efectuar um reconhecimento nesse dia. Na verdade, como explicitou a testemunha SS, inspector da PJ que elaborou o Relatório final de análise de informação constante do Apenso 25 (ao NUIPC 661/17.1TELSB), o referido relatório baseou-se unicamente na análise das localizações celulares activadas obtidas por recurso às listagens de facturação detalhada dos telemóveis dos arguidos e não existiu a preservação dos eventos de rede, sendo que tal facturação, apenas nos permite aferir que antenas BTS foram activadas e não o concreto percurso que foi seguido pelos arguidos utilizadores dos referidos telemóveis. Esta testemunha explicou também que as zonas suburbanas têm antenas microcelulares que têm um raio de acção de 2 km, sendo que as zonas rurais têm antenas macrocelulares cujo raio de acção pode variar entre 10 e 35 kms. A escolha da antena activada pelo telemóvel é algo volátil, porquanto, existem zonas de confluência de várias antenas, em que o aparelho de telemóvel vai escolher a antena cujo sinal é melhor captado, sendo que, a mera circunstância do telemóvel utilizar tecnologia “3G” ou “4G” pode influenciar na escolha da antena que o telemóvel activa. Com efeito, esta testemunha acabou por admitir no seu depoimento que, parte das suas conclusões, no Relatório final de análise de informação constante do Apenso 25, no que se refere a encontros e deslocações dos arguidos, foram um mero “exercício especulativo” da parte deste, com base nas antenas que foram activadas, constantes da facturação dos arguidos e naquilo que pensa que aconteceu. Por tais motivos, contrariamente ao que parece transparecer do Relatório final de análise de informação constante do Apenso 25 que esta testemunha elaborou, não é possível, com base apenas na informação constante da faturação, afirmar com qualquer certeza ou rigor, que os arguidos estiveram em determinado ponto geográfico preciso, na medida em que a maioria das células activadas pelos arguidos são macro células, com um raio de acção que pode chegar aos 35 kms. Face ao supra descrito, entende este tribunal que a mera circunstância dos telemóveis do arguido DD e AA terem accionado a antena “Entroncamento IP6” (cfr. fls. do apenso 25 do NUIPC 661/17.1TELSB), não é suficiente para demonstrar de forma cabal e isenta de dúvidas que os arguidos se tenham deslocado às instalações dos PNT para efectuar um reconhecimento, motivo pelo qual, demos tais factos como não provados. (...) - No que respeita aos factos não provados em cccc), dddd), eeee), ffff), iiiii) a bbbbbbb), os mesmos resultaram da ausência da sua demonstração de forma inequívoca, concludente e isenta de dúvida, pelo que, desde logo, atendendo ao principio da presunção de inocência, se consideraram os mesmos como não provados, após a confrontação crítica e conjugada de todos os meios de prova. Vejamos. O arguido (...) negou em audiência de julgamento que tenha tido qualquer intervenção no assalto aos PNT, desmentindo as declarações que prestou perante o Ministério Público em 26-12-2018, que se mostram transcritas a fls. 6508 e ss., alegando que se limitou a reproduzir aquilo que o seu advogado lhe disse para dizer pois tinha medo de ficar em prisão preventiva e porque consumia haxixe e viva na rua e não estava bem psicologicamente. O arguido (...) negou igualmente ter tido conhecimento ou qualquer participação no assalto aos PNT. Por seu turno, os arguidos (...) e AA, apesar de terem confirmado em declarações que do dia 07 para o dia 08-03-2017, a pedido do arguido DD, o acompanharam, no veículo deste, até às imediações das instalações dos paióis de Tancos, para efectuaram um reconhecimento ao local, afirmaram também que após todos concluíram que a ideia do arguido DD de “fazer” os paióis militares “era uma doidice", “uma loucura” e abordaram-no transmitindo-lhe que queriam “desistir” da ideia. Todos esses arguidos negaram assim, peremptoriamente, que tenham tido qualquer intervenção no assalto realizado aos PNT. (...) Também o arguido HH negou que tenha tido qualquer participação no furto, referindo em síntese que, nesse dia, a sua mãe foi submetida a uma operação cirúrgica para remoção de um tumor na cabeça, em França. Nessa noite, despediu-se da mãe pelo telefone e foi jantar com a sua namorada BB e com o arguido AA, em Ansião, sendo que, após foi para casa, onde passou toda a noite. Nessa noite não desligou o telemóvel porque estava à espera de notícias da mãe e chegou a telefonar à irmã, que se encontra emigrada em França. (...) Por fim, o arguido AA referiu que, na noite do furto, foi jantar com o arguido HH e com BB, por volta das 23h ou meia noite. No fim do jantar, o arguido HH foi para casa e o arguido AA ficou a tomar um copo com a BB no bar “JB” até às 03h00m ou 04h00m da manhã e ainda beberam umas cervejas no carro. Após, quando o dia já estava a clarear, levou a casa do HH. Nunca desligou o telemóvel nessa noite. Acresce que os arguidos (...) que confessaram em audiência de julgamento a autoria do assalto aos PNT, e que foram incriminados pelas referidas declarações do arguido (...) em sede de inquérito, tendo por isso todo o interesse em que o mesmo fosse incriminado nos presentes autos, desmentem a versão constante da pronúncia, garantindo que os arguidos (...) AA (...) não tiveram qualquer intervenção nos factos relacionados com o assalto ao PNT. Ora, a versão dos factos constante da pronúncia no sentido de que o arguido (...) e os arguidos (...) AA tiveram igualmente intervenção nos factos relacionados com o assalto ao PNT, assentou, no essencial, nas referidas declarações prestadas pelo arguido (...) perante Magistrada do Ministério Público, em 26-12-2018, que se mostram transcritas a fls. 6508 e ss. (...), bem como, no auto de Reconstituição que consta de fls. 11331 e ss. - Vol.34 (do NUIPC 661/17.1TELSB), que teve por base as declarações prestadas pelo referido arguido. Como supra se aludiu, uma vez que as declarações do co-arguido revestem, em qualquer fase do processo, uma dupla natureza - meio de defesa e meio de prova - as mesmas são livremente valoráveis, enquanto meio de prova, sendo, porém, um meio de prova particularmente frágil na sua valoração. Com efeito, a dupla natureza das declarações do arguido (defesa/prova), impõe e exige prudência na valoração do depoimento de co-arguido em desfavor de outro, impondo-se que as mesmas sejam "minimamente corroboradas" por algum facto, dado ou circunstância externa, susceptível de lhes conferir credibilidade e a exigência de respeito pelo direito ao contraditório e pelas garantias de defesa do co-arguido, contra o qual as declarações são desfavoráveis.(...) Revertendo estas premissas para o caso concreto, verificamos que o arguido (...) desmentiu totalmente em audiência de julgamento as declarações que prestou perante Magistrada do Ministério Público, em 26-12-2018, que se mostram transcritas a fls. 6508 e ss., sendo que este arguido prestou várias vezes declarações perante magistrado judicial ou do Ministério Público nos autos e, apenas nessa ocasião, apresentou tal versão, o que sempre nos suscita uma dúvida razoável quanto à veracidade das referidas declarações. Acresce que, este arguido negou-se a responder às perguntas que lhe foram colocadas pelos ilustres mandatários dos arguidos (...), o que impossibilita a valoração dessas declarações contra estes arguidos, atento o disposto no art.° 345.°, n.° 4, do CPP, pois tal recusa impossibilita, desta forma, o contraditório quanto a tais declarações. Mais, não foi colhido qualquer outro vestígio ou indício que permita associar os arguidos (...) AA e HH à prática dos referidos factos. (...) Ora, no caso concreto, o conteúdo da diligência de reconstituição não passa, na essencialidade, da versão dos factos extraída em declarações prestadas pelo arguido (...), numa altura temporal em que já tinha sido amplamente noticiada nos meios de comunicação social a forma como se tinha processado a entrada nos PNT (...). Assim, a reconstituição dos factos que consta dos autos de fls. 11331 e ss. - Vol.34 (do NUIPC 661/17.1TELSB), baseou-se exclusivamente na versão dos factos apresentada por este co-arguido, agora desmentida pelo próprio e nada acrescenta, em termos probatórios às referidas declarações. O mesmo se diga do auto de reconhecimento e identificação de local para onde terá arremessado o alicate/tesoura realizado pelo arguido PP que consta de Fls.8239 - Vol.25 (661/17.1TELSB). Note-se que o arguido afirmou nas referidas declarações (que agora desmente) que se desfez do alicate que utilizou para cortar as redes dos PNT, atirando-o à Ria de Aveiro, mas o mesmo não foi localizado pelo Grupo de Mergulho Forense da Polícia Marítima, não obstante várias diligências realizadas nesse sentido na fase de inquérito. Acresce que, face à versão apresentada pelo co-arguido (...) nas referidas declarações (que agora, reitera-se, desmente) sempre se nos suscitariam sérias dúvidas quanto à credibilidade das mesmas, pois não se alcança como poderia este arguido identificar, com o mínimo rigor, quem realmente esteve, no local, no dia do furto, se a noite estava “escura, uma vez que a Lua estava em fase de Lua Nova, somente 11,4% iluminada” [cfr. fls. 14523 - Vol.44 (NUIPC 661/17.1TELSB)] e o mesmo “seguiu sozinho no seu carro” [cfr. fls. 6510 dos autos], quer de Aveiro a Ansião, quer de Ansião a Tancos, não tendo, em momento algum, saído do carro que conduzia, sendo ainda que, como o mesmo refere, quando chegaram a Tancos, ao saírem da carrinha “os assaltantes estavam todos de caras tapadas” [cfr. fls 6510 dos autos]. Mais, os próprios inspectores TT e UU, que se deslocaram com o arguido (...) para realizar a reconstituição, confirmaram que o mesmo não conhecia o caminho para Tancos, pelo que, foram estes a indicar-lhe o caminho até às imediações de Tancos, o que é dificilmente compreensível para uma pessoa que já tinha ido ao local aquando da prática dos factos. Deste modo, face à prova produzida, suscitam-se sérias dúvidas quanto à credibilidade das declarações prestadas pelo arguido (...) perante magistrado do Ministério Público em fase de inquérito, que o mesmo agora desmente. Refira-se, aliás, que nem sequer se pode afirmar, com qualquer segurança e certeza, que os referidos arguidos desligaram os respectivos telemóveis na noite de 27-06-2017 para 28-06-2017, para se eximirem à sua localização celular, porquanto, como já se fez alusão, a testemunha (...), inspector da PJ que elaborou o Relatório final de análise de informação constante do Apenso 25 (ao NUIPC 661/17.1TELSB), explicou que o referido relatório baseou-se unicamente na análise das localizações celulares activadas obtidas por recurso às listagens de facturação detalhada dos arguidos e não existiu a preservação dos eventos de rede, sendo que tal facturação, apenas nos permite aferir que não foram emitidas ou recebidas chamadas telefónicas através das redes móveis, não sendo possível saber se os telemóveis estavam ligados, sem comunicações ou desligados. Com efeito, e como já explicado supra, uma vez que nessa altura não foram efectuadas intercepções telefónicas a estes telefones, nem foram preservados os eventos de rede, a informação enviada pelas operadoras apenas se refere aos momentos em que o telefone comunica, registando-se a antenas BTS. Ao contrário, se existissem intercepções telefónicas em curso, então teríamos os chamados eventos de rede que registavam o percurso do telefone pelas BTS mesmo sem comunicações. Assim sendo, reiteramos, o facto de não haver registo de antenas na rede do operador, nem de chamadas efectuadas na facturação pode ter várias explicações: o telemóvel pode estar desligado da rede do operador, mas também pode estar ligado mas estar numa zona sem cobertura de rede, ou estar ligado mas não efetuar nem receber quaisquer comunicações, bem como, estar ligado mas não haver deslocação na rede e consequente mudança de área de localização. Desta forma, não é possível afirmar que os telefones dos referidos arguidos estiveram desligados apenas com base no facto de não se terem registado em antenas em determinado período. Para mais tratando-se do período temporal que medeia entre a noite de 27-06-2017 e o dia de 28-06-2017, período nocturno em que normalmente as pessoas não efectuam comunicações telefónicas. Ora, em sede de julgamento, para condenar um arguido é preciso uma certeza da existência da infracção, devendo o juiz ser exigente com a prova produzida de molde a apurar da responsabilidade penal do arguido, visando alcançar a demonstração da realidade dos factos. Em suma, resulta de tudo o supra descrito, que as declarações que o co- arguido (...) apresentou perante Magistrado do Ministério Público não podem servir para este tribunal fundar uma convicção de certeza e segurança quanto aos factos imputados ao próprio arguido (...) e aos arguidos (...) AA, porquanto, para além de terem sido desmentidas pelo próprio, as mesmas não foram minimamente corroboradas por qualquer outro facto, dado ou circunstância externa, susceptível de lhes conferir credibilidade e foram mesmo descredibilizadas pela restante prova produzida em audiência de julgamento a que supra se fez alusão, motivos pelos quais demos tais factos como não provados. De notar que são realidades distintas a verdade processual (judiciária) e a verdade material (histórica): aquela haverá, necessariamente, de ser (re)construída com recurso à prova produzida em audiência de julgamento, caminhando-se da prova para a convicção - e não pela forma inversa. Acresce ainda que, eventuais dúvidas sobre o modo como os factos terão ocorrido, sempre terão de militar em benefício dos arguidos por força do princípio da presunção da inocência traduzido pelo brocardo in dubio pro reo, dando-se tais factos como não provados. IX - DECISÃO: Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar parcialmente procedente, por provada, a pronúncia e, em consequência, decidem: Absolver os arguidos (...), AA (...) da prática, em co-autoria, de um crime de Associação Criminosa, p. e p. pelo art.° 299° n° 2 do CP e de um crime de Tráfico e mediação de armas, p. e p. pelos art.° s 86°, n° 1 e 87°, n° 1 e 2 b) da Lei n° 5/2006, de 23 de Fevereiro; Absolver os arguidos (...) AA (...) da prática de um crime de Terrorismo, p. e p. pelos art.° s 2°, n° 1 c) e n° 2, 4°, n° 2 da Lei n° 52/2003, de 22 de Agosto, com referência aos art.° s. 272.° n° 1 b) e 203°, n° 1, 204°, n° 2 a), c) e e), 202°, b), d) e) e f) III todos do CP; Absolver os arguidos (...) AA, (...) pela prática de um crime de Associações Criminosas, p. e p. pelo art.° 28°, n° 2, do D.L. n° 15/93, de 22 de Janeiro; Absolver os arguidos (...) AA, pela prática, em co-autoria, de um crime de Tráfico e outras actividades ilícitas, p. e p. pelo art.° 21°, n° 1 do DL n° 15/93, de 23 de Janeiro, com referência às Tabelas I-B, I-C, II-A anexas ao mesmo diploma; (...)». 25. No período compreendido entre 17 de Dezembro de 2018 e 20 de Março de 2020 e na sequência dos factos referidos nos pontos n.os 5, 6, 8, 9 e 10 e 12 a 15, o Autor, sabendo ser inocente, sentiu-se assustado e sentiu revolta, desespero e angústia por estar privado da liberdade. 26. No período compreendido entre 17 de Dezembro de 2018 e 20 de Março de 2020 e na sequência dos factos referidos nos pontos n.os 5, 6, 8, 9 e 10 e 12 a 15, o Autor sentiu receio por vir a ser condenado pela prática dos crimes referidos no ponto n.° 15 e pelo seu futuro pessoal e social.No período compreendido entre 17 de Dezembro de 2018 e 5 de Julho de 2021 e na sequência dos factos referidos nos pontos n.os 5, 6, 8, 9 e 10, 12 a 15 e 20 a 22, o Autor acreditava que o seu envolvimento no processo referido no ponto n.° 1 constituía um meio para atingir um fim. 27. No período compreendido entre 17 de Dezembro de 2018 e 5 de Julho de 2021 e na sequência dos factos referidos nos pontos n.os 5, 6, 8, 9 e 10 e 12 a 15 e 20 a 22, o Autor sabia que a sua família pagava honorários a advogados e que, quando estava na prisão, se deslocava a Lisboa para o visitar. 28. No Estabelecimento Prisional …, o Autor, entre 18 de Dezembro de 2018 e 20 de Março de 2020, partilhava a retrete colocada a um canto da cela com outros reclusos. 29. Em virtude de greve dos guardas prisionais no início do lapso de tempo referido no ponto n.° 29, o período de recreio do Autor foi encurtado. 30. Durante o período de tempo referido no ponto n.° 29, o Autor sentiu calor e frio intensos e ouviu barulho. 31. Entre 18 de Dezembro de 2018 e 20 de Março de 2020, no espaço prisional do Estabelecimento Prisional …, apareciam ratos, ratazanas, baratas e insectos voadores. 32. No Estabelecimento Prisional … e entre 18 de Dezembro de 2018 e 20 de Março de 2020, o Autor teve uma alimentação sem variedade. 33. No Estabelecimento Prisional … e entre 18 de Dezembro de 2018 e 20 de Março de 2020, o Autor sentiu receio e medo por estar próximo de reclusos violentos e por, diariamente, existirem confrontos entre reclusos. 34. O envolvimento do Autor no processo referido no ponto n.° 1 foi noticiado em meios de comunicação social. 35. Em virtude de as notícias divulgadas darem como certa a intervenção do Autor nos factos investigados no processo referido no ponto n.° 1, aquele sentiu-se humilhado. 36. Em virtude de não ter sido divulgado o facto referido no ponto n.° 24, o Autor continua a ser tido como terrorista. Considerou ainda como não provada, a seguinte factualidade: a. O Autor não manteve o telemóvel desligado no período aludido no ponto n.° 3. b. Os factos referidos nos pontos n.os 25, 26 e 28 ocorreram também no período compreendido entre 4 de Maio de 2020 e 5 de Julho de 2021 e na sequência dos factos referidos nos pontos n.os 20 a 22. c. Em virtude dos factos referidos nos pontos n.os 5, 6, 8, 9, 10, 12 a 15 e 20 a 22 o Autor não auferiu, a título de rendimento social de inserção, a quantia de € 189,66 por mês; d. Por conta da sua defesa no processo referido no ponto n.° 1, o Autor despendeu a quantia de € 9.000 a título de pagamento de honorários ao seu advogado; e. Pela elaboração da petição inicial da presente acção, o Autor pagou a quantia de € 1.722 ao seu I. Mandatário; f. No período compreendido entre 17 de Dezembro de 2018 e 5 de Julho de 2021 e na sequência dos factos referidos nos pontos n.os 5, 6, 8, 9, 10, 12 a 15 e 20 a 22, o Autor sentiu-se perseguido e convenceu-se de que não seria absolvido. g. No período compreendido entre 17 de Dezembro de 2018 e 5 de Julho de 2021 e na sequência dos factos referidos nos pontos n.os 5, 6, 8, 9, 10, 12 a 15 e 20 a 22, o Autor sabia que a sua situação era tida como repulsiva na comunidade onde aquela morava. h. No Estabelecimento Prisional …, o Autor, entre 18 de Dezembro de 2018 e 20 de Março de 2020, dormia no chão. i. Durante o período de tempo referido no ponto n.° 29, o Autor, à noite, não dormia por ouvir barulhos. j. Os factos referidos no ponto n.° 32 ocorriam na cela onde o Autor estava e em todo o Estabelecimento Prisional aí mencionado. k. O facto referido no ponto n.° 16 foi divulgado pela comunicação social com referências ao nome do Autor. l. Em virtude do facto referido no ponto precedente, o Autor sentiu-se frágil e receoso quanto ao desfecho do processo referido no ponto n.° 1. m. Em virtude de não ter sido divulgado o facto referido no ponto n.° 24, o Autor continua a ser tido como traficante e assaltante. i. Insuficiência da matéria de facto e impugnação da matéria de facto: No caso dos autos, alega o digno recorrente que resulta da decisão do Mm.° Juiz de Instrução de 15-02-2020, constante do documento n.º 36, e à qual se faz referência no facto provado n.º 16, que o Tribunal da Relação de Lisboa foi também chamado a pronunciar-se sobre a manutenção da prisão preventiva. Afirma que em duas situações distintas - num primeiro momento, incidindo sobre a decisão inicial que decretou a prisão preventiva e, num segundo momento, incidindo sobre a decisão de revisão e manutenção da prisão preventiva - o Tribunal da Relação de Lisboa julgou não providos os recursos interpostos pelo Autor, mantendo a prisão preventiva que lhe havia sido imposta em 1ª instância Afirma ainda que, em face dos factos alegados pelas partes e daqueles que resultaram da instrução da causa, impunha-se, atento o objeto do litígio (fixado por despacho de 18-10-2024), que o Tribunal a quo, em primeiro lugar, diligenciasse oficiosamente pela requisição das certidões dos ditos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa, atento o disposto nos artigos 411.° e 436.° do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, C.P.C.) e, em segundo lugar, que desse como provada a prolação de cada uma dessas decisões, bem como, autonomamente, os fundamentos em que cada uma se baseou e o sentido do dispositivo fixado. A sentença sob recurso, efectivamente considerou provado, no ponto nº 9 do elenco dos factos provados que: «O despacho parcialmente transcrito no ponto n.° 8 foi mantido por Acórdão do V. Tribunal da Relação de Lisboa». Também relativamente ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-02-2020, o Tribunal a quo limitou -se a dar como provado no ponto 16 do elenco dos factos provados que foi exarado o despacho de 20 de março de 2020 (onde aquele aresto é expressamente referido). Se o tribunal de 1.ª instância omitir a pronúncia sobre uma determinada questão de facto e se a resposta a ela for indispensável para a decisão da causa, a consequência de tal omissão será a anulação da decisão proferida em 1.ª instância, seguida da repetição do julgamento sobre tal questão. É a solução que resulta da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, na parte em que dispõe que a Relação deve mesmo oficiosamente anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando considere indispensável a matéria de facto, combinada com a alínea c) do n.º 3 do mesmo diploma. Conclui assim que existe insuficiência da matéria de facto quanto à prolação de cada um dos acórdãos que confirmaram as medidas de coação, bem como, autonomamente, os fundamentos em que cada uma se baseou e o sentido do dispositivo fixado. * Relativamente à impugnação da matéria de facto, é o recorrido, no seu RECURSO SUBORDINADO, que pretende que os factos não provados d) e e) devem ser substituídos por dois factos provados s, com a seguinte redação: “Por conta da sua defesa no processo referido no ponto n.º 1, os progenitores do Autor pagaram a quantia de € 9.000 a título de pagamento de honorários ao seu advogado; “Pela elaboração da petição inicial da presente acção, os progenitores do Autor pagaram a quantia de € 1.722 ao seu I. Mandatário.” * É jurisprudência pacífica que não se deverá proceder à reapreciação da matéria de facto quando os factos objeto de impugnação não forem suscetíveis, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, de ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe ser inútil, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º e 138.º, todos do Código de Processo Civil)1. No caso dos autos entende-se que, por via do enquadramento jurídico que melhor se explanará de seguida, a reapreciação da matéria de facto pretendida pelos recorrentes é desnecessária. * 2ª parte – enquadramento jurídico: ii. Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar: Está em causa nos autos a verificação da obrigação de indemnizar o autor/recorrido pelos danos que este alega ter sofrido na sequência da sua privação da liberdade no âmbito de uma investigação criminal que culminou, a final, com a sua absolvição. A norma aplicável, em que se baseia o tribunal recorrido, é o art. 225º do Código de Processo Penal, que dispõe: 1 - Quem tiver sofrido detenção, prisão preventiva ou obrigação de permanência na habitação pode requerer, perante o tribunal competente, indemnização dos danos sofridos quando: a) A privação da liberdade for ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º; b) A privação da liberdade se tiver devido a erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia; c) Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente; ou d) A privação da liberdade tiver violado os n.os 1 a 4 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. 2 - Nos casos das alíneas b) e c) do número anterior o dever de indemnizar cessa se o arguido tiver concorrido, por dolo ou negligência, para a privação da sua liberdade. A redacção actual do aludido preceito, introduzida pela Lei n.º 94/2021, de 21/12 acrescentou apenas ao nº 1 a al. d), “d) A privação da liberdade tiver violado os n.ºs 1 a 4 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.”, mantendo inalterada a restante previsão. Esta norma encontra o seu fundamento no artigo 22.º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual [o] Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem. Ainda enquadrando as normas aplicáveis, importa trazer à colação o art. 5º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que prevê: «1. Toda a pessoa tem direito à liberdade e segurança. Ninguém pode ser privado da sua liberdade, salvo nos casos seguintes e de acordo com o procedimento legal: a) Se for preso em consequência de condenação por tribunal competente; b) Se for preso ou detido legalmente, por desobediência a uma decisão tomada, em conformidade com a lei, por um tribunal, ou para garantir o cumprimento de uma obrigação prescrita pela lei; c) Se for preso e detido a fim de comparecer perante a autoridade judicial competente, quando houver suspeita razoável de ter cometido uma infracção, ou quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infracção ou de se pôr em fuga depois de a ter cometido; d) Se se tratar da detenção legal de um menor, feita com o propósito de o educar sob vigilância, ou da sua detenção legal com o fim de o fazer comparecer perante a autoridade competente; e) Se se tratar da detenção legal de uma pessoa susceptível de propagar uma doença contagiosa, de um alienado mental, de um alcoólico, de um toxicómano ou de um vagabundo; f) Se se tratar de prisão ou detenção legal de uma pessoa para lhe impedir a entrada ilegal no território ou contra a qual está em curso um processo de expulsão ou de extradição. 2. Qualquer pessoa presa deve ser informada, no mais breve prazo e em língua que compreenda, das razões da sua prisão e de qualquer acusação formulada contra ela. 3. Qualquer pessoa presa ou detida nas condições previstas no parágrafo 1, alínea c), do presente artigo deve ser apresentada imediatamente a um juiz ou outro magistrado habilitado pela lei para exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada num prazo razoável, ou posta em liberdade durante o processo. A colocação em liberdade pode estar condicionada a uma garantia que assegure a comparência do interessado em juízo. 4. Qualquer pessoa privada da sua liberdade por prisão ou detenção tem direito a recorrer a um tribunal, a fim de que este se pronuncie, em curto prazo de tempo, sobre a legalidade da sua detenção e ordene a sua libertação, se a detenção for ilegal. 5. Qualquer pessoa vítima de prisão ou detenção em condições contrárias às disposições deste artigo tem direito a indemnização.» Não deve fazer-se apelo ao Regime da responsabilidade civil extracontratual do estado e demais entidades públicas, aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro porquanto este quando se trate de responsabilidade por actos jurisdicionais propriamente ditos, o regime substantivo aplicável é o que resulta do artigo 13.º, que remete precisamente para disposições especiais referentes indemnização por privação ilegal ou injustificada da liberdade e por condenação penal injusta, no caso, o já aludido art. 225º do Código de Processo Penal. Por fim, não olvidando que nos movemos agora em sede de responsabilidade civil, apurada num processo judicial de natureza cível, cumpre recordar o nº 1 do art. 342º do Código de Processo Civil, que impõe «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.» Feito este enquadramento normativo, descemos ao caso concreto recordando o cerne da factualidade provada com relevo para a decisão desta concreta questão: i. No âmbito do processo de inquérito n.º 661/17.1TELSB o Autor foi detido pelas 7 horas e 50 minutos do dia 17 de Dezembro de 2018. ii. O Autor foi conduzido ao Estabelecimento Prisional …, em Lisboa, onde pernoitou. iii. No dia 18 de Dezembro de 2018, o Autor foi presente a juiz de instrução para primeiro interrogatório judicial de arguido detido, na sequência do que foi proferido despacho que lhe aplicou medida de coacção de prisão preventiva; iv. O referido despacho foi mantido por Acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa. v. Por despachos proferidos a 2 de Março de 2019, 31 de Maio de 2019, 3 de Setembro de 2019, foi decidido manter as medidas de coação. vi. A 26 de Setembro de 2019, foi, no mesmo processo proferido despacho de acusação pelo Ministério Público contra o Autor, tendo-lhe sido imputada a prática de crimes de tráfico de estupefacientes, de associação criminosa, de tráfico e mediação de armas, de terrorismo, de furto e de detenção de armas. vii. Na sequência desse despacho de acusação, foi mantida a sujeição do Autor a prisão preventiva. viii. Por despacho proferido em 20 de Março de 2020 foi decidido «(…) Consequentemente, havia que tomar uma posição quanto ao estatuto coactivo dos arguidos, detidos, tendo presente o transcurso do prazo de prisão preventiva, sem decisão instrutória, ate 17/04/2020. Consigna-se que não ocorreu qualquer alteração dos pressupostos de factos e de direito, designadamente verificação dos requisitos a que alude o art.° 204° do C.P.Penal, no tocante a qualquer dos arguidos sujeitos a medidas de coacção privativas de liberdade. Aliás, tais medidas de coacção foram, sucessivamente, sujeitas pelos arguidos ao crivo do Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido, invariavelmente, mantidas pelo aquele Tribunal Superior inclusivamente no caso do arguido AA (…) Reitero que nada se alterou em termos de enquadramento jurídico. Subsiste a impossibilidade de efectivar o Debate Instrutório, seguramente até 17/04/2020. Consequentemente, determino que os arguidos até aqui detidos preventivamente sejam restituídos à liberdade, ficando a aguardar os ulteriores termos do processo com a sujeição às medidas de coacção promovidas, que tenho, nas presentes circunstancias, por adequadas e proporcionais aos perigos invocados e que se mantém reconhecidos, a saber: (…) AA, (…) se apliquem as mesmas medidas de coacção a que se encontra sujeito o arguido DD, nos termos do art.° 217°, no 2 do CPP: a) Proibição de saída para o estrangeiro, com entrega de passaporte, nos termos do artº 200°, n° 1 b) e no 3 do CPP; b) Proibição de saída do concelho da área de residência, nos termos do art.º 200°, n° 1 c) do CPP; c) Proibiçao de Contacto por qualquer meio, nos termos do art.° 200°, n° 1 d) do CPP, com: 1- Todos os arguidos; 2- Testemunhas indicadas na Acusação: (…) d) Proibição de aquisição e uso de armas, nos termos do art. 200º, no 1 e) do CPP; e) Obrigação de apresentação Periódica no posto policial da área da residência, bi-diária, as 10.00 boras e as 16.30 boras, nos termos do art.° 198°, no 1 e 2 do CPP. (…)». ix. O Autor foi pronunciado nos termos da acusação. x. Por despacho proferido a 4 de Maio de 2020 foi o Autor sujeito à medida de coacção de obrigação de permanência na habitação, medida que foi mantida por despachos de 26 de Junho de 2020, 20 de Outubro de 2020, 18 de Janeiro de 2021 e 14 de Abril de 2021. xi. Em despacho de 5 de Julho de 2021 foi exarado «(…) declaram-se cessadas as medidas de coação aplicadas a todos os arguidos, que aguardarão os ulteriores termos do processo, sujeitos unicamente ao termo de identidade e residência prestado nos autos. Cumpre realçar que esta decisão, tem por base unicamente a atenuação dos perigos que fundamentaram a aplicação das medidas de coação, não implicando qualquer tomada de posição da parte deste Tribunal Coletivo antecipada quanto ao mérito da pronúncia, nem quanto à eventual condenação (ou absolvição) dos arguidos nos presentes autos (…)». xii. No acórdão proferido no processo referido no ponto n.° 1 e já transitado em julgado quanto ao Autor exarou-se: «Ora, em sede de julgamento, para condenar um arguido é preciso uma certeza da existência da infracção, devendo o juiz ser exigente com a prova produzida de molde a apurar da responsabilidade penal do arguido, visando alcançar a demonstração da realidade dos factos. Em suma, resulta de tudo o supra descrito, que as declarações que o co- arguido (...) apresentou perante Magistrado do Ministério Público não podem servir para este tribunal fundar uma convicção de certeza e segurança quanto aos factos imputados ao próprio arguido (...) e aos arguidos (...) AA, porquanto, para além de terem sido desmentidas pelo próprio, as mesmas não foram minimamente corroboradas por qualquer outro facto, dado ou circunstância externa, susceptível de lhes conferir credibilidade e foram mesmo descredibilizadas pela restante prova produzida em audiência de julgamento a que supra se fez alusão, motivos pelos quais demos tais factos como não provados. De notar que são realidades distintas a verdade processual (judiciária) e a verdade material (histórica): aquela haverá, necessariamente, de ser (re)construída com recurso à prova produzida em audiência de julgamento, caminhando-se da prova para a convicção - e não pela forma inversa. Acresce ainda que, eventuais dúvidas sobre o modo como os factos terão ocorrido, sempre terão de militar em benefício dos arguidos por força do princípio da presunção da inocência traduzido pelo brocardo in dubio pro reo, dando-se tais factos como não provados. IX - DECISÃO: Pelo exposto, acordam os Juízes que compõem este tribunal colectivo em julgar parcialmente procedente, por provada, a pronúncia e, em consequência, decidem: Absolver os arguidos (...), AA» - destaque nosso. Subsumindo este acervo fáctico às normas já enunciadas, logo se conclui, como aliás faz o tribunal a quo, que não está em causa uma privação da liberdade ilegal, nos termos do n.º 1 do artigo 220.º, ou do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, porquanto nenhuma ilegalidade ali enumerada resulta provada, nem sequer alegada. De outra sorte, o tribunal a quo também afasta, e bem, que se verifique erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto de que dependia a aplicação da medida de privação da liberdade. As decisões que determinaram a prisão preventiva do autor foram sempre confirmadas sucessivamente, quer pelo juiz do processo, quer em sede de recurso, pelo Tribunal da Relação. Por outro lado, finda a fase do inquérito, a acusação foi proferida, mantendo intocados os pressupostos que inicialmente determinaram a aplicação daquela medida, na vertente da gravidade dos ilícitos indiciados. Em fase de instrução, tal acusação foi integralmente confirmada e mantiveram-se as medidas privativas da liberdade. Mesmo em sede de acórdão absolutório, como já referido, nada permite concluir pela verificação de qualquer erro, muito menos grosseiro. Apenas se refere que não foi produzida prova suficiente da culpabilidade. O arguido, ora autor, foi absolvido por via da aplicação do princípio in dubio pro reo. Em suma, tal putativo erro não está minimamente em causa nem decorre da factualidade, provada ou meramente alegada, como sequer indiciado. Daí que se torne desnecessária a factualidade que o digno recorrente pretendia ampliar. * Por outro lado, a privação da liberdade não violou os n.ºs 1 a 4 do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, já acima citados, e que a factualidade em causa nos autos não consente sequer cogitar. Resta assim o fundamento legal que o tribunal a quo aplicou, ou seja, a al. c) do nº 1 do art. 225º do Código de Processo Penal: «Se comprovar que o arguido não foi agente do crime ou actuou justificadamente.». A interpretação desta norma tem sido objecto de intenso debate doutrinário e jurisprudencial, essencialmente radicado em duas posições: - uma, que entende atribuição de indemnização pela privação da liberdade ao abrigo da previsão da alínea c) do n.º 1 do artigo 225.º do CPP exige a comprovação, no processo crime ou em acção cível posterior a ele, de não haver sido o arguido o agente do crime ou, tendo-o sido, que actuou justificadamente, não bastando uma decisão absolutória com suporte no princípio in dubio pro reo. Neste sentido se pronunciaram entre outros, o Tribunal Constitucional, no acórdão nº 185/2010 (Maria Lúcia Amaral)2, que não julgou inconstitucional a norma constante do artigo 225º, nº 2, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de se não considerar injustificada a prisão preventiva aplicada a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo; o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 02-02-2023, proferido no processo nº 4064/18.2T8SNT.L1.S134, que cita relevante jurisprudência anterior, com o seguinte sumário: I - Para haver lugar condenação do Estado a indemnizar por prisão preventiva, em acção declarativa própria, o autor carece de demonstrar que se verifica uma qualquer das hipóteses tipificadas no art. 225º, nº1, do CPPenal; II - Nem a Constituição nem a lei impõe o dever de indemnizar todo e qualquer arguido absolvido, ou que não tenha chegado a ser pronunciado, a quem anteriormente tenha sido aplicada a medida de prisão preventiva.; os posteriores acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 2024-12-16 (Processo nº 1261/19.7T8STR.E1); de 23-05-2024 (proc. n.º 1836/21.4T8PTM.E2) e de 22-05-2025 (proc. Nº1399/22.3T8BJA.E1); do Tribunal da Relação do Porto de 11-09-2023, (proc. Nº 2189/22.9T8PNF.P1); nesta Relação de Lisboa, os acórdão de 30-09-2014 (proc. 2208/11.4TVLSB.L1-7)5 de 07-12-2021 (proc. 4064/18.2T8SNT.L1-7) e de 20-06-2024 (proc. 11433/21.9T8LSB.L1-2)6, que aliás se seguem de perto. Na doutrina, neste mesmo sentido, se pronunciaram nomeadamente Ireneu Cabral Barreto (A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 7ª ed., Coimbra, 2025, pág. 242) afirmando que “após a absolvição, a presunção de inocência não pode ser posta em causa noutros processos relacionados com o principal, na medida em que as questões suscitadas naqueles constituem um corolário ou um complemento do processo principal onde o visado era o arguido, por exemplo, para efeitos de atribuição de uma indemnização por prisão preventiva.” Do preceito transcrito, ou de qualquer outro preceito da Convenção não decorre, porém, a obrigatoriedade de reconhecer a um arguido absolvido o direito a uma indemnização, pelo que “esta recusa de indemnização não colide com o princípio de presunção de inocência” e Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, 2014, p. 914, referindo “só a absolvição que resulte de comprovação da inocência do arguido, por não ter praticado o crime ou por ter agido justificadamente, mas já não a absolvição decorrente do funcionamento do princípio in dubio pro reo, pode fundamentar o pedido de indemnização”, na certeza de que “a comprovação da inocência do arguido em julgamento permite qualificar como ilícita a actividade investigatória do Estado, o mesmo não acontecendo no caso da absolvição por dúvidas, em que, quando muito, poderia imputar-se ao estado uma responsabilidade pelo «risco» na prossecução da actividade de investigação criminal, um risco que é inerente à própria investigação”. Não se ignora que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 284/2020, de 28 de maio de 2020 entendeu Julgar inconstitucional, por violação dos artigos 13.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição, o artigo 225.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, interpretado no sentido de se não considerar que não foi agente do crime ou atuou justificadamente o arguido a quem foi aplicada a medida de coação de prisão preventiva e que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo; E que na mesma linha se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 20-06-2024, prolatado no processo nº 4978/16.4T8VIS.C1.S1 entendeu de forma diversa, sumariando que O art.º 225.º do Código de Processo penal consagra hoje, expressamente, a responsabilização do Estado, em casos de privação de liberdade, sempre que o réu venha a ser absolvido. E que: Raramente no processo-crime se consegue mais que a absolvição por falta de prova. O réu não tem de provar que está inocente, a acusação é que tem que provar que é culpado. Todavia, o aludido aresto do Tribunal Constitucional não só não é obrigatório, como não é sequer maioritário, contando o próprio com dois votos de vencido, como constitui, juntamente com o acórdão do STJ, jurisprudência que se afigura minoritária e à qual não aderimos, essencialmente pelas seguintes ordens de razão: - em primeiro lugar, as regras da hermenêutica plasmadas no n.º 2 do art.º 9° do Código Civil. Da leitura da alínea c) do n.º 1 do art. 225° do CP Penal, depreendemos que a escolha pelo legislador da expressão “comprovar”, quis significar que o direito de indemnização apenas está reservado ao arguido que tenha sido absolvido e cujas dúvidas acerca da inocência tenham sido totalmente dissipadas. A contrario, daquela formulação legislativa decorre que o tribunal deve recusar a indemnização, sempre que o arguido não tiver comprovado positivamente a sua inocência e que, como tal, não tenha afastado as suspeitas de culpabilidade que sobre si recaem. - em segundo lugar, a questão da inconstitucionalidade já havia sido colocada em causa, no Ac. do TC n.° 185/2010, por violação do princípio da presunção de inocência (n.° 2 do art. 32.° da CRP), tendo o TC considerado, como já referido, que o referido preceito não sofre de inconstitucionalidade, quando interpretado no sentido de não se considerar injustificada a prisão preventiva a um arguido que vem a ser absolvido com fundamento no princípio in dubio pro reo. Ainda mais relevante, a intervenção legislativa, com a Lei n.º 94/2021, de 21/12, que introduziu a al. d) ao nº 1 do art. 225º é posterior à polémica doutrinária e ao acórdão n.º 284/2020 do Tribunal Constitucional e, não obstante, manteve intocada a anterior formulação da al. c). - em terceiro e último lugar, o argumento de que não é ónus do arguido provar a sua inocência e que não há distinção entre os diversos fundamentos da decisão de inocência não colhe porque não estamos em sede de processo penal. Evidentemente que nessa sede o arguido não tem que provar a sua inocência e que juridicamente é indiferente um veredito de absolvição in dubio ou outro. Mas nesta sede, de processo e direito civil, quem pede uma indemnização sempre teve que alegar e provar os factos constitutivos do seu direito – art. 342º, nº 1 do Código Civil. Acresce que o patamar de exigência probatória em sede de pretensão indemnizatória formulada em processo civil é totalmente diverso do exigido para a condenação em sede penal. Aqui, longe de se exigir o afastamento de qualquer dúvida razoável, exige-se apenas o normal patamar da prova em direito civil, ou seja, a livre apreciação da prova e a prudente convicção do juiz (art. 607º, nº 5 do Código de Processo Civil). Não é exigível que sobre os factos alegados pelas partes, o julgador, forme uma convicção absoluta, bastando que haja uma probabilidade razoável que pode até ser obtida através de presunções judiciais (artigo 349º e artigo 351º ambos do Código Civil). Aqui chegados, resta apenas questionar: o autor fez prova de que não foi agente dos crimes que lhe foram imputados? Da factualidade provada, que nessa parte não foi posta em causa por nenhuma das partes, nomeadamente pelo apelado, no recurso subordinado, nada resulta nesse sentido para além do teor do acórdão absolutório. A única prova e o único facto é o teor da decisão que absolveu o arguido, ora apelado. Aqui chegados, ainda que não sejamos muito exigentes na apreciação da prova quanto ao não cometimento dos crimes, face às inerentes dificuldades dessa mesma prova, afigura-se que o texto do acórdão absolutório não permite a afirmação positiva de que aquele não foi agente dos crimes que lhes eram imputados e a prova que o recorrido tentou levar a cabo nestes autos soçobrou totalmente. Na verdade, o acórdão, como já referido e reproduzido na factualidade provada, apenas conclui que a principal prova feita no âmbito do processo-crime foram as declarações de co-arguido, que o tribunal reputou insuficientes, concluindo que «…são realidades distintas a verdade processual (judiciária) e a verdade material (histórica): aquela haverá, necessariamente, de ser (re)construída com recurso à prova produzida em audiência de julgamento, caminhando-se da prova para a convicção – e não pela forma inversa. (…) Acresce ainda que, eventuais dúvidas sobre o modo como os factos terão ocorrido, sempre terão de militar em benefício dos arguidos por força do princípio da presunção da inocência traduzido pelo brocardo in dubio pro reo, dando-se tais factos como não provados.». Acresce que que, já nestes autos, como resulta da fundamentação da sentença sob recurso, resultou não provado o seguinte facto: a) O Autor não manteve o telemóvel desligado no período aludido no ponto n.º 3. Ou seja, não logrou o autor provar que os factos relatados pela Polícia Judiciária na informação a que se refere o facto provado nº 3 eram falsos, única questão fáctica que acrescentou ao conteúdo do acórdão absolutório, no sentido de sedimentar a sua versão e que ainda assim não conseguiu demonstrar. Assim se concluindo, sem necessidade de outras considerações, pela não verificação dos pressupostos da obrigação de indemnizar. Dessa conclusão decorre, como consequência necessária, que procedendo, com os aludidos fundamentos, a apelação interposta pelo recorrente Estado Português, será revogada a sentença que decidiu conceder ao autor uma indemnização, ficando por esse motivo prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pelos recorrentes e bem assim o objecto do RECURSO SUBORDINADO, pois este visava apenas o apuramento dos danos a indemnizar. * As custas são da responsabilidade do autor/recorrido, por ser a parte vencida no recurso – art. 527º do Código de Processo Civil. * IV - DISPOSITIVO Termos em que acordam os juízes nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar procedente a apelação e consequentemente: - revogam a sentença recorrida, absolvendo o réu do pedido; - julgam prejudicado o recurso subordinado interposto pelo autor. Custas pelo recorrido. Notifique. Lisboa, 23 de Outubro de 2025 Isabel Maria C. Teixeira Elsa Melo Cláudia Barata ______________________________________________________ 1. Cfr., entre outros, os Acs. do TRC de 24-04-2012 (219/10.6T2VGS.C1), de 14-01-2014 (6628/10.3TBLRA.C1) e de 15-09-2015 (6871/14.6T8CBR.C1), do TRG de 15-12-2016 (86/14.0T8AMR.G1) e de 22-10-2020 (5397/18.3T8BRG.G1), e do TRL de 26-09-2019 (144/15.4T8MTJ.L1-2) e de 27-10-2022 (7241/18.2T8LRS-A.L1-2), todos em www.dgsi.pt. 2. DR, II série de 13.09.2010 3. Disponível em www.dgsi.pt 4. Sobre este acórdão recaiu o acórdão do Tribunal Constitucional nº 527/2024, de 2 de julho de 2024, em que os recorrentes suscitaram precisamente a questão de saber se a interpretação do STJ era conforme à Constituição, não tendo o recurso sido admitido “por ser inútil, uma vez que não há total coincidência entre o seu objeto e as normas ou interpretações normativas que correspondem à efetiva ratio decidendi da decisão recorrida.” 5. Disponível in jurisprudencia.pt 6. Todos os demais citados disponíveis em www.dgsi.pt |