Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
| ||
Relator: | ROSÁRIO GONÇALVES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO CHEQUE QUIRÓGRAFO TÍTULO EXECUTIVO | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/18/2008 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1- Não vingando a obrigação cambiária incorporada no cheque, este pode continuar a valer como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor/devedor. 2- Não constando do escrito dado à execução o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, não pode ser aceite como título executivo, mesmo como documento particular, por não reunir os requisitos exigidos para que se considere título executivo, nos termos do disposto na al. c) do nº1 do art. 46º.do CPC. 3- A ausência de assinatura no cheque, afasta a possibilidade de o mesmo valer como mero quirógrafo. R.G. | ||
![]() | ![]() |
Decisão Texto Integral: | 1-Relatório: A executada, C deduziu oposição por embargos contra a exequente, F, Lda., invocando que o cheque apresentado com o nº. não foi subscrito pela embargante, não valendo como título executivo, devendo o pedido invocado pela exequente seguir apenas relativamente ao outro cheque junto. A embargada apresentou contestação, pugnando pela improcedência da oposição. Prosseguiram os autos, vindo a ser proferido saneador-sentença, a julgar procedente a acção executiva, apenas quanto ao pedido fundado no cheque nº. 4230647924. Inconformada recorreu a exequente, concluindo nas suas alegações, em síntese: -Tratando-se o cheque de um título de crédito, tem todas as características destes, nomeadamente a autonomia, literalidade e abstracção. - A questão que nos deve ocupar quando um cheque, apresentado a pagamento é devolvido, é saber se o mesmo é válido enquanto cheque (título de crédito), para aferir da sua validade enquanto título executivo. - Sendo um título de crédito válido, nos termos da Lei Uniforme do Cheque, o cheque é também um título executivo válido. - Ambos os cheques dados à execução são válidos sendo a Exequente (ora Apelante), sua possuidora de boa-fé. - Responsável pelo pagamento de um cheque é o sacador (art. 12° da LUCh). - O sacador é quem dá a ordem de pagamento e não quem preenche o cheque - que até pode ser entregue em branco, ou seja, é o titular da conta, quer o faça por si próprio, quer permita que outrem movimente a conta de que é titular, no âmbito da Convenção de Cheque celebrada com a Instituição Bancária. - O motivo da devolução e não pagamento dos cheques na compensação foi a falta ou insuficiência de provisão e não o facto do signatário não estar autorizado a sacar os respectivos montantes ou o cheque ser inválido por qualquer outro motivo. - Efectivamente, se assim fosse, o motivo de devolução do cheque teria sido: "saque irregular", pois este aplica-se "quando existe divergência ou insuficiência de assinatura". - Sendo o cheque válido como título de crédito, é-o também como título executivo, preenchidos que estejam os requisitos constantes da LUCh. - Num cheque, quem aí consta como devedor é o titular da conta, cujo nome vem estampado na face do cheque. - Assim sendo, a ora Apelada é parte processual legítima e deve ser executada. - Havendo dúvidas se o subscritor do cheque teria poderes bastantes para movimentar a conta, deveria ter sido produzida a prova requerida pela Exequente, oficiando-se ao banco para se pronunciar quanto a esta matéria e nunca decidir em Saneador-Sentença como fez o Tribunal recorrido. Não houve contra-alegações. Face à simplicidade da questão a dirimir e atento o disposto nos artigos 700º, 701º e 705º, todos do CPC., proferir-se-á de imediato decisão sumária sobre a mesma. 2- Cumpre apreciar e decidir: As alegações de recurso delimitam o seu objecto, conforme resulta do teor das disposições conjugadas dos artigos 660º, nº2, 664º, 684º e 690º, todos do CPC. A questão a aquilatar consiste em apreciar se, um cheque não assinado pela executada pode valer como título executivo. A matéria de facto delineada na 1ª.instância foi a seguinte: 1- F, Lda. instaurou, em 21/9/2006, contra C, execução para pagamento da quantia de € 15.050,00, acrescida dos juros de mora vencidos, à taxa de 6%, no montante de € 461,25. 2- Do respectivo requerimento executivo consta a seguinte exposição dos factos: Factos constantes dos títulos executivos: cheques nº., no montante de € 7.700,00 e, no montante de € 7.350,00 sacados sobre o Banco. 3- O referido requerimento executivo encontra-se acompanhado de dois cheques sacados sobre o Banco, a favor da exequente, com os números, no valor de € 7.700,00 e € 7.350,00, datados de 7/4/2006 e 17/2/2006, respectivamente, os quais, apresentados a pagamento, vieram devolvidos em 11/4/2006 e 22/2/2006, respectivamente, com a menção de falta de provisão. 4- A assinatura constante do cheque nº., não é do próprio punho da executada. Vejamos: Insurge-se a apelante relativamente à decisão proferida, por entender que o cheque constante dos autos consubstancia um título executivo válido. Ora, o título executivo, como referia o Professor Castro Mendes, in, Direito Processual Civil, é materialmente um meio legal de demonstração de existência do direito exequendo. É um meio de prova, legal e sintética, do direito exequendo, um meio de demonstração da sua existência. Como se alude no Ac. do STJ de 5-7-07, in http:/www., o título executivo, exprime uma prova de primeira aparência, o que, contudo, não significa que o direito aparentemente nele incorporado exista. Nos termos constantes da alínea c) do nº1 do art. 46º. do CPC., os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, podem servir de títulos executivos. Ora, o título executivo dado à presente execução e aqui em apreço consiste num cheque, considerado este como documento particular. Com efeito, um cheque devidamente preenchido faz prova plena da declaração nele contida, valendo como um documento particular, com a força probatória conferida pelos arts. 373º a 376º do Código Civil. O cheque consubstancia uma ordem de pagamento, titulando a existência de um crédito e de uma obrigação pecuniária fazendo prova plena relativamente a este reconhecimento que se materializa nas declarações emitidas. Numa acção executiva não está em discussão a existência da obrigação exequenda, pelo que a sua indicação apenas serve para individualizar essa mesma obrigação (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, 1998, pág. 69). Sempre que o exequente se serve, como título executivo, de um documento assinado pelo devedor, não é necessário que indique a causa da obrigação exequenda, por se presumir a existência da relação fundamental, face ao disposto no nº1 do art. 458º., do Código Civil (cfr. Ac. do STJ de 3-3-05, in http://www.dgsi.). Porém, a situação aqui em apreço é diferente. Não está em causa a natureza de um cheque na veste de quirógrafo, mas sim a sua vinculação como reconhecimento de uma dívida, uma vez que não se encontra assinado pelo punho da executada. Efectivamente, não vingando a obrigação cambiária incorporada no cheque, este pode continuar a valer como título executivo, enquanto documento particular assinado pelo devedor, no quadro das relações credor/devedor. Não interessa para o caso, sub júdice, aquilatar sobre a validade ou não da relação cambiária subjacente ao cheque, ou seja, se este contém ou não os requisitos da respectiva Lei Uniforme. O que aqui releva é a possibilidade do mesmo funcionar, como documento particular e poder servir de título executivo, face ao disposto no nº.1 al. c) do art. 46º. do CPC. Para que um documento particular possa ser considerado título executivo, tem de resultar dele a constituição ou o reconhecimento de uma obrigação pecuniária. Como se alude no Ac. do STJ. de 10-7-2007, in, http://www.dgsi., «Não constando do escrito dado à execução o reconhecimento de uma obrigação pecuniária, não pode ser aceite como título executivo, mesmo como documento particular, por não reunir os requisitos exigidos para que se considere título executivo, nos termos do disposto na al. c) do nº1 do art. 46º.do CPC». A ausência da assinatura da apelada no cheque, afasta a possibilidade de o mesmo valer como mero quirógrafo. Não vale aqui, a invocação dos princípios da autonomia, da abstracção e da literalidade do título cambiário. Em parte alguma do cheque em questão, a ora apelada assumiu qualquer obrigação ou reconhecimento de dívida. A matéria de facto apurada e não posta em causa pela apelante, jamais permitiria outra solução jurídica. Destarte, nenhum reparo merece a sentença recorrida, a qual se limitou a fazer uma correcta subsunção jurídica dos factos ao direito, decaindo na totalidade as conclusões do recurso apresentado. 3- Decisão: Nos termos expostos, julga-se improcedente a apelação, mantendo-se a sentença proferida. Custas a cargo da apelante. Lisboa, 18-6-2008 Maria do Rosário Gonçalves |