Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7192/19.3T8SNT.1.L1-7
Relator: ALEXANDRA DE CASTRO ROCHA
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
AUDIÇÃO DO BENEFICIÁRIO
OBRIGATORIEDADE
DISPENSA
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A diligência de audição pessoal e directa do beneficiário, sendo obrigatória para ajuizar da situação do mesmo e das medidas de acompanhamento mais adequadas, é também obrigatória para ajuizar, em sede de revisão das medidas aplicadas, nos termos dos arts. 155.º do Código Civil e 904.º n.º2 e 3 do Código de Processo Civil, se se justifica, ou não, manter tais medidas, fazê-las cessar ou alterá-las.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO:
O Ministério Público intentou acção especial de acompanhamento de maior, relativamente a X …, alegando que a mesma apresenta um diagnóstico de deficiência mental moderada, que configura uma anomalia psíquica que a torna dependente de terceiros para quase todas as actividades da vida diária. Finalizou requerendo a aplicação das seguintes medidas de acompanhamento: representação geral, com conselho de família; limitação do direito pessoal de testar.
Não se tendo mostrado possível proceder à citação da beneficiária, por esta se encontrar impossibilitada de a receber, foi-lhe nomeada defensora oficiosa que, tendo sido citada, não apresentou oposição.
Foi realizado exame pericial e foi ouvida a beneficiária, após o que, em 1/10/2019, foi proferida sentença, que finalizou com a seguinte decisão:
«(…) julgo procedente por provada a presente acção e em consequência aplico em benefício de X …:
a) A medida de acompanhamento de representação geral, com constituição do conselho de família;
b) Determino a limitação dos direitos pessoais de testar.
As medidas decretadas tornaram-se convenientes desde 21.12.1962.
Nomeia-se como acompanhante B…, irmã da beneficiária.
Para integrar o conselho de família, nomeio, como sugerido e por não serem conhecidos factos que impeçam o exercício de tais cargos:
Protutor – C…, irmã da beneficiária.
Vogal – D…, irmã da beneficiária.
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Testamento vital e/ou procurador de cuidados de saúde
Consigna-se que a beneficiária não outorgou testamento vital e/ou procurador de cuidados de saúde.
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Revisão periódica
O tribunal revê as medidas de acompanhamento de cinco em cinco anos (artigo 155.º, do Código Civil) para o efeito abra-se termo de conclusão no último semestre do quinquénio a contar do trânsito desta decisão».
Aquela sentença transitou em julgado em 4/11/2019, conforme certidão datada de 8/11/2019 (ref.ª CITIUS 122152338).
Decorridos cinco anos sobre a data de decretamento do acompanhamento, o Ministério Público promoveu o seguinte:
«Visando a revisão da medida de acompanhamento aplicada à beneficiária, requeremos a realização das seguintes diligências instrutórias, nos termos do artigo 155.º do CC:
- Se determine a realização de novo exame pericial à beneficiária [que se sugere seja efetuado por outro perito médico que não o que elaborou o exame pericial nos autos principais], para se obter informação sobre se houve um agravamento, constância ou melhoria do estado clínico da mesma;
- Oportunamente, se designe data para audição pessoal da beneficiária;
- e, sejam feitos os autos com vista, a fim de nos pronunciarmos quanto à necessidade, ou não, de alteração da medida de acompanhamento.
Mais se promove a notificação da acompanhante e dos membros do conselho de família, para requerer/em as diligências instrutórias que considere/m pertinentes com vista a revisão da medida aplicada».
Pelo tribunal foi ordenada a notificação d«o/a(s) acompanhante(s) para vir(em) aos autos informar do estado de saúde actual do/a beneficiário/a juntando documentação clínica que ateste os factos alegados, devendo ainda pronunciar(em)-se sobre se a(s) medida(s) de acompanhamento aplicada(s) pela sentença de 11/10/2019 se mantêm pertinente(s) e necessária(s) ou se consideram que há necessidade de alteração e, em caso afirmativo, em que sentido».
Na sequência dessa notificação, veio o Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus - Casa de Saúde da …, onde se encontra internada a beneficiária, juntar relatório médico relativo à mesma, datado de 2/10/2024 e subscrito por médico psiquiatra, constando de tal documento que «do ponto de vista psiquiátrico tem mantido sobreponibilidade do quadro descrito na douta sentença».
O Ministério Público veio, então, promover que:
«(…) Atento tal relatório médico, bem como aos elementos clínicos juntos no processo principal, entende-se que, por ora, deverá ser de dispensar a realização de exame pericial à mesma.
Todavia, segundo o preceituado no art. 904.º/3 do C.P.C., o presente incidente de revisão das medidas de acompanhamento, segue, com as necessárias adaptações, o disposto nos arts. 892.º e seguintes deste diploma legal. Assim e fazendo jus a tal remissão, conforme os art.ºs 897º, nº 2 e 898º, impõe-se agora a audição direta e maior acompanhado, para melhor se averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas a manter/alterar (neste sentido vide o acórdão do TR Lisboa de 22.11.2022, proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa), o que se promove».
O tribunal, sem efectuar qualquer outra diligência, proferiu, em 15/10/2024, a seguinte decisão:
«Dispensa de audição da beneficiária:
Vem o Ministério Público promover que se designe data para audição pessoal da beneficiária citando o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, proferido no proc. n.º1354/20.8T8VFX-A.L1-7.
Nos presentes autos está em causa a revisão das medidas aplicadas à acompanhada X… por sentença de 01/10/2019 no âmbito da qual se decidiu sujeitar a beneficiária à medida de representação geral com constituição de Conselho de Família e, ainda, limitar o seu direito pessoal de testar.
No âmbito dos autos principais, com vista à prolação da referida sentença a acompanhada foi sujeita a perícia médico-legal, tendo sido apresentado relatório pericial datado de 24/07/2019 com as seguintes conclusões:
Trata-se de uma mulher com o Diagnostico de Deficiência Mental Moderada (CID -10:F71), residente há longa data na CSI, encontrando-se, exclusivamente, sob guarda e cuidados desta instituição.
A patologia em epigrafe tem carácter crónico e irreversível e compromete, de forma definitiva, a sua autonomia e capacidade de se autodeterminar, assim como a sua capacidade para gerir, de forma independente, a sua pessoa e bens.
Necessita de supervisão permanente de terceira pessoa, tendo indicação psiquiátrica para ser interditada.
Deverá manter seguimento médico regular, na especialidade de medicina geral e Familiar e Neurologia, bem como apoio em consultas de Psiquiatria, quando considerado necessário.
Do ponto de vista médico-psiquiátrico está indicado, também, a inclusão em programa Ocupacional que possa mitigar a progressão dos défices e manutenção de comportamentos sociais adaptativos mas a doente rejeita esta indicação .
O quadro clínico supra é irreversível, tende a declínio e agravamento progressivo pelo que do ponto de vista médico-legal não entendemos previsível a necessidade de revisão num prazo inferior a 5 anos.
Foi realizada audição da beneficiária nos autos principais, a 24/09/2019 e constatou-se que apresenta um discurso quase imperceptível e não é coerente nas respostas às questões colocadas, denotando confusão de pensamento e de orientação no espaço e tempo.
No âmbito do presente apenso, foi a acompanhante notificada para informar do estado de saúde actual da acompanhada juntando documentação clínica que atestasse os factos alegados, e ainda para se pronunciar sobre se a(s) medida(s) de acompanhamento aplicada(s) pela sentença de 01/10/2019 se mantêm pertinente(s) e necessária(s) ou se considera que há necessidade de alteração e, em caso afirmativo, em que sentido.
Regularmente notificada veio a acompanhante juntar atestado médico actual (02/10/2024) com o seguinte teor:
Z…, médico Psiquiatra, portador da Cédula Profissional n° … da Ordem dos Médicos declara, para os devidos efeitos, que X… se encontra internada na Casa de Saúde da …, encontrando-se em regime de longo internamento, apresentando o diagnóstico de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual a que corresponde o código 6 A 00 segundo a CID-11).
Do ponto de vista psiquiatrico tem mantido sobreponibilidade do quadro descrito na douta Sentença.
Estabelece o art. 155.º do Código Civil que o tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.
Mais prevê o art. 904.º, n.º 3 do CPC que ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes (…).
Ora, não há dúvidas que para o decretamento das medidas se acompanhamento de maior o legislador impôs obrigatoriamente a sua audição, com vista a assegurar que a situação de facto alegada passa, efectivamente, pelo crivo do juiz.
No caso dos autos, essa audição inicial ocorreu e a sentença foi proferida em conformidade.
O legislador não exigiu, porém, que essa audição tivesse obrigatoriamente lugar nas revisões periódicas e oficiosas das medidas anteriormente aplicadas. Efectivamente, nesse caso, o legislador atribuiu ao juiz o poder de decidir se se afigura ou não necessária a sua realização, é o que decorre, de forma cristalina, do disposto no art. 904.º, n.º 3 do CPC, quando se diz que o regime se aplica na medida do necessário ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento.
Note-se que o acórdão (Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, proferido no proc. n.º 1354/20.8T8VFX-A.L1-7) citado pelo Ministério Público para sustentar a sua posição tem, na sua base, uma situação de facto completamente diversa da dos autos. Efectivamente, naquele caso pretendia-se proceder à remoção provisória da acompanhante nomeada. Ora, considerando que, nos termos da lei substantiva, a escolha do acompanhante está dependente, para além do mais, da escolha do acompanhado – art. 143.º, n.º 1 do CC – compreende-se a necessidade da sua audição naquela situação concreta em que é exigida a remoção do acompanhante anteriormente nomeado.
Nada disso ocorre nos presentes autos.
No caso dos autos, existe perícia médico legal no processo principal que atesta a irreversibilidade da condição da acompanhada, o Tribunal atestou – por observação – a condição da beneficiária na diligência destinada à sua audição, existe relatório médico actual que reitera o diagnóstico anteriormente realizado e a manutenção do quadro clínico da acompanhada.
Por todo o exposto, o Tribunal considera ser desnecessária a realização da audição da acompanhada a qual – face a todos os elementos probatórios juntos – se revelaria diligência inútil.
Em conclusão, entende-se dispensar a diligência de audição da beneficiária.
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SENTENÇA
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I. Relatório
No presente apenso procedeu-se oficiosamente à revisão da medida de acompanhamento aplicada a favor de X…, solteira, maior, nascida a …, natural da freguesia de … e concelho de …, filha de … e de …, residente no Instituto das Irmãs Hospitaleiras do Sagrado Coração de Jesus, Casa de Saúde da …, sita …, relativamente à medida de acompanhamento de representação geral que lhe foi aplicada em 01/10/2019.
Determinou-se a audição por escrito da acompanhante quanto à manutenção das medidas aplicadas pela sentença de 01/10/2019.
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A instância mantém-se válida e regular.
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Questão a decidir: saber se devem manter-se as medidas de acompanhamento decretadas.
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II.
Fundamentação de facto
Com relevo para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
1. Por sentença proferida nestes autos em 01/10/2019, com a ref.ª citius 121267189, foi decretada a medida de acompanhamento da requerida X….
2. Na sentença proferida nos autos em 01/10/2019, foram dados como provados os seguintes factos:
a) A beneficiária nasceu no dia 21.12.1944.
b) No seu assento de nascimento consta que é filha de … e de ….
c) A mesma padece de um quadro clínico compatível com deficiência mental moderada.
d) É residente de longa data na Casa de Saúde de …, encontrando-se, exclusivamente, sob a guarda e cuidados daquela instituição.
e) A beneficiária não consegue confeccionar as refeições, nem pagar a despesas ou efectuar compras.
f) Não consegue deslocar-se sozinha ao médico, nem tomar medicação sem orientação de terceiros.
g) Sabe o dia do seu aniversário, mas não conhece a sucessão de dias, meses e anos.
h) Não consegue andar sozinha na rua.
i) Sabe orientar-se na instituição onde reside e consegue manter um diálogo simples e com sentido.
j) Não consegue efectuar comunicações telefónicas, não sabe ler nem escrever e não sabe assinar o seu nome.
k) Não consegue contar nem fazer pequenos cálculos.
l) Não conhece o dinheiro nem tem qualquer noção do valor económico dos bens.
m) A beneficiária reconhece as pessoas das suas relações pessoais e consegue evocar factos do seu passado próximo, mas não consegue evocar factos do seu passado longínquo.
n) B… nasceu a … e é filha de … e ….
o) C… nasceu a … e é filha de … e ….
p) D… nasceu de … e é filha de … e ….
3. Na sentença proferida nos autos em 01/10/2019 consta do dispositivo o seguinte:
Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo procedente por provada a presente acção e em consequência aplico em benefício de X…:
a) A medida de acompanhamento de representação geral, com constituição do conselho de família;
b) Determino a limitação dos direitos pessoais de testar.
As medidas decretadas tornaram-se convenientes desde 21.12.1962.
Nomeia-se como acompanhante B…, irmã da beneficiária.
Para integrar o conselho de família, nomeio, como sugerido e por não serem conhecidos factos que impeçam o exercício de tais cargos:
Protutor – C…, irmã da beneficiária.
Vogal – D…, irmã da beneficiária.
4. Por relatório médico datado de 02/10/2024, o médico psiquiatra Dr. Z…, atestou o seguinte:
(…) declara, para os devidos efeitos, que X… se encontra internada na Casa de Saúde da …, encontrando-se em regime de longo internamento, apresentando o diagnóstico de Perturbação do Desenvolvimento Intelectual a que corresponde o código 6 A 00 segundo a CID-11).
Do ponto de vista psiquiatrico tem mantido sobreponibilidade do quadro descrito na douta Sentença.
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Inexistem factos não provados, com relevância para a boa decisão da causa.
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O Tribunal formou a sua convicção com base nos elementos já constantes dos autos principais (designadamente, o relatório pericial junto a 31/07/2019, o auto de audição de 24/09/2019, a sentença proferida nos autos em 01/10/2019) e também nos elementos juntos pela acompanhante a 03/10/2024.
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III.
Fundamentação de Direito
Nos termos do disposto no artigo 155.º do Código Civil, o tribunal revê as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos.
Olhando aos factos dados como provados, é inequívoca a conclusão no sentido de se manter a necessidade que determinou o acompanhamento da requerida.
Com efeito, nenhuma alteração relevante surgiu desde a data do decretamento do acompanhamento da requerida. De acordo com as informações trazidas pela acompanhante o seu quadro clínico mantem-se.
Assim, tudo ponderado, e analisando os princípios de necessidade, proporcionalidade e subsidiariedade, não restam dúvidas de que continua a ser necessário que a requerida beneficie das medidas de acompanhamento nos exactos termos anteriormente determinados – cfr. sentença de 01.10.2019, com a ref.ª citius 121267189.
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Sem custas (cfr. artigo 4.º, n.º 2, alínea h), do Regulamento das Custas Processuais).
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IV. Decisão
Em face do exposto, nos termos do disposto no artigo 155.º do Código Civil, decido manter a aplicação das medidas de acompanhamento a X… nos exactos termos decretados na sentença proferida nos autos em 01/10/2019 com a ref.ª citius 121267189.
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Notifique.
A notificação à acompanhante deve seguir com os seguintes esclarecimentos acerca do âmbito do cargo:
i. No exercício da sua função, o acompanhante deve privilegiar o bem-estar e a recuperação do acompanhado, com a diligência requerida a um bom pai de família, na concreta situação considerada (artigo 146.º, n.º 1, do Código civil).
ii. Deve ter contacto permanente para com o acompanhado, devendo visitá-lo, caso com ele não resida, pelo menos uma vez por mês (artigo 146.º, n.º 2, do Código Civil).
iii. O cônjuge, os descendentes ou os ascendentes não podem escusar-se ou ser exonerados do cargo de acompanhante (artigo 144.º, n.º 1, do Código Civil); os descendentes podem ser exonerados do cargo de acompanhante, a seu pedido, ao fim de cinco anos, se existirem outros descendentes igualmente idóneos (artigo 144.º, n.º 2, do Código Civil); os demais acompanhantes podem pedir escusa com os fundamentos previstos no artigo 1934.º ou ser substituídos, a seu pedido, ao fim de cinco anos de exercício da função (artigo 144.º, n.º 3, do Código Civil); a remoção ou exoneração é feita nas condições previstas nos artigos 1948.º a 1950.º do Código Civil (artigo 152.º do Código Civil).
iv. Pode requerer a cessação ou a modificação do acompanhamento ao tribunal quando não mais existam as causas que o determinaram (artigo 149.º do Código Civil).
v. Deve abster-se de agir em conflito de interesses com o acompanhado, pedindo autorização ao tribunal previamente, para actos que considere poderem corresponder a tal conflito (artigo 150.º do Código Civil).
vi. As suas funções são gratuitas, sem prejuízo da alocação de despesas, consoante a condição do acompanhado e a do acompanhante, e deve prestar contas quando cessar a sua função ou quando o tribunal o determine (artigos 151.º do Código Civil e 941.º e seguintes do Código de Processo Civil).
vii. O acompanhante nomeado irá representar o beneficiário como se fosse seu tutor, exercendo as responsabilidades inerentes ao seu sustento e administração dos seus bens, gerindo o seu património, praticando todos os actos para isso devidos, com excepção dos actos que dependem de autorização do tribunal (artigo 1938.º do Código Civil), nos quais se destacam a disposição de bens imóveis, por exemplo (artigos 145.º, n.º 3, e 1889.º do Código Civil)».
Não se conformando com a decisão de dispensa de realização de audição da beneficiária e, consequentemente, com a sentença, dela recorreu o Ministério Público, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. Por despacho proferido a 15.10.2024 a Mm.ª Juiz do tribunal a quo decidiu dispensar a realização da audição da acompanhada no presente apenso de revisão da medida de acompanhamento, considerando “face a todos os elementos probatórios juntos” que “se revelaria diligência inútil”, proferindo, subsequentemente, a respetiva sentença final.
2. O presente apenso iniciou-se tendo em vista a revisão das medidas de acompanhamento que foram aplicadas à acompanhada X…, por sentença proferida nos autos principais a 11.10.2019, no âmbito da qual se decidiu sujeitá-la à medida de representação geral com constituição de Conselho de Família, sendo ainda limitado o seu direito pessoal de testar.
3. Analisados os autos temos que foi aqui, em primeiro despacho proferido, determinada a notificação do acompanhante para vir aos autos informar do estado de saúde atual da beneficiária juntando documentação clínica que atestasse os factos alegados, devendo ainda pronunciar-se sobre se as medidas de acompanhamento aplicadas pela sentença de 11.10.2019 se manteriam pertinentes e necessárias ou se consideraria que existia necessidade de alteração.
4. Foi junto pela acompanhante relatório médico da beneficiária, sendo que a ilustre defensora nomeada nada disse sobre a necessidade de audição da acompanhada e realização de nova perícia médico-legal.
5. Antes de tal despacho o Ministério Público já se havia pronunciado sobre a necessidade de ser designada data para audição pessoal da beneficiária, o que reiterou na sua promoção datada de 08.10.2024.
6. Acontece que foi decidida a dispensa da audição da beneficiária, com a qual não podemos concordar.
7. Conforme amplamente defendido na nossa jurisprudência nos processos de maior acompanhado, não pode dispensar-se a audição do beneficiário, exceto se estiver cabalmente demonstrada situação que impeça, ou torne gravemente inconveniente, a sua audição.
8. Ora, consideramos, que tal entendimento vale não só para o processo principal de acompanhamento como também para os apensos de revisão das medidas de acompanhamento em vigor.
9. A este propósito, e em conformidade com tal entendimento, veja-se o citado no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.11.2022, proc. n.º1354/20.8T8VFX-A.L1-7, relator Luís Filipe Pires de Sousa: “«O pedido de cessação ou modificação das medidas deve ser formulado por apenso, aplicando-se a tramitação prevista nos art.ºs 892º a 900º, com as necessárias adaptações. Esta remissão implica a obrigatoriedade da audição, pessoal e direta, do maior acompanhado (cf. art.ºs 897º, nº 2 e 898º). A tangibilidade do caso julgado justifica-se em nome da tutela da dignidade e da autonomia do beneficiário.» Também Margaria Paz, “O Ministério Público e o maior acompanhado”, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, e-book do CEJ 2019, pp. 131-132, sinaliza que: «Neste contexto, audição pessoal e direta do beneficiário não deve apenas ocorrer relativamente à tomada de decisão da medida ou medidas de acompanhamento a decretar pelo tribunal. Na verdade, o acompanhado deve ser ouvido relativamente a todas as decisões que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito, nomeadamente:
-Escolha do acompanhante (como resulta diretamente do artigo 143.º, n.º 1, do CC);
- Decisão de acompanhamento (como resulta diretamente do artigo 898.º, n.º 1, do CPC);
- Revisão periódica do acompanhamento (artigo 155.º do CC);
- Modificação ou cessação do acompanhamento (artigo 904.º do CPC);
- Decretamento de medidas provisórias (artigo 891.º, n.º 2, do CPC);
- Autorização para a prática de atos, entendida em sentido amplo (Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro).»”
10. Contrariamente ao defendido pela Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, nos presentes autos também se pretende rever as medidas de acompanhamento aplicadas por sentença proferida em processo de maior acompanhado (tal como na situação em causa no citado acórdão, apesar de aí igualmente se pretender proceder à alteração da pessoa do acompanhante).
11. Como se sabe, é à luz dos princípios fundamentais relativos à capacidade jurídica das pessoas com deficiência, que emergem da Convenção das Nações Unidas, assinada por Portugal a 30 de março de 2007, no qual assenta o regime do maior acompanhado atualmente em vigor, que se deve interpretar este regime, entre eles e ao que aqui maioritariamente interessa: a pessoa com deficiência tem o direito a ser ouvida sobre todas as questões que sejam decididas, por qualquer autoridade, sobre a sua capacidade jurídica, sem esquecer ainda que a pessoa com deficiência tem o direito a participar ativamente em todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico.
12. No presente caso, está em causa a revisão da medida de acompanhamento, já antes aplicada no processo principal de acompanhamento.
13. Ora, por revisão entenda-se o ato ou efeito de rever, um exame minucioso ou um novo exame, nova leitura de uma determinada situação.
14. Não podemos ignorar que se o legislador impôs a obrigação de revisão periódica da situação do maior acompanhado (cfr. art. 155.º do Código Civil) foi para se assegurar se as medidas de apoio antes aplicadas continuam a ser absolutamente necessárias e proporcionais à sua (no momento da revisão) situação clinica.
15. Para tal terá que ser ouvido antes da decisão de revisão, independentemente se esta for (ou não) de manutenção das anteriormente aplicadas (conclusão, aliás, que o julgador apenas pode tirar depois de proceder à sua audição) e mesmo que já tenha sido ouvido no processo principal.
16. Não nos parece de todo que o legislador, nas situações de revisão das medidas de acompanhamento, tenha atribuído ao juiz o poder de decidir se se afigura ou não necessária a realização da audição do acompanhado, quando refere no art. 904.º, n.º 3 do CPC, “que o regime se aplica na medida do necessário ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento”.
17. Este preceito estipula que “Ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respetivos por apenso ao processo principal”.
18. Ou seja, no presente caso, onde se irá rever a medida de acompanhamento aplicada (com a sua manutenção, alteração ou revogação), dever-se-á seguir o disposto nos arts. 892.º e seguintes do diploma legal referenciado. Nos preceitos para os quais se remete está o artigo 897° do CPC, que, sob a epígrafe “poderes instrutórios” dispõe:
“1 - Findos os articulados, o juiz analisa os elementos juntos pelas partes, pronuncia-se sobre a prova por eles requerida e ordena as diligências que considere convenientes, podendo, designadamente, nomear um ou vários peritos.
2 – Em qualquer caso, o juiz deve proceder, sempre, à audição pessoal e direta do beneficiário, deslocando-se, se necessário, ao local onde o mesmo se encontre” (n/sublinhado)
19. A expressão usada no art. 904.º/3 do CPC, “aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário” não nos parece que permita afastar a obrigatoriedade de audição pessoal e direta do beneficiário, que é imposta pelo art. 897.º/2 do mesmo diploma (e para o qual se remete).
20. Esta necessidade de contacto direto entre o juiz e o beneficiário deve manter-se nas situações de revisão da medida de acompanhamento, a fim de se averiguar/analisar novamente a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas, no sentido da sua manutenção/alteração/revogação.
21. Nos apensos de revisão da medida de acompanhamento não podemos deixar de aplicar e observar os citados princípios fundamentais, pois que também aqui se irá novamente tomar uma decisão sobre a capacidade jurídica do beneficiário.
22. Independentemente das conclusões que se extraem do resultado do exame pericial a que a aqui beneficiária foi sujeita nos autos principais e que no presente apenso tenha sido junto atestado médico atualizado sobre a sua atual situação clínica onde consta que “o ponto de vista psiquiátrico tem mantido sobreponibilidade do quadro descrito na douta Sentença”, entendemos que a acompanhada continua a manter o direito ter contacto direto com o juiz, contribuindo de modo efetivo para a decisão do caso que lhe diz respeito, em completo respeito ao preceituado no disposto nos arts. 139.º/1 do C.C. e nos arts. 904º, nº3, 897º, nº 2 e 898º estes do CPC.
23. Não nos podemos, pois, esquecer das consequência e dos efeitos possíveis da manutenção da acompanhada ao regime do acompanhamento, onde estão em causa fortes limitações à capacidade de exercício dos seus direitos, configurando também aqui a sua audição uma diligência obrigatória, não podendo ser dispensada à luz de critérios de oportunidade, utilidade ou outros.
24. Prescindir da audição do beneficiário nos apensos de revisão, que se regem pelos mesmos princípios do processo (principal) de acompanhamento, implicaria reduzir, de modo desproporcionado e sem motivo bastante, o direito da beneficiária a ser consultada sobre a decisão que irá incidir (novamente) sobre a sua capacidade jurídica, contrariando assim um dos mais relevantes princípios norteadores do regime do maior acompanhado, como seja, o direito a ser ouvido sobre todas as questões que sejam decididas, por qualquer autoridade, sobre a sua capacidade jurídica, mas também o direito a participar ativamente em todas as decisões que lhe digam respeito a nível pessoal, familiar e económico e cuja relevância é nimiamente enfatizada na já mencionada Convenção.
25. Resumindo atentas as finalidades a que se destina também a situação de revisão da medida de acompanhamento - aferir novamente a situação do beneficiário, determinando/mantendo/revogando as medidas de acompanhamento aplicadas (as quais terão que ser as mais adequadas) e paralelamente, assegurar a possibilidade do beneficiário manifestar a sua vontade (se necessário apenas da presença do julgador), continua a parecer-nos vital a realização da sua audição no contexto da revisão em apreço, não se podendo concordar e compreender que tal se revela diligência inútil, dispensando-a.
26. Ademais se realce que a entender-se que tal audição só pode ser dispensada em situações extremas, como a do acompanhado não ter condições médicas para ser ouvido, mais se diga que nada consta no relatório de perícia médico legal, a que X… foi sujeita nos autos principais, nem no relatório médico aqui junto, que nos permita ainda concluir que esta se encontra numa situação que impeça ou torne gravemente inconveniente a sua audição.
27. Assim sendo, em conformidade com todo o dito, cremos, pois, que o despacho da Mm.ª Juiz do Tribunal a quo, que dispensou a realização da audição pessoal e direta da beneficiária, proferindo de imediato sentença final, violou a norma legal prevista no art. 897°, n° 2 do CPC, aqui aplicável por força da remissão operada pelo art. 904º, nº3 deste diploma, o que por ter manifesta influência no exame e decisão da causa, configura uma nulidade processual, nos termos previstos no art. 195°, n° 1, 2ª parte, do CPC e que tem como consequência a anulação do processado subsequente, maxime da sentença final, depois proferida, nos termos do nº 2 do artº 195º do CPC.
28. Pelo exposto deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogar-se a decisão que dispensou a realização da audição da beneficiária, anular o processado subsequente à decisão recorrida, incluindo a sentença final, e determinar-se a audição pessoal e direta de Maria de Jesus Silva, nos termos do artigo 139°, n°1 do Código Civil e nos artigos 904º, nº3, 897º, nº2 e 898º estes do Código do Processo Civil.
Em conformidade, propugna-se pela procedência do presente Recurso, assim decidindo Vossas Excelências farão a costumada Justiça!»
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Conforme resulta dos arts. 635.º n.º4 e 639.º n.º1 do Código de Processo Civil, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, as quais desempenham um papel análogo ao da causa de pedir e do pedido na petição inicial. Ou seja, este Tribunal apenas poderá conhecer da pretensão e das questões formuladas pelo recorrente nas conclusões, sem prejuízo da livre qualificação jurídica dos factos ou da apreciação das questões de conhecimento oficioso (garantido que seja o contraditório e desde que o processo contenha os elementos a tanto necessários – arts. 3.º n.º3 e 5.º n.º3 do Código de Processo Civil). Note-se que «as questões que integram o objecto do recurso e que devem ser objecto de apreciação por parte do tribunal ad quem não se confundem com meras considerações, argumentos, motivos ou juízos de valor. Ao tribunal ad quem cumpre apreciar as questões suscitadas, sob pena de omissão de pronúncia, mas não tem o dever de responder, ponto por ponto a cada argumento que seja apresentado para sua sustentação. Argumentos não são questões e é a estes que essencialmente se deve dirigir a actividade judicativa». Por outro lado, não pode o tribunal de recurso conhecer de questões novas que sejam suscitadas apenas nas alegações / conclusões do recurso – estas apenas podem incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, salvo os já referidos casos de questões de conhecimento oficioso [cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 2022 – 7ª ed., págs. 134 a 142].
São, assim, as seguintes as questões que cumpre apreciar:
- a obrigatoriedade, ou não, da audição da beneficiária;
- as consequências da omissão daquela audição.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Relevam para a decisão as ocorrências fáctico-processuais supra transcritas no relatório, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Mediante a sentença proferida em primeira instância foi determinada a aplicação, à beneficiária X…, da medida de acompanhamento de representação geral, com limitação do direito de testar.
Volvidos cinco anos da aplicação daquelas medidas, o tribunal efectuou a revisão das mesmas, mantendo-as, sem que, previamente, tenha procedido à audição pessoal da beneficiária. É contra isso que se insurge o Ministério Público, pretendendo ter sido cometida uma nulidade que influiu no exame da causa.
Vejamos.
Nos termos do art. 138.º do Código Civil, «o maior impossibilitado, por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente, os seus direitos ou de, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres, beneficia das medidas de acompanhamento previstas neste Código».
Prevê o art. 140.º, do mesmo diploma, que: «1. O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as excepções legais ou determinadas por sentença. 2. A medida não tem lugar sempre que o seu objectivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam».
Finalmente, refere o art. 145.º, também do Código Civil, na parte que para aqui releva, que:
«1. O acompanhamento limita-se ao necessário.
  2. Em função de cada caso e independentemente do que haja sido pedido, o tribunal pode cometer ao acompanhante algum ou alguns dos regimes seguintes:
  a) Exercício das responsabilidades parentais ou dos meios de as suprir, conforme as circunstâncias;
  b) Representação geral ou representação especial com indicação expressa, neste caso, das categorias de actos para que seja necessária;
  c) Administração total ou parcial de bens;
  d) Autorização prévia para a prática de determinados actos ou categorias de actos;
   e) Intervenções de outro tipo, devidamente explicitadas».
Em consonância com o n.º2 deste art. 145.º, estabelece o art. 891.º n.º1 do Código de Processo Civil que «o processo de acompanhamento de maior tem carácter urgente, aplicando-se-lhe, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de julgamento e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes».
Significa isto que o juiz pode investigar livremente os factos e, nas providências a tomar, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, e podendo alterar essa solução, com fundamento em circunstâncias supervenientes que justifiquem a alteração (cfr. arts. 986.º n.º2, 987.º e 988.º do Código de Processo Civil).
A escolha da solução mais conveniente e oportuna terá, forçosamente, de ser norteada pelos objectivos do acompanhamento do maior, ou seja, garantir o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres.
A Lei n.º 49/2018 de 14-8, que criou o Regime Jurídico do Maior Acompanhado, resultou de uma proposta de lei do Governo (proposta n.º 110/XIII, disponível em www.parlamento.pt). Como refere Maria dos Prazeres Beleza[1], «a respectiva exposição de motivos resume assim as razões das alterações introduzidas:
– Inadequação das soluções introduzidas pelo Código Civil de 1966 quanto às incapacidades dos maiores – interdição/inabilitação – à evolução social entretanto verificada; em particular, à “elevação muito considerável do nível de vida da população”, ao “aumento expressivo da esperança de vida”, acompanhado de um “acréscimo de patologias limitativas” mas também de um “melhor diagnóstico”; à “quebra da natalidade” e à “diminuição da capacidade agregadora das famílias”;
– Insuficiência de protecção judicial da “larga maioria das situações de insuficiência ou de deficiência física ou psíquica”;
– Objectivo de inclusão e de adequação às necessidades específicas dos idosos e das pessoas necessitadas de protecção das medidas a decretar, afastando a “rigidez da dicotomia interdição/inabilitação” e partindo de uma perspectiva de capacidade, à qual se introduzem as limitações estritamente necessárias, e não de incapacidade, com excepções;
– Abandono do sistema dualista e rígido interdição/inabilitação e substituição por um regime monista e flexível, regido pelos princípios da “primazia da autonomia da pessoa”, respeitando e aproveitando a sua vontade e por um modelo de acompanhamento e não de substituição de pessoa carecida de protecção;
– Respeito pelos instrumentos internacionais vinculantes para o Estado português, sobretudo pela Convenção das Nações Unidas de 30 de Março de 2007 sobre os Direitos das pessoas com deficiência; subsidiariedade relativamente aos “deveres de protecção e acompanhamento comuns”, próprios das relações familiares, das “limitações judiciais à capacidade”; “flexibilização” da incapacidade a decretar, de modo a adequá-la “à singularidade da situação”; “controlo judicial eficaz sobre qualquer constrangimento imposto”; “primado dos (…) interesses pessoais e patrimoniais” do visado; “agilização dos procedimentos; intervenção do Ministério Público em defesa e, se necessário, em representação do visado.
[…]
Um pequeno comentário imediato refere-se ao incremento do papel do juiz, seja na definição das próprias situações em que se justifica decretar certas medidas (por ex: quando é a que saúde ou o comportamento impedem o consciente exercício dos direitos ou cumprimento de deveres), seja das limitações a aplicar a cada situação, seja na condução dos processos judiciais respectivos.
É naturalmente mais exigente a ponderação, caso a caso, dos actos que o visado deve deixar de praticar por si ou só por si, do que a aplicação de um regime fixo (interdição) ou variável, mas em que a escolha estava balizada por grandes tipos de actos (inabilitação – disposição/administração, por exemplo). Mas essa maior exigência é o preço de um sistema que, possibilitando uma maior adequação à concreta situação das pessoas visadas e devendo ser aplicado sempre na perspectiva da menor limitação possível à capacidade do maior que necessita de acompanhamento, melhor respeita a sua dignidade e a sua participação na sociedade[2]».
Em conformidade com aqueles objectivos da lei, «a medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições:
─ Uma condição positiva (orientada por um princípio de necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e, designadamente, uma das medidas enumeradas no art.º 145.º, n.º 2, CC; isto significa que, na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento;
─ Uma condição negativa (norteada por um princípio de subsidiariedade): dado que a medida de acompanhamento é subsidiária perante os deveres gerais de cooperação e assistência (nomeadamente, de âmbito familiar) (art.º 140.º, n.º 2, CC), o tribunal não deve decretar aquela medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior[3]».
É assim que, no sentido de preservar, ao máximo (no respeito pelo disposto no art. 18.º n.º2 e 3 da Constituição da República Portuguesa), a capacidade do sujeito, protegendo-o sem o incapacitar[4], «nos arts. 138.º, 140.º, 145.º/1, e 147.º/1 do C.Civil (e ainda noutros - cfr. arts. 141.º, 143.º, 146.º, 149.º e 155.º) são estabelecidos os princípios basilares do regime do maior acompanhado e que devem orientar a aplicação (ou revisão) de qualquer medida de acompanhamento: primazia da autonomia da pessoa humana até ao limite possível; subsidiariedade da medida relativamente aos deveres gerais de cooperação e de assistência; e necessidade absoluta e proporcional da medida para assegurar o bem-estar, a recuperação, o pleno exercício de direitos e cumprimento dos deveres. A aplicação de qualquer medida de acompanhamento tem que ser fundamentada, devendo o Tribunal averiguar e apurar se a sua imposição é necessária, adequada e proporcional, e se se justifica, em face do concreto estado de saúde, deficiência e/ou comportamental que o maior apresenta e em face do cumprimento dos deveres gerais de cooperação e de assistência que, no caso concreto, caibam por parte dos seus familiares, devendo serem ponderados, para tal efeito, três factores: acompanhamento, competências e limitações. Caso se conclua que deve ser imposta uma medida de acompanhamento, importa ter presente que, abandonado o anterior regime de medidas «generalistas, rígidas, tipificadas, inflexíveis, aplicáveis indistintamente a todos os beneficiários», agora o Tribunal deverá sempre definir medidas/soluções individualizadas, adaptadas às especificidades e necessidades da concreta pessoa que delas irá beneficiar, dando primazia à criação de uma «solução à sua medida», a qual deverá respeitar, tanto quanto possível, a vontade e autodeterminação do maior, e a qual deve limitar-se ao necessário, adequado e proporcional, medida essa contribuir para alcançar o objetivo do acompanhamento (que é o de assegurar o bem-estar, a recuperação e o pleno exercício da capacidade de agir)».
Precisamente porque o acompanhamento do maior visa garantir, àquele que se encontra impossibilitado de exercer pessoalmente os seus direitos, a maior autonomia possível e a consideração da sua vontade (em respeito pelo art. 26.º da Constituição da República Portuguesa), estabeleceu a lei, nos arts. 897.º e 898.º do Código de Processo Civil que, embora o juiz possa ordenar, em ordem à decisão, as diligências probatórias que entender convenientes, deve sempre proceder à audição pessoal e directa do beneficiário, com vista a averiguar a sua situação e ajuizar das medidas de acompanhamento mais adequadas.
«A audição do beneficiário tem, fundamentalmente, dois objectivos. Em primeiro lugar, visa apurar a situação pessoal do beneficiário (o contexto pessoal — verificando o juiz se é percetível alguma incapacidade e as suas consequências, ao nível da formação da vontade e da sua expressão — familiar, social e profissional), a existência de necessidades de acompanhamento e a sua identificação — cf. o n.º 1 do artigo 898.º do C.P.C. Em segundo lugar, visa apurar qual a vontade do beneficiário relativamente à nomeação de acompanhante, caso esteja em condições de a manifestar — cf. o n.º 1 do artigo 143.º do C.C.[5]».
Deixou-se definitivamente para trás «um pendor paternalista, que via o sujeito como um objecto de protecção, atribuindo-lhe o legislador um papel activo, de modo a respeitar a sua vontade e a aproveitá-la até aos limites do possível. O maior deve preservar o poder de conformar a sua vida, de acordo com a sua vontade e os seus desejos. Por isso, é tão importante a sua inclusão e participação em todas as decisões que lhe digam respeito. Isto resulta de forma expressa da possibilidade de o beneficiário requerer o acompanhamento ou deste carecer do seu consentimento (art. 141.º, n.º 1, do CC), da faculdade de poder escolher o acompanhante (art. 143.º, n.º 1, do CC) ou de celebrar um mandato com vista a acompanhamento (art. 156.º do CC) e da obrigatoriedade da sua audição pelo juiz (art. 139.º do CC e arts. 897.º, n.º 2 e 898.º do CPC). Daqui emana o princípio da autonomia privada e do respeito pela vontade do beneficiário»[6].
Aquelas normas encontram-se, aliás, em consonância com diversos instrumentos internacionais, como:
- a Convenção das Nações Unidas de 13/12/2006 sobre os direitos das pessoas com deficiência [em cujo art. 3.º a) se estabelece que a convenção se rege pelo princípio da dignidade, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas];
- a Convenção da Haia de 13/1/2000 relativa à protecção internacional de adultos [em cujos considerandos se afirma que «os interesses do adulto e o respeito pela sua dignidade e autonomia devem ser considerações fundamentais»];
- a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia [arts. 3.º, 21.º, 25.º e 26.º - dignidade, proibição de discriminação e autonomia das pessoas idosas e com deficiência];
- a Recomendação do Comité de Ministros do Conselho da Europa (99) 4, sobre os princípios respeitantes à protecção jurídica dos maiores incapazes, adoptada pelo Comité de Ministros a 23-02-1999, com especial relevância para o princípio 9, onde se estabelece que deverá ser garantido o máximo respeito possível pelos desejos e sentimentos do adulto incapaz, permitindo-lhe expressar o seu ponto de vista sempre que esteja em causa uma decisão importante que o afecte.
De todas as normas e princípios pertinentes, supra citados, resulta que não pode ser aplicada ao maior qualquer medida sem que o mesmo seja previamente ouvido e tenha oportunidade de manifestar a sua opinião, pessoal e presencialmente, perante o juiz. Isso mesmo vem sendo reconhecido, de modo unânime, pela doutrina[7] e pela jurisprudência, relativamente à qual podemos citar, entre muitos outros, os Ac. RC de 3/3/2020, proc. 858/18, RC de 18/5/2020, proc. 771/18, RG de 28/5/2020, proc. 891/18, RL de 6/12/2022, proc. 139/22, RL de 14/3/2023, proc. 359/22, RP de 23/5/2024, proc. 5920/23[8].
No caso dos autos, entendeu o tribunal, já em 2019, ser necessário aplicar medidas de acompanhamento, para o que, previamente, ouviu a beneficiária.
Ocorre que, conforme resulta do art. 155.º do Código Civil, precisamente tendo em consideração tudo o que explanámos acerca dos princípios da necessidade, da adequação e da subsidiariedade das medidas, o tribunal deve rever «as medidas de acompanhamento em vigor de acordo com a periodicidade que constar da sentença e, no mínimo, de cinco em cinco anos». Isto porque, com o decurso do tempo, podem alterar-se os pressupostos de facto que presidiram à escolha / aplicação das medidas, fazendo com que estas se tornem desnecessárias ou inadequadas e impondo que as mesmas cessem ou sejam substituídas por outras.
É assim que a correspondente norma processual (art. 904.º do Código de Processo Civil) prevê, nos seus n.º2 e 3, o seguinte:
«2 - As medidas de acompanhamento podem, a todo o tempo, ser revistas ou levantadas pelo tribunal, quando a evolução do beneficiário o justifique.
  3 - Ao termo e à modificação das medidas de acompanhamento aplicam-se, com as necessárias adaptações e na medida do necessário, o disposto nos artigos 892.º e seguintes, correndo os incidentes respectivos por apenso ao processo principal».
Portanto, ao efectuar a revisão das medidas, o juiz deverá seguir o regime dos arts. 892.º e ss. do Código de Processo Civil, o que fará «com as necessárias adaptações e na medida do necessário». No entanto, essas adaptações, ao contrário do que pretende o tribunal recorrido, não são discricionárias, referindo-se antes à desnecessidade de seguir os trâmites que (por já ter corrido o processo principal) se mostrem manifestamente inúteis [como, por exemplo, a existência de publicidade inicial e de citação], bem como à ponderação da necessidade e conveniência das provas documentais, testemunhais ou periciais a produzir. Não assim em relação à diligência de audição pessoal e directa do beneficiário que, sendo obrigatória para ajuizar da situação do mesmo e das medidas de acompanhamento mais adequadas, é necessariamente obrigatória também para ajuizar se se justifica, ou não, manter tais medidas, fazê-las cessar ou alterá-las. Num e noutro caso trata-se de escolher medidas (as mesmas, outras, ou nenhumas), pelo que em ambos os casos são exactamente as mesmas as razões - de respeito pela autonomia do beneficiário e pelo seu direito de participação nas decisões que lhe concernem, sobremaneira as que limitam a sua capacidade de exercício de direitos - que presidem à consagração da audição do beneficiário como um trâmite processual obrigatório e imprescindível. E através de um contacto pessoal é que o juiz pode apurar, directamente e em primeira linha, sem necessidade de qualquer intermediação, a situação pessoal do beneficiário, a existência (subsistência) de necessidades de acompanhamento, a identificação dessas necessidades e até mesmo se o acompanhante vem cumprindo adequadamente as suas funções[9]. Mal se compreenderia que o beneficiário, sendo o principal visado pela decisão, dado que estamos «perante uma acção que impõe [ou mantém] sérias restrições aos direitos fundamentais», não fosse ouvido: é «indispensável o contacto com o requerido, para que se possa aferir a sua (in)capacidade e o respetivo grau. Questionamo-nos, com alguma perplexidade, como é que o juiz conseguia formular uma convicção segura, sem cair em erro, perante a ausência da audição» daquele «que, aliás, nela deveria ter todo o interesse, uma vez que se tratava de uma decisão que lhe dizia intimamente respeito[10]».
Portanto, de acordo com o critério legal, o beneficiário «deve ser ouvido relativamente a todas as decisões que sejam tomadas e que lhe digam diretamente respeito[11]», pelo que, sendo a revisão um incidente que «segue a tramitação do decretamento das medidas de acompanhamento (cf. o n.º 3 do artigo 904.º do C.P.C.)», é-lhe aplicável «a necessidade de audição prévia do beneficiário (cf. o n.º 2 do artigo 897.º do mesmo Código)[12]». No mesmo sentido, podem ver-se, na doutrina, Miguel Teixeira de Sousa[13] e Margarida Paz[14], e, na jurisprudência, os Ac. RL de 22/11/2022, proc. 1354/20 e RG de 17/10/2024, proc. 62/14[15].
Deste modo, tratando-se de diligência obrigatória, e sendo certo que, no caso dos autos, não se encontra sequer configurada qualquer impossibilidade prática de a beneficiária ser ouvida, não podia o tribunal a quo ter dispensado a sua audição. Por outro lado, sendo tal audição, como se disse, essencial ao apuramento da situação da beneficiária e a determinar se as medidas aplicadas são, ou não, necessárias e adequadas, temos que a omissão dessa diligência é susceptível de influenciar a decisão, pelo que, nos termos do art. 195.º n.º1 e 2 do Código de Processo Civil, é mister revogar o despacho recorrido (que tem de ser substituído por outro que designe data para a audição omitida), anulando-se o processado subsequente, constituído pela sentença que manteve as medidas aplicadas[16].
Deve, pois, proceder integralmente a apelação.
    
DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se a decisão, datada de 15/10/2024, que dispensou a audição da beneficiária, anulando-se o acto processual subsequente (sentença prolatada na mesma data), devendo ser proferido despacho a determinar a audição pessoal e directa da beneficiária, seguindo-se os ulteriores termos processuais, com prolação de nova sentença.
Sem custas – art. 4.º n.º2 h) do Regulamento das Custas Processuais.

LISBOA,19/12/2024
Alexandra de Castro Rocha
Diogo Ravara
José Capacete
_______________________________________________________
[1] BREVÍSSIMAS NOTAS SOBRE A CRIAÇÃO DO REGIME DO MAIOR ACOMPANHADO, EM SUBSTITUIÇÃO DOS REGIMES DA INTERDIÇÃO E DA INABILITAÇÃO – LEI N.º 49/2018, DE 14 DE AGOSTO, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, págs. 15-16, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=_nsidISl_rE%3D&portalid=30.
[2] Sublinhados nossos.
[3] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, O REGIME DO ACOMPANHAMENTO DE MAIORES: ALGUNS ASPECTOS PROCESSUAIS, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, pág. 51, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=_nsidISl_rE%3D&portalid=30 .
[4] Cfr. Ac. RG de 19/5/2022, proc. 408/21, disponível em http://www.dgsi.pt.
[5] Cfr. Ana Luísa Santos Pinto, O regime processual do acompanhamento de maior, in Revista Julgar n.º41, 2020, pág. 157.
[6] Cfr. Marta Sofia Caldas Viana, O Regime Jurídico do Maior Acompanhado: desafios, potencialidades e constrangimentos, Outubro de 2020, pág. 73, estudo disponível em https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/74361/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20Marta%20Sofia%20Caldas%20Viana.pdf 
[7] Cfr., entre outros, Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pág. 44-45; Nuno Luís Lopes Ribeiro, O Maior Acompanhado - Lei n.º49/2018, de 14 de Agosto, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, pág. 92, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=_nsidISl_rE%3D&portalid=30 ; Maria Inês Costa, A audição do Beneficiário do Regime Jurídico do Maior Acompanhado: notas e perspectivas, in Julgar Online, Julho de 2020, pág. 11, disponível em https://julgar.pt/wp-content/uploads/2020/07/20200716-JULGAR-A-audi%C3%A7%C3%A3o-do-benefici%C3%A1rio-no-regime-jur%C3%ADdico-do-maior-acompanhado-notas-e-perspectivas-Maria-In%C3%AAs-Costa.pdf
, págs. 8 a 10.
[8] Todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[9] Cfr. Miguel Teixeira de Sousa, ob cit., pág. 43.
[10] Cfr. Marta Sofia Caldas Viana, ob. cit., pág. 35.
[11] Cfr. Ana Luísa Santos Pinto, ob. cit., pág. 149 - sublinhado nosso.
[12] Ibidem, pág. 172.
[13] Ob. cit., pág. 54.
[14] O Ministério Público e o Novo Regime do Maior Acompanhado, in O Novo Regime Jurídico do Maior Acompanhado, pág. 131, disponível em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=_nsidISl_rE%3D&portalid=30
[15] Disponíveis, respectivamente, em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/20f9ae4ae31273ce8025890f00418c09?OpenDocument  e https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/0689511fad173a5880258bc50043e6ae?OpenDocument .
[16] Cfr. Ac. RL de 6/2/2022, proc. 139/22, disponível em https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/901c513ca13f7b6f8025897a005bb08c?OpenDocument : «A omissão da audição do beneficiário constitui a nulidade  revista no art.º 195º, nº 1, 2ª parte, do CPC (cfr. art.º 897º, nº 2 do CPC), por ter influência no exame e decisão da causa. Em regra, a arguição de nulidade processual segue o regime geral previsto no art.º 149º do C.P.C., de acordo com o qual o prazo é de 10 dias, perante o Tribunal onde foi cometida, por meio de reclamação, e apenas da decisão que sobre a mesma recair se pode interpor recurso. Constitui desvio a esta regra, o caso de a nulidade se revelar por efeito de uma decisão recorrível, em que o meio próprio para a impugnar é o recurso. Neste sentido, v. entre outros, Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, pág. 393: “se, entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão”. Anselmo de Castro, Direto Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 134 refere “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (art.º 677º, nº 1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art.º 666.º)”. A nulidade invocada surge coberta pela sentença proferida na mesma data. Nesta conformidade, é nula a decisão de dispensa de audição do beneficiário, seguida da prolação de sentença, o que acarreta a nulidade da sentença, dado que daquela depende totalmente, nos termos do nº 2 do art.º 195º do CPC».