Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | CONTRATO DE TRABALHO TRIBUNAL COMPETENTE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA TRIBUNAL CÍVEL TRIBUNAL DO TRABALHO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/16/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | Se a autora, empregador, sugerindo embora a hipótese de o réu se ter apropriado de um bem que lhe tinha entregue para o trabalho na empresa, não a afirma como certa e o que alega é (i) o facto de o réu, a meio do contrato, lhe ter comunicado o furto desse bem sem prova de factos que comprovassem o furto, e (ii) a existência de uma declaração assinada pelo réu, no mesmo dia da celebração do contrato inicial (embora logicamente depois da celebração do contrato), onde ele se responsabiliza por esse bem em caso de furto, o que está em causa é uma alegada violação do dever acessório do trabalhador velar pela conservação dos bens relacionados com o trabalho que lhe tenham sido confiados pelo empregador (art.º 128/1-g do CT), ou seja, uma questão emergente do contrato de trabalho subordinado, pelo que o tribunal competente não é o juízo local cível, mas o tribunal de trabalho (art.º 126/1-b da LOSJ), tal como foi bem decidido pela decisão recorrida. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados B-SA, intentou uma acção comum contra R, pedindo que este fosse condenado a pagar 1099€, acrescida de juros moratórios à taxa legal, vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efectivo pagamento. Alega para tanto, em síntese, que o réu encontra-se vinculado à autora por um contrato de trabalho a termo certo de 6 meses, como vendedor, datado de 23/09/2019; nessa data, a autora entregou ao réu, que o recebeu, um computador, bem como uma mala para o computador, para desempenhar as actividades da empresa, conforme se colhe do doc. 6 {num papel com identificação da autora, o réu assinou a seguinte declaração em escrito computorizado, incluindo a data: Eu, [réu] declaro que recebi da [autora] um computador [segue a descrição]. Mais declaro que o equipamento foi entregue devidamente configurado com os softwares necessários para desempenhar as actividades da empresa. Assumo a responsabilidade pelo computador e acessórios em caso de furto, danos ou mau funcionamento enquanto em meu poder, assim como a não devolução do mesmo à [autora]. É da minha responsabilidade a informação imediata [à autora] por escrito, em caso de furto, ou qualquer outra anomalia do equipamento. Declaro também que, no caso de deixar de exercer funções na [autora], restituirei o equipamento à mesma, ou quando a empresa o pedir.}; a meio de 2021, o réu percebeu que a autora não tencionava mantê-lo ao seu serviço, que o contrato caducaria quando chegasse ao seu termo; em 02/08/2021, o réu remeteu à autora um correio electrónico, com o assunto: Furto na viatura, dizendo o seguinte: Na sequência dos contactos com o chefe Nelson Tavares, venho por este meio informar que a minha viatura foi hoje furtada por volta das 18h em Odivelas, foi retirado da viatura o portátil e a mochila no qual o transporto. Em anexo junto a participação que fiz na polícia. Da participação resulta, diz a autora, que naquele dia, às 22h06, o réu comunicou que no período de tempo e data mencionado no local próprio, desconhecido(s) furtaram-lhe o tablet do interior da viatura [também da autora, para o trabalho do autor na ré]. Informa o denunciante que no dia, hora e local acima indicado, estacionou a viatura a fim de comer um bolo e tomar um café na pastelaria ED. Refere que permaneceu no café aproximadamente 20m, e só deu por falta do tablet quando chegou à sua residência. Salienta que o tablet (associado ao item próprio) permanecia em cima do banco do pendura. […]. Nada é comunicado e ou relatado pelo réu a título de danos na viatura associados a esse alegado furto. Sendo certo que o réu em nenhum momento solicitou autorização à autora para a reparação da viatura, bem como não comunicou qualquer reparação, igualmente demonstrativo da inexistência de danos associados a esse alegado furto; formalmente, em 07/09/2021, é comunicada ao réu a cessação do contrato de trabalho, por caducidade, deixando desde essa data de exercer a actividade, tendo entregado de imediato à autora a viatura que recebeu. A viatura não tinha danos. A autora acredita que o réu usou de artificio doloso, ao comunicar a autora o alegado furto, porquanto o réu se convenceu que desse modo, ao informar do furto, não teria de entregar esses bens à autora, bem como não seria responsável pelo seu pagamento. Sucede, que independentemente de a autora acreditar ou não no dito furto, a verdade é que o réu se responsabilizou perante a autora pelo computador e acessórios em caso de furto, conforme se colhe do doc. 6. O réu não procedeu ao pagamento à autora do valor do computador e da mala, mantendo-se a autora despojada do dito valor. Acrescenta que a autora pretende o ressarcimento do dano sofrido na sua propriedade do valor do computador e mala. O dano aqui pedido não é o desrespeito da autoridade da autora enquanto empregadora, nem o exercício do poder disciplinar por violação de deveres do trabalhador ou incumprimento de ordens, nem estamos perante um prejuízo causado pela desobediência, mas sim o pedido de ressarcimento dos danos ocorridos na sua propriedade, ao abrigo da responsabilidade delitual, provocado pela conduta ilícita e culposa do réu, pelo furto dos bens quando se encontravam na posse do réu. A factualidade supra descrita, revela ainda, uma pretensa pratica de ilícito criminal – abuso de confiança, art.º 205/1 do Código Penal - por parte do réu, comportamento ilícito e culposo, atinente à ilegítima apropriação dos bens que lhe tinham sido entregues pela autora de forma gratuita. O furto ocorreu sem que [o réu] estivesse no exercício de funções, quando lanchava num café, na viatura, escancarada, e à vista de ser furtado. E o dano causado na propriedade da autora também não advém do uso ou mau uso do computador pelo réu no exercício da sua actividade, mas sim do seu desaparecimento enquanto se encontrava na posse do réu, por sua exclusiva culpa e consequente não entrega/pagamento à proprietária/autora. [Sobre] o réu impende a obrigação de restituir ou de reparar o dano sofrido pela autora emergente de responsabilidade civil extracontratual. O réu defendeu-se por excepção e impugnação, alegando, para o que agora interessa, a incompetência do tribunal, em razão da matéria, para conhecer do presente litígio, por se tratarem de créditos laborais os quais, no seu entender, se encontram prescritos (diz que na tese da autora, a partir do momento em que o réu assinou o referido documento 6, deixou de ser um mero trabalhador detentor de uma ferramenta de trabalho fornecida pela entidade empregadora, e só porque assinou o referido documento - sobre o qual não decidiu nenhuma das suas condições - passou a assumir-se como o responsável de furtos, mesmo se praticados por terceiros; mas, à semelhança do teor do contrato de trabalho, o invocado doc. 6 (ambos da mesma data) é da exclusiva lavra da autora, tendo o réu, como trabalhador e acabado de ser admitido na empresa, sido apenas interveniente com a aposição da sua assinatura nos referidos documentos, não resultando do referido doc. 6 qualquer efeito que não seja a comprovação de recebimento do referido computador por parte do réu, devendo entender-se nula a condição “escrita” pela autora, pela qual aquela quis conferir ao trabalhador responsabilidade por actos de terceiros praticados sobre os referidos bens; ou seja, sendo nula a referida condição e ineficaz a interpretação que a autora faz do doc. 6 e havendo apenas e só relações de cariz laboral interpartes, forçosamente que terá de se concluir que o presente tribunal é materialmente incompetente e que o julgamento da presente acção compete ao tribunal de trabalho. O contrato de trabalho do réu cessou todos os seus efeitos no dia 22/09/2021 (doc. 8 da PI), pelo que à data da citação do réu, ocorrida no dia 01/06/2023, já havia decorrido o prazo de mais de um ano contado após a data do fim do contrato de trabalho, que se esgotou a 24/09/2022. Decorre do disposto no artigo 337/1 do Código do Trabalho que os créditos, quer do empregador, quer do trabalhador, que sejam emergentes de contrato de trabalho prescrevem decorrido o prazo de um ano a partir do dia seguinte àquele em cessou o contrato de trabalho. O réu reconhece que permaneceu vinculado à autora mediante contrato de trabalho, entre 23/09/2019 e 22/09/2021. E diz que, ao contrário do que a autora insinua, não existia nada que pudesse dar a entender ao réu que estaria em risco de não ver o seu contrato renovado. Quanto ao furto do computador diz que é quase anedótica a insinuação por parte da autora de um pretenso interesse do réu em “fingir” o desaparecimento de um computador que era totalmente bloqueado pela empresa e cujo teclado nem sequer funcionava adequadamente. Exercido o contraditório, a autora respondeu às excepções no essencial do modo como já o fazia na parte final da PI: os bens foram furtados quando estavam na posse e guarda [do réu]; o réu agiu com culpa ao abandonar os bens no interior do veículo; o réu não actuou com a diligência de um bonus pater familiae em face das circunstâncias do caso, um computador não deve ser abandonado no interior da viatura, em cima do banco do pendura, a vista de todos; o réu, não cuidou da guarda dos bens, porquanto os abandonou, deixou os bens à vista de todos, inclusivamente com toda a probabilidade deixou a viatura aberta, porquanto não relatou danos no veículo, arrombamento da fechadura, vidros partidos, demonstrando assim a culpa como pressuposto da responsabilidade civil e requisito da obrigação de indemnizar, o incumprimento da obrigação de guarda e restituição, a culpa do réu, o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano; o réu não zelou pela sua guarda com a diligencia de um bonus pater familiae, impedindo por sua exclusiva culpa, a entrega à autora do que dela recebeu. A 07/11/2023 foi proferida a seguinte decisão: Cumpre apreciar e decidir se o caso submetido a este tribunal se enquadra ou não numa questão emergente de relação de trabalho, i.e., se a competência para conhecer do caso dos autos pertence aos tribunais comuns ou ao juízo de competência especializada de trabalho. A causa de pedir configurada pela autora - bitola através da qual se afere a (in)competência em razão da matéria – assenta na entrega ao réu e por tempo certo, por parte da autora, de determinados bens que este não devolveu, causando, na esfera jurídica da autora, um dano patrimonial correspondente ao valor daqueles objectos. Juridicamente, a autora subsume-a ao instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Ora, os factos alegados pelo autora remetem para os efeitos decorrentes da cessação do contrato de trabalho que terá existido entre as partes. Vejamos. A autora alega que entregou o computador e a bolsa ao réu no âmbito de uma relação jurídica de contrato de trabalho, para que este desempenhasse as actividades da empresa. Daqui decorre, desde logo, que os objectos em crise se tratavam de instrumentos de trabalho, disponibilizados pelo empregador ao trabalhador, desconhecendo-se a que título e em que moldes foram disponibilizados ao trabalhador. Por outro lado, a autora alega que a não entrega desses bens por parte do réu, aquando do termo do contrato de trabalho, por causa culposa imputável ao réu, lhe causaram um dano patrimonial no valor do pedido. Termina enquadrando os factos no instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos. Ora, cremos que não assiste razão à autora. Com efeito, não se pode referir a um dano causado pela não entrega, se, em primeiro lugar, não existisse a obrigação de restituir os bens. Aliás, é pela própria autora referido, diversas vezes ao longo do seu articulado, que o réu tinha pleno conhecimento de que tinha a obrigação de devolver os referidos bens. A fonte da referida obrigação é, como configurada pela autora, precisamente um contrato, mais concretamente de trabalho, sendo essa a materialidade subjacente em que a autora funda o seu pedido. Pelo contrário, a responsabilidade civil extracontratual não se situa no âmbito contratual, mas sim, extracontratual, o que nos parece auto-explicativo considerando o próprio nome do instituto. É certo que a autora alega a violação de um direito de propriedade, invocando que pretende o ressarcimento «do dano sofrido na sua propriedade». Porém, tal não corresponde à forma como factualmente configura a acção, desde logo porque em momento algum alega factos relativos à propriedade, antes enquadrando o pedido no âmbito da relação laboral que terá existido entre ambos. Aqui chegados, e admitindo que os objectos em causa pertenciam à autora, poderíamos estar perante um concurso de responsabilidades – aquiliana e contratual. Considerando as especificidades e princípios enformadores do direito do trabalho, e ainda que se trata de lei especial face à lei geral, entendemos que não está na disponibilidade do lesado a escolha do instituto a recorrer. Nesse sentido, se entendermos que as condutas imputadas na petição inicial consubstanciam violações de deveres emergentes do contrato, a acção proposta pela autora deve ser perspectivada à luz da responsabilidade contratual. Estando em causa o incumprimento de obrigação decorrente de contrato de trabalho, tal relação contratual, como referido pela autora, é de trabalho. Sendo o efeito pretendido o pagamento de quantia equivalente ao valor de um computador e da sua mala, disponibilizados ao réu como instrumentos de trabalho, porquanto este não procedeu à sua entrega, a nosso ver estamos perante um incumprimento da obrigação prevista no art.º 342 do Código do Trabalho, que prevê que, cessando o contrato de trabalho, o trabalhador está obrigado a restituir ao empregador os instrumentos de trabalho e quaisquer objectos pertencentes a este. Pelo exposto, soçobra o enquadramento jurídico feito pela autora na petição inicial, porquanto é o próprio que configura a sua causa de pedir no incumprimento de uma obrigação contratual, para cuja prova até junta documento (cf. doc. 6 junto com a PI). Decidindo. Dispõe o art.º 65 do CPC que «As leis de organização judiciária determinam quais as causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada.» No âmbito dos tribunais judiciais, as competências especializadas encontram-se definidas na Lei 62/2013 de 26/08 (Lei Organização do Sistema Judiciário, LOSJ), relativamente à competência especializada dos juízos de trabalho, dispõe o art.º 126/1-b da LOSJ: Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: […] Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho. Como se referiu, o pedido da autora funda-se na não entrega, por parte do réu, do computador e bolsa disponibilizados pela autora para que aquele desempenhasse as suas funções, no âmbito de uma relação laboral. Tal obrigação é, pelo exposto, emergente de uma relação de trabalho subordinado. Assim, e nos termos supra aduzidos, entende este tribunal estar perante um litígio que se enquadra no âmbito das competências especializadas dos juízos de trabalho, porquanto decorrente de uma relação de trabalho, concluindo pela competência especializada destes juízos para o dirimir, não sendo, por isso, competente o juízo local cível, cuja competência é residual nos termos do disposto no artigo 130/1 da LOSJ […] A violação das regras de competência material integra uma excepção dilatória, de conhecimento oficioso, e que determina a absolvição do réu da instância - cf. artigos 96/-a, 97/1-2, 99/1, 278/1-a, 577/-a, todos do CPC. Pelo exposto, julgo procedente a excepção dilatória de incompetência absoluta deste Juízo Local Cível e em consequência, absolve-se o réu da instância. A autora recorre desta decisão, para que seja revogada e substituída por outra que determine o prosseguimento da acção no juízo local cível, com fundamento, no essencial, em tudo aquilo que já tinha dito na petição inicial e na réplica, chamando a atenção para que, ao contrário do que entendeu o tribunal a quo, a autora não tinha alegado que o réu tinha a obrigação de devolver os bens findo o contrato de trabalho e por conseguinte um incumprimento da obrigação prevista no artigo 342 do CT; e invocando 11 acórdãos dos tribunais da relação e do STJ no sentido de que a competência não é do tribunal de trabalho. O réu não contra-alegou. * Questão a decidir: a da incompetência do juízo local cível, por a competência caber ao tribunal de trabalho. * Factos: são as ocorrências processuais descritas no relatório que antecede. * Apreciação: A decisão recorrida está certa, com uma ressalva que se refere, precisamente, à acima apontada pela autora, ressalva que, aliás, reforça a posição nela assumida. Ressalva que é a seguinte: nem sequer está em causa, nos termos em que a autora põe a questão, o não cumprimento do dever de devolver ao empregador os instrumentos de trabalho depois deste cessar, tal como previsto no art.º 342 do CT [“Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador deve devolver imediatamente ao empregador os instrumentos de trabalho e quaisquer outros objectos pertencentes a este, sob pena de incorrer em responsabilidade civil pelos danos causados.”] Está, sim, em causa, como se verá mais à frente, sempre nos termos em que a autora pôs a questão, a violação do dever previsto no artigo 128/1-g do CT: “Deveres do trabalhador. Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: […] Velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador; […],” chamado dever de custódia, dentro dos deveres acessórios decorrentes do contrato de trabalho (Monteiro Fernandes, Direito do trabalho, 11.ª edição, Almedina, 1999, páginas 223 e 237; Mário Pinto e outros, no Comentário às leis do trabalho, vol. I, Lex, 1994, págs. 96-97). Ou seja, a autora, sugerindo embora a hipótese de o réu se ter apropriado do computador, não a afirma como certa; o que alega é o facto de o réu, a meio do contrato, lhe ter comunicado o furto do computador, sem prova de factos que comprovassem o furto. E de, por força da declaração assinada por este, no mesmo dia da celebração do contrato inicial (embora depois da celebração do contrato), ele se ter responsabilizado pelo computador em caso de furto (declaração que o réu desvaloriza com base no facto de corresponderem àquilo que aqui se pode chamar de cláusulas contratuais gerais predispostas pela autora e que ele se limitou a assinar). * O nexo de competência é um pressuposto processual subjectivo (Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. I, 1980, AAFDL, pág.650), “a resolver de acordo com a pretensão do autor (compreendidos aí os respectivos fundamentos)” (Manuel de Andrade, Noções Elementares do Processo Civil, 1979, Coimbra Editora, págs. 90-91), citados pelo ac. STJ de 14/12/2016, proc. 1267/15.5T8FNC-A.L1.S1, que sintetiza: “aferindo-se pelo pedido e respectivos fundamentos, nos termos em que são configurados pelo autor.” Fundamentos, no sentido de causa de pedir, que corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer, não a construção jurídica que a autora faça sobre os factos alegados. Ora, os factos alegados – sintetizados acima no 3.º § desta apreciação - correspondem apenas à violação, durante o contrato, do dever de conservação dos bens relacionados com o trabalho que foram confiados ao réu pelo seu empregador. Ou seja, a violação de um dever acessório expressamente imposta pelo Código do Trabalho, durante a execução do contrato de trabalho. Sendo que as consequências dessa violação terão que ser tiradas com base na declaração constante do doc. 6 conjugada com as normas que se façam decorrer do art.º 128/1-g do CT. Sendo que, seja qual for o valor a atribuir àquela declaração, ela foi assinada imediatamente depois do início da relação laboral, pelo que naturalmente a sua validade e valor terão que ser apreciados tendo em conta a relação de trabalho existente e as regras que a regem. Pelo que, no julgamento da pretensão da autora terão de ser tidas em conta, de forma principal, regras de direito do trabalho, o que desde logo apontaria para a competência do tribunal especializado na interpretação e aplicação de tais regras, que é precisamente o tribunal de trabalho. De qualquer modo, diga-se que mesmo a construção jurídica feita pela autora aponta para que esteja em causa uma questão emergente de relação de trabalho subordinado. Ao falar de um furto de um bem quando este se encontrava na posse do réu, a autora está a dizer que o furto foi cometido por outrem, não pelo réu. No mesmo sentido, vão as afirmações dela de que o furto ocorreu sem que [o réu] estivesse no exercício de funções, quando lanchava num café, na viatura, escancarada, e à vista de ser furtado. E ainda quando a autora diz, na réplica, em diversas variantes, que os bens foram furtados quando estavam na posse e guarda [do réu] e que o réu agiu com culpa ao abandonar os bens no interior do veículo, não actuando com a diligencia de um bonus pater familiae em face das circunstâncias do caso, que ele não cuidou da guarda dos bens, imputando-lhe, em suma, o incumprimento da obrigação de guarda e restituição, de ele não ter zelado pela guarda dos bens com a diligencia de um bonus pater familiae. Com tudo isto, a autora está obviamente a discutir o preenchimento da previsão da violação de um dever do trabalhador associado a um contrato de trabalho, que ainda estava em vigor, ou seja, a discutir uma questão emergente de uma relação de trabalho subordinado. Por fim: nenhum dos sumários dos acórdãos referidos pela autora diz respeito a um caso relativo à violação do dever de velar pela conservação de bens relacionados com o trabalho que forem confiados ao trabalhador réu pela autora empregador, ainda para mais durante a vigência do contrato de trabalho. * Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente. A autora perde as suas custas de parte. Lisboa, 16/01/2025 (recurso distribuído a este colectivo a 06/11/2024) Pedro Martins Arlindo Crua Carlos Castelo Branco |