Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
701/06.0YXLSB.L1-6
Relator: MANUEL GONÇALVES
Descritores: CRÉDITO AO CONSUMO
FIADOR
INTERPELAÇÃO
PERDA
BENEFICIÁRIO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/19/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: I- Em termos gerais o fiador responde, sem necessidade de interpelação para o efeito, desde que essa interpelação seja feita junto do devedor afiançado, pelas consequências da mora do devedor.
II- Não tendo as partes expressamente acordado em sentido diferente, a perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, nos termos do art. 782 CC. Caso se tivesse acordado no afastamento do disposto no art. 782 CC, teria o fiador que ser interpelado ou para pôr termo à mora, a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações, ou para evitar o incumprimento definitivo, que possibilitaria a resolução do contrato.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no tribunal da Relação de Lisboa:

B..., SA, intentou acção sob a forma sumária, contra S..., LDA; C...; D... e E..., pedindo:
- Ser judicialmente reconhecido o incumprimento do contrato de mútuo nº ... celebrado entre a A., e os RR., por facto exclusivamente imputável a estes últimos, falta de pagamento das prestações acordadas, com o consequente vencimento antecipado de todas as prestações, nos termos do art. 781 CC;
-Serem os RR., condenados solidariamente no pagamento da quantia de 6.271,37 euros, a título de prestações devidas no contrato de mútuo, juros remuneratórios e cláusula penal, nos termos descritos nos art. 16º a 20º, bem como nos juros vincendos até integral pagamento;
- Ser reconhecido à A., o direito à apreensão judicial da viatura «Volvo 460» de matrícula FV, efectivada no Procedimento Cautelar que decorre da reserva de propriedade existente a seu favor, bem como o direito a proceder à alienação da viatura.

Para o efeito, alega em síntese o seguinte:
Por contrato de financiamento para aquisição a crédito com o nº ... a «EF... (que em Agosto de 2001 mudou a sua firma para B..., SA, em 01.08.2003 incorporada na BL... que na sequência de fusão passou a denominar-se ”B..., SA), mutuou à Ré a quantia de 1.100.000$00.
A referida quantia destinou-se a financiar a aquisição do veículo de matrícula, FV e devia ser reembolsada em 60 prestações.
A Ré deixou de pagar a 27º e segs., prestações, encontrando-se em dívida a quantia de 6.271,37 euros.
Os RR., C..., D... e E..., subscreveram o contrato constituindo-se fiadores e principais pagadores.
O fornecedor da viatura sub-rogou a A., nos seus direitos, em virtude do que foi registada/constituída reserva de propriedade a seu favor.
Contestaram os RR., C... e D... (fol. 62), dizendo em síntese o seguinte:
Deveriam ter sido interpelados, como foi o devedor principal, da resolução do contrato, podendo até pôs fim à mora e evitar a resolução do contrato.
Não tendo sido interpelados, não se operou a resolução, não podendo os mesmos ser responsabilizados pelo incumprimento definitivo.
Respondeu a autora (fol. 86).
Com dispensa de audiência preliminar, foi proferido saneador-sentença (fol. 93), em que se conclui da seguinte forma: «Julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Reconhecendo-se o incumprimento do contrato de mútuo dos autos, condenam-se solidariamente os RR., a pagarem à A., a quantia de 6.271,37 euros, a título de prestações vencidas, juros remuneratórios e cláusula penal, acrescida de juros vincendos à taxa contratualmente prevista, até integral pagamento;
b) Considerando-se improcedente o pedido de reconhecimento do direito à apreensão e alienação do veículo de matrícula FV, dele se absolvem os Réus».

Inconformados recorreram os RR., C... e D... (fol. 109), recurso que foi admitido como apelação (fol. 112).
Nas alegações que apresentaram, formulam os apelantes, as seguintes conclusões:
1- Os aqui apelantes intervieram no contrato de mútuo como «Terceiros Outorgantes» ainda que na qualidade de fiadores.
2- Como garantes que o credor tem para obter o cumprimento integral do contrato, ou seja, em vez de um devedor (que seria a sociedade mutuária, 1ª Ré), tem o contrato cinco devedores (a mutuária e os quatro fiadores).
3- Se em obrigações são todos solidários, para conhecimento do incumprimento do contrato não foi a actuação do credor igual para todos, uma vez que só interpelou a sociedade mutuária.
4- O credor apesar de ter visto a interpelação da sociedade devedora, ser devolvida não tentou sequer a interpelação dos restantes outorgantes do contrato, o que só o fez na acção que interpôs contra todos.
5- Sendo o fiador pessoalmente obrigado perante o credor, e tendo a fiança o conteúdo da obrigação principal, garantindo todas as consequências legais e contratuais da mora ou culpa do devedor, deverá aquele ser informado do incumprimento deste de forma a poder proceder ao pagamento e por fim à mora.
6- Para o efeito deveriam os fiadores serem interpelados pelo credor, dando-lhes conhecimento da existência da dívida e do prazo para efectuar o seu pagamento.
7- O que não aconteceu no caso sub judice, não podendo os aqui apelantes ser condenados no pagamento da quantia sentenciada, nem serem considerados em mora.
8- A comunicação da resolução do contrato de mútuo por incumprimento definitivo, foi efectuada pelo credor por carta enviada em 18.08.2004.
9- Estando nesta data vencidas e não pagas, sete prestações no valor unitário de 139,69 euros, num total de 977,83 euros, uma vez que a última prestação, a 26ª se venceu em 15.01.2004.
10- A credora, aqui apelada peticiona na acção e foram aqui apelantes condenados, em prestações vincendas que, por falta de pagamento de algumas prestações, se venceram, nos termos do art. 871 CC.
11- Tendo a sociedade mutuária perdido a beneficiação do prazo para liquidação.
12- No entanto a perda do benefício do prazo não afecta terceiros que tenham garantido o cumprimento da obrigação.
13- Não distinguindo a lei entre garantias pessoais e reais, a disposição do art. 782 CC é aplicável aos fiadores.
14- Pelo que nunca poderiam os aqui apelantes terem sido condenados ao pagamento da quantia sentenciada, pois par além de não ter sido aplicado o art. 805 CC, no quer respeita à mora dos fiadores, aqui apelantes.
15- Não foi tida em consideração a aplicação do art. 782 CC.
16- Sendo que o valor máximo que, eventualmente, os fiadores aqui apelantes poderiam ser condenados, era nas prestações vencidas, ou seja, num total de sete, a que corresponde um valor monetário de 977,83 euros.

Não foram oferecidas contra alegações.
Corridos os vistos legais, há que apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.
É a seguinte a matéria de facto considerada assente:
1- A Autora, - ao tempo denominada EF..., SA., - emprestou à Ré S..., Lda., a quantia de Esc. 1.000.000$00 (€ 5.486,78), por acordo escrito celebrado em 15/10/2001, junto a fls. 8 dos autos de procedimento cautelar, que se dá por reproduzido.
2- Tal quantia destinou-se a financiar a aquisição pela referida Ré de um veículo automóvel, de marca Volvo, modelo 460, de matrícula FV.
3- Nos termos do acordo, a quantia emprestada deveria ser reembolsada em 60 prestações mensais e sucessivas de € 139,69, no valor total de € 8.381,40, a que corresponde uma taxa de juro nominal anual fixa de 17,42% e uma T AEG de 22,5%. 4- Entre a Autora e o fornecedor do veículo foi acordada a constituição de uma reserva de propriedade sobre o indicado veículo a favor da primeira.
5- A Autora registou a reserva de propriedade sobre o ‘veiculo na competente Conservatória do Registo Automóvel.
6- A Ré S..., Lda., pagou da 1ª à 26ª prestação, vencidas entre 15/10/2001 e 15/01/2004.
7- Ficaram por liquidar a 27ª prestação e as seguintes.
8- De acordo com o estipulado na cláusula 6ª das “Cláusulas Gerais”, «a EF... reserva-se ao direito de pôr termo ao contrato declarando vencidas as responsabilidades no mesmo assumidas e garantidas podendo fazê-lo através de simples citação para a acção executiva, desde que se verifique o incumprimento de qualquer obrigação contratual».
9- A Autora interpelou a 1ª Ré, por diversas vezes, para esta pagar as quantias em dívida.
10- Persistindo o incumprimento, em 18/08/2004, a Autora enviou à 1ª Ré, por correio registado com aviso de recepção, a carta junta a fls. 13 do procedimento cautelar, pela qual declarou, designadamente, o seguinte: «por referência ao assunto em epígrafe. Informamos que se encontra vencido e não liquidada a quantia de € 1122,6 a que acrescem os respectivos juros de mora calculados à taxa prevista contratualmente. Assim, vimos pela presente conceder um prazo suplementar de 8 dias para que V.as Ex.as procedam ao pagamento do respectivo valor. Decorrido o referido prazo sem que tenha sido efectuado o pagamento global da dívida, consideraremos o contrato em incumprimento definitivo».
11- Esta carta foi enviada para a morada fornecida pela Ré na vigência do contrato.
12- Tendo a mesma sido devolvida ao remetente com a indicação de «desconhecido».
13- De acordo com o estipulado na cláusula 3ª al. d), «em caso de incumprimento de qualquer obrigação contratual, se a EF... recorrer a juízo para recuperação dos seus créditos, será devida, para além dos juros remuneratórios, uma indemnização com natureza de cláusula penal correspondente à taxa de 4% calculada sobre o montante do capital em dívida, desde a data da mora».
14- Os Réus C..., D... e E... subscreveram o supra mencionado acordo como terceiros outorgantes.
15- Nos termos do estipulado na cláusula 5ª das “Cláusulas Gerais”, «os terceiros outorgantes, por si e solidariamente, constituem-se e confessam-se fiadores e principais pagadores das dividas que para a parte devedora emergem do presente contrato, renunciando expressamente ao beneficio da excussão prévia».

O DIREITO.
O âmbito do recurso afere-se pelas conclusões das alegações do recorrente, art. 660 nº 2, 684 nº 3 e 690 CPC. Assim, e salvo questões de conhecimento oficioso, apenas haverá que conhecer das questões postas nessas conclusões.
No caso presente, atento o teor das conclusões formuladas, a questão posta consiste em saber se tendo o credor resolvido o contrato por incumprimento definitivo do devedor, o «fiador» só poderá ser responsabilizado, depois de «interpelado».
Na sentença sob recurso entendeu-se que os RR., respondiam solidariamente perante a autora. Os RR. em causa têm respectivamente a qualidade de «mutuário» e «fiadores», situação que não é questionada no presente recurso.
Dispõe o art. 512 CC, que «a obrigação é solidária, quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir, por si só, a prestação integral e esta libera o devedor para com todos eles». No nº 2 do mesmo preceito, dispõe-se que «a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias...»
Dispõe o art. 513 CC, que «a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes». A declaração negocial, de onde decorre a vontade das partes, pode ser expressa ou tácita, conforme dispõe o art. 217 CC. Nos termos do mesmo preceito, a declaração será expressa, quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e tácita quando se deduz de factos que com toda a probabilidade, a revelam».
O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor – art. 627 CC.
A fiança integra-se entre as garantias pessoais e por via dela, o credor passa a ver garantido o seu crédito, além do património do devedor, pelo património de um terceiro, que responde igualmente pela dívida. A lei assinala como característica essencial da fiança, a «acessoriedade», que não pode ser afastada por vontade das partes, sob pena de se perder a natureza da «fiança». Assim, a obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor (nº 2 art. 627 CC).
Uma outra característica, a «subsidiariedade», (traduzida na faculdade de o fiador poder recusar o cumprimento, enquanto o credor não tiver excutido todos os bens do devedor – art. 638 CC), pode ser afastada por vontade das partes, o que acontece se o fiador renunciar ao «benefício da excussão» ou se tiver assumido a obrigação de «principal pagador» - art. 640 CC.
No caso presente, os apelantes (RR.), declararam que se «constituem e confessam-se fiadores e principais pagadores das dívidas que para a parte devedora emergem do presente contrato renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia». Da referida formulação, é patente a manifestação de vontade de afastar o «benefício de excussão», e a assunção em termos solidários da obrigação.
Questiona a doutrina se no caso presente estaremos perante «obrigação solidária», atenta a natureza e características desta. Mário Júlio de Almeida Costa (Dir. Das Obrigações, 1979, pag.631/632) diz a propósito o seguinte: «Há todavia situações em que o fiador não goza do benefício da excussão. O art. 640 indica dois casos: a) o primeiro verifica-se quando ele haja renunciado a esse benefício.... É fácil encontrar o motivo das duas excepções. Na primeira, o fiador equipara-se, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário; só que, não o sendo realmente, poderá depois exigir do afiançado, caso cumpra a obrigação, a totalidade do que pagou». Em nota (obra e pagina citados) diz o mesmo autor: «A posição do fiador que se obrigou como principal pagador não se identifica com a do condevedor solidário. Na verdade, a obrigação daquele, embora não seja subsidiária em face do credor, continua a ser acessória em relação à do devedor afiançado, com as respectivas consequências...».
A tese expressa por Mário Júlio Almeida Costa, não afasta, o entendimento de que no confronto com o credor, (e é esta a situação que nos interessa) havendo renúncia ao benefício da excussão, a responsabilidade do fiador, será «solidária».
No mesmo sentido se pronunciou Pedro Romano Martinez (Garantias de Cumprimento, 2ª edc. Pag. 45/46), quando diz: «Esta última característica (subsidiariedade) pode ser afastada pela vontade das partes e não existe nas obrigações mercantis, como dispõe o art. 101 C Com. Sempre que assim aconteça, o fiador, ao lado do devedor, apresenta-se como principal pagador; ou seja, o fiador e o devedor tornam-se responsáveis, em termos solidários, pelo pagamento da dívida. Deste modo, o credor pode exigir a totalidade da dívida ao fiador ou ao devedor».
Ainda no mesmo sentido, se pronuncia Fernando Gravato Morais (Contratos de Crédito ao Consumo, 2007, pag. 346/347).
Neste sentido se tem pronunciado também a generalidade da jurisprudência, de que a título exemplificativo se refere: Ac TRL de 29.06.1989, CJ 89, IV, 112; Ac TRC de 20.03.2001, CJ 2001, II, 23; Ac TRL de 06.12.2005, proc. nº 4858/2006, – relator Manuela Gomes; Ac STJ de 12.10.2006, proc. nº 06B3353, relator Salvador da Costa, ambos consultáveis na internet.
Do que fica referido, resulta que no confronto com o credor, o fiador que renunciou ao benefício da excussão, responde em termos solidários com o devedor, sendo a responsabilidade deste, a medida da responsabilidade daquele. Resulta ainda que para isso, não carece o «fiador» de ser interpelado, bastando que o seja o devedor afiançado.
Será que a situação dos autos configura uma simples situação de mora, em que não é exigível a «interpelação do «fiador»?
Antes de entrarmos na análise propriamente dita da questão, (e não esquecendo que tendo sido condenados em 1ª instância todos os RR., um (1ºR.) tinha a qualidade de «mutuário» e os restantes a de «fiadores» e que destes apenas dois recorreram), importa saber o que ocorreu nos autos, se a resolução do contrato, se a perda do benefício do prazo, com o consequente vencimento de todas as prestações.
Nos termos do art. 798 CC, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. A principal sanção decorrente da mora consiste pois no dever de indemnizar.
O credor poderá porém resolver o contrato, nomeadamente no caso de a prestação se tornar impossível, perder o interesse na prestação, em consequência da mora do devedor, ou este não cumprir dentro de prazo, para o efeito concedido (art. 801 nº 1 e 2 e 808 CC).
A resolução é uma forma de extinção dos contratos, podendo resultar directamente da lei, ou de convenção (art. 432, 433, 434 CC) e pode operar por mera declaração à outra parte. Quando resultante de convenção, consta por via de regra, no contrato.
No caso presente, e atento o factualismo assente (e os documentos juntos, nomeadamente o contrato), parece que não encontra suporte no clausulado a «resolução convencional». Com efeito, o que se mostra vertido na cláusula 6ª, tem a ver com o «vencimento das responsabilidades», responsabilidades que a apelada fez corresponder às prestações futuras, imediatamente vencidas, acrescidas de juros (esse o pedido formulado) ou seja à perda do benefício do prazo. Aliás, na petição inicial (art. 13 e 16) ainda que se mencionando o «incumprimento definitivo» refere-se como consequência deste, o «vencimento antecipado da totalidade da dívida» e o «vencimento integral de 34 prestações». Também no pedido formulado pela apelada (alíneas A) e B), se diz expressamente: «com o consequente vencimento antecipado de todas as prestações, nos termos do disposto no art. 871 CC» e pede-se a condenação «no pagamento da quantia de 6.271,37 euros a título de prestações devidas no contrato de mútuo, juros remuneratórios e cláusula penal».
Do que fica referido resulta que só o «incumprimento definitivo» faculta a resolução do contrato e não meramente o «incumprimento temporário».
Para que se verifique o incumprimento definitivo, resultante do decurso de prazo razoável para cumprir, concedido ao devedor faltoso, é necessário que o credor faça a chamada «notificação admonitória», e que além disso, comunique ao devedor a decisão de «resolução». Só com a comunicação de «resolução» é que esta opera, não bastando a situação de incumprimento definitivo. Esta comunicação deve ser feita em termos precisos, por forma a que o devedor tenha consciência do efeito pretendido.
No caso presente, as notificações feitas, nomeadamente a carta datada de 18.08.2004 (10 da matéria assente), nada adiantam, apenas se fazendo referência ao «incumprimento definitivo» e nunca ao propósito de «resolver» o contrato.
O efeito pretendido com a comunicação em causa, não tem a ver com o efeito normal da «resolução», mas com o efeito, da «perda do benefício do prazo», com o vencimento antecipado de todas as prestações. Ora tendo optado pelo vencimento antecipado de todas as prestações, a apelada exigiu o cumprimento coactivo do contrato, o que implicitamente tem subjacente a manutenção da relação jurídica dele resultante.
Do que fica dito, resulta que, embora se tenha entendido na sentença sob recurso que se operou a «resolução» do contrato, o que verdadeiramente ocorreu (e é isso que a apelada expressamente refere no pedido formulado) foi o vencimento antecipado de todas as prestações, ou seja, a perda por parte do devedor, do benefício do prazo.
Ora quanto à perda do benefício do prazo, expressamente dispõe a lei que, art. 782 CC, esta «não se estende aos co-obrigados do devedor, nem a terceiro que a favor do crédito tenha constituído qualquer garantia». Na previsão desta norma cai a garantia derivada da «fiança». Como refere Pires de Lima e A. Varela (CC Anotado, Vol. II, 4ª edc., pag. 33) «A lei não distingue entre garantias pessoais e reais. É aplicável a disposição, portanto, não só ao fiador, como a terceiros que tenham constituído uma hipoteca, um penhor, ou uma consignação de rendimentos. Qualquer destas garantias só pode ser posta a funcionar depois de atingido o momento em que a obrigação normalmente se venceria».
Em causa (art. 782 CC) está disposição supletiva, pelo que vigorando também nesta parte o princípio da liberdade contratual – art. 405 CC – ela deixará de ser aplicável, caso as partes hajam convencionado de modo diverso, nomeadamente, caso o «fiador» tenha desde logo assumido a responsabilidade, no caso de perda do benefício do prazo.
No caso presente, não se mostra afastada a aplicação do art. 782 CC, pelo que, a perda do benefício do prazo, não se estende aos fiadores. Neste sentido, se tem pronunciado a jurisprudência conhecida, de que a título exemplificativo se cita: Ac TRL de 06.06.2002, proc. nº 0013967, relator Vaz das Neves; Ac TRL de 11.10.2002, proc. Nº 0049998, relator Ferreira de Almeida; Ac STJ de 10.05.2007, proc. nº 07B841, relator João Bernardo – todos consultáveis na internet.
Quer na situação de «resolução do contrato», quer na situação realização coactiva da prestação, através da perda do benefício do prazo, quando as partes hajam afastada a aplicação do disposto no art. 782 CC, para que o fiador, possa responder ao lado do devedor, terá que ser interpelado para o «cumprimento imediato» ou para pôr termo à mora.
Nada disso ocorreu na situação presente, pelo que como já se decidiu em acórdão desta Relação (Ac TRL de 11.10.2002 – já citado) «uma vez que a perda do benefício do prazo não se estende nem aos co-obrigados do devedor nem a terceiros que, a favor do crédito tenham constituído garantia, o fiador apenas responde pelas prestações entretanto vencidas».
No caso presente, tendo-se operado o vencimento antecipado de todas as prestações, no seguimento da comunicação de 18.08,2004, as prestações a considerar serão as vencidas de 15.02.2004 (27ª) a 15.08.2004 (33ª), ou seja no valor global de 977.83 (novecentos e setenta e sete euros e oitenta e três cêntimos), prestações estas acrescidas de juros de mora desde a data de vencimento de cada uma, à taxa acordada (22,5% ao ano), e ainda da cláusula penal (4%) referida em 13 da matéria assente).
Nos termos do disposto no art. 683 nº 1 c) CPC, o presente recurso aproveita a comparte que não recorreu (o outro fiador, 4º R.).
Concluindo:
Em termos gerais o fiador responde, sem necessidade de interpelação para o efeito, desde que essa interpelação seja feita junto do devedor afiançado, pelas consequências da mora do devedor.
Não tendo as partes expressamente acordado em sentido diferente, a perda do benefício do prazo não se estende ao fiador, nos termos do art. 782 CC. Caso se tivesse acordado no afastamento do disposto no art. 782 CC, teria o fiador que ser interpelado ou para pôr termo à mora, a fim de evitar o vencimento antecipado das prestações, ou para evitar o incumprimento definitivo, que possibilitaria a resolução do contrato.
O recurso proceder parcialmente.
DECISÃO.
Em face do exposto, decide-se:
1- Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação (não procede na parte em que se pretende ver afastada a responsabilidade pelo pagamento de juros de mora e da cláusula penal, calculados sobre as prestações vencidas), revogando-se nessa parte a sentença recorrida e em sua substituição, condenam-se os fiadores, solidariamente com o 1º R., no pagamento à apelada do valor das prestações vencidas de 15.02.2004 a 15.08.2004, no valor unitário de 139,69 euros acrescidas de juros de mora, à taxa convencionada, desde a data de vencimento de cada uma delas, até integral pagamento, acrescidas ainda da cláusula penal acordada.
2- Absolve-se os fiadores do restante pedido.
3- Condena-se nas custas apelantes e apelada, na proporção do decaimento.
Lisboa, 19 de Novembro de 2009.
Manuel Gonçalves
Gilberto Jorge
Ascenção Lopes.