Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ALDA TOMÉ CASIMIRO | ||
Descritores: | CORREIO ELECTRÓNICO APREENSÃO EM CONSULTÓRIO MÉDICO BUSCA DOMICILIÁRIA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 11/05/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | I. As apreensões de correio electrónico foram, no caso, determinadas e autorizadas por Juiz, em cumprimento do disposto no art.º 17º da Lei do Cibercrime. II. Considerando que a busca realizada em Laboratório médico foi ordenada e presidida pessoalmente pela Mma. Juiz, acompanhada pelo representante da Ordem dos Médicos, mostra-se cumprido o disposto no nº 3 do art.º 174º e no nº 5 do art.º 177º, ambos do Cód. Proc. Penal. III. Uma busca à residência de um médico não é equivalente a uma busca em consultório médico, pelo que não tinha que ser observado o estatuído no nº 5 do art.º 177º do Cód. Proc. Penal. Na busca ordenada pela Mma. Juiz esta declarou, desde logo, que por impossibilidade não estaria presente na mesma, em conformidade com o nº 3 do art.º 174º do Cód. Proc. Penal, que se mostra cumprido. IV. Admitindo-se como hipótese que a residência do médico em causa era equivalente a um consultório médico, quer por ali serem efectuadas consultas quer por ali se guardarem documentos relacionados com a actividade médica no sentido de estarem abrangidos por sigilo médico (profissional), a nulidade da busca e apreensão sempre teria que ter sido arguida no acto, a que o assistente assistiu, em conformidade com o disposto no art.º 120º nº 1, corpo do nº 2 e nº 3, alínea a) do Cód. Proc. Penal | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, Relatório No âmbito do Inquérito com o nº 1724/21.4T9FNC que corre termos no Juízo de Instrução Criminal do Funchal, vem o arguido AA interpor recurso do despacho que indeferiu a arguição de nulidade das diligências de busca e apreensão de documentos em suporte físico e digital. Requer que seja revogado o despacho recorrido e seja declarada a nulidade das diligências de buscas e apreensão de correspondência eletrónica e de documentos, quer em suporte de papel, quer em suporte digital, com a consequente invalidação dos actos em que se verificaram, bem como os que deles dependerem, e aquelas puderem afetar, anulando-se, por consequência, todo o processado (designadamente, a junção aos autos dos suportes CD's visualizados pela Mma. JIC e demais actos praticados no âmbito de investigação). Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: 1ª A apreensão a que se procedeu está ferida de nulidade por violação do disposto nos artigos 16º, nº 3, e 17º, da Lei do Cibercrime e 177º, 178º, nº 1, ambos do C.P.P. e porque de documentos abrangidos pelo segredo profissional se trata é esta a cominação prevista no art.º 180º nº 2 daquele diploma legal; 2ª A busca está ferida da nulidade absoluta e insanável prevista nos termos conjugados dos artigos 118º nº 1 e 177º nº 3 do Cód. de Processo Penal, consistente no facto de a M.ma Juiz não ter presidido pessoalmente à mesma, acompanhada pelo representante da Ordem dos Médicos, como devia também nos termos do Estatuto da Ordem dos Médicos; 3ª Deve ainda considerar-se pelo menos ferida de irregularidade tal busca, porque sem alegação de qualquer impossibilidade, não foi presidida por Juiz, violando-se desta forma o disposto no art.º 174º nº 3 do C.P.P., com a cominação prevista no art.º 118º nº 2 do referido diploma. * A Digna Magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e apresentando as seguintes conclusões: 1. Nos termos do artigo 118º, nº 2 do C.P. Penal a violação ou a inobservância das disposições da Lei do Processo Penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada na Lei 2. A busca efetuada ao consultório médico foi, efetivamente presidida pela Mmª. JIC e realizada na presença do representante da Ordem dos Médicos, nos termos do nº5 do art.º 177º do CPP. 3. Como se pode constatar da análise do preceituado no artigo 174º e 177º, ambos do CPP, inexiste determinação legal de que a busca domiciliária à residência de médico seja presidida por Juiz. 4. Na realidade, tal como nas demais buscas a residências, prevê-se que isso ocorra, apenas quando possível. 5. Neste caso, em despacho de 09-06-2023, a Mma. JIC fez, também, constar que, por impossibilidade, não estaria presente na busca a realizar à residência do arguido. 6. A busca na residência do arguido, ao contrário do que ocorreria caso se tratasse de busca ao consultório do arguido, não é nula, nem padece de irregularidade. 7. A Mma. JIC autorizou a pesquisa de dados informáticos, nos termos do disposto no artigo 15º da Lei do Cibercrime nos despachos que determinaram a realização das buscas domiciliárias (datados de 09-06-2023 e 12-06-2023). 8. No despacho de 09-06-2023 determinou o levantamento do sigilo das comunicações e autorizou a apreensão e exame de mensagens de correio eletrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante que respeitassem aos factos em investigação e existentes nos sistemas informáticos utilizados no referido local ou acessível a partir do mesmo, com exceção do respeitante a correio eletrónico não aberto. 9. As mensagens e demais documentos digitais revelam-se indispensáveis para a investigação da prática do crime em tela. 10. As mensagens (sms e correio eletrónico) não revelam dados pessoais ou íntimos, que possam pôr cm causa a privacidade do respetivo titular ou de terceiro, pelo que inexiste imposição legal que determine a sua apresentação ao JIC e bem assim que este aprecie da eventual junção aos autos, nos termos do disposto no artigo 16º, nº3 da Lei do Cibercrimc. 11. Não houve qualquer violação do disposto nos artigos 16º, nº 3 e 17º, ambos da Lei do Cibercrime 12. Do compulso dos autos afigura-se-nos que foram apreendidos os documentos relacionados com o crime em investigação, sendo que salvo o devido respeito, os mesmos não se encontram abrangidos por segredo profissional médico. 13. Pelo exposto não se vislumbra qualquer das nulidades invocadas pelo recorrente. 14. Destarte, o despacho recorrido não merece qualquer censura * Nesta Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer em que afirma acompanhar, nos precisos termos em que está formulada, a resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª Instância, para a qual por uma questão de economia processual remete. Efectuado o exame preliminar, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir. * * * Fundamentação A decisão recorrida é a seguinte: AA veio a fls. 220-221 requerer que seja declarada a nulidade da busca e apreensão e da pesquisa de dados informáticos e apreensão realizadas no dia 13 de Junho de 2023, na sua residência, no escritório de contabilidade e no laboratório e consequente revogação de tais apreensões, por estarem feridas de nulidades insanáveis. Para tanto alega que no dia 13.06.2023, quando se encontrava no ...", foi confrontado com a apresentação de dois mandados, com os seguintes efeitos: Busca e Apreensão no ... sita na ...; para a realização de pesquisa de dados informáticos e apreensão na sua residência sita na ... e ao escritório de contabilidade da sociedade "...", sito na .... Afirma que na ocasião nem estava representado por advogado, nem foi informado de tal possibilidade, pois que sendo médico de profissão, não teve noção do alcance, do sentido e dos efeitos e contradições apuradas na efectivação de cada uma daquelas diligências judiciais. Mais alega nem a Sra. Juiz nem o Sr. Procurador acompanharam a pesquisa de dados informáticos e apreensão na residência do visado, sita na ..., que teve lugar após 14H00 daquele dia. Mais alega que os despachos que ordenaram a Busca e a pesquisa de dados informáticos, ao não referirem o visado, padecem de nulidade insanável e nem tão pouco consta de tais mandados, tendo em vista o seu cumprimento, a descrição da factualidade que alegadamente preencha o tipo legal de crime que foi investigado nessas buscas. Entende que foram violados os arts. 125.º e 126.º e a prova assim obtida não pode ser valorada no sentido de abrir inquérito contra o requerente. O Ministério Público pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido. Cumpre apreciar na medida em que, embora em fase de inquérito, a invocada nulidade se reporta a diligências judicialmente determinadas ou presididas. Conforme resulta do que acima consta, o arguido invoca a nulidade da prova obtidas com três fundamentos, a saber: 1. O facto de aquando da realização de busca e pesquisa de dados no ... sita na ...; não estar representado por advogado, nem ter sido informado de tal possibilidade; 2. A circunstância de nem a Sra. Juiz nem o Sr. Procurador terem acompanhado a pesquisa de dados informáticos e apreensão na sua residência, sita na ..., 3. Não estarem descritos no despacho que determinou a busca os factos que integram o tipo legal de crime em investigação. Ora, no que respeita ao primeiro fundamento, para além de não ser obrigatória a presença de advogado, estranha-se que o arguido alegue não ter sido informado da possibilidade de se fazer acompanhar por advogado porque, para além de ter assinado o termo de constituição como arguido e Termo de Identidade e Residência de onde consta tal informação, foi verbalmente informado dessa possibilidade por mais de uma vez pela signatária que, inclusivamente lhe explicou pessoalmente, na presença do representante da Ordem dos Médicos, as consequências da constituição como arguido no que diz respeito à possibilidade de se fazer acompanhar de advogado e intervir no processo. Quanto à circunstância da busca domiciliária e para pesquisa de dados não terem sido acompanhadas por juiz ou procurador, importa ter em conta que a realização de busca domiciliária, tal como prevista nos arts. 174.º e ss. do Código de processo Penal, não carece da presença de autoridade judiciária, apenas se estabelecendo este requisito no art.º 15.º, n.º 1 da Lei 109/2009, de 15 de Setembro, sendo que o referido normativo prevê expressamente que, quando no decurso do processo se tornar necessário à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, obter dados informáticos específicos e determinados, armazenados num determinado sistema informático, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho que se proceda a uma pesquisa nesse sistema informático, devendo, sempre que possível, presidir à diligência. Ora, no despacho que autorizou a diligência fez-se expressamente constar a impossibilidade de presidir à diligência pelo que nenhum vício afecta a pesquisa de dados efectuada na residência. No que concerne à descrição dos factos no despacho que autorizou as diligências em causa, do mesmo consta o crime em investigação, os meios de prova considerados e a conclusão de que os visados ocultariam nos locais a buscar elementos de prova essenciais à descoberta da verdade. Esta descrição constitui fundamentação bastante para a busca, no decurso da qual o arguido tomou conhecimento do concreto equipamento que terá sido objecto do crime em investigação. Como tal, carece de fundamento o invocado, não estando a prova obtida ferida de qualquer vício. * * * Apreciando… De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso. * A primeira questão suscitada pelo recorrente é a de que a apreensão a que se procedeu está ferida de nulidade por violação do disposto nos artigos 16º, nº 3, e 17º, da Lei do Cibercrime e 177º, 178º, nº 1, ambos do Cód. Proc. Penal. A Lei 109/2009 de 15.09 (Lei do Cibercrime) prevê um regime para a apreensão de dados informáticos (art.º 16º) e um regime para a apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante (art.º 17º). Dispõe o art.º 16º que: 1 - Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a apreensão dos mesmos. 2 - O órgão de polícia criminal pode efectuar apreensões, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos termos do artigo anterior, bem como quando haja urgência ou perigo na demora. 3 - Caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto. 4 - As apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sempre sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas. 5 - As apreensões relativas a sistemas informáticos utilizados para o exercício da advocacia e das actividades médica e bancária estão sujeitas, com as necessárias adaptações, às regras e formalidades previstas no Código de Processo Penal e as relativas a sistemas informáticos utilizados para o exercício da profissão de jornalista estão sujeitas, com as necessárias adaptações, às regras e formalidades previstas no Estatuto do Jornalista. 6 - O regime de segredo profissional ou de funcionário e de segredo de Estado previsto no artigo 182.º do Código de Processo Penal é aplicável com as necessárias adaptações. 7 - A apreensão de dados informáticos, consoante seja mais adequado e proporcional, tendo em conta os interesses do caso concreto, pode, nomeadamente, revestir as formas seguintes: a) Apreensão do suporte onde está instalado o sistema ou apreensão do suporte onde estão armazenados os dados informáticos, bem como dos dispositivos necessários à respectiva leitura; b) Realização de uma cópia dos dados, em suporte autónomo, que será junto ao processo; c) Preservação, por meios tecnológicos, da integridade dos dados, sem realização de cópia nem remoção dos mesmos; ou d) Eliminação não reversível ou bloqueio do acesso aos dados. 8 - No caso da apreensão efectuada nos termos da alínea b) do número anterior, a cópia é efectuada em duplicado, sendo uma das cópias selada e confiada ao secretário judicial dos serviços onde o processo correr os seus termos e, se tal for tecnicamente possível, os dados apreendidos são certificados por meio de assinatura digital”. Dispõe o art.º 17º que: “quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal”. Como resulta evidente da leitura destes preceitos o regime para a apreensão de dados informáticos (art.º 16º) é diverso do regime para a apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante (art.º 17º), sendo que neste último caso a norma remete para o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal. Nos termos do art.º 269º nº 1 d) do Cód. Proc. Penal “durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução ordenar ou autorizar: (…) d) Apreensões de correspondência, nos termos do nº 1 do art.º 179º”. Por seu turno, o citado art.º 179º do Cód. Proc. Penal (sob a epígrafe Apreensão de correspondência) dispõe que: “1- Sob pena de nulidade, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão, mesmo nas estações de correios e de telecomunicações, de cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência, quando tiver fundadas razões para crer que: a) A correspondência foi expedida pelo suspeito ou lhe é dirigida, mesmo que sob nome diverso ou através de pessoa diversa; b) Está em causa crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos; e c) A diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova. 2- É proibida, sob pena de nulidade, a apreensão e qualquer outra forma de controlo da correspondência entre o arguido e o seu defensor, salvo se o juiz tiver fundadas razões para crer que aquela constitui objecto ou elemento de um crime. 3- O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ser ela utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova”. Compulsados os autos, verifica-se que por despacho de 9.06.2023 foram determinadas buscas e apreensões nos seguintes termos: «Nos presentes autos investiga-se, por ora, a prática de um crime de peculato de uso, p. e p. pelo art.º 376.º do Código Penal. De acordo com os elementos até ao momento recolhidos nos autos, afigura-se-me de relevo para o sucesso da investigação a realização da promovida busca domiciliária, tendo em conta que do teor conjugado do depoimento prestado, dos documentos juntos e das informações recolhidas pelo opc, resultam indícios que no interior da residência de AA, no ..., e no escritório de contabilidade da sociedade “...”, possam estar ocultados objectos relacionados com o crime em investigação, designadamente, documentação em suporte físico e digital comprovativo da prática dos factos. Afigura-se-me, pois, justificada a intervenção mediante busca domiciliária àqueles locais, sendo que nenhuma outra diligência legalmente tipificada se mostra, por ora, adequada aos fins e sucesso da investigação em curso. Pelo exposto, e uma vez que o referido escritório pode ser igualmente uma residência, ao abrigo do disposto nos arts. 174.°, 176.º, n.º 1 do art.º 177.º e 180.º todos do Código de Processo Penal, determino a realização de buscas, bem como aos anexos e/ou dependências com, caso seja necessário, recurso ao arrombamento de: - à residência de AA, (…) - ao ..., (…) - ao escritório de contabilidade da sociedade “...”, (…) Verificando-se estarem preenchidos todos os requisitos formais e substanciais exigidos para o efeito, ao abrigo do disposto no art.º 15.º, n.º 1, 2 e 5 da Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro e arts. 174.°, 176.º e n.º 1 do art.º 177.º todos do Código de Processo Penal ex vi do n.º 6 do referido art.º 15.º, autorizo a pesquisa dos dados informáticos no sistema informático os computadores, tablets, smartphones ou consolas com acesso à internet existentes nos locais acima identificados ou existentes noutro sistema informático ou numa parte diferente do sistema pesquisado que sejam legitimamente acessíveis a partir do sistema inicial. Antes de proceder às buscas, será entregue a quem tiver disponibilidade do lugar em que a diligência se vai realizar, cópia dos despachos que antecedem, nos quais se faz constar de que pode assistir diligencia e fazer-se acompanhar ou substituir por pessoa da sua confiança e que se apresente sem delonga (n.º 1 do art.º 176.° do Código de Processo Penal. Faltando o visado nestes mandados ou não estando presente quem tiver a disponibilidade do lugar em que a diligência se vai realizar, com cópia deste despacho é, sempre que possível, entregue a um parente, a um vizinho, ao porteiro, ou a alguém que o substitua. Passe e entregue mandados de busca e para pesquisa de dados relativos às moradas acima referidas, com validade temporal de 30 dias. * Tendo em conta que no Laboratório acima referido poderão ser realizados actos médicos estando então em causa uma unidade de saúde, a respectiva busca será por mim presidida Para efeitos do disposto no art.º 177.º, n.º 5 do Código de Processo Penal ex vi art.º 180.º do mesmo diploma legal, e mediante ofício confidencial a entregar em mão ao Sr. Presidente do Conselho Regional à Sra. Presidente do Conselho Médico da Madeira da Ordem dos Médicos sem qualquer outra indicação, solicite a sua comparência ou de um seu delegado no Juízo de Instrução Criminal no dia 13 de Junho de 2023, às 09:30 horas. * Considerando que, por impossibilidade, não estarei presente nas buscas a realizar, e que o sigilo das comunicações deve ceder perante o interesse da investigação penal e da descoberta da verdade, desde já determino o levantamento do sigilo das comunicações e autorizo a apreensão e exame de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante que respeitem aos factos em investigação e existentes nos sistemas informáticos utilizados no referido local ou acessível a partir do mesmo, com excepção do respeitante a correio electrónico não aberto, o qual está sujeito ao disposto no art.º 179.º do Código de Processo Penal. (…)» Constata-se que, nos termos do despacho que antecede, quer as buscas quer as apreensões, inclusivamente de correio electrónico foram determinadas e autorizadas por Juiz, em cumprimento do disposto no art.º 17º da Lei do Cibercrime, não se afigurando (nem tendo sido alegado em concreto) qualquer violação do disposto nos arts. 177º e 178º, nº 1, ambos do Cód. Proc. Penal. Por outro lado, não consta dos autos que tenham sido apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, pelo que não se vê que tenha havido qualquer violação do nº 3 do art.º 16º da Lei do Cibercrime. Aliás, o recorrente não identifica que dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade seriam esses. Quanto a uma eventual apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional, também não é identificada pelo recorrente, que se limita a uma alegação abstracta. Obviamente, caso essa apreensão tenha acontecido, e o sigilo não seja levantado, a consequência será a cominação prevista no art.º 180º nº 2 do Cód. Proc. Penal, mas só relativamente a esses documentos concretos. Por ora, não se mostra que as apreensões em causa, sejam inválidas. A segunda questão suscitada pelo recorrente prende-se com a nulidade da busca. Alega que a busca está ferida da nulidade absoluta e insanável prevista nos termos conjugados dos arts. 118º nº 1 e 177º nº 3 do Cód. Proc. Penal, consistente no facto de a Mma Juiz não ter presidido pessoalmente à mesma, acompanhada pelo representante da Ordem dos Médicos, como devia também nos termos do Estatuto da Ordem dos Médicos; ou que, pelo menos, deve considerar-se tal busca ferida de irregularidade, porque sem alegação de qualquer impossibilidade, não foi presidida por Juiz, violando-se desta forma o disposto no art.º 174º nº 3 do Cód. Proc. Penal, com a cominação prevista no art.º 118º nº 2 do referido diploma. Preceitua o art.º 174º do Cód. Proc. Penal que: 1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista. 2 - Quando houver indícios de que os animais, as coisas ou os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca. 3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência. 4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade. 5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos: a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão. 6 - Sendo a pessoa coletiva ou entidade equiparada a visada pela diligência, o consentimento para o efeito só pode ser colhido junto do representante. 7 - Nos casos referidos na alínea a) do n.º 5, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação. Preceitua o art.º 177º do Cód. Proc. Penal que: 1 - A busca em casa habitada ou numa sua dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade. 2 - Entre as 21 e as 7 horas, a busca domiciliária só pode ser realizada nos casos de: a) Terrorismo ou criminalidade especialmente violenta ou altamente organizada; b) Consentimento do visado, documentado por qualquer forma; c) Flagrante delito pela prática de crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a 3 anos. 3 - As buscas domiciliárias podem também ser ordenadas pelo Ministério Público ou ser efectuadas por órgão de polícia criminal: a) Nos casos referidos no n.º 5 do artigo 174.º, entre as 7 e as 21 horas; b) Nos casos referidos nas alíneas b) e c) do número anterior, entre as 21 e as 7 horas. 4 - É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 174.º nos casos em que a busca domiciliária for efectuada por órgão de polícia criminal sem consentimento do visado e fora de flagrante delito. 5 - Tratando-se de busca em escritório de advogado ou em consultório médico, ela é, sob pena de nulidade, presidida pessoalmente pelo juiz, o qual avisa previamente o presidente do conselho local da Ordem dos Advogados ou da Ordem dos Médicos, para que o mesmo, ou um seu delegado, possa estar presente. 6 - Tratando-se de busca em estabelecimento oficial de saúde, o aviso a que se refere o número anterior é feito ao presidente do conselho directivo ou de gestão do estabelecimento ou a quem legalmente o substituir. Compulsados os autos, verifica-se que a busca realizada ao ..., foi presidida pessoalmente pela Mma. Juiz, acompanhada pelo representante da Ordem dos Médicos, ainda que nas restantes buscas, nomeadamente à residência do recorrente, isso não tenha acontecido. Considerando que a busca realizada ao ..., foi ordenada e presidida pessoalmente pela Mma. Juiz, acompanhada pelo representante da Ordem dos Médicos, mostra-se cumprido o disposto no nº 3 do art.º 174º e no nº 5 do art.º 177º, ambos do Cód. Proc. Penal. E entende-se que uma busca à residência de um médico não é equivalente a uma busca em consultório médico, pelo que não tinha que ser observado o estatuído no nº 5 do art.º 177º do Cód. Proc. Penal. Acresce que a busca foi ordenada pela Mma. Juiz e esta, no despacho que ordenou as buscas declarou, desde logo, que por impossibilidade não estaria presente (a presidir) na mesma, em conformidade com o nº 3 do art.º 174º do Cód. Proc. Penal, dando assim cumprimento ao disposto em tal normativo. Não se verifica, assim, qualquer nulidade. Porém, admitindo-se como hipótese que a residência do médico em causa era equivalente a um consultório médico, quer por ali serem efectuadas consultas quer por ali se guardarem documentos relacionados com a actividade médica no sentido de estarem abrangidos por sigilo médico (profissional), a nulidade da busca e apreensão sempre teria que ter sido arguida no acto, a que o assistente assistiu, em conformidade com o disposto no art.º 120º nº 1, corpo do nº 2 e nº 3, alínea a) do Cód. Proc. Penal. Ora compulsada a certidão do mandado de busca e apreensão e do respectivo resultado, em lado algum consta que tenha sido deduzida qualquer nulidade, pelo que ainda que esta se verificasse sempre estaria sanada. * * * Decisão Pelo exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e mantém a decisão recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UCs. Lisboa, 5.11.2024 (processado e revisto pela relatora) Alda Tomé Casimiro Ana Lúcia Gordinho Ester Pacheco dos Santos |