ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA
I – 1. M…, instaurou acção com processo ordinário contra:
D…
Pedindo a condenação da Ré em PTE 180.000.000$00, correspondente a:
a) PTE 50.000.000$00, relativo ao lucro que a A. não obteve por culpa da Ré, e à perda de mais valia de prestígio e oportunidades de novos negócios para a A.;
b) PTE 4.575.000$00, referente às despesas com a elaboração da candidatura;
c) PTE 37.720$00 referente ao pagamento do serviço não prestado.
Pede ainda (conforme correcção efectuada na audiência preliminar – cfr. fls. 226) que seja declarado nulo o contrato, atento o incumprimento do dever de informação, e que sejam declaradas nulas diversas cláusulas por violarem disposições do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10.
Alega, para o efeito, ter contratado com a R. a entrega por esta de documentos para uma candidatura da A. em Brasília, Brasil, a um concurso público internacional.
Com tal candidatura esperava a A. obter bons proveitos, mas as suas fundadas expectativas foram frustradas em virtude de a R. não ter entregue a respectiva documentação no prazo estabelecido, do qual estava bem ciente, assim lhe causando avultados prejuízos.
Circunstâncias agravadas pelo facto de a Ré sempre ter feito chegar à A. a informação de que conseguia colocar em Brasília a documentação necessária ao referido concurso, quando não o fez nem podia fazer.
2. Contestou a R. argumentando, em síntese, que a A. não tem qualquer razão, porquanto, contrariamente ao que diz, nunca se obrigou perante a A. a prestar os seus serviços dentro de prazos pré-estabelecidos.
Por outro lado, a culpa foi da A. que só lhe entregou a encomenda/documentação muito depois, e numa altura em que, por causa do denso nevoeiro que se fez sentir nos Aeroportos de Lisboa e de Madrid, os aviões não puderam levantar voo. Tratando-se de um problema relativo ao tráfego aéreo a Ré não tem qualquer responsabilidade por eventuais atrasos.
3. Na réplica (cf. fl. 211, do II vol.) manteve a A. a sua posição.
4. Na audiência preliminar, a A. reformulou o seu pedido inserido na p.i. pedindo também, conforme se referiu supra, que:
a) sejam declaradas nulas as cláusulas do contrato sobre as quais não foi dado cumprimento ao dever de informação e que a Ré não comunicou à A. com a devida antecedência;
b) e que sejam declaradas nulas as cláusulas inseridas no formulário depois da assinatura de um dos contratantes, por violarem o disposto no Dec. Lei nº 446/85, de 25/10 – cf. fls. 226, do II vol.
5. A Ré opôs-se argumentando que tal nulidade não pode ser considerada por se mostrar incompatível com o pedido inicialmente formulado, o que acarreta a ineptidão da p.i..
Seguidamente, foi interposto recurso de Agravo pela R. do despacho que admitiu a resposta da A. à pronúncia da R. sobre o requerimento de reformulação da petição inicial (cf. fls. 231).
As alegações do Agravo constam a fls. 372, do II vol.
6. O Tribunal “a quo” exarou despacho saneador onde foram conhecidas as excepções invocadas pela R., salvo a relacionada com a alegada caducidade da reclamação apresentada pela A. (fls. 337).
Aí se julgou improcedente a arguição da ineptidão da petição inicial quer pela “pretensa cumulação de pedidos substancialmente incompatíveis, quer pela contradição entre alguns pedidos de declaração de nulidade de cláusulas contratuais e a causa de pedir, seja pelo carácter vago ou abstracto de tais pedidos de declaração de nulidade de cláusulas contratuais” – cf. fls. 327 a 366, do II vol.
Seguiram-se os factos assentes e a elaboração da base instrutória.
7. Foram interpostos novos Agravos pela R. do despacho que indeferiu a questão prévia da suspensão da instância (fls. 367), assim como do despacho saneador na parte em que julgou improcedente a excepção de ineptidão da p.i. alegada pela Ré – cf. fls. 368, do II vol., com alegações a fls. 486 a 496 e 497 a 542, do III vol.
8. Não foram apresentadas contra-alegações.
9. Tendo-se procedido a julgamento, e a Ré alegado por escrito (cf. fls. 1080 e segts do V vol.), o Tribunal “a quo” julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
10. Inconformada, a Autora Apelou, tendo formulado, em síntese, as seguintes conclusões – cf. fls. 1157, do V vol.:
a) A decisão efectuou errónea interpretação das normas do Dec. Lei nº 446/85, de 25/10, aplicáveis ao contrato celebrado entre a Autora e a Ré;
b) O contrato é nulo por não incluir a totalidade dos termos e condições;
c) O contrato é nulo face ao não cumprimento do dever de informação, dado que tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas do mesmo, a R. não as comunicou à A. com a antecedência necessária;
d) O contrato é nulo por as respectivas cláusulas se encontrarem inseridas num formulário, depois da assinatura de um dos contratantes, e assim se considerarem excluídas do contrato;
e) É nula a cláusula 1ª do contrato, por violação do disposto no n° 1 do art. 5° do citado diploma, com as consequências dos arts. 8° e 9° do mesmo diploma;
f) É nulo o segundo parágrafo da cláusula 4ª do contrato, por violação do disposto no n° 1 do art. 5° do citado diploma, com as consequências dos arts. 8° e 9° do mesmo diploma;
g) É nula a cláus. 7ª do contrato, por violação do princípio da boa-fé, nos termos do art. 16° do citado diploma;
h) São nulas as cláusulas 8°, 9°, 11°, 12° e 13° do contrato, por se tratarem de cláusulas absolutamente proibidas, nos termos das als. b), c), d), h) do art. 18° e art. 12° do citado diploma;
i) Ao não entregar a encomenda da A. dentro do prazo a R. incumpriu o contrato;
j) A R. é a exclusiva culpada da não entrega atempada da encomenda, pelo que deve indemnizar a A.
11. Houve contra-alegações (cf. fls. 1170, do VI vol.).
12. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.
II – OS FACTOS (organizados de forma lógica e/ou cronológica):
1. Actualmente (dados de Dezembro de 1998) a Ré D… opera em 224 países, empregando cerca de 60.000 funcionários e dispõe de mais de 2.000 Centros de Serviço – 80º;
2. Gere uma frota aérea com mais de 200 aviões e cerca de 15.000 veículos, detendo 40% do tráfego aéreo do mercado internacional da sua categoria – 81º;
3. A D… efectua 200 entregas por cada 60 segundos – 82º;
4. Em termos práticos, isso equivale a 100.000.000 de documentos e encomenda expedidos por ano – 83º;
5. A D… procede a entregas de documentos e pequenas encomendas em qualquer lado do mundo e em tempo que, na Europa, por exemplo, não excede 24 horas estimadas – 84º;
6. Estes documentos e encomendas têm ou destino em Portugal e origem em qualquer país do mundo, ou origem em Portugal e destino em qualquer país de Mundo – 85º;
7. A entrega dos documentos e encomendas é assegurada por um misto de meios de transportes, cujo núcleo central é o avião – 86º;
8. Em termos práticos, o cliente contrata a colocação de um determinado documento ou encomenda em qualquer local do mundo, competindo à D… colocar tal documento ou encomenda no local solicitado, no prazo mais curto possível, possuindo, em face da sua experiência, tempos médios de envio estimados em relação a cada trajecto específico – 87º;
9. Na actividade que desenvolve em Portugal, a D… funciona predominantemente como entreposto comercial de envio ou de recepção de encomendas – 92º;
10. Os programas de entregas regulares que a A. adoptou são elaborados com base em critérios de normalidade em relação à meteorologia, aos transportes, à logística dos aeroportos e da própria D…, serviços de handling, fiabilidade dos transportes utilizados no envio, controlo alfandegário, conjuntura política nos países de trânsito, etc. – 17º;
11. Sempre que um cliente solicita um determinado serviço à D… esta elabora uma estimativa do tempo que demorará a proceder a entrega, estimativa essa que tem como suporte os referidos programas de entregas regulares – 19º e 20º;
12. O tempo de trânsito estimado para uma entrega de encomenda que tenha origem em Portugal e destino Brasília são 3 a 4 dias úteis – C);
13. O tempo de trânsito estimado é sempre fornecido em dias úteis – 23º;
14. Tal circunstância, porém, não determina que a actividade da D… paralise durante o fim-de-semana; muitas vezes, os dois dias do fim-de-semana são aproveitados para acelerar o processamento e entrega dos envios – 25º;
15. Não existe, no programa de entregas regulares da D… qualquer destino onde o tempo de trânsito seja 15 dias de calendário, ou sequer 10 dias úteis - 97º;
___________
16. No dia 3-12-98, a A., através do Dr. I…, perguntou à R. qual o dia em que tinha de ser entregue uma encomenda de forma a estar em Brasília, o mais tardar, no dia 17-12-98 – A);
17. A funcionária da R. respondeu que o prazo estimado para a entrega de uma encomenda com destino ao Brasil era de 3 a 4 dias úteis – B);
18. De acordo com o programa referido, estava previsto que a encomenda confiada à R. pela A. saísse de Lisboa no dia 12-12-98, Sábado – 26º;
19. Na ocasião referida na al. A), a funcionária da R. referiu ao Dr. I… que o melhor seria expedir a encomenda no dia 11-12-98 (6ª Feira), para ser mais seguro – D);
20. A funcionária da R. confirmou à A. que se a documentação fosse entregue no dia 14-12-98 (2ª Feira) ainda estaria a tempo de estar em Brasília a 17-12-98 – 1º;
21. Na mesma ocasião, a R. informou a A. de que colocaria um alerta no processo quanto ao facto de a encomenda conter documentação para concurso público – 2º;
22. Na conversa referida nas als. A) e B), a funcionária da R. não assegurou ao Dr. Isidro … a certeza na entrega do documento dentro do prazo de 3 a 4 dias úteis referido na al. C) – 21º;
______________
23. No dia 11-12-98 (Sexta-Feira), entre as 19h e 30 m e as 19h e 50m, a A. entregou à R. um documento constituído por 5 volumes e com 12,5 kg de peso total, a fim de ser por esta entregue em Brasília-Brasil – E), F) e 6º;
24. A essa hora já não era possível efectuar o processamento da encomenda, aproveitando o avião diário da D… que parte do Aeroporto de Lisboa – 7º;
25. O documento foi entregue no escritório da R. sito no Aeroporto de Lisboa pelo Dr. I… à Sr.ª D. Ca…, funcionária da R., que informou a A. de que o documento seguiria logo no dia seguinte, Sábado, e de que a A. poderia acompanhar o trajecto do documento pela Internet – G), H) e I);
26. O documento entregue pela A. à R., nas circunstâncias de tempo e lugar referidas nas als. F) e G), era a candidatura da A. ao concurso público denominado ----;
27. O prazo de entrega das candidaturas ao referido concurso público terminava às 9h, hora local do Brasil, do dia 18-12-98 – 4º;
28. Na ocasião referida nas als. F) e G), a funcionária da R. disse ao Dr. I… que, apesar do facto referido na al. H), o documento chegaria a Brasília até ao dia 17-12-98 – 8º;
_____________
29. Na ocasião referida em F), a R. emitiu o documento, intitulado "Carta de Porte" junto a fls. 207 – K);
30. Nesse documento, o Dr. I… apôs a sua assinatura debaixo dos seguintes dizeres: "Eu acordo que os termos e condições da D… se aplicam a esta remessa e limitam as responsabilidades da D.... A Convenção de Varsóvia pode também ser aplicável (ver verso)" – L);
31. O documento universal utilizado em todos os envios processados pela D… é um documento idêntico ao referido na al. L) – 88º;
32. Este documento acompanha o envio desde a origem até ao destino, seja qual for a distância ou o número de países com os quais a encomenda tem contacto no seu trajecto – 89º;
33. Tal documento é o único documento necessário ao processamento do envio e apenas no idioma utilizado em algumas das suas cópias, consoante o país de origem da encomenda – 90º e 91º;
34. O documento aludido na al. L) contém, no seu verso, um sumário dos termos e condições do serviço a prestar pela R. – M);
35. Os termos e condições completos do serviço "Worldmail D…" estavam à disposição da A., nos escritórios da R., podendo aquela analisá-los cuidadosamente e com a antecedência que entendesse – 95º;
36. A A. nunca solicitou quaisquer esclarecimentos sobre as cláusulas ou o respectivo conteúdo – 96º;
37. Consta do clausulado inscrito no verso de tal documento, logo de início que "Este é um sumário dos nossos termos e condições principais. Os termos e condições completos estão à vista e disponíveis nos escritórios da D…" – N);
38. A cláus. 1ª do clausulado inscrito no verso de tal documento é do seguinte teor: "1 - O NOSSO CONTRATO CONSIGO. Os presentes termos e condições, conjuntamente com os que se encontram à vossa disposição nos nossos escritórios, constituem a globalidade dos termos e condições do contrato celebrado entre você, o expedidor, e nós, D…. Quando nos entrega o envio, declara estar a aceitar os nossos termos e condições, quer para si, quer para outrem, com interesse no envio. Os presentes termos e condições aplicam-se ainda a qualquer entidade que possamos contratar para recolher, transportar ou entregar o seu envio. Os presentes termos e condições não podem ser alterados por qualquer funcionário da D… ou outrem, bem como é inválida qualquer obrigação assumida por estes neste sentido" – O);
39. A cláus. 2ª é do seguinte teor: "2 - O QUE SIGNIFICA "ENVIO". Por envio entende-se todos os documentos ou encomendas que se transportam ao abrigo de uma carta de porte. Você garante que os detalhes do envio são completos e correctos" – P);
40. A cláus. 7ª é do seguinte teor: "7 - RECLAMAÇÕES. Se desejar reclamar por um envio perdido (inclui uma entrega mal efectuada) ou danificado:
*tem de reclamar por escrito.
*temos de receber a sua reclamação nos 30 dias após a data em que aceitamos o envio.
*por favor, envie ou entregue a sua reclamação no escritório da D…mais próximo.
*Por favor, note: não atenderemos a sua reclamação enquanto os custos do envio e quaisquer outras despesas não tenham sido pagas" – Q);
41. A cláus. 8a é do seguinte teor: "8-LIMITES DA NOSSA RESPONSABILIDADE (Sujeito às cláusulas 11 e 13). A nossa responsabilidade pela perda ou dano do envio, independentemente de quem seja o reclamante, está limitada ao mais baixo dos seguintes três valores:
*US $ 100, ou
*O montante real da perda ou dano, por si sofrido, ou o valor real do envio. Não se inclui neste qualquer valor comercial ou demais valores subjectivos" – R);
42. A cláus. 9a é do seguinte teor: "9 -O QUE ENTENDEMOS POR "VALOR REAL". O mais baixo dos seguintes montantes, definidos no momento e lugar de expedição do envio:
*Documentos
custo da feitura ou substituição do documento, ou
custo de reconstrução ou reconstituição do documento.
*Encomendas
custo da reparação ou substituição da encomenda, ou
valor de revenda ou justo valor de mercado da encomenda.
valor real de uma encomenda não poderá ser superior ao custo original pago por si acrescido de 10%".
SEGURO DO ENVIO
Recomendamos que proceda ao seguro do envio. Podemos providenciar-lhe seguro até US $ 5.000.000. Mas por favor note que o nosso seguro de envio não cobre danos consequentes, bem como perdas ou danos resultantes de atrasos de transporte. Se não assinalar a caixa SIM do Seguro dc Envio na frente desta carta de porte, assume todos os riscos de perda ou dano" – S);
43. A cláus. 11ª é do seguinte teor: "11-ATRASO NOS ENVIOS. Faremos todos os esforços para entregar o seu envio de acordo com os nossos programas de entregas regulares mas estes não são garantidos e não fazem parte deste contrato. Não seremos, no entanto, responsabilizados por quaisquer atrasos, ainda que de nossa culpa, na situação de:
*recolha de um envio,
*transporte de um envio (incluindo atrasos, causados por mudança de rota),
*entrega de um envio" – T);
44. A cláus. 12ª é do seguinte teor: "12 - CIRCUNSTÂNCIAS FORA DO NOSSO CONTROLE. Não seremos responsabilizados no caso de um envio ser extraviado, danificado ou incorrectamente entregue devido a circunstâncias fora do nosso controle. Estas incluem:
*"Factos naturais" - p.e. terramoto, ciclone, tempestade ou inundação.
*"Força maior" - p.e. guerra, queda de avião ou embargo.
*qualquer defeito ou característica resultante da natureza do próprio envio, ainda que do nosso conhecimento aquando da aceitação.
*qualquer acção ou omissão de alguém exterior à D….
Por exemplo:
- O expedidor do envio
- O destinatário
- Uma terceira parte interessada
- Alfândegas ou outros funcionários Governamentais
- Os Serviços Postais, outros transportadores ou terceiros que contratamos para servir localidades onde não operamos directamente.
*Não seremos responsabilizados mesmo que o expedidor não tenha solicitado ou tivesse conhecimento do acordo com terceiros" – U);
45. A cláus. 13ª é do seguinte teor: "13 - DANOS CONSEQUENTES. Seja em resultado de contrato ou qualquer outra fonte de obrigações, ainda que em casos de negligência ou culpa, não seremos responsabilizados pelo seguinte:
*Lucros cessantes
*Outros danos indirectos
*Prejuízos decorrentes de mora ou de resolução de quaisquer outras obrigações.
*As perdas ou danos consequentes, embora a tal se não limitem, incluem a frustração de rendimentos, de lucros, de interesses, perdas de mercados e perdas decorrentes da impossibilidade de utilização do envio" – V);
46. A cláus. 14a é do seguinte teor: "14 - CONVENÇÃO DE VARSÓVIA. Se o transporte de um envio envolve um destino final ou escala num país diferente do de partida, poderá ser aplicado o regime da Convenção de Varsóvia. Tal Convenção determina, e na maioria das situações reduz, a nossa responsabilidade por perdas ou danos relacionados com o envio" – W);
47. No verso de tal documento, encimando o clausulado, está inscrito o seguinte: "AVISO IMPORTANTE. Pelas condições estabelecidas a seguir a D… e os seus funcionários e agentes não são, em primeiro lugar, responsáveis por determinadas perdas e danos, e, em qualquer caso, sempre que o sejam, o montante de tal responsabilidade é estritamente limitado ao montante estabelecido na Cláusula 8. Os clientes são deste modo aconselhados a requerer cobertura de seguro, a fim de se assegurar que os seus interesses estão totalmente protegidos em todos os casos. Ver Cláusula 10a - Seguro do envio - em baixo" – X);
__________________
48. No dia previsto para a saída do avião (dia 12, Sábado) que transportaria a encomenda da A. e todas as outras entregues à D… verificou-se um intenso nevoeiro em Lisboa e em Madrid – 27º;
49. Este nevoeiro, por imposição do controle de tráfego da A.N.A., impossibilitou que o avião pudesse partir no Sábado e o mesmo sucedeu no Domingo – 28º e 29º;
50. Por isso, a saída do envio foi diferida para 2ª Feira, dia 14-12, aguardando melhores condições climatéricas – 30º;
51. Porém, primeiro, devido à manutenção do nevoeiro (2a Feira de manhã) e, depois, devido a problemas no avião da D… (falhas mecânicas) que iria fazer o transporte, o avião partiu de Lisboa apenas na noite do dia 14-12, perdendo as ligações do processo normal de um trajecto para Brasília, ou seja: Lisboa-Bruxelas-Brasil ou Lisboa-Vitória-Bruxelas-Brasil – 31º;
52. Após ter conhecimento da situação, a R. começou, desde logo, a procurar uma outra forma de fazer chegar a encomenda ao seu local de destino, encontrando para tal um trajecto alternativo, até porque havia nevoeiro em Vitória, o que impedia o trajecto referido na resposta ao quesito 31º – 33º;
53. E foi assim que o trajecto escolhido para o processamento do envio foi Lisboa-Colónia-Bruxelas-Brasil (São Paulo-Campinas-Brasília), escolha esta efectuada tendo especialmente em vista as ligações de tráfego aéreo existente entre as duas cidades – 34º e 35º;
54. O envio foi obrigado a seguir de Colónia para o centro de distribuição em Bruxelas, ao invés de se aproveitar a ligação nocturna entre os voos que permitiria que o avião de Lisboa aterrasse em Vitória e no mesmo dia se deslocasse para Bruxelas (centro de distribuição obrigatório nos envios para fora da Europa), de onde apanhou, finalmente, a ligação para o Brasil – 36º e 37º;
55. No dia 15-12-98 (3a Feira - 2° dia útil) a A., através do Dr. Isidro …, foi à Internet ver onde se encontrava a documentação referida em F) e G) e verificou então que tinha saído de Colónia, na Alemanha – Y) e Z);
56. A A. pensou que a documentação ia a caminho de Brasília – AA);
57. No dia 16-12-98 (4a Feira - 3° dia útil), a A. voltou à Internet para acompanhar o trajecto da documentação e verificou que tinha saído de Bruxelas, na Bélgica – BB);
58. Alarmada, a A. contactou a R. que comunicou, então, através das suas funcionárias, Filipa … e Maria …, que não tinha conhecimento de que se tratava de documentação para um concurso público – CC);
59. As referidas funcionárias da R. informaram também que, devido ao nevoeiro que se registara em Lisboa no Sábado, o avião não saiu, e que 2a Feira (14-12), devido a problemas mecânicos, o avião só saíra à noite, perdendo as ligações do processo normal de um trajecto para Brasília – DD);
60. As mesmas funcionárias da R. referiram ainda que iria ser aberto um processo de urgência para salvaguardar que a documentação chegasse a Brasília, impreterivelmente, no dia 17-12, até às 17 horas – EE);
61. As mesmas funcionárias da R. informaram que a documentação ia sair de Bruxelas para S. Paulo, no Brasil, num voo comercial da S…
62. No dia 17-12-98 (5ª Feira - 4° dia útil), a R. comunicou à A. que, ao chegar aos arredores de S. Paulo (aeroporto de Viracopos), a carga tinha de passar por um processo de controlo, e só à noite poderia seguir para Brasília – GG);
63. A A., através do Dr. I…, passou todo o dia 17-12-98 a falar com a R. em Portugal - através das suas funcionárias Filipa…, Maria …, Hélder … e José … - e em São Paulo, Brasil, através das suas empregadas Bárbara, Mónica e Bianca – H);
64. No dia 17-12-98, a A. enviou à Administração da R. em Portugal e à Administração da R. no Brasil um fax do seguinte teor: "No seguimento dos contactos telefónicos efectuados, quer com os vossos escritórios em Lisboa, quer com os escritórios em S. Paulo, face à urgência e gravidade da situação, uma vez que a documentação, cujo envio vos foi solicitado no passado dia 11 de Dezembro, se destina a um concurso público a realizar dia 18 de Dezembro, pelas 9 horas, em Brasília, e porque até ao momento não obtivemos informação sobre o processo, vimos por este meio solicitar os vossos melhores esforços no sentido da resolução deste assunto" – II);
65. No dia seguinte, 18-12-98, a R. respondeu à A., remetendo-lhe um fax do seguinte teor: "Agradecemos o fax que amavelmente nos enviou e que merece a nossa melhor atenção. De imediato iniciamos as acções necessárias no sentido de averiguar e esclarecer a situação. Logo que tenhamos informações concretas sobre o assunto entraremos em contacto com V.Exªs." – JJ);
66. Aquando da comunicação referida na al. JJ), a A. contestou veementemente, porque a sessão de abertura do concurso ao qual se destinava a documentação teria lugar às 9.00 horas do dia 18-12 e a documentação não poderia ser entregue depois desta hora, inclusivamente pela R. pessoalmente, por esta não estar mandatada para tal – 10º;
67. Na altura, a A. solicitou à R. que encontrasse uma solução, que poderia ser, não ao nível operacional, mas ao nível das Administrações Portuguesa e Brasileira da R., e que poderia passar por alguém fazer a viagem entre São Paulo e Brasília, nem que fosse durante toda a noite, para entregar a documentação em mão aos representantes da A. no Brasil, às 8h 30m, para estes a apresentarem no concurso, por estarem mandatados para tal – 11º;
68. Aquando do contacto referido na al. JJ), efectuado às 9h e 48m, a A. foi informada de que os colegas de S. Paulo estavam a desenvolver todos os esforços no sentido de entregar urgentemente a encomenda – 40º;
69. Às 11h 54m, este pedido para S. Paulo foi reiterado telefonicamente, confirmando-se o mencionado pedido por telefax – 41º;
70. Tais diligências sucederam-se ao longo do dia 17-12-98 – 42º;
71. A R. sempre seguiu o trajecto do envio em causa com base nas últimas leituras efectuadas pelo código de barras no último ponto de passagem – 43º-A;
72. Ainda dia 17-12, ao final do dia, a R. comunicou à A. que não tinha informações adicionais sobre o assunto e que só na 6a Feira de manhã, às 9h, hora de abertura da R. em Brasília, é que conseguiria dizer se a documentação tinha seguido para Brasília – KK) e LL);
73. No dia 18-12-98 (6a Feira - 5° dia útil) a R. conseguiu localizar o documento referido em F) e G): ia a caminho de Brasília, sendo entregue à D… às 12h 00m locais, pelo que só depois poderia ser entregue aos representantes da A. – MM);
74. A A. referiu à R. que iria enviar um fax ao destinatário do documento referido em F) e G), explicando o sucedido, e solicitou à R. que enviasse igualmente um fax para o Brasil justificando por escrito as vicissitudes por que passara a documentação, no sentido de solicitar a permissão da sua entrega um pouco depois das 9h 0m – NN);
75. Posteriormente, a R. comunicou à A. que tinham existido problemas no avião de São Paulo para Brasília e que só às 14h 30m locais é que a documentação referida em F) e G) poderia ser recebida nas instalações da D…, em Brasília – OO);
76. A A. respondeu que já não haveria possibilidades de o Comité de Supervisão da Licitação receber a documentação, e que iria reclamar junto da R. os prejuízos causados – PP);
77. No dia 21-12-98 (2a Feira - 6° dia útil) a R., através da sua funcionária Filipa …, comunicou que a candidatura chegara ao destino (local do concurso) pelas 18h 00m do dia 18-12-98, pelo que não fora aceite, uma vez que os envelopes referentes a estas candidaturas só poderiam ser recepcionados até às 9h 00m desse dia 18 – QQ);
78. A informação referida na al. QQ) foi transmitida à A, às 9h e 38m, em contacto telefónico estabelecido pela A., por a R. não haver conseguido contactá-la telefonicamente quando tentou fazê-lo às 8 h e 46 m – 45º;
79. Nessa ocasião, a R. enviou mais uma vez um e-mail para a D… em Brasília, solicitando a entrega urgente do documento – 46º;
80. No dia 23-12-98 (4a Feira), a R., primeiro, através da sua funcionária Aria, depois, por intermédio da sua funcionária Filipa …, por se tratar de duas cartas de porte, comunicou que a documentação fora entregue apenas pelas 18h 00m do dia 21-12 - 2ª Feira – RR);
81. O telefax solicitado pela A. à R., a que se alude na al. RR), foi enviado 5 minutos depois de a A. o haver solicitado – 47º;
82. A Comissão de Licitação da UAP/ABC (Unidade de Administração de Projectos/Agência Brasileira de Cooperação) recebeu o fax referido na al. RR), reuniu com os representantes da A. mas decidiu pela não aceitação tardia da proposta do consórcio português – 49;
83. A decisão foi transmitida telefonicamente à A. por um elemento da UAP/ABC – 50º;
84. As funcionárias da R. referiram que a D… Brasil enviara um fax à UAP/ABC, justificando a entrega tardia da documentação, por terem demasiado trabalho neste altura do ano e por a UAP/ABC ser um cliente muito importante para a D… – SS);
85. Às 15h 25m foi comunicado à R. em Portugal que a Companhia Aérea … (solução de recurso encontrada a meio da viagem aproveitando as ligações comerciais) se tinha atrasado na libertação do material – 48º;
86. A documentação referida em F) e G) foi devolvida pela R. à A. – TT);
87. Tal devolução ocorreu mediante expressa solicitação da A. – 50º-A;
88. A A. dirigiu à R., sob registo e com aviso de recepção, uma carta, datada de 5-1-99, do seguinte teor: "ASSUNTO: Cartas de Porte n° 6004202341 e 6004202352.
Exmos Senhores,
Reportando-nos ao assunto mencionado em epígrafe, que se relacionava com o envio de uma Proposta para participação num concurso internacional em Brasília, Brasil, tivemos conhecimento, via telefónica, que a Proposta apresentada pelo consórcio liderado pela M… e que integrava igualmente a AIP/CCI Associação Industrial Portuguesa/Câmara de Comércio e Indústria e a G..., não foi aceite, por ter sido entregue tardiamente.
Posteriormente, recepcionamos as V. comunicações referências 1804/TC e 02878/FC/tc, de 16 e 28 de Dezembro, respectivamente, às quais prestámos a devida atenção.
Contudo, e tal como foi comunicado telefonicamente aos vossos serviços, vimos por este meio informar que iremos apresentar a nossa reclamação à V. empresa. Sem mais assunto de momento, subscrevemo-nos atenciosamente" – UU);
89. Posteriormente, a A. enviou à R., sob registo e com aviso de recepção, a carta, datada de 16-3-99, de que está junta cópia a fls. 53-59, na qual reclamava urna indemnização no valor de PTE 234.575.000$00 (180.000.000$00 de lucros líquidos cessantes provenientes da adjudicação de dois projectos de formação, por Estado e por Ano, em 3 Estados diferentes + 50.000.000$00 de lucros cessantes resultantes da mais valia de prestígio e oportunidades de novos negócios e de outros paralelos ao projecto, durante os quatro anos deste + 4.575.000$00 de custos estimados da elaboração da candidatura) – VV);
90. A A. pagou à R., pela execução do serviço referido em F), a quantia de Esc. 37.720$00 – WW);
_______________
91. O programa PNAFE (Programa Nacional de Apoio à Administração Fiscal dos Estados Brasileiros) consiste num programa integrado com o objectivo de aumentar a eficiência, racionalidade e transparência na gestão dos fundos públicos dos Estados Brasileiros, através do desenvolvimento das entidades responsáveis pela gestão dos impostos – 51º;
92. Está orçamentado em um bilião de US dólares (cerca de 170.000.000 contos) financiado pelo Governos Brasileiro, B… e P… para o Desenvolvimento – 52º;
93. Do valor orçamentado, cerca de 25% (42.500.000 contos) destina-se à implementação dos projectos de formação do programa, a ser aplicado por intermédio da execução de projectos específicos, em cada um dos 27 Estados do Brasil, por um período de 4 anos – 53º;
94. Em termos médios, existe um orçamento para realização de projectos de formação de cerca de PTE 390.000.000$00 por Estado e por ano – 54º;
95. Uma vez que 20 dos 27 Estados também realizaram acordos com o PNUD, paralelamente ao acordo com o BID, para a implementação do PNAFE, e porque esta entidade superintende os concursos associados à utilização de fundos das Instituições Internacionais, foi lançado o Concurso nº 494 para credenciação de empresas de consultoria que viessem a efectuar o treino e habilitação dos recursos humanos dos funcionários das Secretarias da Fazenda dos 20 Estados que igualmente estabeleceram acordos com o PNUD – 55º;
96. Face à importância e dimensão deste Concurso, a A. entendeu convidar outras entidades a associarem-se para efeitos da participação em Consórcio neste projecto liderado pela A. – 56º;
97. Foram convidadas e aceitaram participar no consórcio a AIP/CCI-Associação Industrial Portuguesa/Câmara de Comércio e Indústria e a empresa G… . – 57º;
98. Paralelamente, também iria trabalhar no âmbito deste Projecto, em estreita ligação com o consórcio, o I…, cuja participação no consórcio não se verificou apenas devido a falta de tempo para operacionalizar os elementos exigidos pelo caderno de encargos – 58º;
99. À A. cabia a tarefa de liderar as actividades e representar estas entidades na realização dos trabalhos que fossem efectuados no âmbito do concurso, assim como assegurar a realização de parte dos trabalhos – 59º;
100. Existia um acordo nos termos do qual a Confederação Nacional do Comércio do Brasil, a entidade que congrega as Federações de Comércio dos diversos Estados Brasileiros, participaria nas actividades do concurso, em colaboração com o consórcio liderado pela A.– 60º;
101. Existia uma boa aceitação do trabalho desenvolvido anteriormente pela A. e, por isso, era boa a receptividade da parte dos responsáveis da UAP/ABC (Unidade de Administração de Projectos/Agência Brasileira de Cooperação, entidade governamental brasileira responsável pela implementação do PNAFE e de outros Programas financiados pelas Instituições Internacionais) às propostas e projectos do consórcio que iria ser liderado pela A. – 63º;
102. Para as outras entidades participantes no consórcio, tratava-se de uma forte oportunidade de penetrar no mercado brasileiro – 64º;
103. No âmbito deste concurso e dos trabalhos a serem realizados posteriormente, a candidatura previa formalmente a criação de uma filial da A. em cada uma das capitais dos 20 Estados brasileiros objecto do concurso onde iria trabalhar – 65º;
104. Apenas as entidades que foram credenciadas no âmbito deste concurso seriam convidadas a participar nas actividades do Projecto – 66º;
105. A não entrega da candidatura até à data limite da abertura das propostas impossibilitou as entidades que iriam constituir o Consórcio de participarem na 1ª fase do concurso público, que consiste numa pré-qualificação – 67º;
106. O orçamento para a realização de Projectos de Formação, por Estado e por ano seria de PTE 390.000.000$00 – 70º;
107. A participação no Projecto, acompanhada da criação de filiais da empresa M… no Brasil, aduziria uma mais valia de prestígio e oportunidades de novos negócios e de outros paralelos ao próprio Projecto – 77º.
III – Enquadramento Jurídico:
1. De entre as questões que a A. suscitou conta-se a apreciação da validade total ou parcial das cláusulas contratuais gerais que se encontram apostas no verso da carta de porte que titulou o referido contrato.
Considera a A., ora Apelante, que tais cláusulas não podem ser consideradas para efeitos de resolução do litígio ou que, ao menos, determinadas cláusulas que identifica devem considerar-se nulas por violarem regras constantes do Dec. Lei nº 446/85.
A A. fez corresponder a cada pedido de declaração de nulidade uma pretensão de natureza declarativa.
Porém, apesar dessa formalização, não se justifica uma pronúncia concreta sobre cada um dos pedidos formulados, sendo a questão da validade ou invalidade do clausulado integrada no percurso decisório na estrita medida em que se mostre necessária para a apreciação da verdadeira pretensão consistente na condenação da Ré no pagamento da indemnização decorrente de responsabilidade contratual.
A apreciação da validade do clausulado apenas se dará se acaso não puder confirmar-se a sentença recorrida por recurso às regras específicas do contrato ou às normas das obrigações em geral.
Ou seja, se, independentemente das questões em redor da invalidade do clausulado geral que foi apresentado pela R., se verificar que nem assim a pretensão da A. merece procedência, então revelar-se-á inútil e, por isso, desnecessária, uma pronúncia específica sobre as referidas questões.
2. Entre as partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços, na modalidade de entrega de encomenda que a A. tinha de apresentar em Brasília, impreterivelmente, até determinada data.
Posto que não tenha sido assumida pela R. a certeza da entrega da encomenda dentro dos 3 ou 4 dias úteis (21º), consideramos que assumiu uma obrigação de resultado, e não apenas de meios.
Tal é a conclusão que se extrai de diversos elementos que podem ser coligidos e que se enunciam de seguida.
Com efeito, para além da notória integração da R. no leque de empresas cuja actividade essencial consiste na colocação de encomendas em qualquer parte do globo, a referida qualificação decorre ainda do modo como normalmente exerce a referida actividade e do conjunto de meios humanos e materiais que disponibiliza para o efeito, procurando corresponder às solicitações dos clientes que não pretendam recorrer a outros serviços, designadamente aos serviços postais, que agem de forma não personalizada e independentemente dos interesses individuais de cada utente.
É ainda o resultado da análise do factualismo apurado à luz das regras da boa fé que rodeiam os contratos, relevando para o efeito não apenas o cuidado posto pela A. na preparação do envio da encomenda, como ainda as informações que a R. lhe prestou aquando da confiança da encomenda e mesmo depois de verificadas algumas vicissitudes que faziam perigar a entrega da encomenda antes de 18-12-98.
A A. bem alertou a R. para a necessidade de ser dado um tratamento específico à concreta encomenda que acautelasse a sua entrega oportuna, recebendo desta, se não uma resposta que, com toda a certeza, garantisse tal desiderato, ao menos sucessivas informações de que, malgrado as vicissitudes que foram ocorrendo, aquele resultado não estaria comprometido.
Qualificar como de resultado a obrigação assumida pela R. não leva a responsabilizá-la necessária e inelutavelmente por toda e qualquer situação de incumprimento, não estando arredada a possibilidade de a R. demonstrar que, apesar da diligência que usou, determinadas circunstâncias alheias à sua vontade, insuperáveis ou dificilmente superáveis, foram determinantes para a não obtenção do resultado contratado.
Serve, no entanto, tal qualificação, para aumentar o nível de exigência quanto ao seu comportamento, levando a desconsiderar determinadas justificações que porventura pudessem ser apresentadas se acaso se estivesse em face de uma obrigação de meios.
Torna-se, assim, mais exigente para a R. a elisão da presunção de culpa relativa ao incumprimento do contrato que decorre do art. 799º do CC, pois que não lhe basta invocar o uso dos meios que uma entidade normalmente diligente empregaria para a execução da tarefa, exigindo-se a prova de uma actuação ajustada aos padrões de exigência adequados a uma empresa especializada nos serviços que contratou, no sentido de evitar as contrariedades que se verificaram, de procurar superar as que vieram a ocorrer ou de remediar situações extremas, por forma a conseguir o resultado final acordado.
3. Decorre fundamentalmente da matéria de facto apurada o seguinte:
- Sempre que um cliente solicita um determinado serviço à D… esta elabora uma estimativa do tempo que demorará a proceder à entrega, a qual tem como suporte os programas de entregas regulares elaborados com base em critérios de normalidade em relação à meteorologia, aos transportes, à logística dos aeroportos e da própria D…, serviços de handling, fiabilidade dos transportes utilizados no envio, controlo alfandegário, conjuntura política nos países de trânsito, etc.
- A A. preparou com suficiente antecipação a entrega da encomenda com vista a que a mesma estivesse no destino numa data determinada (o mais tardar em 17-12-98) como condição para sustentar uma candidatura a um concurso internacional.
- Para o efeito, no dia 3-12-98, auscultou a Ré sobre o timing da entrega, recebendo desta a resposta de que o prazo estimado era de 3 ou 4 dias úteis, ainda que não tivesse sido assumida a certeza da entrega nesse prazo; posto que também sejam usados os dias de fim-de-semana para cumprir o objectivo, foi indicado à A., no caso concreto, que seria mais segura a apresentação da encomenda com vista à sua expedição no dia 11-12, Sexta-Feira.
- Porém, atenta a hora a que a A. se apresentou no estabelecimento da R. no Aeroporto de Lisboa, a encomenda já não pôde sair no avião que partia nesse dia para Bruxelas (note-se, a este respeito, que não se provou o que foi alegado pela A. e que ficou a constar do quesito 5º, ou seja, que a A. fizera a apresentação do documento na Sexta-Feira às 14h e 30m).
- Como os factos o vieram a revelar, esta falha foi, em parte, causal da falta de concretização do objectivo; é, agora, possível verificar que se acaso a encomenda tivesse sido apresentada pela A. a tempo de seguir no avião de Sexta-Feira a R. não se teria defrontado com as dificuldades que decorreram do cancelamento de voos no Sábado e no Domingo e na Segunda-Feira de manhã, nem sequer com a avaria do avião que partiria Segunda-Feira.
- Apesar disso, embora se não tenha provado a alegação da A. de que a R. a informara que, “de certeza”, a encomenda estaria em Brasília a 17-12 (resposta negativa ao quesito 9º), a R. continuou a assegurar que o facto de a encomenda não ter seguido logo na Sexta-feira não impediria a satisfação da pretensão da A., com os dados que a sua experiência lhe conferia e com a responsabilidade que o domínio dos meios humanos e materiais lhe atribuía; o mesmo se diga relativamente ao facto de não ter podido usar para despacho da encomenda o fim-de-semana, recebendo a A. a informação da R. de que, ainda assim, o documento iria a tempo ainda que seguisse na Segunda-Feira.
- No entanto, também na Segunda-Feira de manhã os voos estiveram cancelados, facto de todo alheio à R., mas que encurtava, mais uma vez, o lapso de tempo que normalmente seria usado para fazer a entrega, com a necessária realização de escalas e apresentação, à saída da Europa, no Aeroporto de Bruxelas; como se tal ainda não bastasse, também se verificou uma avaria no avião o que, estando situado na esfera de influência da R. não deixa de constituir um factor anómalo; por tais motivos conjugados, o avião apenas pôde partir na noite de Segunda-Feira, perdendo-se, assim, a ligação essencial que se faria entre Bruxelas e Brasília nessa mesma noite.
- Perante esta série sucessiva de eventos, e confrontando-se com o risco de a encomenda não chegar a tempo e as insistências da A. no sentido de inverter a tendência que se vinha avolumando, a R. accionou um programa de emergência; assim, em vez do uso de um avião próprio com que normalmente se faria a viagem, na data prevista, a R. optou pelo uso de uma carreira normal da S… para possibilitar a chegada ao destino; tratou-se de diligência que visou cumprir o acordado e corresponder às expectativas criadas na esfera da A. de que o serviço seria cumprido a tempo e horas; por essa via, a encomenda chega a S. Paulo ainda dentro do 4º dia útil que a R. avançara como tempo normal para a execução da entrega, mas só chegou a Brasília no final do 5º dia útil, quando o documento já perdera utilidade atento o esgotamento do prazo que ocorrera às 9 h da manhã.
4. Sem necessidade de recorrer ao clausulado geral inserido no contrato de adesão (que mais favorece a posição da R. e que desfavorece a posição da A.) e circunscrevendo-nos às regras do contrato de prestação de serviços, consideramos elidida a presunção de culpa no incumprimento da obrigação de resultado assumida pela R., nos termos e para efeitos do art. 799º do CC.
A A., perseguindo a ideia da responsabilização da R. a todo o custo, praticamente se limitou a invocar a data em que entregou a encomenda e a data em que a mesma chegou a Brasília, chegando ao resultado simplista de que não fora cumprido o prazo normal de entrega que lhe fora anunciado.
Todavia, na tarefa de regulação dos interesses contrapostos, não pode o Tribunal deixar de atentar em todas as circunstâncias envolventes, jamais podendo ser desconsideradas as vicissitudes que, sendo alheias à R., esta não pôde ultrapassar nem sequer com uma exigência acrescida correspondente ao estatuto decorrente da específica actividade desenvolvida e do específico encargo assumido.
No caso concreto, o nexo de causalidade adequada relativamente ao incumprimento não se encontra seguramente na esfera de actuação da R., antes na ocorrência de uma cadeia de eventos não imputáveis a qualquer das partes e que, a final, se reconduzem a um caso de força maior.
Sendo seguro, depois do evento ter ocorrido, que foi a falta de entrega da encomenda pela A. a tempo de seguir na Sexta-feira que acabou por despoletar o incumprimento da obrigação, nada fazia prever, em tal momento, esse resultado.
Com efeito, de acordo com a experiência da R., se nada de anormal se tivesse passado, a encomenda ainda chegaria a tempo partindo de Lisboa no Sábado. Porém, tal não foi possível devido a circunstâncias climatéricas insuperáveis.
A partida da encomenda na Segunda-Feira ainda proporcionava o cumprimento do objectivo final, fazendo-se a ligação com o voo que nessa noite partiria de Bruxelas para Brasília. Mas nem isso foi possível, tendo em conta a conjugação negativa decorrente da manutenção da impossibilidade de voos na parte da manhã e a avaria do avião, de tal modo que apenas pôde partir na Segunda-Feira à noite, perdendo-se, deste modo, a ligação em que a R. apostara para efeitos de conseguir fazer a entrega da encomenda a tempo.
Perante tais obstáculos já se tornava complicada a consecução do resultado pretendido. Ainda assim, a R. procurou rotas alternativas, sem que, apesar dos esforços desenvolvidos, tivesse sido possível, agindo com a diligência adequada, atingir o resultado pretendido pela A.
Na verdade, é como medida de recurso, tendente a evitar aquilo que acabou por se consumar, que deve ser entendida a opção da R. de recorrer a uma companhia de aviação comercial para transporte da encomenda para São Paulo, de onde partiria para Brasília, o que, porém, também veio a revelar-se infrutífero, pois que o horário de tal avião já dificilmente se compaginava com o cumprimento da entrega antes da data e hora limite, tanto mais que a encomenda não poderia deixar de passar no controlo de São Paulo.
No extremo, poderia, porventura, ter-se tentado a via terrestre para fazer chegar a encomenda de S. Paulo a Brasília. Mas, atenta a distância entre essas duas cidades, não cremos que essa fosse uma exigência que decorresse das regras da boa fé. Além disso, para além de ser muito dispendiosa e de difícil execução, nada permitia assegurar que assim se teria conseguido a entrega da encomenda a pessoas ligadas à R. até às 9 h. de Sexta-Feira em Brasília.
Nem sequer pode assacar-se à R. o facto de não ter alertado a A., na Sexta-Feira ou na Segunda-Feira, para o risco de a encomenda não chegar a tempo.
É verdade que se acaso o tivesse feito a A. teria ficado com a possibilidade de recorrer a outro meio para colocar a encomenda no seu destino, ainda que tal lhe acarretasse custos muito superiores aos que decorriam do contrato celebrado com a R. Mas trata-se, de todo o modo, de uma mera conjectura, nada permitindo concluir que essa seria a reacção da A.
Aliás, não sendo a A. de todo alheia ao que ocorreu, tendo em conta que não apresentou a encomenda a tempo de seguir ainda na Sexta-feira, não deve sobrecarregar-se a R. com todos os ónus inerentes ao resultado final, devendo também repartidos com a A.
Note-se ainda que a R. jamais deu à A. a certeza de que a encomenda estaria no local de destino dentro da data prevista, sendo a sua vinculação apenas em termos de prazos normais face a transportes que enfrentam as normais dificuldades.
5. Nesta medida, mostrando-se elidida a presunção de culpa, falta um dos pressupostos de que poderia decorrer a responsabilização da Ré pelo incumprimento da obrigação contratada, pelo que sem necessidade de nos debruçarmos sobre o clausulado geral, devemos concluir pela improcedência da acção.
6. Improcedendo a acção e com a confirmação da sentença pelas razões que se aduziram supra prejudicado fica o conhecimento dos agravos interpostos por força do preceituado no art. 710º, nº 1, do CPC.
IV – Decisão:
- Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença apelada, com os presentes fundamentos.
- Custas a cargo da A.
Lisboa, 23 de Novembro de 2006.
Ana Luísa de Passos Geraldes (Relatora)
Fátima Galante
Ferreira Lopes