Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5167/24.0T8LSB.L1-1
Relator: NUNO TEIXEIRA
Descritores: PLANO DE PAGAMENTOS
HOMOLOGAÇÃO
CREDITOS TRIBUTÁRIOS
VIOLAÇÃO
LEI IMPERATIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/08/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Sumário (do relator) – artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil
I – O plano de pagamentos que, relativamente a um credor garantido, prevê o perdão de 50% do crédito e o pagamento dos 50% remanescentes, através do produto da venda de um imóvel, em valor substancialmente inferior ao da proposta de aquisição apresentada no âmbito de processo de execução à ordem do qual o imóvel está penhorado, resulta em situação mais desfavorável para esse credor.
II – Para além disso, se relativamente ao mesmo credor, prevê o pagamento dos 50% remanescentes do seu crédito em prestações mensais de 150,00 €, enquanto relativamente a um credor comum, estabelece um plano de pagamento prestacional de valores mensais de 750,00 €, o plano de pagamento enferma de clara descriminação negativa, não justificada no acordo, quanto àquele crédito garantido, violando, assim, o princípio da igualdade material dos credores e justificando a sua não homologação.
III – Se o que consta do plano, relativamente ao crédito da Fazenda Nacional, não corresponde à realidade – por inexistir plano prestacional em vigor que abrangesse o crédito reclamado pela Autoridade Tributária –, não sendo uma proposta, em nada afecta esse crédito, que não fica abrangido pela proposta de plano de pagamento, não ocorrendo, consequentemente, violação das regras imperativas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa,

1. AP., residente em Lisboa, veio, nos termos dos artigos 222.º-A e seguintes do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (doravante CIRE), apresentar-se a processo especial para acordo de pagamento (PEAP).
Por despacho de 26/03/2024 foi admitido liminarmente o processo e nomeada administradora judicial provisória, que em 26/04/2024 juntou lista provisória de credores.
À lista provisória foi apresentada uma impugnação pela credora Fazenda Nacional, que foi julgada procedente por despacho de 25/06/2024.
A 18/07/2024 a devedora apresentou um plano para acordo de pagamento, que foi votado pelos credores, tendo o Sr. Administrador apresentado nos autos, por requerimento de 31/07/2024, o resultado da votação, considerando o plano aprovado.
Em 26/07/2024, a credora LC ASSET, SARL, veio requerer a não homologação do acordo de pagamento apresentado, alegando, no que aqui releva, que o plano da devedora prevê um perdão de 50% do crédito e o pagamento dos 50% restantes através da venda do imóvel, sem estabelecer prazos claros para a venda. A credora argumenta que o plano lhe é desfavorável, pois a venda do imóvel no processo de execução resultaria numa situação mais vantajosa, com um preço de venda superior ao proposto no plano.
Em 29/07/2024, também a FAZENDA NACIONAL, representada pelo MP, veio pedir a não homologação do acordo, argumentando não ter celebrado qualquer plano de pagamentos com a devedora, que abranja os créditos em dívida, estando a Fazenda Nacional subordinada à observância das normas legais aplicáveis à regularização dos créditos tributários (artigos 30º, nºs 2 e 3 e 36º, nº 3, da LGT, e artigos 85º, nº 3, 196º, e 199º, do CPPT e artigo 125º, da Lei 55-A/2010, de 31/12), que consagram os princípios da indisponibilidade dos créditos tributários e da proibição da moratória, bem como o seu regime de regularização prestacional. Caso assim não se entenda, pede que o acordo não seja eficaz em relação aos créditos por si reclamados.
Notificada dos pedidos de não homologação apresentados, por requerimento de 16/08/2024 (refª 49664159) veio a Requerente alegar, entre o mais, que “relativamente ao requerimento apresentado pela Fazenda Nacional, efetivamente a devedora não tem plano prestacional em vigor que abranja a totalidade do crédito reclamado pela Autoridade Tributária”.
Por fim, em 04/09/2024 foi proferido despacho de recusa de homologação do acordo de pagamentos apresentado por AP..
É deste último despacho que vem interposto recurso, pela devedora, ora Recorrente, que o termina alinhando as seguintes conclusões:
1) (…).
2) (…).
3) (…).
4) (…).
5) (…).
6) (…).
7) O tribunal a quo, interpreta o estatuído no artigo 30º da LGT, com a tese de conferir carácter indisponível ou imperativo ao sentido de voto do credor Fazenda Nacional, fazendo depender a aprovação e a validade do Plano, transformando-o num voto de qualidade ou num verdadeiro direito de veto.
8) Posição que, com o maior respeito, não se acompanha, pois, o âmbito da inderrogabilidade ou imperatividade do regime de regularização de dívidas ao Estado reporta às condições em que a lei ‘autoriza’ a Autoridade Tributária ou a Segurança Social a autorizar o pagamento em prestações, mas não inclui a autorização destas entidades.
9) E, o que se encontra em causa nestes autos é efectivamente o voto, isto é, a decisão casuística e discricionária do credor Autoridade Tributária, pois é certo que no plano apresentado se encontra escrupulosamente respeitado o disposto no artigo 196º do CPPT.
10) O plano aprovado não contempla uma alteração, redução, extinção, ou moratória do crédito, muito pelo contrário, o plano de pagamentos oferecido nos autos, contempla o pagamento da totalidade do crédito reclamado, pagamento do montante em dívida nos termos estipulados pela Fazenda Nacional, de acordo com artigo 196.º do CPPT, não havendo lugar à redução de coimas e custas e a qualquer moratória, tal como decorreu do requerimento junto aos autos a 16-8-2024.
11) Alegou o Tribunal a quo que a competência para a autorização de pagamento em prestações é do órgão de execução fiscal, como estipula o artigo 197º, nº 1, do CPPT.
12) Trata-se de uma norma procedimental e não de uma regra relativa ao conteúdo da relação tributária.
13) O acordo de pagamento não contempla qualquer hipótese de extinção ou redução do crédito da Fazenda Nacional (capital e juros), prevendo-se um pagamento prestacional, em número que se mostra contido dentro do limite máximo permitido, fazendo sempre referencia ao versado na Lei, mormente remetendo sempre para o artigo 196º do CPPT, tal como a Fazendo Nacional faz e sempre fez nas suas comunicações.
14) Entendemos assim que, face ao plano de pagamentos apresentado nos presentes autos, não existindo (como não existe) violação do referido princípio da indisponibilidade, deve o plano manter-se aprovado.
15) Quanto ao credor LC ASSET 2, S.A.R.L., e contrariamente ao vertido na sentença que agora se recorre, foi fixado prazo para a venda do imóvel, tal decorre das várias comunicações havidas com o credor,
16) É falso quando o tribunal a quo refere que “A solução apresentada pela devedora no acordo de pagamento é para o credor muito penalizadora por comparação com a venda do imóvel no âmbito do processo executivo.”
17) A finalidade do Acordo de Pagamento é apresentar um conjunto de medidas cuja aprovação pelos credores, e subsequente concretização, permita assegurar a sua estabilização económico-financeira, com a reestruturação da componente financeira do passivo e implementação de medidas objectivas de consolidação e planificação de pagamento aos credores por parte dos Requerentes.
18) Em face do disposto no artº 194º, nº1, do CIRE, nada impede a que o plano possa estabelecer diferenciações entre os credores do devedor a revitalizar, desde que “justificadas por razões objectivas”.
19) Importa referir, que, o credor LC ASSET 2, S.A.R.L., não manifestou nos autos a sua oposição, anteriormente à aprovação do plano de insolvência,
20) Nos termos do art. 216º, a recusa oficiosamente o Plano, unicamente a requerimento do devedor ou credor que haja manifestado nos autos a sua oposição anteriormente à aprovação do plano de insolvência.
21) A proposta de plano de pagamento não ofende as normas imperativas,
22) O princípio da igualdade dos credores, consagrado no art.º 194.º do CIRE, a) impõe que os credores que estão em idênticas circunstâncias, nomeadamente tendo em consideração a idêntica natureza do crédito - garantido, privilegiado, comum ou subordinado, tal como definidos nos termos do art.º 47º do CIRE – sejam tratados de forma igual; b) admite que os credores que não estão em idênticas circunstâncias, nomeadamente tendo em consideração a diferenciação com base natureza do crédito - garantido, privilegiado, comum ou subordinado, tal como definidos nos termos do art.º 47º do CIRE – sejam tratados de forma desigual, desde que a referida diferenciação observe o princípio da proporcionalidade.
23) Há, pois, que concluir que o plano de pagamentos oferecido nos autos, e aprovado pela maioria dos credores, não se mostra em violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, devendo considerar-se aprovado, e, como tal, produzindo efeitos relativamente a todos os credores.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

2. Como é sabido, o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes define o objecto e delimitam o âmbito do recurso (artigos 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 3 e 639º, nº 1 todos do Código de Processo Civil).
Assim, a única questão a apreciar consiste em apurar se a decisão de não homologação do acordo de pagamento apresentado pela devedora Recorrente viola os fundamentos impostos pelos artigos 222º-F, nº 5, 194º e 215º a contrario e 216º do CIRE.

3. Para além dos que se encontram descritos no relatório que antecede, da documentação junta aos autos ainda resultam provados os seguintes factos:
a) Estão reconhecidos créditos que totalizam 668.336,03 €, a saber:

Credor (Idt.)ComumGarantidoTotal%
LC ASSET 2, S.A.R.L. 264.053,68264.053,5835,509%
SCALABIS – STC, S.A.1.843,05 1.843,050,276%
FAZENDA NACIONAL37.073,29377,9937.351,285,589%
Financeira El Corte Inglês E.F.C. S.A.,2.659,59 2.659,590,398%
Rádio Notícias Produções, SA.2.380,89 2.380,890,356%
AOF 4 SARL10.312,78 10.312,781,543%
JT12.249,58 12.249,581,833%
Arrow Global Limited3.235,28 3.235,280,484%
S. Trading Maroc. SARL47.250,00 47.250,007,070%
Miniasec Mobility, SA287.000,00 287.000,0042,942%


b) O plano apresentado estabelece que:
“(…)
1. Estado – Fazenda Pública
Pagamento da totalidade da dívida conforme estipulado nos acordos já celebrados com a AT nos termos exigidos pela mesma, em pagamentos mensais nos mesmos valores e duração.
1.1. Pagamento da totalidade da dívida reclamada em regime prestacional de acordo com o estipulado pela Fazenda Pública.
1.2. Não haverá lugar à redução de coimas e custas.
1.3. Este plano cumpre as exigências deste credor, aquando da sua reclamação.

2. LC ASSET 2, S.A.R.L – Credor Garantido
Venda do Ativo identificado na verba 1.1 da Relação de Bens para pagamento de 50% do valor reconhecido, ou seja, € 132.026,79 (cento e trinta e dois mil, vinte e seis euros e setenta e nove cêntimos) – valor do produto da venda do Prédio Urbano sito em Mina, Av. General Humberto Delgado, n.º 204, freguesia de Mina, descrito na Conservatória do Registo Predial e Comercial da Amadora sob o n.º 251 e artigo matricial 2919, AP. 51 de 2004/11/15 e com o valor patrimonial de € 103.179,23.
Enquanto não se efetivar a venda do imóvel a devedora pagará o valor mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), valor este que aquando da realização da escritura será devidamente amortizado.

3. Credores Comuns

3.1. Credor S.Trading Maroc. SARL, NIPC 14487263
Quanto ao Credor ora identificado a devedora procederá ao pagamento de 50% do valor reconhecido, ou seja, € 23.625,00 (vinte e três mil, seiscentos e vinte e cinco euros) em 94 prestações, mensais, iguais e sucessivas no montante de € 250,00;

3.2. Credor Mniasec Mobility S.A. - Fabricação de Veics., NIPC 510893376
Quanto ao Credor ora identificado a devedora procederá ao pagamento de 50% do valor reconhecido, ou seja, € 182.544,06 (cento e oitenta e dois mil, quinhentos e quarenta e quatro euros e seis cêntimos) em 243 prestações, mensais, iguais e sucessivas no
montante de € 750,00;

3.3. Quanto aos demais credores comuns, nomeadamente:
- SCALABIS – STC, S.A;
- Financeira El Corte Inglês E.F.C. S.A;
- Radio Noticias Produções S.A.;
- AOF 4 SARL;
- JT;
- Arrow Global Limited;
A devedora procederá ao integral pagamento de 50% do valor reconhecido na lista provisória no prazo de um ano após homologação do presente plano.”
c) Apesar do que ficou a constar do plano de pagamento apresentado pela devedora, esta não tem um plano prestacional em vigor que abranja a totalidade do crédito reclamado pela Autoridade Tributária.
d) O acordo de pagamento proposto foi aprovado com os votos favoráveis  representativos de 51,845% do total dos direitos de voto emitidos  e mais de 50% dos votos favoráveis correspondem a créditos não subordinados.
e) Votaram contra a aprovação do acordo 45,098% dos votos emitidos e abstiveram-se 3,057%.
f) O crédito da credora LC ASSET 2, S.A.R.L. é proveniente de dois contratos de mútuo com hipoteca celebrados entre a Caixa Económica Montepio Geral (doravante, CEMG) e a Devedora, em 30/09/2004 e 18/03/2005, respectivamente.
g) Estas obrigações encontram-se garantidas por duas hipotecas constituídas pela aqui Devedora, sobre o imóvel melhor identificado como prédio urbano, sito na Avenida General Humberto Delgado, nº 204, da freguesia de Mina, concelho da Amadora, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 3566 e descrito na CRP da Amadora sob o n.º 251/19861006, as quais se encontram melhor discriminadas no âmbito da Reclamação de Créditos.
h) O imóvel identificado na alínea anterior encontra-se penhorado no âmbito do processo de execução n.º 18566/09.8T2SNT, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oestes, Juízo de Execução de Sintra, Juiz 4.
i) No âmbito dos autos de execução supra mencionados, foi estabelecido, pelo Senhor Agente de Execução, um valor base de venda de € 147.000,00 (cento e quarenta e sete mil euros), correspondendo-lhe um valor mínimo de venda de € 124.950,00 (cento e vinte e quatro mil novecentos e cinquenta euros).
j) Aquando da apresentação da aqui Devedora ao PEAP, o processo de execução encontrava-se em fase de venda, por negociação particular.
k) A última diligência de venda, através do portal e-leilões, havia encerrado no dia 27 de fevereiro de 2024.
l) No âmbito desta diligência, foi apresentada proposta de aquisição para o imóvel que garante a dívida da credora LC ASSET 2, S.A.R.L., no montante de € 178.200,00 (cento e setenta e oito mil e duzentos euros).

4. Como se referiu supra, o objecto do presente recurso é a decisão proferida pelo tribunal recorrido que recusou a homologação do acordo de pagamentos aprovado pelos credores e apresentado pela devedora Recorrente.
4.1. Conforme síntese do tribunal recorrido, relativamente ao credor LC ASSET 2, SARL, “a alteração proposta pela devedora afetaria o contrato de mútuo celebrado com o credor hipotecário quanto às obrigações de pagamento assumidas pela devedora e permite à devedora permanecer na disposição do bem imóvel onerado com a hipoteca sem fixação de qualquer prazo para a venda, dificultando a execução da garantia contratualmente prestada, (…)”, concluindo que “a solução apresentada pela devedora no acordo de pagamento é para o credor muito penalizadora por comparação com a venda do imóvel no âmbito do processo executivo.”
Quanto ao crédito da Fazenda Nacional, por ser indisponível e por não ter sido negociado qualquer acordo de pagamento, impede a homologação do acordo de pagamento, por manifesta violação das regras imperativas.
Contrariamente, a Recorrente entende que, relativamente ao crédito da Fazenda Nacional, o plano aprovado não viola o princípio da indisponibilidade, porque “não contempla qualquer hipótese de extinção ou redução do crédito da Fazenda Nacional (capital e juros), prevendo-se um pagamento prestacional, em número que se mostra contido dentro do limite máximo permitido, fazendo sempre referencia ao versado na Lei, mormente remetendo sempre para o artigo 196º do CPPT, tal como a Fazendo Nacional faz e sempre fez nas suas comunicações”. Já quanto ao crédito da credora LC ASSET 2, SARL, sustenta que, nem a lei impede que o plano possa estabelecer diferenciações entre credores “desde que justificadas por razões objectivas”, nem viola normas imperativas.
Por isso, conclui que “o plano de pagamentos oferecido nos autos, e aprovado pela maioria dos credores, não se mostra em violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, devendo considerar-se aprovado, e, como tal, produzindo efeitos relativamente a todos os credores.” (cf. conclusão 23).
4.2. Cremos, no entanto, que os fundamentos do recurso não podem proceder.
Com efeito, no que respeita à tramitação do processo especial para acordo de pagamento determina o artigo 222º-F, nº 5 do CIRE que:
“O juiz decide se deve homologar o acordo de pagamento ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras vigentes em matéria de aprovação e homologação do plano de insolvência previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 215.º e 216.º”
Decorre desta norma que, no prazo de 10 dias a contar da recepção do documento com o resultado da votação, o juiz deve decidir se homologa o acordo de pagamento aprovado ou, se pelo contrário, recusa a sua homologação, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto no artigo 215º (não homologação oficiosa) e 216º (não homologação a solicitação dos interessados).
Caso o juiz decida pela recusa de homologação, poderá fazê-lo oficiosamente (no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou de normas aplicáveis ao seu conteúdo, qualquer que seja a sua natureza, e ainda quando, no prazo razoável que estabeleça, não se verifiquem as condições suspensivas do acordo ou não sejam praticados os actos ou executadas as medidas que devam preceder a homologação) ou, designadamente, a pedido de algum credor, ou sócio, associado ou membro do devedor, cuja oposição haja sido comunicada nos mesmos termos. Exige-se, no entanto, que o requerente demonstre em termos plausíveis, em alternativa, que: a) a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas; b) o plano proporciona a algum credor um valor económico superior ao montante nominal dos seus créditos sobre a insolvência, acrescido do valor das eventuais contribuições que ele deva prestar (art. 216º, nº 1 do CIRE).[1]
4.2.1. No caso dos autos, impõe-se, em primeiro lugar, averiguar se, relativamente ao crédito da LC ASSET 2, S.A.R.L., o acordo de pagamento infringe ou não a norma constante do artigo 216º, nº 1, alínea a) do CIRE.
Com efeito, resulta de tal preceito – aplicável ao processo especial para acordo de pagamento por remissão do nº 5 do artigo 222º-F  – que o juiz pode recusar a homologação do acordo de pagamento aprovado pelos credores, se tal lhe for solicitado, designadamente por algum credor, logo que o requerente demonstre em termos plausíveis, que:
“a) A sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano, designadamente face à situação resultante de acordo já celebrado em procedimento extrajudicial de regularização de dívidas;”
Assim, caso existam pedidos de não homologação dos credores com esse fundamento, antes de decidir se homologa ou não o plano de recuperação, deve o juiz aferir “se a situação dos credores ao abrigo do plano é mais favorável do que seria num cenário de liquidação da empresa”. Aquela norma parece permitir “que a recusa de homologação tenha lugar se a situação ao abrigo do plano é apenas tão favorável como a que resultaria da liquidação (se é tão favorável como a que resultaria da liquidação, não é mais favorável…)”.[2] Exige-se, pois, que “se efetue uma comparação assente num juízo de prognose que passa por uma avaliação das probabilidades”.[3]  Feita essa avaliação, e caso se viesse a prever que o requerente ficaria melhor com o plano de pagamentos do que sem ele, a invocação da alternativa do artigo 216º, nº 1, alínea a) careceria de fundamento. Isto porque o que aquela norma visa garantir é que os credores não receberão menos dinheiro com o plano de pagamentos do que receberiam se o activo do devedor fosse liquidado. Ou, como afirmam CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA, em anotação à alínea a) do n.º 1 do artigo 216.º do CIRE, “relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele”.[4]
No caso em apreço, como resulta da sentença, que, no essencial, a Recorrente não contrariou, o Plano prevê o pagamento de 50% do valor reconhecido àquela credora, ou seja, 132.026,79 €, valor esse a sair do “produto da venda do prédio urbano sito em Mina, Av. General Humberto Delgado, n.º 204, freguesia de Mina, descrito na Conservatória do Registo Predial e Comercial da Amadora sob o n.º 251 e artigo matricial 2919, AP. 51 de 2004/11/15 e com o valor patrimonial de € 103.179,23. Prevê ainda que “enquanto não se efetivar a venda do imóvel a devedora pagará o valor mensal de € 150,00 (cento e cinquenta euros), valor este que aquando da realização da escritura será devidamente amortizado.” Ou seja, no que a esta credora diz respeito, o Plano prevê o perdão de 50% do seu crédito e o pagamento dos 50% remanescentes, através do produto da venda do imóvel.
Contudo, aquela credora e requerente tem um crédito reconhecido de 264.053,58 €, garantido por duas hipotecas sobre o imóvel supra identificado, que integra o activo da devedora, prédio esse que está penhorado à ordem do processo de execução nº 18566/09.8T2SNT, e, no âmbito do qual, em diligência de venda, foi apresentada proposta de aquisição do aludido imóvel no valor de 178.200,00 €, portanto, em valor substancialmente superior ao da proposta apresentada pela ora Recorrente.
Assim, na situação de venda executiva do imóvel da Recorrente, a confirmar-se o valor da proposta de aquisição apresentada, aquela credora terá fortes possibilidades de ser ressarcida em mais de metade do seu crédito, uma vez que o valor da venda do imóvel – onerado com hipotecas constituídas em seu benefício –, ultrapassará, provavelmente, o valor mencionado no plano de pagamentos em 46.173,21 €. Contrariamente, a boa execução do plano proposto, acarretará sempre uma redução substancial do crédito da requerente. Além do mais, o facto de a proposta apresentada pela devedora não prever quaisquer prazos para a venda do imóvel, justifica o receio da credora em tal venda nunca se concretizar, ficando, em alternativa, a receber 150,00 € mensais até perfazer o total da metade do seu crédito, situação que a colocaria em situação de desvantagem em relação à credora MINIASEC MOBILITY, S.A., que, segundo o plano, irá receber 50% do seu crédito em prestações mensais de 750,00 €.
Em resumo, dos elementos constantes do plano resulta, sem dúvida, uma situação mais desfavorável para a credora com garantia, LC ASSET 2 – mediante o perdão de 50% do capital em dívida – do que a imediata liquidação do activo da Recorrente.
E, como vimos, também não cumpre, como devia, o princípio da igualdade dos credores, resultante do artigo 194º, nº 1 do CIRE. Segundo esta norma, o juiz deve recusar a homologação do acordo de pagamento se o que dele consta violar o princípio da igualdade dos credores do devedor, impondo, nomeadamente, diferenciações quanto ao tratamento dos credores, que não se mostrem devidamente justificadas por razões objectivas. Por não ser um princípio absoluto, admite duas excepções: por um lado, o plano pode estabelecer diferenciações entre credores, mesmo entre credores pertencentes à mesma classe ou categoria, desde que essas diferenciações sejam devidamente justificadas por razões objectivas; mas, por outro lado, essas excepções devem resultar do próprio plano, sob pena de serem tidas como injustificadas.[5] [6]
Essa cláusula geral das “razões objectivas” que justificam a diferenciação de tratamento dos credores não foi densificada pelo legislador, que assim deixou ao juiz –  a quem cabe a homologação do plano de insolvência (ou, no caso, do acordo de pagamento) –  a  “avaliação última do cânone de igualdade material em cada situação.”[7]
Ora, considerando o sentido e alcance dos princípios da igualdade e da proporcionalidade subjacentes ao nº 1 do artigo 194º do CIRE, e a factualidade dada por assente, temos por certo que as alegações deduzidas pela Recorrente não podem proceder, quando referem que a proposta de plano de pagamento não ofende as normas imperativas. Na verdade, a proposta de plano de pagamento apresentada, referente aos dois credores supra mencionados, não apresenta qualquer razão objectiva para, em relação ao primeiro – que é credor garantido – estabelecer um plano de pagamento em prestações mensais de 150,00 €, enquanto relativamente ao segundo – que é credor comum – estabelece um plano de pagamento prestacional de valores mensais de 750,00 €.
4.2.2. No que respeita aos créditos reclamados pela Fazenda Nacional, o tribunal a quo concluiu que, sendo créditos indisponíveis e não tendo sido negociado nenhum acordo de pagamento, o plano de pagamento não poderia ser homologado, por manifesta violação das regras imperativas.
Entendimento contrário demonstrou a Recorrente, ao sustentar que o plano apresentado cumpre o artigo 196º do CPPT, porque “não contempla uma alteração, redução, extinção, ou moratória do crédito”, prevendo antes “o pagamento da totalidade do crédito reclamado, pagamento do montante em dívida nos termos estipulados pela Fazenda Nacional, de acordo com o artigo 196º do CPPT, não havendo lugar à redução de coimas e custas e a qualquer moratória, tal como decorreu do requerimento junto aos autos a 16-8-2024.” (cf. conclusão 10).
E, na verdade, o plano de pagamentos contempla o credor Fazenda Nacional com o seguinte:
“Pagamento da totalidade da dívida conforme estipulado nos acordos já celebrados com a AT nos termos exigidos pela mesma, em pagamentos mensais nos mesmos valores e duração.
1.1. Pagamento da totalidade da dívida reclamada em regime prestacional de acordo com o estipulado pela Fazenda Pública.
1.2. Não haverá lugar à redução de coimas e custas.
1.3. Este plano cumpre as exigências deste credor, aquando da sua reclamação.”
Só que, segundo requerimento do MP, em representação da Fazenda Nacional, apesar do que consta do plano, “a devedora não tem nenhum plano prestacional em vigor que abranja a totalidade do crédito reclamado pela Autoridade Tributária”. Este facto foi confirmado pela devedora em requerimento junto aos autos em 16/08/2024.
Assim sendo, o que consta do plano, relativamente ao crédito da Fazenda Nacional, não corresponde à realidade, e, consequentemente, não sendo uma proposta, em nada afecta aquele crédito. É certo que, segundo o plano, a devedora se compromete a pagar o valor da totalidade da dívida reclamada pela Autoridade Tributária, sem redução das coimas e custas, não se verificando, consequentemente, qualquer perdão, redução, ou modificação do seu crédito. Só que se desconhece qual o regime prestacional adoptado, por ser inexistente.
Desta feita, sendo inexistente o plano de pagamentos prestacional estipulado pela Fazenda Nacional ou qualquer outro, conclui-se que o seu crédito não é abrangido pela proposta de plano de pagamento, não ocorrendo, assim, violação das regras imperativas, o que não seria obstáculo à homologação do plano.
Assim, tal como a decisão recorrida, conclui-se pelo não homologação do plano de pagamentos, pese embora com fundamentação diferente.

5. Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção do Comércio do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação e, assim, confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da Recorrente (artigo 527º, nº 1, 1ª parte e nº 2 do CPC).

Lisboa, 8 de Abril de 2025
Nuno Teixeira
Isabel Maria Brás Fonseca
Susana Santos Silva
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[1] Cfr. MENEZES LEITÃO, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 11ª Edição, Coimbra, 2021, pp. 274-275.
[2] Cfr. neste sentido ALEXANDRE DE SOVERAL MARTINS, Um Curso de Direito da Insolvência, volume II, 3ª Edição, Almedina, Coimbra, 2022, pág. 265.
[3] Cfr. ALEXANDRE SOVERAL MARTINS, Ob. Cit., pág. 92.
[4] Cfr. Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, Lisboa, 2013, pp. 718 e 719.
[5] Cfr. neste sentido TRE, Ac. de 24/05/2018 (proc. 1229/16.5T8STR.E1), bem como TRC, Ac. de 13/09/2022 (proc. 4703/21.8T8LRA.C1), ambos disponíveis em www.direitoemdia.pt, citados por MARCO CARVALHO GONÇALVES, Processo de Insolvência e Processos Pré-Insolvenciais, Coimbra, 2023, pág. 534.
[6] Como resulta do nº 2 do artigo 195º do CIRE (igualmente aplicável ao acordo de pagamentos por remissão do mesmo nº 5 do artigo 222º-F, do CIRE), o acordo deve conter a indicação das razões objectivas da diferenciação. Em sustentação desta interpretação cfr. STJ, Ac. de 24/11/2015 (proc. 212/14.0TBACN), disponível em www.direitoemdia.pt, onde se afirmou que “(…) e como resulta do nº 2 do artigo 195º do CIRE, o plano deve conter todos os elementos relevantes para efeitos da sua aprovação pelos credores e homologação pelo juiz”.
[7] Cfr. CAROLINA CUNHA, A “par conditio creditorum” como igualdade formal dos credores: expectativas vs. Realidade. Do cumprimento voluntário à insolvência-liquidação, Coimbra, 2021, pág. 177.