Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
190/18.6T8PRG.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL
OPONIBILIDADE A TERCEIRO LESADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Tendo a Seguradora, ora Ré, sido interveniente acessória em ação intentada em 2014 contra Advogado, seu Segurado, fundada em responsabilidade civil profissional deste último, o qual foi aí condenado, por decisão transitada em julgado, a pagar aos lesados, ora Autores, uma indemnização no valor de 30.872,74 € e juros, haverá que atender, na presente ação à autoridade do caso julgado, nos termos dos artigos 323.º, n.º 4, e 332.º, ambos do CPC.
II - Não se discutindo aqui a responsabilidade civil daquele Advogado, importa saber se a Ré está obrigada a pagar tal indemnização, por força dos invocados contratos de seguro, celebrados com a Ordem dos Advogados, Tomadora do seguro, os quais são seguro de grupo, obrigatórios, ditos “claims made”, abrangendo todos os (as) Advogados (as) com inscrição em vigor, os quais beneficiam, assim, automaticamente, de um seguro base de responsabilidade civil profissional, havendo que considerar na interpretação das cláusulas gerais constantes das condições gerais, além do seu teor literal, o fim prosseguido com a celebração dos contratos e o seu efeito útil.
III - Estando previsto, na definição de Reclamação, que consiste, além do mais, em “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da APÓLICE”, deve o procedimento disciplinar na Ordem dos Advogados contra o Advogado Segurado instaurado na sequência de participação apresentada por aqueles lesados em 12-05-2009 ser qualificado como tal.
IV - Mais estando clausulado que “Todas as RECLAMAÇÕES resultantes de uma mesma causa, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só”, é de considerar que a cobertura (temporal) das referidas apólices, com um período de vigência entre 01-01-2009 e 31-12-2009, abrange a primeira Reclamação, ou seja, o aludido procedimento disciplinar, iniciado no ano 2009, não se revestindo de autonomia a ulterior instauração de ações judiciais, primeiro em 2014 e depois, a atual, em 2018, porque resultantes precisamente da mesma “causa”, antes se integrando na Reclamação iniciada em 2009.
V - A previsão de uma delimitação temporal da cobertura atendendo à data das reclamações apresentadas, mormente, como foi o caso, contra o Segurado, durante o período de vigência do Seguro, não se pode confundir com a oportuna comunicação/participação à Seguradora dessas reclamações. Ainda que o Segurado não tivesse (como devia) comunicado à Ré, em 2009, a Reclamação apresentada contra ele, com a instauração do procedimento disciplinar que desencadeou o processo sinistral, não se pode a Ré prevalecer nos presentes autos, perante os Autores/terceiros lesados, dessa falta de oportuna participação do sinistro (cf. artigos 100.º e 101.º da LCS).
VI - Quanto à questão da franquia, há que ter presente o expressamente clausulado nas condições especiais dos seguros em apreço e a natureza obrigatória destes seguros, o que convoca a aplicação do disposto nos termos conjugados dos arts. 146.º, n.º 2, e 138.º, n.º 2, da LCS, preceitos que a jurisprudência vem interpretando no sentido da inoponibilidade de franquia a terceiros lesados.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO
AA e MA interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou improcedente a ação declarativa de condenação que, sob a forma de processo comum, intentaram contra ARCH INSURANCE COMPANY (EUROPE), LTD..
Na Petição Inicial, apresentada em 08-05-2018, os Autores pediram a condenação da Ré no pagamento da quantia de 39.425,75 €, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento, alegando, para tanto e em síntese, que:
- Os Autores instauraram ação declarativa, que correu os seus termos com o n.º 249/14.9TBLMG no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, contra o Advogado Dr. JM, invocando a responsabilidade civil do Réu - por factos que vieram a dar origem a um procedimento disciplinar instaurado em 2009 - e peticionando a condenação do mesmo no pagamento de indemnização, no valor de 105.199 €, por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento;
- Nessa ação, o Réu foi condenado em 1.ª instância no pagamento da quantia de 30.872,74 €, acrescida de juros de mora, tendo o valor dessa indemnização sido aumentado na 2.ª instância para 39.425,75 € (cf. sentença e acórdão cujas cópias juntou como docs. 1 e 2);
- A ora Ré, na qualidade de seguradora cuja apólice estava em vigor e cobria a responsabilidade profissional dos advogados, no ano de 2009, foi interveniente acessória nesse processo, tendo aí sido considerado, por decisão transitada em julgado, ser essa apólice aplicável ao caso, pelo que deve ser condenada a pagar aos Autores tal quantia indemnizatória, considerando o disposto no art. 332.º do CPC.
A Ré apresentou Contestação, na qual se defendeu por impugnação de direito e por exceção (que identificou como “excepção peremptória de inexistência de contrato de seguro aplicável ao processo sub judice”), alegando, em síntese, que:
- Como questão prévia, discorda do alcance do caso julgado da sentença/acórdão proferidos na ação declarativa com o n.º …/….9TBLMG, pois, embora se verifique caso julgado relativamente à questão da responsabilidade civil, o mesmo não sucedeu quanto à questão da cobertura do contrato de seguro;
- Até 31-12-2011, a Ré assumiu perante o tomador de seguro (Ordem dos Advogados), a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional dos seus segurados, garantindo, nos termos expressamente definidos nas condições especiais do contrato, o eventual pagamento de indemnizações resultantes da responsabilidade civil dos seus segurados, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício dessa atividade;
- Encontravam-se abrangidos pelo referido contrato de seguro todos os advogados com inscrição em vigor, ou seja, os advogados com cédula profissional passada pelo Ordem, válida e não suspensa, os quais beneficiam automaticamente das coberturas previstas na correspondente apólice;
- Trata-se de um seguro de grupo contratado pela Ordem dos Advogados, com capital mínimo de 50.000,00 €, com período de vigência de 12 meses;
- Encontravam-se em vigor à data da participação disciplinar apresentada contra o Dr. B…, ocorrida no ano de 2009, as apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A, encontrando-se este, na qualidade de advogado com inscrição em vigor efetivamente abrangido pelas coberturas das apólices;
- Relativamente a 2011, o Dr. JM encontrava-se igualmente segurado, na qualidade de advogado com inscrição em vigor, e abrangido pelas coberturas referidas nas apólices;
- Nos termos da cláusula 4.ª das Condições Especiais da apólice estas serão exclusivamente competentes “para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas i) contra o segurado e notificadas à seguradora, ou ii) contra a seguradora em exercício da ação direta, durante o período de seguro, ou durante o período de ocaso”.
- Sendo estabelecido no artigo 5.º das condições especiais que “o período de ocaso não poderá ser contratado ou será nulo, se: Durante o dito período, a presente apólice se renove e/ou seja substituída por outra que abranja o mesmo risco coberto por esta”.
- Em 31-12-2011, tais apólices chegaram ao seu termo, tendo a Ordem dos Advogados celebrado novo contrato de seguro com outra seguradora, em janeiro de 2012, cessando assim o período de ocaso previsto nestas apólices;
- O sinistro foi pela primeira vez reclamado à Ré em 19-02-2015, com a sua citação na ação declarativa com o n.º …/….9TBLMG, já após o período de vigência temporal do contrato, pelo que não pode a mesma ser responsabilizada pelo pagamento da quantia peticionada;
- De qualquer modo, a Ré apenas poderia responder até ao limite de 150.000,00 €, deduzidas as franquias contratuais aplicáveis, cujo valor é de 5.000,00 € e “será sempre suportado pelo segurado, sendo o mesmo dedutível ao valor de indemnização que à seguradora couber pagar, quer por decisão judicial, quer por acordo extra-judicial, não podendo o segurado ou terceiro reclamante opor-se a tal dedução” - cf. cláusula 16.º e artigos 1.º e 7.º das Condições especiais das apólices.
Notificados do despacho de 07-06-2019 que os convidou a pronunciarem-se sobre a matéria de exceção [atinente ao facto de a Ré só ter sido notificada da reclamação após o período de vigência temporal do contrato de seguro, bem como à questão da franquia], os Autores vieram, em 21-06-2019, apresentar articulado de Resposta, alegando, em síntese, que: são aplicáveis ao caso as apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A, atendendo ao facto de a primeira Reclamação ter sido apresentada em 12-05-2009, desconhecendo os Autores se a Ré dela tomou ou não conhecimento (por intermédio do Sr. Advogado Segurado ou da Ordem dos Advogados); dessas apólices consta que a franquia não é oponível a terceiros Reclamantes.
Em 19-02-2020 foi proferido despacho que determinou, após consulta do referido processo n.º …/….9TBLMG, que a Secretaria procedesse a traslado, contendo digitalização de todo o processo, o que foi cumprido.
As partes foram convidadas a pronunciarem-se sobre a possibilidade de conhecimento do mérito da causa no saneador (cf. despacho de 20-05-2020), o que fizeram, tendo a Ré, no seu requerimento de 22-06-2020, feito referência ao aludido acórdão da Relação de Coimbra, citando-o, protestando juntar uma certidão, a qual veio a juntar, em 26-06-2020, contendo a decisão de não admissão do recurso de revista, por se ter considerado que a aí ré não havia sido direta e efetivamente prejudicada pelo decisão tomada no referido acórdão.
O Tribunal proferiu despacho saneador em 20-01-2021 (julgando improcedente o que considerou ser a exceção de caso julgado), fixou o valor da ação, identificou o objeto do litígio e enunciou os seguintes temas de prova:
- Saber se e quando a reclamação contra o segurado foi notificada à ora ré;
- Saber se o sinistro apenas foi reclamado à ré em 19.2.2015, com a citação para o outro processo com n.º …/….9TBLMG do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu.
- Saber se e quando houve reclamação direta contra a ré.
- Saber se e quando o segurado ou o tomador de seguro deram conhecimento à ré da reclamação apresentada pelos autores em 12.5.2009.
A Ré apresentou requerimento, em 29-01-2021, suscitando algumas questões à laia de reclamação, tendo o Tribunal decidido, no despacho de 02-09-2021, que nada havia a determinar a esse respeito.
Realizou-se a audiência final de julgamento (sem produção de qualquer prova).
Em 20-01-2022 foi proferida a sentença recorrida que julgou improcedente a ação, absolvendo a Ré do pedido.
Inconformados com esta decisão, vieram os Autores interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões (que reproduzimos, omitindo destaques e sublinhado):
I - A douta sentença recorrida não levou em consideração realidades que, se devidamente ponderadas, conduzem à procedência da acção (salvo o devido respeito), a saber:
a) os Autores reclamaram a responsabilidade civil emergente dos actos e omissões geradores dos prejuízos sofridos ao apresentarem uma participação / queixa contra o Dr. JM, na Ordem dos Advogados, participação essa que, nos termos do Ponto 13 do artigo 1.º das Condições Especiais das apólices autuadas e em apreço, é havida como reclamação - vide factos provados 6.14, 6.43, 6.45, 6.46, 6.73, 6.74 e 6.75;
b) os Autores não são partes nos contratos de seguro trazidos à liça, pelo que não impendia sobre si o ónus de reclamar directamente da ré ou de lhe notificar tal reclamação; tais obrigações recaiam, isso sim, sobre o Tomador do Seguro ou sobre o Segurado – vide factos provados 6.51 e 6.45 in fine;
c) o contrato de seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem a natureza de contrato de seguro obrigatório, sendo inoponível ao terceiro lesado a excepção de falta de participação ou o incumprimento pelo segurado do dever de informação.
Detalhando,
II - Os Autores intentaram uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Dr. JM e Companhia de Seguros Tranquilidade, imputando e reclamando a responsabilidade civil destes, em danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes de incumprimento contratual do primeiro, e pedindo a sua condenação solidária no pagamento da quantia de 105.199,00€, cujos termos correram no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Central Cível de Viseu – Juiz 3, sob o n.º …/….9TBLMG, nela tendo intervindo a Ré “Arch Insurance Company”, como parte acessória.
III - A douta sentença proferida nesses autos julgou a acção parcialmente procedente, tendo condenado o Dr. JM a pagar aos Autores a quantia de 30.872,74€, acrescida de juros de mora, à taxa legal, até integral e efectivo pagamento, mas tendo absolvido a Ré “Tranquilidade” e a “Interveniente Arch Insurance” do pedido – tudo como resulta da petição inicial e dos documentos que a acompanharam.
IV - Do recurso de apelação interposto para o Tribunal da Relação de Coimbra, emergiu douto acórdão, transitado em julgado, assim prefaciado:
“Sumário:
A parte acessória não é condenada,
As apólices de reclamação, também chamadas "claims made" (reclamação feita), condicionam o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de vigência do contrato.
Nestas apólices considera-se reclamação "qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado ou contra a seguradora".
No caso, em 2009, ocorre a instauração de um procedimento disciplinar contra o segurado, na Ordem dos Advogados.
Este procedimento deve ser entendido como reclamação, para efeito da apólice. No ano de 2009, a responsabilidade civil profissional dos Advogados, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, encontrava-se transferida para a parte acessória.” - cf. Doc. n.º 2 – Acórdão TRC, junto com a P.I. e aqui dá por integrado.
V - A aplicação do preceituado no corpo do artigo 332.º do Cód. Proc. Civil tem aqui pleno cabimento, justificando a transposição para os presentes autos dos factos e do direito estabelecidos na causa anterior, designadamente no mencionado acórdão da Relação de Coimbra, realidade que em momento algum sequer foi questionada.
VI - Por isso, os Autores transcreveram na petição inicial da presente acção todos os factos que vinham dados como provados, em ambas as instâncias do aludido Proc. n.º 249/14.9TBLMG.
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO,
VII - O meritíssimo juiz a quo aceitou e manteve como provados os factos 6.1 a 6.42 da causa anterior (factos 1 a 43 da sentença recorrida), porém, a partir daí decidiu truncar a prova transitada dessa mesma causa anterior, ignorando os igualmente provados factos 6.43 a 6.81 e tendo optado por uma selecção de factos irrelevantes para a boa decisão da causa (salvo o devido respeito), com excepção do constante do ponto 61 “...o Dr. B… encontrava-se segurado na qualidade de advogado com inscrição em vigor e efectivamente abrangido pelas coberturas previstas nas referidas apólices”.
VIII - Esta decisão de truncar a prova que vinha adquirida da causa anterior, além de violar o disposto no citado artigo 332.º do Cód. Proc. Civil, omite factos da máxima relevância para o apuramento da verdade e para a boa decisão da causa, pelo que constitui uma incorrecção de julgamento quanto aos factos que deveriam ter-se mantido como provados, mas que, ao contrário, foram considerados sem relevância.
IX - Enquanto tal, e à luz do disposto no n.º 1 do artigo 640.º do Cód. Proc. Civil, justifica-se a ampliação da matéria de facto quanto aos demais factos que já transitaram como provados da causa anterior, porquanto estes impõem decisão diferente da proferida, comportando a da procedência da acção. Tais factos são os constantes dos pontos 6.43 a 6.81, transcritos no item 14 das alegações que antecedem, matéria que aqui se dá por reproduzida, porquanto seria fastidioso repeti-la textualmente.
DA RESPONSABILIZAÇÃO DA RÉ
X - Do mencionado Acórdão da Relação de Coimbra extrai-se a fls 11 e 12, entre o mais, o seguinte:
«Resulta dos factos provados, a instauração de um procedimento disciplinar em 2009, na Ordem dos Advogados. Este procedimento deve ser entendido como reclamação, para efeitos das apólices. Com ele, os autores, o segurado e a Ordem dos Advogados estão conscientes da (potencial) responsabilização.
No ano de 2009, a responsabilidade civil em questão, dos advogados, com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, encontrava-se transferida para a seguradora "Arch", nos termos das apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A.
O período de vigência das apólices em causa ocorre entre 01.01.2009 e 31.12.2009. Aquela seguradora e a Ordem dos Advogados prolongaram as coberturas nas apólices em vigor nos anos de 2010 e 2011.
Já a apólice relativa à "Tranquilidade" diz respeito ao período iniciado em 01.01.2012, sendo certo que a primeira reclamação é, como vimos, do ano de 2009.
Sendo assim, a apólice aplicável é a celebrada com a seguradora "Arch".
Pelo exposto, deve manter-se a absolvição da "Tranquilidade", embora com fundamento diverso do aceite pelo tribunal recorrido» - cf. cit. Doc. n.º 2, junto com a P.I. (sublinhado nosso).
XI - O Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra está rematado com a seguinte
“Decisão.
Julga-se o recurso parcialmente procedente e, mantendo o demais decidido, alteram-se apenas os seguintes pontos:
Na condenação 1) Condena-se o réu, Dr. JM, no pagamento aos autores da indemnização de € 39.425,75 (trinta e nove mil, quatrocentos e vinte e cinco euros e setenta e cinco cêntimos).
Nas absolvições, elimina-se a da interveniente "Arch Insurante Company". - cf. cit. Doc. n.º 2, junto com a P.I. (sublinhado nosso).
XII - A apólice da seguradora Arch (ora recorrida) é, na verdade, a aplicável à responsabilidade civil gerada pelo Dr. JM (já condenado a indemnizar) e, ao ser eliminada das absolvições, resulta óbvio que a “Arch Insurance” só não foi imediatamente condenada naquela acção, por aí não ser parte principal, como emerge do “sumário” supra transcrito (a parte acessória não é condenada).
XIII - Dado que se mantêm todos os pressupostos, de facto e de Direito, agora acrescidos do único que estava em falta na causa anterior, ou seja, ter a “Arch” a qualidade de parte principal, afigura-se de meridiana clareza que a ré deverá ser condenada na presente acção.
DA EFECTIVIDADE E TEMPESTIVIDADE DA RECLAMAÇÃO
XIV - Resulta da prova que os autores / recorrentes apresentaram reclamação válida e não era a si (reclamantes) que competia notificar a seguradora da existência de tal reclamação, o que se evidencia mais ainda numa sinopse dos factos provados, como segue:
“6.14 – Revoltados com o comportamento do réu Dr. JM, os autores contra ele apresentaram uma participação na Ordem dos Advogados, a qual originou o Processo Disciplinar (PD) …/2009, o qual foi apenso ao PD …/2008, aí se tendo decidido que o réu Drº JM agiu livre e conscientemente, tendo violado deveres deontológicos, designadamente os de diligência, zelo, cuidado, informação previstos nos artigos 83º, 85º, nº 1, 92º, 93º, nº 2, e 95º, nº 1, als. a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados;
6.43 – No ano de 2009 (data de instauração do procedimento disciplinar), a responsabilidade civil profissional dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros “Arch Insurance Company (Europe), LTD”, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais das Apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A – (2009), aí figurando como Tomador do Seguro a Ordem dos Advogados portugueses e como beneficiários todos os advogados com inscrição em vigor na mesma;
6.45 – Nos termos do Ponto 13 do Artigo 1º das Condições Especiais de tais Apólices considera-se como Reclamação: “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (...) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (...)” (sublinhados nossos);
6.46 – O período de vigência de tais apólices foi de 1/1/2009 a 31/12/2010, conferindo uma cobertura relativa a atos e omissões dos quais resultasse responsabilidade civil dos segurados, nos casos em que a “primeira reclamação” fosse feita no seu período de vigência;
6.50 – Do artigo 1º das “Condições Especiais” consta que: “A FRANQUIA será aplicável em cada RECLAMAÇÃO e para todo o tipo de danos e gastos e não é oponível terceiros RECLAMANTES” (sublinhados nossos);
6.51 – No artigo 8º das Condições Especiais, relativo às Condições Aplicáveis às Reclamações, consta: “NOTIFICAÇÃO DE RECLAMAÇÕES ou INCIDÊNCIAS – O TOMADOR DO SEGURO ou o SEGURADO deverão, como condição precedente às obrigações da SEGURADORA sob esta APÓLICE, comunicar à SEGURADORA tão cedo quanto seja possível: a) Qualquer RECLAMAÇÃO contra qualquer SEGURADO, baseada nas coberturas desta APÓLICE; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer SEGURADO baseada nas coberturas desta APÓLICE; c) Qualquer circunstância ou incidência concreta conhecida pela primeira vez pelo SEGURADO ou TOMADOR DO SEGURO e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou acionar as coberturas da APÓLICE. As RECLAMAÇÕES que tenham sua origem, direta ou indiretamente, em qualquer comunicação nos termos das alíneas b) e c) anteriores, são consideradas como notificadas durante o PERÍODO DE SEGURO que decorria à data daquelas comunicações.” (sublinhados nossos);
6.73 – No âmbito do processo disciplinar nº …/2009 instaurado na Ordem dos Advogados em 2009 na sequência da queixa/participação apresentada pelos autores junto da Ordem dos Advogados, o réu Drº JM foi notificado para se pronunciar em 9 de Junho de 2009 (sublinhados nossos);
6.74 – A participação que deu origem a tal processo foi apresentada pelo autor no Conselho Deontológico da Ordem dos Advogados em 12 de maio de 2009 (sublinhados nossos);
6.75 – Desde que tomou conhecimento desse processo, em 2009, o Dr.  JM consciencializou os factos que aí lhe eram imputados eram potencialmente geradores de responsabilidade, no âmbito da sua atividade como advogado (sublinhados nossos);
XV - Enquanto tal, e num ainda melhor exercício de síntese, desta prova podem extrair-se seguramente as seguintes conclusões:
a) O Senhor Advogado JM violou deveres deontológicos, tendo-se constituído na obrigação de indemnizar os autores;
b) Em 12 de Maio de 2009, os autores apresentaram na Ordem dos Advogados uma participação contra o Dr. JM, a qual originou o procedimento disciplinar com o n.º …/2009;
c) Nesse ano de 2009, a responsabilidade civil profissional dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados [o que era o caso do Dr. JM – vide facto provado 61 na douta sentença recorrida] encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros “Arch Insurance Company (Europe), LTD”, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais das Apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A;
d) Em tais apólices é havido como Reclamação qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer segurado, pelo que o procedimento disciplinar desencadeado com a participação/queixa apresentada pelos autores na Ordem dos Advogados deve ser entendido como reclamação para efeito das apólices;
e) Compete ao tomador do seguro ou ao segurado o dever comunicar à seguradora: qualquer reclamação contra qualquer segurado; qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer segurado; qualquer circunstância ou incidência concreta de que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela apólice, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou acionar as coberturas da apólice;
f) Com a instauração do dito procedimento disciplinar em 2009, a Ordem dos Advogados (tomador do seguro) e o Dr. JM (segurado) tomaram consciência da potencial responsabilização deste, no âmbito da sua atividade como advogado.
XVI - Aqui chegados, a conclusão final é intuitiva: para se fazer plena justiça falta condenar a ora recorrida na indemnização peticionada, discutida e demonstrada que está a aplicação das suas apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A ao caso em apreço, não se vislumbrando obstáculo válido à responsabilização da seguradora ré.
DA NATUREZA OBRIGATÓRIA DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL PROFISSIONAL DOS ADVOGADOS
XVII - A Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro, que aprova o Estatuto da Ordem dos Advogados, preceitua no art. 104.º (antes Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, art. 99.º), sob a epígrafe “Responsabilidade civil profissional”:
“1 - O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua actividade, por um capital de montante não inferior ao que seja fixado pelo Conselho Geral e que tem como limite mínimo 250.000 euros, sem prejuízo do regime especialmente aplicável às sociedades de advogados.”
XVIII - Decorre deste preceito que a celebração e manutenção de um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional constitui uma obrigação do advogado, inerente ao exercício da sua atividade e tendo em vista a proteção dos seus clientes, só assim se explicando que o legislador tenha utilizado a expressão “deve”, constante do n.º 1, que outro significado não pode ter senão a imposição de uma regra de conduta.
XIX - Em conformidade e acrescendo, a eventual ausência de comunicação da participação/reclamação - fosse pela Ordem dos Advogados, fosse pelo Dr. JM - à seguradora sempre terá de haver-se como “res inter alios” para os Autores, não podendo afectar o direito destes a serem indemnizados pela aqui ré/recorrida, precisamente porque o seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados assume a natureza de seguro obrigatório.
XX - No sentido da obrigatoriedade de tal seguro, vide o Acórdão desta Veneranda Relação de Lisboa, prolatado a 22-09-2015, no Proc. 1496/09.0YXLSB.L1-1, in www.dgsi.pt, no qual se sumariou:
“1. O contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados (tomador de seguro) e uma seguradora, sendo segurados todos os advogados inscritos na Ordem e beneficiários os respetivos clientes, a que se reporta o art. 99º, nº3 do Estatuto da Ordem dos Advogados, é um contrato de seguro obrigatório (seguro de grupo);
2. Consequentemente, estando em causa aferir da responsabilidade da ré seguradora no âmbito desse seguro, não são oponíveis ao lesado (beneficiário), que é alheio a essa relação contratual, as exceções de direito material fundadas nas relações estabelecidas entre o tomador de seguro e/ou o segurado e a seguradora quando aquelas (exceções) se prendem com o incumprimento por parte do segurado – ou do tomador de seguro – de deveres contratualmente fixados, sem prejuízo do exercício do direito de regresso por parte da seguradora, verificado o respetivo condicionalismo legal e/ou contratual (cfr. o art. 101º, nº4 do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Dec. Lei nº 72/2008, de 16 de Abril).”
XXI - Também à luz do preceituado no art. 101º, n.º 4, do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro):
“O disposto nos n.ºs 1 e 2 não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números”.
XXII - O mesmo fio condutor norteou o Conselho Geral da Ordem dos Advogados, no Parecer N.º 6/PP/2008-G, de 20 de Fevereiro de 2008, concretamente no excerto que ora se transcreve:
“3. Mesmo que a sociedade opte pelo regime de responsabilidade ilimitada, como tal não estando vinculadas à celebração de seguro, é sempre obrigatório o seguro de RC profissional de cada um dos advogados (sócios, associados), como decorre do artigo 99.º do EOA”.
XXIII - A tendência jurisprudencial prevalece, como emerge do Acórdão do STJ, de 26-05-2015, no Proc. 231/10.5TBSAT.C1.S1, no qual se decide: “Trata-se, portanto, no caso que nos ocupa, de um contrato de seguro de responsabilidade civil cuja obrigatoriedade para os advogados portugueses é imposta pelo artº 99º da lei 15/2005 de 26.01 (Estatuto da Ordem dos Advogados)”. Acórdão do qual, entre o mais, se sumariou: “Tratando-se de seguro obrigatório de responsabilidade civil, dispondo o terceiro de acção contra a seguradora, deverá esta indemnizar com base na reclamação daquele, a quem é inoponível a excepção da falta de participação referida em III, sem prejuízo do direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar.” Bem como, o Ac. STJ, de 14-12-2016, no Proc. 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1. e o Ac. RP, de 09-11-2017, no Proc. 9108/16.0T8PRT-A.P1, todos in www.dgsi.pt.
XXIV - A mesma jurisprudência é partilhada pela Veneranda Relação de Coimbra, onde já se decidiu que o contrato de seguro de responsabilidade civil contratado pela Ordem dos Advogados, garantindo a indemnização de prejuízos causados a terceiros por advogado inscrito,
“É um seguro de natureza obrigatória (art. 104º, nº 1 do EOA), e atenta essa natureza e o disposto no art. 101º, nº 4 da Lei do Contrato de Seguros, são inoponíveis ao lesado as cláusulas de exclusão previstas na apólice por incumprimento pelo segurado do dever de informação, ficando apenas a seguradora com direito de regresso contra aquele.” – vide Acordão de 13-11¬2018, no P. 236/14.7TBLMG.C1, in www.dgsi.pt.
XV - Por último, sobre a “Franquia” e só porque a questão foi colocada na matéria excepcional oposta pela ré, importa sublinhar, das apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A, que são as relevantes (vigentes) para o ano em que ocorreu a Reclamação, o seguinte trecho: “A FRANQUIA será aplicável em cada RECLAMAÇÃO e para todo tipo de danos e gastos e não é oponível a terceiros RECLAMANTES” – facto provado 6.50 (sublinhado nosso).
XXVI - A douta sentença viola, entre outros, o disposto nos artigos 483.º, 497.º, 562.º e segs. e 1157.º e segs, do Código Civil, o artigo 104.º da Lei n.º 145/2015, de 9 de Setembro (Estatuto da Ordem dos Advogados), o artigo 101º, n.º 4, do DL n.º 72/2008, de 16 de Abril (Regime Jurídico do Contrato de Seguro) e o artigo 332.º do Cód. Proc. Civil.
Terminam os Autores-Apelantes pedindo que a sentença seja revogada e substituída por decisão que condene a Ré a pagar-lhes a quantia de 39.425,75 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral cumprimento.
Foi apresentada alegação de resposta, em que a Ré-Apelada defende que se mantenha a sentença recorrida, concluindo nos seguintes termos:
1. Os AA. interpõem o presente recurso (essencialmente) ancorados na factualidade e considerações tecidas pelo Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo n.º …/….9TBLMG, pretendendo a ampliação da matéria de facto neste atual processo, de modo a incluir os pontos 6.43 a 6.81 da factualidade vertida naquele acórdão do TRC, defendendo que o risco decorrente da responsabilidade civil do Dr. JM e o subsequente dever de indemnizar, se encontra transferido, por via do contrato de seguro de grupo celebrado com a Ordem dos Avogados, para esta R./Recorrida, na medida em que – defendem – constituiu reclamação para efeitos da apólice a participação disciplinar efetuada junto do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, em 2009.
Contudo, e salvo o devido respeito por melhor e douta opinião em contrário, não assiste qualquer razão aos Recorrentes, vejamos,
2. A R./Recorrida apenas interveio naquela ação declarativa de condenação, que correu termos com o n.º 249/14.9TBLMG, na qualidade de parte acessória, não tendo oportunidade de discutir as vicissitudes inerentes ao seu contrato de seguro e a sua aplicabilidade ou inaplicabilidade – temporal ou outra – ao sinistro que constituía ali e aqui causa de pedir,
3. Isso mesmo conclui o Tribunal da Relação de Coimbra, quer no acórdão que proferiu, no âmbito daquele processo n.º …/….9TBLMG, no qual não absolveu ou condenou ora R./Recorrida (cf. Acórdão que se encontra junto aos autos a Fls....), quer no subsequente despacho que proferiu de inadmissibilidade de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça (cf. certidão se encontra junta aos autos com o código de cesso 865K-222C-SJQ4-9X73), que clarificou que “... Esta seguradora não foi condenada e não existe o direito de regresso que justificava a intervenção. ... Embora o acórdão diga que, temporalmente, a apólice abrangida é a da “Arch”, ele não discutiu o seu conteúdo e a sua efectiva aplicação. Assim, se a “Arch” vier a ser acionada (como parte principal), ela poderá sempre defender-se discutindo a aplicação da sua apólice. A sua responsabilidade não foi preceituada. Não há, portanto, qualquer caso julgado contra si.”.
4. Termos em que se reitera a inexistência de caso julgado quanto ao contrato de seguro e às suas vicissitudes, como aliás já decidiu o Tribunal a quo, em sede de saneador, julgando improcedente a exceção de caso julgado, trazida à liça pelos AA., em resposta à contestação da Ré Seguradora/Recorrida (!) e que agora a voltam a repisar.
5. Pelo que improcederá nesta medida o pedido de ampliação da matéria, sob pena de violação do disposto no artigo 20.º do CRP e artigos 571.º, 572.º, 573.º, 574.º e 332.º todos do CPC, mantendo-se, consequentemente, na íntegra a decisão absolutória proferida pelo Tribunal a quo, com todas as devidas e legais consequências, porquanto não se comprovou nos presentes autos “... que os autores tenham apresentado reclamação à ré em exercício de ação direta; ou que tenham notificado a seguradora de reclamação contra o segurado.”, mas apenas que só “... em 19.2.2015, a ré foi citada para o processo n.º …/….9TBLMG, conforme fls. 240 do traslado.” (cf. sentença recorrida), pelo que à data da citação para aquela ação, já tinha terminado o período de vigência e ocaso das apólices contratadas junto desta R./Recorrida Seguradora.
Sem conceder,
6. Nos termos do artigo 1.2 (Ponto “13. Reclamação”) das Condições Especiais da apólice contratada junto da ora R./Recorrida constitui “RECLAMAÇÃO” a participação/comunicação efetuada à seguradora, dentro do período de seguro/durante a vigência da apólice (ainda que por factos praticados em momento anterior).
7. Termos em que se é certo que “encontravam-se em vigor à data da participação disciplinar apresentada contra o Segurado (ocorrida no ano de 2009) as Apólices DP/…/…/A e DP/0…/…/A, cujas cópias se juntam como documentos n.º 1 e 2, (...);” – cf. artigo 17.2 da contestação da ora R.,
8. Também é evidente que o procedimento disciplinar não constituiu Reclamação para os efeitos da apólice, na medida em que não foi notificado oficiosamente à Seguradora durante o período de vigência da apólice,
9. Até porque o procedimento disciplinar não se confunde com o instituto da responsabilidade civil previsto no código de processo civil, tendo regime, fundamentos e consequências completamente distintas, pelo que só a reclamação à seguradora pode querer acionar as garantias previstas no contrato de seguro.
Sendo certo que,
10. Ao abrigo da Clausula 4.ª das Condições Especiais da apólice de seguro de grupo (que se sobrepõem às condições gerais) o contrato de seguro apenas garante “...as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
iii) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
iv) contra a SEGURADORA em exercício da ação direta, durante o PERÍODO DE SEGURO, ou durante o PERÍODO DE OCASO, resultantes de ERRO, omissão ou negligência cometidos pelo SEGURADO após a DATA RETROACTIVA.”
Contudo
11. A primeira reclamação foi efetuada depois do fim dos contratos de seguro – já os mesmos haviam cessado e cessado os seus efeitos, atento o termo da sua vigência (!).
12. No mais, a natureza obrigatória do contrato não contende com a exceção de inexistência de contrato de seguro aplicável ao processo sub judice que foi invocada em sede de contestação e – a final – julgada procedente, porquanto a mesma não se confunde com qualquer falta de participação ou incumprimento pelo segurado do dever de informação, se esta última pode ser – de facto – reconduzida ao disposto no artigo 100.º e 101.º do RLCS, aquela primeira é atinente ao limite temporal da apólice, que delimita o seu âmbito de aplicabilidade no tempo (caso contrário seria de admitir a existência de apólices com coberturas que garantem sinistros ad eternam), e é legitimamente oponível ao terceiro lesado ao abrigo do disposto no artigo 147.º n.º 2 do RJCS.
13. Assim, tendo o sinistro sido participado à R./Recorrida fora do período de vigência da apólice (i. é depois do termo e cessação do contrato de seguro) e para além do período de ocaso, resulta encontrar-se o mesmo excluído da cobertura da apólice.
14. Termos em que também nesta medida carece de razão e fundamento o recurso interposto pelos AA./Recorrentes, que deverá ser julgado totalmente improcedente por não provado, por parte do Tribunal ad quem, mantendo-se na íntegra a decisão proferida pelo Tribunal a quo com a consequente absolvição desta R./Recorrida de todos os pedidos contra si formulados, com as devidas e demais consequências.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se deve ser aditado ao elenco dos factos provados a matéria que foi vertida nos pontos 6.43 a 6.81 da decisão da matéria de facto proferida no processo n.º …/….9TBLMG do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, transcritos no item 14 da alegação;
2.ª) Se a Ré está obrigada a pagar aos Autores a indemnização fundada em responsabilidade civil profissional (do identificado Advogado) pelos factos que foram considerados provados na ação declarativa que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, apreciando designadamente se a pretensão daqueles se encontra temporalmente abrangida pela cobertura de seguro celebrado com a Ré.
Factos provados
Na sentença, foram considerados provados os seguintes factos (acrescentámos, para melhor compreensão, o que consta entre parenteses retos, tratando-se de matéria de facto plenamente provada, como melhor se irá explicitar adiante):
Factos provados na ação n.º 249/14.9TBLMG do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu:
1. [Na sentença proferida em 09-06-2017, no processo n.º …/….9TBLMG do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo Central Cível de Viseu – Juiz 3, nesta parte inalterada pelo acórdão da Relação de Coimbra de 09-01-2018, cuja certidão foi junta aos autos, aqui se dando por integralmente reproduzido o seu teor, foram considerados provados os seguintes factos:]
“6.1 - Os autores são donos e legítimos possuidores dos seguintes prédios rústicos, situados na freguesia de Vilarinho dos Freires, concelho de Peso da Régua, distrito de Vila Real: - prédio designado por “…”, inscrito no artigo … da respetiva matriz predial e descrito na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob o número …/…; - prédio designado por “…”, inscrito no artigo … da respetiva matriz predial e descrito na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua sob o número …/…;
2. 6.2 - Confinam com os prédios mencionados no artigo anterior os prédios rústicos inscritos nos artigos …, …, … e … da matriz competente, descritos na Conservatória do Registo Predial de Peso da Régua, respetivamente sob os números …/…, …/…, …/… e …/…, prédios esses onde a sociedade “MCA___ & Companhia, Lda” explorou uma pedreira de xisto, durante cerca de vinte anos, entre 1992 e 2012;
3. 6.3 - Tal exploração envolvia diversas componentes, nomeadamente explosões, desaterros, depósitos e movimentação de inertes (terra e pedra), escavações, movimentação contínua de máquinas industriais (retroescavadoras/catterpillers), entradas e saídas de camiões, que foram causando deteriorações nos terrenos mencionados em 6.1;
4. 6.4 - No início do ano 2000, os autores mandataram o réu Drº JM, para instaurar procedimentos judiciais adequados contra a referida sociedade exploradora da pedreira, com a finalidade de lhe exigir o ressarcimento dos prejuízos sofridos com a exploração da pedreira;
5. 6.4 - Nessa ocasião, os autores transmitiram ao réu Drº JM que estavam descontentes com a inércia do seu anterior advogado, Dr. IA, durante quase dois anos, relativamente às mesmas questões;
6. 6.5 - No momento da aceitação do mandato, os autores outorgaram a favor do réu Drº JM procuração e entregaram-lhe uma provisão de 100.000$00;
7. 6.6 - Nos anos que se seguiram, os autores deslocaram-se por diversas vezes ao escritório do réu Drº JM que os recebeu em conferências, deles tendo recolhido toda a informação para os procedimentos a intentar, entre a qual uma listagem dos prejuízos sofridos, variada documentação e testemunhas;
8. 6.7 - Em alguns desses encontros, o réu Drº JM solicitou aos autores mais três provisões, de 60.000$00, 40.000$00 e 50.000$00, que estes lhe pagaram;
9. 6.8 - O tempo passava e o réu Drº JM ia dizendo aos autores que o processo estava a correr normalmente, mas que o Tribunal de Lamego era muito demorado, pois que tinha muito serviço e que o Juiz tinha muita idade;
10. 6.9 - Até que, já em 2007, o autor marido resolveu deslocar-se aos Tribunais de Lamego e de Peso da Régua e descobriu que não havia sido instaurada qualquer ação em seu nome;
11. 6.10 - O réu Drº JM acabou por admitir que não instaurara qualquer ação, mas acrescentou que, como os factos eram continuados, ainda estava a tempo de propor uma ação judicial contra a sociedade que explorava a pedreira, ou seja, a dita “MCA___ & Companhia, Lda”;
12. 6.11 - Assim, convencidos de que o caso não estava perdido, os autores aceitaram pagar mais uma provisão que o réu Drº JM lhes pediu, no montante de € 600,00 para a ação em perspetiva, entregando-lhe também uma nova listagem dos prejuízos calculados até então;
13. 6.12 - Porém, o réu Drº JM acabou por não intentar qualquer ação judicial porque, entretanto, a “MCA___ & Companhia, Lda.” foi declarada insolvente, por sentença de 27/8/2007, publicada na 2ª série do DR, nº 184, de 24/9/2007, tendo tal sentença transitado em julgado em 10/1/2008;
14. 6.13 - O réu Drº JM ainda referiu que iria reclamar o crédito dos autores no processo de insolvência, o que também acabou por não fazer;
15. 6.14 - Revoltados com o comportamento do réu Dr. JM, os autores contra ele apresentaram uma participação na Ordem dos Advogados, a qual originou o Processo Disciplinar (PD) …/2009, o qual foi apenso ao PD …/2008, aí se tendo decidido que o réu Drº JM agiu livre e conscientemente, tendo violado deveres deontológicos, designadamente os de diligência, zelo, cuidado, informação previstos nos artigos 83º, 85º, nº 1, 92º, 93º, nº 2, e 95º, nº 1, als. a) e b) do Estatuto da Ordem dos Advogados;
16. 6.15 - A final, deliberou a 3ª Secção do Conselho de Deontologia do Porto da O.A., por acórdão proferido em 14/12/2012, a aplicação ao 1º réu da pena disciplinar de multa, no valor de € 3.000,00, deliberação essa que foi confirmada, em recurso, pelo Conselho Superior da O.A., por acórdão proferido em 7/7/2013;
17. 6.16 - A inatividade do réu Drº JM, ao não instaurar qualquer ação judicial contra a sociedade que explorava a pedreira determinou que os danos sofridos pelos autores se tenham mantido enquanto durou tal exploração;
18. 6.17 - Tais danos também não foram reclamados no processo de insolvência da sobredita empresa exploradora da pedreira, reclamação essa que o réu Drº JM anunciou e se comprometeu a fazer;
19. 6.18 - Por força da exploração da pedreira, desapareceu, progressivamente, um monte de gravilha, que constituía o acesso ao prédio designado de “Ribeiro de Água” (artigo matricial …º da matriz);
20. 6.19 - Essa rampa de gravilha tinha as medidas aproximadas de 20 metro de largura/frente, por 20 metros de comprimento/profundidade, por sete metros de altura, formando uma espécie de cunha em forma triangular, com o volume de 1400 metros cúbicos (20x20x7:2);
21. 6.20 - À data o m3 de gravilha tinha um valor que em concreto não foi possível apurar e que atualmente é de cerca de € 8,25, acrescido de IVA;
22. 6.21 - As máquinas ao serviço da pedreira danificaram, por duas vezes, as vedações existentes nos dois prédios supra identificados: “…” e “…”;
23. 6.22 - Nas ocasiões mencionadas em 6.21, no prédio denominado “…”, as máquinas ao serviço da pedreira danificaram vedações em dois lados, com cerca de 25 metros em cada um dos lados, as quais eram constituídas, num dos lados, por pilares de betão unidos e envolvidos por rede de arame, de cerca de 1,5 m de altura, correspondendo o seu custo de construção a cerca de € 300,00, e, do outro lado, por tubos metálicos, implantados de cinco em cinco metros, enterrados em bases de betão, unidos e envolvidos por rede de arame, com 1,5 metros de altura, correspondendo também o seu custo de construção a cerca de € 300,00;
24. 6.23 - Nas ocasiões mencionadas em 6.21, no prédio denominado “…”, ficaram danificadas vedações, em duas frentes, numa extensão de cerca de 30 metros cada uma, compostas por tubos metálicos, implantados de cinco em cinco metros, enterrados em bases de betão, unidos e envolvidos por rede de arame com 1,5 metros de altura, importando a construção de cada uma de tais frentes em cerca de € 360,00;
25. 6.24 - Por força da exploração da pedreira, das movimentações de terreno que a mesma originou, os autores foram privados de acesso com as suas viaturas a ambos os prédios, plantados com vinha;
26. 6.25 - A firma que explorava a pedreira ocupou parcelas dos prédios dos autores, ocupação que ocorreu no “…” (art. 207) durante cerca de vinte anos, numa área de cerca de 700 metros quadrados, e no “…” (art. 362) durante cerca de seis anos, numa área de cerca de 250 m2;
27. 6.26 - O eventual arrendamento da parcela de 700 m2 do “…”, num período de 20 anos, poderia gerar o valor de rendas de € 18.000,00 e a sua utilização para a cultura de vinha poderia gerar, no mesmo período, o rendimento de cerca € 1.155,00;
28. 6.27 - O eventual arrendamento da parcela de 250 m2 do prédio “…”, num período de 6 anos, poderia gerar o valor de rendas de € 1.800,00 e a sua utilização para a cultura de vinha poderia gerar, no mesmo período, o rendimento de cerca € 127,50;
29. 6.28 - Por força do impedimento da normal circulação automóvel dos autores, no caminho de acesso a tais prédios, causado pela referida exploração da pedreira, durante cerca de quatro anos, o transporte das uvas, dos adubos para as vinhas e da água para as sulfatagens e herbicidas teve que ser feito à custa da força humana (carregado às costas), por pessoal contratado para esse efeito, o que gerou um custo acrescido de valor que em concreto não foi possível apurar;
30. 6.29 - A exploração da pedreira, devido à projeção de pedras pelas explosões e ao deslizamento de aterro e pedras, originou também a quebra de esteios em xisto e danificou videiras, em área e número que não foi possível apurar;
31. 6.30 - O valor de mercado de cada esteio com as caraterísticas dos existentes no local é atualmente de cerca de € 3,5;
32. 6.31 - Para reimplantação de tais esteios os autores recorreram a mão de obra que custearam, em valor que não foi possível apurar;
33. 6.32 - Para substituição das que foram danificadas, tiveram de ser replantadas e granjeadas videiras, em nº que não foi possível apurar, importando cada bacelo/videira em € 0,80;
34. 6.33 - Tal replantação e granjeio, até as videiras atingirem a plena produção (três anos), demandou um número de jornas de mão-de-obra que em concreto não foi possível apurar, sendo de € 35,00 o preço de cada dia de trabalho de cada trabalhador;
35. 6.34 - Durante cerca de 3 anos, as videiras danificadas que foram replantadas, não produziram vinho do Porto, o que determinou uma perda de produção de grandeza concretamente não apurada;
36. 6.35 - À medida que a exploração da pedreira avançou para o subsolo, as escavações e a extração de pedra em profundidade originaram o desabamento de muros e taludes em ambos os prédios dos autores;
37. 6.36 - O referido no artigo anterior deveu-se a não terem sido respeitadas as zonas de defesa previstas na lei, o que determinou a intervenção das entidades competentes para a fiscalização da exploração pedreira, com levantamento de autos de contra-ordenação e a aplicação de sanções;
38. 6.37 - Tais muros, com cerca de dois metros de altura e 0,80m de espessura desabaram em extensão que em concreto não foi possível apurar mas não superior a 100 m de comprimento;
39. 6.38 - A reconstrução de tais muros importa em cerca € 200,00 por metro cúbico, acrescido de IVA;
40. 6.39 - Em Abril de 1996, a viatura do autor de matrícula A…, da marca Citroen, modelo BX, quando se encontrava estacionada no prédio de “…”, foi danificada, tendo ficado com o pára-choques e o vidro traseiros partidos;
41. 6.40 - Na mesma altura, enquanto tirava fotografias para documentar os abusos e os prejuízos causados pela exploração da pedreira, o autor foi agredido por alguém que não logrou identificar e que lhe partiu e inutilizou uma máquina fotográfica de valor que em concreto não foi possível apurar;
42. 6.41 - Os autores sofreram imensas arrelias, incómodos e contrariedades derivados da exploração da pedreira, designadamente por verem os seus prédios ocupados e danificados, tendo recorrido aos serviços do réu Drº JM com o objetivo de obterem o ressarcimento dos prejuízos já sofridos e de evitarem o avolumar dos mesmos;
43. 6.42 - Os autores, ao aperceberem-se que durante cerca de oito anos o réu Drº JM não instaurara qualquer procedimento judicial, assim inviabilizando a indemnização dos seus danos, sentiram-se revoltados, ansiosos e deprimidos;”
[«6.43 - No ano de 2009 (data de instauração do procedimento disciplinar), a responsabilidade civil profissional dos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros “Arch Insurance Company (Europe), LTD”, nos termos das Condições Particulares, Gerais e Especiais das Apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A – (2009), aí figurando como Tomador do Seguro a Ordem dos Advogados portugueses e como beneficiários todos os advogados com inscrição em vigor na mesma;
6.44 - De acordo com o artigo 2 das Condições Particulares de tal contrato, relativo ao “Objeto do Seguro” garantia-se ao “(...) SEGURADO as consequências económicas de qualquer RECLAMAÇÃO de Responsabilidade Civil (...) formulada de acordo com a legislação vigente, e pela primeira vez contra o SEGURADO durante o PERÍODO DE SEGURO por prejuízos patrimoniais primários, causados a TERCEIROS em consequência de ERRO ou FALTA PROFISSIONAL cometido pelo SEGURADO ou por pessoal pelo qual ele deva legalmente responder no desempenho da atividade profissional descrita nas Condições Particulares” própria dos Órgãos da ORDEM DOS ADVOGADOS”;
6.45 - Nos termos do Ponto 13 do Artigo 1º das Condições Especiais de tais Apólices considera-se como Reclamação: “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (...) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (...)”;
6.46 - O período de vigência de tais apólices foi de 1/1/2009 a 31/12/2010, conferindo uma cobertura relativa a atos e omissões dos quais resultasse responsabilidade civil dos segurados, nos casos em que a “primeira reclamação” fosse feita no seu período de vigência;
6.47 - Do artigo preliminar das “Condições Especiais” de tal contrato resulta que: “(...) Esta apólice, que tem por base dar satisfação às RECLAMAÇÕES de terceiros, com base em ERRO, OMISSÂO ou NEGLIGÊNCIA cometidos antes da data de efeito da APÓLICE ou durante o PERÍODO DE SEGURO. A retroatividade dos efeitos desta APÓLICE é a expressamente definida nas Condições Particulares (...)” resultando ainda do artigo 2º das respetivas “Condições Especiais” que: “A presente apólice tem por objeto garantir ao SEGURADO as consequências económicas de qualquer RECLAMAÇÃO de responsabilidade civil que lhe seja legalmente imputável, formulada de acordo com a legislação vigente e pela primeira vez contra o SEGURADO durante o PERÍODO DE SEGURO, por Prejuízos Patrimoniais Primários causados a TERCEIROS, em consequência de ERRO ou FALTA PROFISSIONAL cometido pelo SEGURADO (...)”;
6.48 - Das “Condições Particulares” de tal contrato consta: “DATA RETROATIVA: Ilimitada”;
6.49 - Do artigo 10 relativo a “Definições” ponto 9 consta que data retroativa é: “É a indicada nas Condições Particulares e que estabelece a data a partir da qual os ERRO, OMISSÃO ou NEGLIGÊNCIA cometidos pelo SEGURADO são abrangíveis por esta APÓLICE, caso venha a ocorrer RECLAMAÇÃO durante o PERÍODO DE SEGURO”;
6.50 - Do artigo 10 das “Condições Especiais” consta que: “A FRANQUIA será aplicável em cada RECLAMAÇÃO e para todo o tipo de danos e gastos e não é oponível terceiros RECLAMANTES”;
6.51 - No artigo 8º das Condições Especiais, relativo às Condições Aplicáveis às Reclamações, consta: “NOTIFICAÇÃO DE RECLAMAÇÕES ou INCIDÊNCIAS - O TOMADOR DO SEGURO ou o SEGURADO deverão, como condição precedente às obrigações da SEGURADORA sob esta APÓLICE, comunicar à SEGURADORA tão cedo quanto seja possível: a) Qualquer RECLAMAÇÃO contra qualquer SEGURADO, baseada nas coberturas desta APÓLICE; b) Qualquer intenção de exigir responsabilidade a qualquer SEGURADO baseada nas coberturas desta APÓLICE; c) Qualquer circunstância ou incidência concreta conhecida pela primeira vez pelo SEGURADO ou TOMADOR DO SEGURO e que razoavelmente possa esperar-se que venha a resultar em eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE, ou determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou acionar as coberturas da APÓLICE. As RECLAMAÇÕES que tenham sua origem, direta ou indiretamente, e qualquer comunicação nos termos das alíneas b) e c) anteriores, são consideradas como notificadas durante o PERÍODO DE SEGURO que decorria à data daquelas comunicações.”;
 6.52 - Do artigo 5º das “Condições Gerais”, sob a epígrafe “INFORMAÇÃO SOBRE O RISCO”, dessas mesmas apólices consta: “O TOMADOR DO SEGURO tem o dever de manter a SEGURADORA informada sobre a natureza e circunstâncias do risco, bem como sobre a ocorrência de qualquer facto que possa agravá-lo ou fazê-lo variar. Se ocorrer RECLAMAÇÃO sem que a SEGURADORA tenha sido informada da alteração do risco, a eventual indemnização desta reduzir-se-á na mesma proporção existente entre o PRÉMIO estabelecido na APÓLICE e aquele que corresponderia à verdadeira natureza do risco. Quando a reserva ou inexatidão se tiver produzido mediante dolo ou culpa grave do TOMADOR DO SEGURO ou do SEGURADO, a SEGURADORA ficará liberada do pagamento da indemnização respetiva”;
6.53 - Foi também celebrado outro contrato de seguro de responsabilidade civil profissional entre a interveniente “Arch Insurance Company (Europe), Ltd”, e a Ordem dos Advogados, titulado pelas apólices de seguro DP/…/…/C e DP/…/…/C;
6.54 - Nos termos definidos nas Condições Especiais do contrato, a interveniente assumiu, até 31 de Dezembro de 2011, perante o Tomador de Seguro (Ordem dos Advogados), a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional desenvolvida pelos seus segurados (advogados com inscrição em vigor), garantindo, até ao limite de capital seguro, com dedução do montante correspondente à franquia contratual, de €.5.000,00 para o período em questão, expressamente previstos nas Condições Particulares do contrato, o pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil dos seus segurados, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da sua atividade;
6.55 - Nos termos de tais apólices, os limites indemnizatórios máximos contratados para o seu período de vigência (1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2011) foram fixados em € 50.000,00 e € 100.000,00, respetivamente, logo, no montante global de € 150.000,00;
6.56 - Nos termos expressamente previstos na cláusula 4.ª das Condições Especiais das apólices DP/01018/11/C e DP/02416/11/C, serão as mesmas exclusivamente competentes: “para as reclamações que sejam pela primeira vez apresentadas: i) contra o segurado e notificadas à seguradora, ou ii) contra a seguradora em exercício da ação direta, durante o período de seguro, ou durante o período de ocaso (...)”;
6.57 - Nos termos do disposto no artigo 5.º das condições especiais das supra referidas apólices (6.49 e ss), o período de ocaso/ período de descoberto (definido no artigo 1.º das condições especiais, como o período seguinte ao termo do contrato de seguro após o qual a apólice continuará a dar cobertura às reclamações apresentadas), será nulo, se “Durante o dito período, a presente APÓLICE se renove e/ou seja substituída por outra”;
6.58 - Nos termos previstos no artigo 3.º, alínea a) das Condições Especiais de tal Contrato de Seguro, ficam expressamente excluídas da cobertura da apólice, as reclamações: “Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO”;
6.59 - Foi celebrado entre a ré Tranquilidade e a Ordem dos Advogados (tomador do seguro), um contrato de seguro titulado pela Apólice n.º …, pelo qual esta “segura” o risco decorrente de atos e omissões praticados pelos Advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados, no exercício da sua profissão, tendo como beneficiários todos os advogados com inscrição em vigor na mesma;
6.60 - Nos termos do Ponto 10 das Condições Particulares de tal apólice em causa, sob a epígrafe “Período de Cobertura”, a mesma vigora pelo período de “24 meses, com data de início de 01 de Janeiro de 2012 às 00:00h e vencimento às 00:00 de 01 de Janeiro de 2014”;
6.61 - De acordo com o Ponto 7 das Condições Particulares de tal apólice: “A seguradora assume a cobertura da responsabilidade do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o Segurado ou contra o tomador do seguro ocorridos na vigência das apólices anteriores, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, coberta pela presente apólice, e, ainda, que tenham sido cometidos pelo Segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente Apólice”;
6.62 - Nos termos do Ponto 12 do Artigo 1º das Condições Especiais de tal Apólice, considera-se como Reclamação: “Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA (..) Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida por primeira vez pelo Segurado e notificada oficiosamente por este à Seguradora (…)”;
6.63 - Nos termos do Artigo 3º das Condições Especiais da Apólice 002866129, estabelece-se ainda que: “ficam expressamente excluídas da cobertura da presente APÓLICE as RECLAMAÇÕES:
a) Por qualquer facto ou circunstância conhecidos do SEGURADO à Data de Início do PERÍODO DE SEGURO, e que já tenha gerado ou possa razoavelmente vir a gerar RECLAMAÇÃO; (..)”;
6.64 - Por seu turno, nos termos do Art. 10º/1 das Condições Especiais de tal Apólice: “O SEGURADO, nos termos definidos no ponto 1. Do Art. 8º das Condições Especiais, deverá comunicar ao Corretor ou à SEGURADORA, com a maior brevidade possível, o conhecimento de qualquer RECLAMAÇÃO efetuada contra ele ou de qualquer outro facto ou incidente que possa vir a dar lugar a uma reclamação. (..) A comunicação referida em 1, dirigida ao Corretor ou à SEGURADORA ou seus representantes, deverá circular entre os eventuais Rés de modo tal que o conhecimento da RECLAMAÇÃO possa chegar à SEGURADORA no prazo razoável.”;
6.65 - No artigo 1º, cláusula 8ª de tal apólice sob a epígrafe “Data retroativa” estabelece-se: “Data a partir da qual o ERRO, OMISSÃO ou NEGLIGÊNCIA cometidos pelo SEGURADO são abrangíveis por esta APÓLICE, caso venha a ocorrer RECLAMAÇÃO durante o PERÍODO DE SEGURO. Para efeitos da presente apólice o período de retroatividade é ilimitado, de acordo com as condições particulares”;
6.66 - Nos termos do ponto 5 das condições particulares da apólice 002866129 estão seguros os atos e omissões praticados “no exercício da advocacia, conforme regulado no Estatuto da Ordem dos Advogados”;
6.67 - Nos termos dos pontos 6 e 9 das condições particulares ao montante limite da indemnização de € 150.000,00 deve ser descontada a franquia de € 5.000,00;
6.68 - Tal contrato mostrava-se pré-elaborado pela seguradora, sem que à contraparte fosse conferida a faculdade de negociar o seu conteúdo;
6.69 - A interveniente foi citada para a presente ação em 19/2/2015, sendo que até essa data não lhe foi dado conhecimento do sinistro em discussão nos autos, nem o mesmo lhe foi participado pelo réu Drº JM;
6.70 - O autor apresentou, em 7 de janeiro de 2013, à corretora “March” uma reclamação dirigida à ré Tranquilidade, cuja cópia consta de fls 229 dos autos, que, em resposta, lhe enviou comunicação constante de fls 322 pela qual declarou, além do mais aí exarado, declinar a responsabilidade pelo sinistro;
6.71 - A ré “Tranquilidade” foi citada para a presente ação em 5 de maio de 2014;
 6.72 - O réu Drº JM nunca comunicou à ré “Tranquilidade” o sinistro em causa;
6.73 - No âmbito do processo disciplinar nº …/2009 instaurado na Ordem dos Advogados em 2009 na sequência da queixa/participação apresentada pelos autores junto da Ordem dos Advogados, o réu Drº JM foi notificado para se pronunciar em 9 de Junho de 2009;
6.74 - A participação que deu origem a tal processo foi apresentada pelo autor no Conselho Deontológico da Ordem dos Advogados em 12 de maio de 2009;
6.75 - Desde que tomou conhecimento desse processo, em 2009, o Dr. JM consciencializou os factos que aí lhe eram imputados eram potencialmente geradores de responsabilidade, no âmbito da sua atividade como advogado;
6.76 - A sociedade exploradora da pedreira supra-mencionada “MCA___ & Companhia, Ldª”, desde data que não foi possível apurar mas anterior à sua situação de insolvência, encontrava-se em dificuldades financeiras;
6.77 - No âmbito do processo disciplinar nº …/2009, instaurado contra o réu Drº JM no ano de 2009, este do mesmo foi notificado entre maio e junho de 2009, tendo devolvido uma notificação por alegadamente não a entender;
6.78 - Tal inquérito foi suspenso por 120 dias por despacho do Sr. Presidente do Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados;
6.79 - Cessada a suspensão, o réu Drº JM foi novamente notificado por carta a 24 de Maio de 2010, vindo este, requerer a prorrogação por mais 30 dias para se pronunciar sobre a participação contra si apresentada;
6.80 - Em Julho de 2011, o processo de inquérito instaurado contra o réu Drº JM foi convertido em processo disciplinar, tendo este apresentado uma exposição complementar em 9 de Setembro de 2011, na qual juntou documentos;
6.81 - O réu Drº. JM encontra-se “inativo”, reformado por invalidez desde 1/12/2008»].
44. A fls. 80-88 encontra-se apólice DP/…/…/A, emitida pela Ré relativa a seguro de responsabilidade civil profissional, em que é tomador de seguro a Ordem dos Advogados e segurados todos os membros da Ordem dos Advogados, tendo como período de seguro 12 meses, renováveis, com início em 01-01-2009 e data de vencimento em 31-12-2009, tendo 12 meses de período de ocaso.
45. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/A, a fls. 82 verso, no artigo 1.º, [sob a epígrafe] Definições: [consta o seguinte]
8. PERÍODO DE OCASO:
É o período seguinte ao termo do PERÍODO DE SEGURO, expresso nas Condições Particulares, e durante o qual a APÓLICE continuará a ser competente para dar cobertura a RECLAMAÇÕES contra o SEGURADO nos termos estabelecidos no presente contrato.
[13. RECLAMAÇÃO
Significa:
Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da APÓLICE;
Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida pela primeira vez pelo SEGURADO e notificada oficiosamente por este à SEGURADORA, de que possa:
i) derivar eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE,
ii) determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou
iii) fazer funcionar as coberturas da APÓLICE.
Todas as RECLAMAÇÕES resultantes de uma mesma causa, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só.
(…) 15. SINISTRO
Significa qualquer ocorrência que implique para a SEGURADORA a obrigação de indemnizar em consequência de uma RECLAMAÇÃO abrangida por esta APÓLICE. OS GASTOS DE DEFESA não são considerados SINISTRO.
16. FRANQUIA
Valor monetário estabelecido nas Condições Particulares que sempre ficará a cargo do SEGURADO, sendo dedutível ao valor de indemnização que à SEGURADORA couber pagar.
A FRANQUIA será aplicável em cada RECLAMAÇÃO e para todo tipo de danos e gastos e não é oponível a terceiros RECLAMANTES.”]
46. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/A, a fls. 84 verso, no artigo 4.º, [consta o seguinte]
Delimitação Temporal
É expressamente aceite pelo TOMADOR DO SEGURO e pelos SEGURADOS que esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da acção directa,
durante o PERÍODO DE SEGURO, ou durante o PERÍODO DE OCASO, resultantes de ERRO, omissão ou negligência cometidos pelo SEGURADO após a DATA RETROACTIVA.
47. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/A, a fls. 84 verso, no artigo 5.º, [consta o seguinte]
Período de Ocaso
(...) Se a renovação desta APÓLICE não se realizar por iniciativa da SEGURADORA, durante o período de 12 meses seguintes à data do vencimento do PERÍODO SEGURO a presente APÓLICE continuará a produzir os seus efeitos, mas exclusivamente no que respeita a ERRO, omissão ou negligência cometidos em data anterior à data de vencimento do PERÍODO DE SEGURO.
48. A fls. 89-97 encontra-se apólice DP/…/…/A, emitida pela Ré relativo a seguro de responsabilidade civil profissional, em que é tomador de seguro a Ordem dos Advogados e segurados todos os membros da Ordem dos Advogados, tendo como período de seguro 12 meses, renováveis, com início em 01-01-2009 e data de vencimento em 31-12-2009, tendo 12 meses de período de ocaso.
49. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/A, a fls. 92, no artigo 1.º, [sobre a epígrafe] Definições [consta o seguinte]
8. PERÍODO DE OCASO
É o período seguinte ao termo do PERÍODO DE SEGURO, expresso nas Condições Particulares, e durante o qual a APÓLICE continuará a ser competente para dar cobertura a RECLAMAÇÕES contra o SEGURADO nos termos estabelecidos no presente contrato.
[13. RECLAMAÇÃO
Significa:
Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da APÓLICE;
Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida pela primeira vez pelo SEGURADO e notificada oficiosamente por este à SEGURADORA, de que possa
iv) derivar eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE,
v) determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou
vi) fazer funcionar as coberturas da APÓLICE.
Todas as RECLAMAÇÕES resultantes de uma mesma causa, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só.
(…) 15. SINISTRO
Significa qualquer ocorrência que implique para a SEGURADORA a obrigação de indemnizar em consequência de uma RECLAMAÇÃO abrangida por esta APÓLICE. OS GASTOS DE DEFESA não são considerados SINISTRO.
16. FRANQUIA
Valor monetário estabelecido nas Condições Particulares que sempre ficará a cargo do SEGURADO, sendo dedutível ao valor de indemnização que à SEGURADORA couber pagar.
A FRANQUIA será aplicável em cada RECLAMAÇÃO e para todo tipo de danos e gastos e não é oponível a terceiros RECLAMANTES.”]
50. Nas condições especiais da apólice DP/…/…A, a fls. 94, no artigo 4.º, [consta o seguinte]
Delimitação Temporal
É expressamente aceite pelo TOMADOR DO SEGURO e pelos SEGURADOS que esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da acção directa,
durante o PERÍODO DE SEGURO, ou durante o PERÍODO DE OCASO, resultantes de ERRO, omissão ou negligência cometidos pelo SEGURADO após a DATA RETROACTIVA.
51. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/A, a fls. 94, no artigo 5.º, [consta o seguinte]
Período de Ocaso
(...) Se a renovação desta APÓLICE não se realizar por iniciativa da SEGURADORA, durante o período de 12 meses seguintes à data do vencimento do PERÍODO SEGURO a presente APÓLICE continuará a produzir os seus efeitos, mas exclusivamente no que respeita a ERRO, omissão ou negligência cometidos em data anterior à data de vencimento do PERÍODO DE SEGURO.
52. A fls. 56-67 encontra-se apólice DP/…/…/C, emitida pela Ré relativa a seguro de responsabilidade civil profissional, em que é tomador de seguro a Ordem dos Advogados e segurados todos os membros da Ordem dos Advogados com inscrição em vigor, tendo como período de seguro 12 meses, renováveis, com início em 01-01-2011 e data de vencimento em 31-12-2011, tendo 12 meses de período de ocaso.
53. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/C, no artigo 1.º, de fls. 59 verso, [com a epígrafe] Definições [consta o seguinte]
“8. PERÍODO DE OCASO
É o período seguinte ao termo do PERÍODO DE SEGURO, expresso nas Condições Particulares, e durante o qual a APÓLICE continuará a ser competente para dar cobertura a RECLAMAÇÕES contra o SEGURADO nos termos estabelecidos no presente contrato.”
54. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/C, no artigo 4.º, de fls. 62 verso, [consta o seguinte]
Delimitação Temporal
É expressamente aceite pelo TOMADOR DO SEGURO e pelos SEGURADOS que esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da acção directa,
durante o PERÍODO DE SEGURO, ou durante o PERÍODO DE OCASO, resultantes de ERRO, omissão ou negligência cometidos pelo SEGURADO após a DATA RETROACTIVA.
55. Nas condições especiais da apólice DP/…/…C, de fls. 62 verso, no artigo 5.º, [consta o seguinte]
Período de Ocaso
Sem prejuízo do disposto no artigo 139.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril:
Se a renovação anual desta APÓLICE não se realizar por iniciativa da SEGURADORA, durante o período de 12 meses seguintes à data de vencimento do PERÍODO DE SEGURO a presente APÓLICE continuará a produzir os seus efeitos, mas exclusivamente no que respeita a DOLO, ERRO, OMISSÃO ou NEGLIGÊNCIA cometidos em data anterior à data de vencimento do PERÍODO DE SEGURO.
(...) O PERÍODO DE OCASO é sempre considerado parte da última Anuidade de Seguro, pelo que em nenhum caso se ultrapassará o Limite de Indemnização Agregado Anual definido nas Condições Particulares.
56. A fls. 68-79 encontra-se apólice DP/02416/11/C, emitida pela Ré relativa a seguro de responsabilidade civil profissional, em que é tomador de seguro a Ordem dos Advogados e segurados todos os membros da Ordem dos Advogados com inscrição em vigor, tendo como período de seguro 12 meses, renováveis, com início em 01-01-2011 e data de vencimento em 31-12-2011, tendo 12 meses de período de ocaso.
  57. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/C, no artigo 1.º, de fls. 71 verso, [com a epígrafe] Definições [consta o seguinte]
“8. PERÍODO DE OCASO
É o período seguinte ao termo do PERÍODO DE SEGURO, expresso nas Condições Particulares, e durante o qual a APÓLICE continuará a ser competente para dar cobertura a RECLAMAÇÕES contra o SEGURADO nos termos estabelecidos no presente contrato.”
  58. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/C, no artigo 4.º, de fls. 74, [consta o seguinte]
Delimitação Temporal
É expressamente aceite pelo TOMADOR DO SEGURO e pelos SEGURADOS que esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da acção directa,
durante o PERÍODO DE SEGURO, ou durante o PERÍODO DE OCASO, resultantes de ERRO, omissão ou negligência cometidos pelo SEGURADO após a DATA RETROACTIVA.
  59. Nas condições especiais da apólice DP/…/…/C, de fls. 74 verso, no artigo 5.º, [consta o seguinte]
Período de Ocaso
Sem prejuízo do disposto no artigo 139.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril:
Se a renovação anual desta APÓLICE não se realizar por iniciativa da SEGURADORA, durante o período de 12 meses seguintes à data de vencimento do PERÍODO DE SEGURO a presente APÓLICE continuará a produzir os seus efeitos, mas exclusivamente no que respeita a ERRO, omissão ou negligência cometidos em data anterior à data de vencimento do PERÍODO DE SEGURO.
(...) O PERÍODO DE OCASO é sempre considerada parte da última Anuidade de Seguro, pelo que em nenhum caso se ultrapassará o Limite de Indemnização Agregado Anual definido nas Condições Particulares.
60. A fls. 98-110 encontra-se apólice …, emitida por outra seguradora.
61. Relativamente às apólices DP/…/…/A, DP/…/…/A em 2009 e relativamente às apólices DP/…/…/C, DP/…/…/C em 2011, o Dr. JM encontrava-se segurado na qualidade de advogado com inscrição em vigor e efetivamente abrangido pelas coberturas previstas nas referidas apólices.
62. Em 19-02-2015, a Ré foi citada para o processo n.º …/….9TBLMG, conforme fls. 240 do traslado [tendo nesse processo o aí réu Dr. JM sido condenado, em 1.ª instância, no pagamento aos ora e aí autores das quantias indemnizatórias de 29.025,75 € e respetivos juros de mora desde a data da sentença e 1.846,99 € e respetivos juros de mora desde a data da citação, indemnização que veio a ser fixada, por acórdão da Relação de Coimbra, no montante de 39.425,75 € (e sido absolvido do mais peticionado), a aí ré Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. sido absolvida do pedido, explicitando-se ainda, no referido acórdão, que a aí interveniente acessória e ora Ré Arch Insurance Company não era absolvida, nem condenada].
1.ª questão – Da ampliação da decisão da matéria de facto
Na sentença recorrida, o Tribunal de 1.ª instância considerou que “Não se provou qualquer outro facto com relevância para a decisão da causa” e motivou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:
“Em geral: O Tribunal fundou a convicção, relativamente à factualidade provada, no conjunto da prova produzida nos autos, analisada conjugada e criticamente.
Em síntese:
Os factos provados de 1. a 43. correspondem a factualidade provada na ação n.º 249/14.9TBLMG.
Os factos provados de 44. a 60. decorrem das apólices juntas aos autos.
O teor de 62. consta do traslado.
A factualidade provada em 61. resulta do acordo das partes.”
Na sua alegação recursória, os Autores-Apelantes pugnam pela ampliação da matéria de facto no sentido de serem aditados os factos constantes dos pontos 6.43 a 6.81 da decisão proferida no processo n.º …/….9TBLMG.
A Ré discorda, argumentando, em síntese, que: O Tribunal a quo decidiu bem ao julgar improcedente a exceção de caso julgado, atinente ao contrato de seguro e sua aplicabilidade ao sinistro/causa de pedir nos autos, trazida à liça em sede de articulados pelos Autores, não incluindo na factualidade da decisão proferida em primeira instância os pontos 6.43 a 6.83 do acórdão da Relação de Coimbra; ampliar a matéria de facto nos termos ora peticionados pelos Apelantes determinaria a violação do direito à defesa desta Ré emanado do princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva (art. 20.º CRP), e bem assim a violação do disposto nos artigos 571.º, 572.º, 573.º, 574.º e 332.º todos do CPC.
Vejamos.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Na verdade, a pretensão dos Apelantes já se mostra satisfeita, face ao aditamento acima efetuado.
Mas repete-se, está plenamente provado, face ao traslado do processo n.º …/….9TBLMG, que consultámos, bem como pelos documentos 1 e 2 juntos com a Petição Inicial que, na sentença e no acórdão proferidos na referida ação, em que a Ré foi interveniente acessória, foram considerados provados os factos acima elencados nos pontos 1. a 43. Todos esses factos foram expressamente reproduzidos no art. 7.º da Petição Inicial, mencionando-se aí que “Em ambas as instâncias foram considerados provados os seguintes factos, mantendo-se aqui a numeração original”. Com a Petição Inicial foram juntas cópias da sentença e do acórdão (docs. 1 e 2), que a Ré não impugnou na sua Contestação, tão pouco tendo impugnado qualquer dos factos alegados pelos Autores. Aliás, inclusivamente reconheceu a existência de participação disciplinar apresentada contra o Segurado ocorrida no ano de 2009 (cf. art. 17.º da Contestação). Ademais, no seu requerimento de 22-06-2020, a Ré referiu-se ao acórdão da Relação de Coimbra e ainda ao “famigerado processo disciplinar”, sustentando que não pode ser considerada responsável por não ter ocorrido qualquer reclamação durante o período de seguro ou vigência das apólices, afirmando que nem este procedimento disciplinar, nem a ação judicial em que foi citada, constituem reclamação para efeitos da apólice “na medida em que não foram notificadas oficiosamente à Seguradora durante o período de vigência da apólice”.
Não há razão alguma para pensar que a não inclusão da factualidade da decisão constante dos pontos 6.43 a 6.83 do acórdão da Relação de Coimbra esteja relacionada com a improcedência da suposta exceção de caso julgado. Mas se estivesse, a solução seria a mesma, pois não deixam de estar plenamente provados os factos nos termos acima referidos.
Na verdade, apesar do que foi decidido no despacho saneador, ao julgar improcedente a exceção de caso julgado, que aí se considerou ter sido arguida pelos Autores, o certo é que não foi arguida a exceção dilatória do caso julgado (basta ver o inusitado que seria uma exceção arguida pelos autores quando inexiste reconvenção). Antes foi invocada pelos Autores a autoridade do caso julgado daquelas decisões, tendo a Ré questionado, em sede de questão de prévia, o alcance desse caso julgado. Portanto, em bom rigor, discutia-se o alcance do caso julgado (matéria atinente ao efeito positivo do caso julgado, isto é, à autoridade do caso julgado, e não ao efeito negativo, atinente à exceção dilatória do caso julgado), tendo a Ré defendido na Contestação que “ocorre uma situação de caso julgado relativamente à questão da responsabilidade civil, excluindo-se deste contexto, no entanto, o referente à cobertura do contrato de seguro”. No despacho saneador, apesar da falta de rigor ao qualificar a questão como configurando matéria de exceção, isso foi apreciado, referindo-se aí que:
“Existirá, assim, um caso julgado prejudicial que dispensa o réu de provar um elemento de facto constitutivo do direito à indemnização.
Os factos constitutivos do direito à indemnização referem-se ao réu do outro processo, ou seja, os factos relativos ao incumprimento do contrato de mandato.
No mais, inexiste caso julgado.
(…) No caso, porém, inexiste caso julgado, pelo que improcede a exceção deduzida.”
Como é fácil de perceber, até pela análise dos temas da prova, o âmbito da autoridade do caso julgado não contende com a realidade inelutável da prova de um conjunto mais alargado de factos, conforme resulta desde logo dos documentos 1 e 2 juntos com a Petição Inicial, que a Ré não impugnou, e do traslado “digital anexo” (que consultámos), documento este que foi obtido por iniciativa do tribunal mediante despacho de 19-02-2020, sem que a Ré o tenha posto em causa. Nunca a Ré veio, mormente nos termos dos artigos 323.º, n.º 4, e 332.º, ambos do CPC, alegar que tais factos não se verificaram, muito menos tendo provado, quaisquer circunstâncias que pudessem levar a concluir isso mesmo.
Na análise da questão seguinte será apreciado se a indemnização que o Sr. Advogado segurado foi condenado a pagar na referida ação, fundada em responsabilidade civil profissional, está ou não abrangida pela cobertura dos contratos de seguro em apreço, tendo em conta toda a factualidade provada, nos termos acima referidos.
Mas é fora de dúvida que se justifica o requerido aditamento ao elenco dos factos provados, conforme já foi determinado, o que em nada contende com o direito à defesa desta Ré (emanado do princípio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva).
2.ª questão – Da responsabilidade da Ré - âmbito temporal da cobertura dos seguros
Na Sentença recorrida teceram-se as seguintes considerações de direito:
«O regime português dos contratos de seguro consta da lei do contrato de seguro, anexo ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.
Os seguros de responsabilidade civil são regidos pelo disposto no artigo 137.º a 148.º do mesmo diploma.
Nos termos do disposto no artigo 137.º do mesmo diploma: “No seguro de responsabilidade civil, o segurador cobre o risco de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar terceiros.”
O contrato de seguro é o negócio jurídico pelo qual uma das partes (a seguradora) se obriga, contra o pagamento de uma prestação certa e periódica (prémio), a indemnizar outra parte (segurado ou terceiro) pelos prejuízos resultantes da verificação de determinados riscos (facto futuro e incerto).
O contrato de seguro é regulado pelas estipulações particulares e gerais constantes da respetiva apólice e, nas partes omissas ou insuficientes, pelo disposto no Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril.
Os autores invocam a existência de contrato seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a ré.
No caso, provou-se que a ré celebrou contratos de seguro de responsabilidade civil profissional com a Ordem dos Advogados, na qualidade de tomadora de seguro, conforme apólices transcritas nos factos provados.
No artigo 4.º das condições especiais das apólices DP/…/…/A, fls. 84, DP/…/…/A, fls. 94, DP/…/…/C, fls. 62 verso, DP/…/…/C, fls. 74, Delimitação Temporal:
“É expressamente aceite pelo TOMADOR DO SEGURO e pelos SEGURADOS que esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da acção directa,
durante o PERÍODO DE SEGURO, ou durante o PERÍODO DE OCASO, resultantes de ERRO, omissão ou negligência cometidos pelo SEGURADO após a DATA RETROACTIVA.”
O período seguro foi em 2009 e em 2011, sendo o período de ocaso os 12 meses seguintes, conforme consta das apólices e das condições especiais.
Todavia, não se provou que os autores tenham apresentado reclamação à ré em exercício de ação direta; ou que tenham notificado a seguradora de reclamação contra o segurado.
Por outro lado, provou-se que em 19.2.2015, a ré foi citada para o processo n.º …/….9TBLMG, conforme fls. 240 do traslado.
Porém, relativamente às apólices DP/…/…/C, DP/…/…/C, que são as mais recentes, têm como período de seguro 12 meses, com início em 1.1.2011 e data de vencimento em 31.12.2011, tendo 12 meses de período de ocaso, ou seja, 31.12.2012.
Desta forma se conclui que à data da citação para a outra ação, já tinha terminado o período de ocaso das apólices.
Importa julgar improcedente a ação.»
Os Autores-Apelantes discordam deste entendimento, invocando, em síntese, a circunstância de a participação que apresentaram perante a Ordem dos Advogados e que deu origem ao procedimento disciplinar movido contra o Sr. Advogado segurado constituir reclamação para efeitos dos contratos de seguro em apreço, titulados pelas apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A, sendo-lhes inoponível, atenta a natureza obrigatória do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional em apreço, a circunstância de o Segurado não ter participado à Ré Seguradora a existência desse procedimento disciplinar.
A Ré-Apelada contrapõe ser evidente que o procedimento disciplinar não constituiu Reclamação para os efeitos das apólices, na medida em que não foi notificado oficiosamente à Seguradora durante o período de vigência das mesmas.
Apreciando.
A pretensão dos Autores assenta na existência de contratos de seguro de responsabilidade civil de advogado que são seguros de grupo (em que a Tomadora é a Ordem dos Advogados), estando o Sr. Advogado Dr. … abrangido nos termos referidos no ponto 61. do elenco dos factos provados.
Tais seguros eram, desde já o salientamos, obrigatórios, face ao disposto no art. 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º 145/2015, de 09-09, como tal sendo, aliás, referenciados na página da Internet da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões e considerados pela jurisprudência quase unânime (como se poderá ver pelas citações infra, que, por economia, não reproduzimos aqui).
A questão crucial é a de saber se o sinistro concreto, ou melhor dizendo, o processo sinistral que veio a culminar com o trânsito em julgado da decisão condenatória do Sr. Advogado a pagar a indemnização ora peticionada, está ou não abrangido pelo âmbito temporal da cobertura das apólices em apreço.
Para tanto, importa ter presente a distinção entre uma apólice de ocorrência (em que, para fins de indemnização, o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato), de uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (que poderíamos traduzir como “reclamação feita”), que condiciona o pagamento da indemnização ao segurado à apresentação da “Reclamação” por terceiros durante o prazo de vigência do contrato de seguro. De referir ainda as possíveis nuances destes seguros, com as chamadas “cláusulas claims made híbridas”, para comportar os riscos de posterioridade, admitindo-se reclamações ocorridas no período de um ano após a vigência do contrato, além da possibilidade da extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato. A admissibilidade deste tipo de cláusulas, aptas a darem resposta adequada aos riscos colocados por uma rigidez excessiva dos limites temporais (tanto de anterioridade como de posterioridade), foi reconhecida pelo legislador nacional, podendo ser convencionado pelas partes que a cobertura abranja riscos anteriores à data da celebração do contrato (cf. art. 42.º, n.º 2, da LCS), mais se prevendo no art. 139.º da LCS, sob a epígrafe, “Período de cobertura”, que:
“1 - Salvo convenção em contrário, a garantia cobre a responsabilidade civil do segurado por factos geradores de responsabilidade civil ocorridos no período de vigência do contrato, abrangendo os pedidos de indemnização apresentados após o termo do seguro.
2 - São válidas as cláusulas que delimitem o período de cobertura, tendo em conta, nomeadamente, o facto gerador do dano, a manifestação do dano ou a sua reclamação.
3 - Sendo ajustada uma cláusula de delimitação temporal da cobertura atendendo à data da reclamação, sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior, o seguro de responsabilidade civil garante o pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.”
Atente-se, a respeito deste preceito legal, na explicação de José Vasques, in “Lei do Contrato de Seguro Anotada”, 2016, 3.ª edição, Almedina, págs. 448-449, afirmando não ter correspondência na legislação anterior e que “ao contrário do que sucede com generalidade dos outros seguros de danos (art. 123.º), em que a cobertura é temporalmente delimitada (art. 37.º, n.º 2, al. e)) pelos danos sofridos pelas coisas seguras durante o período de vigência do contrato, no seguro de responsabilidade civil são configuráveis cláusulas de delimitação temporal da garantia que a circunscrevam atendendo ao momento:
a) da prática do facto gerador da responsabilidade (action commited basis);
b) da manifestação do dano (loss occurrence basis); Ou
c) da sua reclamação (claims made basis), independentemente de o facto gerador ter sido praticado antes do início da vigência do contrato (como resulta do n.º 3) e desde que o tomador do seguro ou o segurado não tivesse conhecimento do sinistro à data da celebração do contrato (art. 44.º, nº 2).
A lei impôs, de forma relativamente imperativa quanto aos riscos de massa (art. 13.º, e art. 5.º, n.º 4, do RJASR (…), que quando as partes tenham atendido à data da reclamação (claims made basis) para a delimitação temporal da cobertura, o segurador garantirá, no mínimo (art. 13.º, n.º 1), o pagamento de sinistros desconhecidos das partes e ocorridos durante a vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo final do contrato – se prejuízo desta extensão legal da cobertura cessar quando a questão seja regulada em lei ou regulamento especial ou quando o risco esteja coberto por um contrato de seguro posterior.
O prazo de um ano, contado do termo final do contrato de seguro, não é um prazo de prescrição do direito do lesado (que, modificando o prazo legal, sempre seria nulo – art. 300.º do CC), mas apenas uma delimitação temporal da responsabilidade do segurador, subsistindo para além dele o direito do lesado perante o responsável nos termos previstos na lei geral, sem prejuízo da prescrição, que também se aplica aos direitos do lesado contrato o segurador (art. 145.º).”
Também a propósito deste normativo legal, Arnaldo Oliveira e Eduarda Ribeiro fazem as seguintes observações, no artigo “Novo regime jurídico do contrato de seguro - Aspectos mais relevantes da perspectiva do seu confronto com o regime vigente”, disponível em www.asf.com.pt: “Alteração maior nesta matéria foi a clarificação de vez da legalidade das cláusulas “claims made” (n.º 2 do art. 139.º, que as nomeia como “cláusulas de delimitação temporal da garantia atendendo à data da reclamação”), recorrentes nos contratos relativos a riscos cujos sinistros se protraem no tempo (p.e., seguro de responsabilidade civil ambiental) – cláusulas cuja legalidade é susceptível de discussão em face do direito nacional vigente –, assim atalhando o muito aceso contencioso sobre a questão havido em ordenamentos jurídicos próximos, como confessado no preâmbulo do diploma de aprovação do RJCS. Donde, beneficiando sensivelmente a segurança jurídica nesta matéria, e portanto a segurabilidade dos riscos relativos a tal espécie de sinistros. Como também é referido no preâmbulo, e à semelhança das leis comparadas próximas que igualmente optaram pela declaração da legalidade de tais cláusulas, a previsão em concreto de uma tal cláusula obriga à cobertura em uma medida mínima (cf. art. 13.º/2) do chamado “risco de posterioridade” (risco de só após o fim do prazo de cobertura do contrato se manifestar o dano para cuja reparação o contrato é celebrado): n.º 3 do art. 139.º, que obriga a que, “sem prejuízo do disposto em lei ou regulamento especial e não estando o risco coberto por um contrato de seguro posterior [com o mesmo objecto]”, o segurador fique obrigado ao “pagamento de indemnizações resultantes de eventos danosos desconhecidos das partes e ocorridos durante o período de vigência do contrato, ainda que a reclamação seja apresentada no ano seguinte ao termo do contrato.”
De referir ainda sobre esta matéria, pelo seu interesse, a dissertação de Mestrado “A Delimitação Temporal da Cobertura da Apólice do Seguro de Responsabilidade Civil”, de Ângela Isabel Ramos Cunha Carvalho, orientada por José Vasques, disponível em https://repositorio.iscte-iul.pt, destacando-se a análise feita a respeito da Reclamação (“claims made basis”) nas págs. 53 e seguintes.
Volvendo ao caso dos autos, atentando no clausulado dos contratos de seguro em apreço, é claro estarmos perante apólices “claims made” híbridas, encontrando-se ainda expressamente previsto, de harmonia com o citado preceito legal, um período de ocaso, que nem sequer assume qualquer relevância prática na situação em apreço, já que aos contratos de seguro celebrados com a Ré se sucederam outros, celebrados com diferente Seguradora.
Feito este enquadramento prévio, importa determinar se o sinistro em causa (não se discutindo a responsabilidade civil do Sr. Advogado Segurado, face à autoridade do caso julgado anterior) está incluído (ou excluído) do âmbito temporal da cobertura dos seguros de responsabilidade civil em apreço.
O Tribunal recorrido deu razão à Ré, decidindo que não pode ser considerada responsável pelo pagamento da quantia indemnizatória e juros peticionados, por não estar provado que os Autores tenham apresentado Reclamação perante a Ré em exercício de ação direta ou que a tenham notificado de Reclamação apresentada contra o Segurado, estando provado que em 19-02-2015 a Ré foi citada para o processo n.º …/….9TBLMG.
Desde já adiantamos que nesta tomada de posição não parece ter sido devidamente considerada a forma como se iniciou o processo sinistral, nem todo o clausulado contratual aplicável, mormente o descrito nos pontos 44. a 50., cuja interpretação convoca o disposto nos artigos 236.º a 239.º do CC, em que avulta, como principal critério interpretativo o do sentido normal da declaração, isto é, a teoria da impressão do destinatário (apenas postergado pelo da vontade real, no caso de esta ser conhecida do declaratário). Sem olvidar que os contratos de seguro em apreço se inserem no âmbito de aplicação do Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais instituído pelo Decreto-Lei n.º 446/85, de 25-10 (cf. art. 1.º, n.º 2), sendo de salientar o princípio geral consagrado no seu art. 10.º a respeito da interpretação e integração cláusulas contratuais gerais: “As cláusulas contratuais gerais são interpretadas e integradas de harmonia com as regras relativas à interpretação e integração dos negócios jurídicos, mas sempre dentro do contexto de cada contrato singular em que se incluam.”
De referir ainda que, conforme disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 11.º do RRCCG, as cláusulas contratuais gerais ambíguas têm o sentido que lhes daria o contratante indeterminado normal que se limitasse a subscrevê-las ou a aceitá-las, quando colocado na posição de aderente real, prevalecendo, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente. Solução para a qual já apontaria o art. 237.º do CC, nos termos do qual, em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações, o que, na interpretação dos contratos de seguro significa que, em caso de dúvida, deve prevalecer o sentido mais favorável a quem deles beneficia.
A jurisprudência assim o tem afirmado, merecendo destaque, a título exemplificativo:
- o STJ, no acórdão de 05-07-2012, proferido na Revista n.º 1028/09.0TVLSB.L1.S1 - 1.ª Secção (disponível em www.dgsi.pt):
“I - Na interpretação de um contrato, ou seja, na fixação do sentido e alcance juridicamente relevantes, deve ser procurado, não apenas o sentido de declarações negociais artificialmente isoladas do seu contexto negocial global, mas antes o discernir do sentido juridicamente relevante do complexo regulativo como um todo. 
II - Em homenagem aos princípios da protecção da confiança e da segurança do tráfico jurídico, é dada prioridade, em tese geral, ao ponto de vista do declaratário, mas a lei não se basta apenas com o sentido por este apreendido e, por isso, concede primazia àquele que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário depreenderia (art. 236.º do CC). 
III - No domínio da interpretação de um contrato há que recorrer, para a fixação do sentido das declarações, nomeadamente à letra do negócio, às circunstâncias que precederam a sua celebração ou são contemporâneas desta, bem como as negociações respectivas, a finalidade prática visada pelas partes, o próprio tipo negocial, a lei e os usos e os costumes por ela recebidos, os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento) e a finalidade prosseguida.”
- o acórdão do STJ de 10-05-2011, proferido na Revista n.º 1870/08.0TVLSB.L1.S1 - 6.ª Secção (sumário disponível em www.stj.pt): “I - A interpretação das cláusulas contratuais de um contrato de seguro deve ser efectuada de acordo com o disposto nos arts. 236.º a 238.º do CC, tendo também em conta o disposto no DL n.º 446/85, de 25-10, em relação às cláusulas contratuais gerais e, em geral, os princípios da boa fé contratual. II - Na interpretação das cláusulas gerais de um contrato de seguro deve seguir-se a doutrina da impressão do declaratário; e, se forem ambíguas, esgotadas todas as hipóteses, prevalece o sentido mais favorável ao segurado (art. 11.º, n.º 2, do citado DL n.º 446/85).”
Assim, na interpretação do contrato de seguro, partindo do vertido na respetiva apólice, dever-se-á ter em conta o fim prosseguido com a celebração do contrato e o seu efeito útil: no caso concreto, a Tomadora do seguro, a Ordem dos Advogados, celebrou sucessivos contratos de seguro de grupo, obrigatórios, de responsabilidade civil profissional, abrangendo todos os (as) Advogados (as) com inscrição em vigor, os quais beneficiam, assim, automaticamente, de um seguro base de responsabilidade civil profissional.
Perante isto, logo nos suscita alguma perplexidade que, estando já definitivamente decidido que a Seguradora Tranquilidade não era a responsável pelo pagamento da indemnização devida pelo Advogado Segurado, o que se fundou no entendimento de que as apólices aplicáveis no caso eram as apólices DP/…/…/A e DP/…/…/A, por a Reclamação “original” ter sido apresentada em 2009, no âmbito temporal das mesmas, se tenha concluído na sentença recorrida que, à data da citação para a outra ação, em que a Ré foi interveniente, já tinha terminado o período temporal e de ocaso das apólices, caindo-se assim num vazio de cobertura, que não deixa de ser algo incongruente com o propósito do legislador ao consagrar a existência de seguro obrigatório de responsabilidade civil profissional dos Advogados inscritos na OA. Portanto, a fundamentação do acórdão da Relação de Coimbra que, pelo menos em parte, levou à absolvição da Tranquilidade foi rejeitada na sentença recorrida em apreço, importando agora decidir do acerto desta última decisão.
À luz das referidas regras interpretativas, atentemos no clausulado nos contratos a que se referem as referidas apólices, em especial na definição de Reclamação:
Qualquer procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO, ou contra a SEGURADORA, quer por exercício de acção directa, quer por exercício de direito de regresso, como suposto responsável de um dano abrangido pelas coberturas da APÓLICE;
Toda a comunicação de qualquer facto ou circunstância concreta conhecida pela primeira vez pelo SEGURADO e notificada oficiosamente por este à SEGURADORA, de que possa:
vii) derivar eventual responsabilidade abrangida pela APÓLICE,
viii) determinar a ulterior formulação de uma petição de ressarcimento, ou
ix) fazer funcionar as coberturas da APÓLICE.
Todas as RECLAMAÇÕES resultantes de uma mesma causa, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, serão consideradas como uma só.”
Face ao teor literal deste clausulado, ao fim prosseguido com a celebração do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional de Advogados com inscrição ativa na OA e seu efeito útil, desde já adiantamos que nos parece mais correta a posição adotada pela Relação de Coimbra no acórdão acima referido: a cobertura (temporal) das referidas apólices, com um período de vigência entre 01-01-2009 e 31-12-2009, abrange a primeira Reclamação, efetuada no ano 2009, devendo o procedimento disciplinar instaurado na Ordem dos Advogados contra o Sr. Advogado Segurado, em virtude da participação apresentada em 12-05-2009, ser qualificado como tal; a ulterior instauração de ações judiciais, primeiro em 2014 e depois em 2018, porque resultantes precisamente da mesma “causa”, não se reveste de autonomia, integrando-se na Reclamação já antes iniciada, em 2009.
Note-se que da definição de Reclamação adotada nem sequer consta qualquer menção à notificação à Seguradora da Reclamação enquanto procedimento judicial ou administrativo contra o Segurado, apenas se referindo que será “notificada oficiosamente” pelo mesmo a comunicação de facto ou circunstância de que possa derivar uma das situações aí descritas.
É verdade que o clausulado no art. 4.º (Delimitação Temporal) parece lançar alguma confusão interpretativa, na medida em que aí se prevê o seguinte:
“É expressamente aceite pelo TOMADOR DO SEGURO e pelos SEGURADOS que esta APÓLICE será competente exclusivamente para as RECLAMAÇÕES que sejam pela primeira vez apresentadas
i) contra o SEGURADO e notificadas à SEGURADORA, ou
ii) contra a SEGURADORA em exercício da acção directa,
durante o PERÍODO DE SEGURO, ou durante o PERÍODO DE OCASO, resultantes de ERRO, omissão ou negligência cometidos pelo SEGURADO após a DATA RETROACTIVA.”
Mas tal confusão facilmente se desfaz, sendo claro que as Reclamações enquanto “procedimento judicial ou administrativo iniciado contra qualquer SEGURADO” é que têm de ser apresentadas pela primeira vez contra o Segurado durante o período de seguro (já vimos que o período de ocaso é aqui irrelevante): a circunstância de as Reclamações terem de ser notificadas à Seguradora constitui um facto distinto, que se prende com a participação do sinistro.
Por definição, uma reclamação só pode ser apresentada pela primeira vez numa única ocasião, sendo todas as RECLAMAÇÕES resultantes de uma mesma causa, independentemente do número de reclamantes ou reclamações formuladas, consideradas como uma só.
Ora, o sinistro diz respeito à “Claim” / “Reclamação” pela primeira vez apresentada contra o Advogado Segurado em 2009, no âmbito do procedimento disciplinar instaurado contra o mesmo, sendo os factos aí visados que foram depois, mais tarde, já em 2014, invocados na ação declarativa intentada contra ele e contra uma outra Seguradora (que foi absolvida do pedido precisamente por se ter considerado serem aplicáveis as duas referidas apólices relativas ao ano 2009), na qual foi reconhecida a obrigação de indemnização fundada em responsabilidade civil profissional (decisão que se impõe com autoridade de caso julgado à ora Ré).
Não se mostra, pois, correta, a tese sufragada na sentença recorrida de que a primeira Reclamação pelo sinistro em apreço (apenas) foi apresentada pelos Autores no dia 19-02-2015, já após o termo daquelas apólices, posição essa que parece assentar numa inadmissível interpretação da cláusula “claims made” concretamente aplicável ao caso, desvirtuando o sentido da “Reclamação” aí prevista. Na verdade, a mesma não procedeu do Advogado-Segurado, tendo sido apresentada, pela primeira vez, pelos ora Autores/terceiros lesados/reclamantes apenas contra o Segurado (que depois a deveria notificar ou participar à Seguradora), e não também contra a ora Ré Seguradora (pois não optaram inicialmente pelo exercício de ação direta).
O Tribunal a quo, ao concluir que a Ré não pode ser considerada responsável pelo pagamento da indemnização devida pelo seu Segurado, desconsiderou a sucessão dos acontecimentos, qualificando como primeira Reclamação a citação da Ré no âmbito da ação em que foi interveniente acessória, não dando qualquer relevância à Reclamação (procedimento disciplinar) que havia sido deduzida em 2009 contra o próprio Segurado, decisão que, se bem percebemos, se estribará na circunstância de não estar provado que a mesma foi notificada à Ré, como se a apresentação de uma Reclamação, para que pudesse ser considerada como tal, tivesse de ser necessariamente notificada à Seguradora.
Reiteramos ser inaceitável esta interpretação do clausulado, já que a previsão de uma delimitação temporal da cobertura atendendo à data das reclamações apresentadas, mormente, como foi o caso, contra o Segurado, durante o período de vigência do Seguro, não se pode confundir com a oportuna comunicação/participação à Seguradora dessas reclamações, não se compreendendo que a falta de notificação à Seguradora da existência de uma Reclamação apresentada contra o Segurado pudesse como que “apagar” a mesma.
Por outras palavras, não será pela circunstância de a primeira Reclamação apresentada contra o Segurado não ter sido notificada à Seguradora que deixa de existir ou de poder produzir efeitos, face ao objeto e fim dos contratos de seguro em apreço, sob pena de estes ficarem irremediavelmente postos em causa. Se uma ulterior reclamação, no exercício do direito de ação direta dos terceiros lesados, não merece, como vimos, tratamento autónomo, sendo todas as reclamações resultantes de uma mesma causa, consideradas como uma só, não se pode aceitar que o ulterior exercício do direito de ação direta contra a Seguradora seja negado a pretexto de uma cláusula de “Delimitação Temporal”, fazendo tábua rasa daquela que foi efetivamente a primeira Reclamação apresentada, apenas pelo facto de a mesma não ter sido comunicada àquela Seguradora, pelo Segurado ou pela Tomadora do seguro; tanto mais quando essa primeira Reclamação consistiu num procedimento disciplinar em que a Ré não tinha que ter qualquer intervenção, seguindo-se, com base nos mesmos factos, a instauração de ação judicial, em que a Ré, apesar de ter sido requerida a sua intervenção principal provocada, também não foi demandada diretamente, mas apenas chamada como interveniente acessória.
Na verdade, uma reclamação dirigida à Ré apenas se pode considerar apresentada, no exercício de ação direta, com a propositura da presente ação, mas isso é indiferente para o caso, já que a primeira Reclamação, perante o Segurado, havia sido apresentada em 2009, com o procedimento disciplinar instaurado e as reclamações subsequentes não têm autonomia. Portanto, embora só na presente ação, intentada em 2018, a Ré tenha sido diretamente demandada, é claríssimo que a sua demanda se dá no seguimento da primeira Reclamação, iniciada em 2009, com a instauração de procedimento disciplinar.
Note-se que, em bom rigor, não está provado, nem foi alegado, que essa primeira Reclamação, atinente ao procedimento disciplinar, não foi notificada, comunicada ou participada pelo Segurado, a quem caberia fazê-lo (ou mesmo pela Ordem dos Advogados), pois o que a Ré faz é considerá-la irrelevante, alegando que o sinistro apenas lhe foi pela primeira vez reclamado com a citação (que não é o mesmo que alegar que nunca teve conhecimento do procedimento disciplinar). Ora, tratando-se de matéria de exceção, a Ré-Apelada deveria tê-la alegado e provado, o que não sucedeu (cf. art. 342.º do CC). Aliás, até pela natureza das coisas, nos parece evidente que não podiam ser os Autores, lesados, quem tinha o ónus de alegar e provar que o procedimento disciplinar havia sido comunicado à Ré pelo seu Segurado, factos a que eram completamente alheios.
Não se está com isto a dizer que a (eventual) falta de notificação do procedimento disciplinar é de todo irrelevante, mas apenas que não se reveste da relevância que a Ré lhe pretende atribuir, ao afirmar - incorretamente - que o sinistro foi pela primeira vez reclamado à Ré com a sua citação em 19-02-2015.
A este respeito é de convocar o disposto nos artigos 100.º e 101.º da LCS, preceituando o primeiro, sobre a epígrafe “Participação do sinistro”, que:
“1 - A verificação do sinistro deve ser comunicada ao segurador pelo tomador do seguro, pelo segurado ou pelo beneficiário, no prazo fixado no contrato ou, na falta deste, nos oito dias imediatos àquele em que tenha conhecimento.
2 - Na participação devem ser explicitadas as circunstâncias da verificação do sinistro, as eventuais causas da sua ocorrência e respectivas consequências.
3 - O tomador do seguro, o segurado ou o beneficiário deve igualmente prestar ao segurador todas as informações relevantes que este solicite relativas ao sinistro e às suas consequências.”
Por sua vez, o art. 101.º da LCS, atinente à “Falta de participação do sinistro”, tem o seguinte teor:
“1 - O contrato pode prever a redução da prestação do segurador atendendo ao dano que o incumprimento dos deveres fixados no artigo anterior lhe cause.
2 - O contrato pode igualmente prever a perda da cobertura se a falta de cumprimento ou o cumprimento incorrecto dos deveres enunciados no artigo anterior for doloso e tiver determinado dano significativo para o segurador.
3 - O disposto nos números anteriores não é aplicável quando o segurador tenha tido conhecimento do sinistro por outro meio durante o prazo previsto no n.º 1 do artigo anterior, ou o obrigado prove que não poderia razoavelmente ter procedido à comunicação devida em momento anterior àquele em que o fez.
4 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 não é oponível aos lesados em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, ficando o segurador com direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar, com os limites referidos naqueles números.”
Ora, sendo obrigatórios os seguros em apreço, ainda que o Sr. Advogado Segurado não tivesse (como devia) comunicado à Ré, em 2009, a Reclamação apresentada contra ele, com a instauração do procedimento disciplinar que desencadeou o processo sinistral, não se pode a Ré prevalecer nos presentes autos, perante os Autores/terceiros lesados, dessa falta de oportuna participação do sinistro. Basta pensar que o Sr. Advogado até podia porventura estar disposto a assumir ele próprio o risco de vir a ser considerado civilmente responsável, por pensar que os Autores não lograriam vir atendida a sua pretensão, tendo considerado que não se justificava na altura envolver a Seguradora. Mas essa sua opção, de não “notificar”/comunicar à Seguradora a pendência do aludido procedimento disciplinar/Reclamação, não pode levar a que o ulterior exercício do direito de ação direta fundado nos mesmos factos (parte integrante da mesma Reclamação) fique afetado, pois, contrariamente ao que a Ré afirma, ainda se está perante uma Reclamação apresentada dentro do período temporal das apólices (sem olvidar que o decurso do tempo pode levar à prescrição nos termos previstos no art. 145.º da LCS e nos preceitos aplicáveis do CC).
Tem sido produzida jurisprudência em situações próximas da que nos ocupa, precisamente no sentido da inoponibilidade aos lesados da falta de comunicação à Seguradora da verificação do sinistro em caso de seguro obrigatório de responsabilidade civil, destacando-se, a título exemplificativo, os seguintes acórdãos (disponíveis em www.dgsi.pt):
- o acórdão do STJ de 26-05-2015, no Processo n.º 231/10.5TBSAT.C1.S1:
“I - O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional que, genericamente, garante a indemnização de prejuízos causados a terceiros no exercício da advocacia, configura um contrato a favor de terceiro, aleatório, bilateral e sinalagmático, por via do qual uma das partes – a seguradora – se obriga, mediante o recebimento de um prémio – a cargo do tomador, a favor do segurado (terceiro) – a suportar um risco que venha a ter lugar.
II - O dever de participação do sinistro, que incumbe ao segurado, constitui um princípio geral, com consagração no art. 100.º da LCS, cujo incumprimento pode dar azo a redução da prestação da seguradora e mesmo a perda de cobertura se for doloso, conforme decorre do art. 101.º, n.º s 1, e 2, da mesma Lei.
III - Tratando-se de seguro obrigatório de responsabilidade civil, dispondo o terceiro de acção contra a seguradora, deverá esta indemnizar com base na reclamação daquele, a quem é inoponível a excepção da falta de participação referida em III, sem prejuízo do direito de regresso contra o incumpridor relativamente às prestações que efectuar.”
- o acórdão do STJ de 14-12-2016, no processo n.º 5440/15.8T8PRT-B.P1.S1:
“I - O seguro de responsabilidade civil de advogado estabelecido no n.º 1 do art. 104.º do EOA é de natureza obrigatória. O elemento filológico de interpretação tirado do sentido das palavras que integram o texto descrito no n.º 1 do art. 104.º do EOA e também a “ratio” que superintendeu à redacção deste texto normativo, apontam no sentido da obrigatoriedade do seguro do advogado no exercício do seu cargo, mais precisamente que tem natureza imperativa o seguro de responsabilidade civil do advogado prescrita no seu estatuto.
II - O contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, celebrado entre a ré/recorrente “M… Seguros, S.A” e a Ordem dos Advogados, garantindo a indemnização de prejuízos causados a terceiros pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem dos Advogados que exerçam actividade em prática individual ou societária, configura um contrato de seguro de grupo.
III - Tomando o que se dispõe no ponto 7. das condições particulares da apólice, a propósito do seu “âmbito temporal”, dele depreendemos em termos genéricos que, desde que participados após o início da vigência da presente apólice, estão abrangidos por este seguro todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador do seguro.
IV - Contrapondo-o à apólice de ocorrência (para fins de indemnização o facto causador do dano ou prejuízo a terceiros deve ocorrer durante a vigência do contrato), podemos afirmar que estamos perante uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), que condiciona o pagamento da indemnização à apresentação da queixa de terceiros durante o prazo de validade (vigência) do contrato e que possibilita a extensão da cobertura por um determinado período anterior ao início do contrato.
- o acórdão do STJ de 11-07-2019, no processo n.º 5388/16.9T8VNG.P1.S1:
«I. O seguro de responsabilidade civil profissional dos advogados tem natureza obrigatória.
II. A norma estatutária contida no artigo 99º do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei nº 15/2005, de 26 de janeiro, tendo por finalidade a realização do interesse público de salvaguarda da posição do cliente do advogado ante uma eventual insolvabilidade deste profissional e de assegurar a efetividade do direito de indemnização do cliente/lesado perante atuação do advogado geradora de responsabilidade, consagra, no seu nº1, a obrigatoriedade de o Advogado celebrar um contrato de seguro (individual) de responsabilidade civil profissional por forma a cobrir os riscos do exercício da sua profissão liberal de advocacia.
III. Mas, para além deste contrato de seguro individual, consagra ainda, no seu nº 3, a existência de um seguro de grupo, igualmente obrigatório, mas com carácter supletivo.
Trata-se do contrato de seguro de responsabilidade civil profissional mínima de grupo celebrado pela Ordem dos Advogados, tomadora do seguro, no qual são segurados e beneficiários todos os advogados inscritos nesta Ordem e que é acionado sempre que o advogado não tenha celebrado o contrato de seguro individual previsto no nº1 do citado artigo 99º.
IV. Dispondo o ponto 7 das Condições particulares da apólice deste contrato de seguro que : “O segurador assume a cobertura de responsabilidade civil do segurado por todos os sinistros reclamados pela primeira vez contra o segurado ou contra o tomador de seguro ocorridos na vigência de apólices anteriores, desde que participados após o início de vigência da presente apólice, sempre e quando as reclamações tenham fundamento em dolo, erro, omissão ou negligência profissional, cobertas pela presente apólice, e, ainda que tenham sido cometidos pelo segurado antes da data de efeito da entrada em vigor da presente apólice, e sem qualquer limitação”, estamos perante uma apólice de reclamação, também chamada “claims made”, segundo a qual o evento relevante para o acionamento do contrato durante a sua vigência, com vista ao pagamento de uma indemnização pela seguradora, é a reclamação e não o facto gerador do dano que está na sua base.
V. A norma imperativa do artigo 101, nº4 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo citado DL nº 72/2008, de 16 de abril prevalece sobre a cláusula contratual da exclusão de pré-conhecimento do sinistro, prevista na alínea a), do artigo 3º, das Condições Particulares desta mesma apólice, que exclui da cobertura do contrato de seguro em causa as reclamações por qualquer facto ou circunstância conhecida do segurado, anteriormente à data de início do período seguro, e que já tenha gerado, ou possa razoavelmente vir a gerar reclamação.
VI. Vale isto por dizer que, por força do disposto no art.º 101.º n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro, num contrato de seguro de responsabilidade civil profissional obrigatório, não são oponíveis aos lesados beneficiários as exceções de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado dos deveres de participação do sinistro à seguradora, previstas, respetivamente, nos nºs 1 e 2 do citado artigo.»
- o acórdão do STJ de 17-10-2019, no processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S2:
«I. O contrato de seguro celebrado entre a Ordem dos Advogados e a seguradora tendo por objecto o risco decorrente de acção ou omissão praticada pelos advogados com inscrição em vigor na Ordem, no exercício da sua profissão, configura um “contrato de seguro de grupo”, em que a Ordem é o tomador de seguro e os advogados são os segurados.
II. A este contrato de seguro é aplicável o Regime Jurídico do Contrato de Seguro (aprovado pelo DL nº 72/2008, de 16.04, alterado pela Lei n.º 147/2015, de 9.09), nomeadamente o artigo 101.º, n.º 4, dispondo que, nos seguros obrigatórios de responsabilidade civil, as cláusulas de redução ou de exclusão fundadas no incumprimento pelo segurado de deveres de participação do sinistro à seguradora são inoponíveis ao lesado.
III. Uma das funções “naturais” do seguro – e, por maioria de razão, do seguro obrigatório imposto a certos profissionais, que, como a do advogado, exercem actividades com risco elevado de produção de danos – é a de assegurar que o lesado não deixará de ser ressarcido, pelo que só em casos muito contados é legítimo a seguradora escusar-se a responder ou limitar a sua responsabilidade perante o lesado.»
- o acórdão da Relação do Porto de 09-11-2017, no processo n.º 9108/16.0T8PRT-A.P1:
“I - Uma fundamentação deficiente e abreviada, não integra a previsão do art.º 615.º n.º 1 al. b) do C.P.C., que apenas comina com a nulidade a total ausência de fundamentação da decisão.
II - O contrato de seguro de responsabilidade civil de advogado pode ser qualificado como contrato a favor de terceiro, de acordo com a noção que nos é dada pelo art.º 443.º do C.Civil, como acontece aliás em regra nos contratos de seguro de responsabilidade civil profissional, em que o beneficiário não é parte contratante, sendo terceiro que não intervém na elaboração do contrato de seguro.
III - O seguro de responsabilidade civil a que alude o art.º 104.º do Estatuto da Ordem dos Advogados tem a natureza de seguro obrigatório, sendo do interesse público que a actividade do exercício da advocacia seja acompanhada de um seguro susceptível de proteger essencialmente as pessoas que a ela recorrem, visando em primeira lugar a protecção destas pessoas enquanto lesados, mas também dos advogados que a praticam.
IV - Nas apólices de reclamação, também denominadas claims made, a delimitação temporal da garantia do seguro reporta-se não à data da verificação do facto causador do prejuízo, mas antes à data da sua reclamação, diferentemente do que acontece nas apólices de seguro denominadas de ocorrência, que apenas admitem a indemnização quando o facto causador do dano se verifica na vigência do contrato de seguro.
V - Num contrato de seguro obrigatório, não são oponíveis ao lesado beneficiário, enquanto terceiro que nele não é parte, as excepções que ali são previstas e que se referem ao incumprimento ou omissão por parte do segurado ou do tomador do seguro dos deveres que para ele decorrem de tal contrato ou da lei, sem prejuízo do direito de regresso da seguradora, nos termos do art.º 101.º n.º 4 da Lei do Contrato de Seguro.”
Tudo ponderado, ante os factos provados, os preceitos legais aplicáveis e a jurisprudência citada, impõe-se concluir que a primeira reclamação, na qual se inserem as subsequentes, incluindo a atual demanda, foi apresentada dentro do âmbito temporal das duas referidas apólices (de 2009), não se verificando a perda ou exclusão da cobertura por falta de notificação daquela primeira Reclamação à Seguradora.
Quanto à questão da franquia, há que ter presente o expressamente clausulado nas condições especiais dos seguros em apreço e a natureza obrigatória destes seguros, o que convoca a aplicação do disposto nos termos conjugados dos arts. 146.º, n.º 2, e 138.º, n.º 2, da LCS, preceitos que a jurisprudência vem interpretando no sentido da inoponibilidade de franquia a terceiros lesados, como se pode ver pela consulta do acórdão do STJ de 17-10-2019 acima citado e ainda do acórdão do STJ de 17-11-2020, proferido na Revista n.º 13132/18.0T8LSB.C1.S1 - 1.ª Secção, de que citamos, pelo seu interesse, as seguintes passagens do respetivo sumário, disponível em www.stj.pt: “IX - Quando num contrato de seguro de responsabilidade civil se está perante uma apólice de reclamações, também chamada “claims made” (“reclamação feita”), a cláusula em causa afasta a regra geral de delimitação da responsabilidade ao tempo de vigência do contrato. X - A responsabilidade da seguradora deve ser limitada ao capital seguro (€ 150 000,00), sem a devida dedução da franquia contratualmente estabelecida, por esta não ser oponível a terceiros lesados.”
É, pois, claro que a Ré não se pode eximir à obrigação de pagamento da indemnização fundada em responsabilidade profissional do Advogado seu segurado, estando em mora, desde a sua citação, no cumprimento dessa obrigação (cf. artigos 559.º, 805.º, n.º 1, e 806.º do CC e Portaria n.º 291/2003, de 08-04-2003), pelo que o recurso merece provimento.
Vencida a Ré-Apelada, é responsável pelo pagamento das custas processuais em ambas as instâncias (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
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III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida, que ora se substitui, julgando-se procedente a ação e condenando a Ré a pagar aos Autores a quantia de 39.425,75 €, acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Mais se decide condenar a Ré-Apelada no pagamento das custas da ação e do recurso.
D.N.

Lisboa, 12-05-2022
Laurinda Gemas
Arlindo Crua
António Moreira