Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3363/22.3T8OER.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: REPORTAGEM EM REVISTA
PUBLICAÇÃO
FIGURA PÚBLICA
OFENSA DA INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
RESPONSABILIDADE CIVIL
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. No que tange à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada, o TEDH identificou essencialmente os seguintes critérios de aferição do equilíbrio dos direitos concorrentes:
i. A contribuição para um debate de interesse público;
ii. O grau de notoriedade da pessoa afetada;
iii. O objeto da reportagem;
iv. O comportamento anterior da pessoa em causa;
v. O conteúdo, a forma e as consequências da publicação;
vi. A forma como a informação foi obtida e a sua veracidade;
vii. Se e for caso disso, as circunstâncias em que as fotografias foram tiradas.
II. As circunstâncias do caso podem determinar que certos critérios possam assumir maior ou menor relevância.
III. Decorre da jurisprudência do TEDH a consagração do critério do interesse público no conhecimento dos factos, não sendo permitida a captação de imagem de figuras públicas se, mesmo encontrando-se em lugares públicos, não estejam direta ou indiretamente a exercer funções pelas quais se tornaram conhecidas.
IV. Os erros do passado (adição ao álcool) não têm de constituir uma permanente espada de Dâmocles sobre a cabeça do Autor, sobretudo quando este patenteia um propósito de superação pessoal, tendo o autor direito à sua reabilitação, sendo que esta é dificultada pela permanente lembrança da adição pretérita.
V. A circunstância de as fotografias terem sido tiradas quando o autor estava na via pública não significa que as mesmas se reportem à esfera pública da vida do autor.
VI. Consoante refere o TEDH, o interesse público não pode ser reduzido à sede do público por informação sobre a vida privada dos outros ou ao desejo do leitor por sensacionalismo ou voyeurismo.
VII. A discussão sobre a adição do autor ao álcool só colheria legitimidade como matéria de interesse público se a pontual situação de embriaguez tivesse ocorrido ou se manifestasse em ambiente laboral do autor. Com efeito, a avaliação do interesse público neste contexto exige que o ato ou a conduta revelada tenham conexão ou produzam efeitos na atividade da figura pública, não sendo esse o caso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
AB intentou ação declarativa sob a forma de processo comum contra CD, UNIPESSOAL LDA, EF, GH, IJ e KL,  pedindo a final, serem as 1º, 2º, 3º, 4º e 5º RR. condenadas solidariamente no pagamento ao Autor de €22.500,00, no que diz respeito aos danos morais sofridos em virtude da publicação da reportagem publicada na revista nº (...) e serem as 1º, 2º e 3º RR. condenadas solidariamente no pagamento ao A. de €15.000,00, no que diz respeito aos danos morais sofridos em virtude da publicação da reportagem publicada na revista (...).
Para o efeito alegou sumariamente que:
§ É um conhecido ator português, tendo iniciado a sua carreira profissional, há cerca de 20 anos. As suas atividades granjearam-lhe uma enorme notoriedade e popularidade. A vida pública do Autor tem sido marcada por inúmeros sucessos, sendo uma pessoa conhecida e acarinhada por colegas de profissão e pelo público português;
§ O Autor sempre sonhou ser médico, tendo iniciado o curso de medicina que acabou por ficar uns anos suspenso, considerando o enorme sucesso que teve na sua carreira enquanto ator. Entretanto, o Autor terminou o curso de medicina em 2018, a que se seguiu uma pós-graduação em medicina estética e anti-aging na Universidade de (...), em (...). O Autor adquiriu alguma experiência na área da Medicina, tendo estado sob a tutela do Centro Hospitalar do (...), EPE, como Médico Interno de formação geral em 2019, tendo desempenhando funções de Médico Generalista nas urgências do Hospital de (...), durante um período da pandemia;
§ O Autor teve ainda a seu cargo a Direção Clínica da Clínica Médica (...), realizando atualmente a sua atividade na área da medicina estética, que complementa com a sua vida de ator;
§ O Autor teve, no passado, um problema de alcoolismo, que nunca escondeu e acabou por ser tornado público, tendo passado por um período longo de recuperação, com um caminho complexo, com os seus altos e baixos;
§ A 1.ª Ré é proprietária de revista `XZ” que é uma revista lida por muitas pessoas, com uma tiragem de cerca de 40.000 exemplares semanais, cuja capa é habitualmente exposta, com grande visibilidade, nos escaparates dos postos de venda de imprensa;
§ A 2.ª Ré é Diretora da `XZ”;
§ As 3º, 4º e 5º Réus são as autoras da reportagem publicada na revista n.º (...), de 25.09.2019 a 01.10.2019, e a 3º Ré é ainda autora da reportagem publicada na revista n.º (...), de 29.01.2020 a 04.02.2020;
§ As reportagens ora em causa nestes autos foram publicadas na “XZ” com conhecimento e sem oposição da sua directora ou do seu substituto legal, que igualmente teve conhecimento e não se opôs aos títulos, legendas e destaques assinalados, podendo ter evitado essas publicações;
§ A primeira reportagem, publicada na semana de 25.09.2019 a 01.10.2019, mereceu chamada de capa com o seguinte título “AB – APANHADO após noite de farra. VÍTIMA DO VÍCIO”;
§ A segunda reportagem, publicada na semana de 29.01.2020 a 04.02.2020, mereceu chamada de capa com o seguinte título “EXCLUSIVO – AB – DESFIGURADO – Saiba porquê!”;
§ Aquando da primeira publicação, o Autor referiu de imediato que não autorizava a publicação de quaisquer fotografias em que, segundo a Ré, aparecesse embriagado. Reforçando essa conversa telefónica, o Autor, representado pelos seus mandatários, comunicou à 2ª Ré formalmente e por escrito que se opunha à publicação das fotografias em pauta, mais referindo que estavam em causa direitos de personalidade, nomeadamente o direito à imagem e à defesa da dignidade pessoal e que a sua publicação obrigaria ao recurso às vias judiciais competentes;
§ Apesar disso, os Réus, ao atropelo dos mais elementares direitos do Autor, decidiram publicar as fotografias em causa, com total consciência de que lesavam a imagem, dignidade e mesmo a reputação do A. enquanto médico;
§ A reportagem teve enorme repercussão pública, tendo sido muito comentada no meio artístico e no meio profissional do Autor, e, em geral, pela opinião pública, com conotações negativas. O Autor teve de se confrontar com a sua imagem no escaparate do quiosque à entrada do Hospital onde trabalhava todos os dias, o que lhe trouxe particular incómodo. Em virtude da publicação e de todo o conteúdo da reportagem em geral, o A. sentiu-se vexado, constrangido e desrespeitado;
§ Aquando da segunda publicação, o Autor também se sentiu particularmente humilhado pela forma como a notícia foi divulgada na capa da revista, onde se escamoteava que o A. fora submetido a uma cirurgia estética e se deixava no ar a dúvida sobre a causa do desfiguramento, deixando a ideia de que isso poderia ter resultado de um confronto físico;
§ Ao não indicar na capa a razão de ser do estado em que se encontrava o Autor, as 1º, 2º e 3º Réus bem sabiam que estavam a explorar de forma sensacionalista e abusiva a imagem do A., deixando o público com a ideia de que poderia ter havido uma situação de violência ou de confronto físico, quando teria sido fácil indicar que a situação decorria de uma intervenção cirúrgica.
As Rés excecionaram a ininteligibilidade das causas de pedir e impugnaram os factos.
Pugnaram pela improcedência do pedido.
Após julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Por todo o exposto, julgo a presente acção improcedente e, em consequência:
a. Absolvo as Rés CD, UNIPESSOAL LDA, EF, GH, IJ e KL dos pedidos formulados pelo Autor AB.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o Autor formulando, no final das suas alegações, as seguintes
CONCLUSÕES:
«DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A. No geral, a fundamentação de facto da sentença recorrida é criteriosa e corresponde à prova produzida em audiência, apenas com duas exceções.
B. A primeira exceção, relativamente à qual se dirige, em primeira linha, a presente impugnação da matéria de facto, tem a ver com o número 28 do probatório: “O Autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida.”.
Salvo melhor opinião, o inciso em causa reflete insuficientemente a prova produzida, a qual se reporta à matéria invocada no art.º 52.º da PI, que se inscreve nos temas 1 e 2 da prova.
É que não basta dizer que o A., através do Instagram, decidiu partilhar que tinha sido submetido a uma rinoplastia, o que faz acompanhar de uma fotografia por si escolhida; é que isso só aconteceu como defesa antecipada em relação ao conhecimento que o A. teve de que a XZ iria publicar fotografias suas, desfigurado, com uma tala e hematomas, tendo o A. agido numa perspetiva de controlo de danos (“damage control”), de forma a atenuar os efeitos negativos da publicação de outras fotografias mais gravosas (para a sua imagem) que a XZ se preparava para publicar, como veio a fazer.
C. Considerando a prova gravada cujos excertos relevantes se transcreveram nos n.os 9 e 10 do corpo das alegações, e bem assim os termos da sentença e da ata de 15/05/2023, supra transcritos nos n.os 11 e 12 do corpo das alegações, o facto n.º 28 do probatório deve passar a ter a seguinte redação, que corresponde à prova efetivamente produzida em audiência:
O Autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida; o que o A. fez porque, tendo tomado conhecimento que a  XZ iria, sem a sua autorização, publicar fotografias suas, com  uma tala no nariz e hematomas na cara, decidiu, a fim de atenuar os danos que tal publicação implicaria, antecipar a comunicação de que tinha sido submetido a uma rinoplastia, acompanhada de uma  fotografia por si escolhida.”.
D. A segunda exceção, à qual também se dirige a presente impugnação da matéria de facto, tem a ver com o facto não provado “a.”, que deve passar a provado, com a seguinte redação: “A XZ tem uma tiragem de cerca de 40.000 exemplares semanais, cuja capa é habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa.”.
E. Quanto ao facto de a XZ ter uma tiragem de cerca de 40.000 exemplares/semana, trata-se de facto articulado no art.º 18. ° da PI, o qual não foi impugnado e assim se deve considerar provado por acordo.
Com efeito, a impugnação do art.º 18.° da contestação reporta-se às conclusões constantes dos artigos da PI aí mencionados, na medida em que neles “não se imputa qualquer facto concreto às RR.”, o que terá a ver com as ilações neles elaboradas, mas não com o facto concreto relativo à tiragem da XZ, que, na verdade, não foi, nesse inciso, impugnado. Aliás, foi certamente por isso que tal matéria nem foi levada aos temas da prova.
F. Quanto ao facto da capa da XZ ser habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa, trata-se de um facto público e notório – de conhecimento geral –, que não carece de prova, nos termos do art.º 412.º do CPC.
G. Em conclusão, deve ser deferida a impugnação da matéria de facto, relativamente à reformulação do facto 28 do probatório, bem como a considerar-se provado o facto dado como não provado “a.”, nos termos acima expostos nas conclusões C. e D.
DO DIREITO
H. Relativamente à primeira reportagem, a questão tem a ver com a divulgação de fotografias do A. – tiradas à distância, sem o seu conhecimento ou consentimento –, nas quais o A. é retratado aparentemente embriagado, a segurar garrafas de cerveja, com ar alterado e desgrenhado, sob uma capa intitulada “Vítima do Vício”, a que acresce um texto em que é mencionado o problema de alcoolismo de que o A. padece, apesar da terapêutica a que tem recorrido para o ultrapassar – cf. factos provados n.ºs 13 a 16 e 21 a 26.
I. É verdade que o A. tem um problema de alcoolismo, tendo já passado por longos períodos de recuperação, o que por ele já foi assumido publicamente – cf. factos provados n.ºs 8 e 30. Mas tal circunstância não permite que a sua vida seja devassada em termos de ser exibida uma situação em que se revela um quadro de embriaguez, quando tal factualidade não lesou nem incomodou ninguém e não se repercutiu na sua atividade profissional. Neste item, a especulação da notícia acerca do facto de o A. ser médico é desprovida de relevância, porque não foi referida qualquer situação em que esse problema do A. se tivesse repercutido na sua conduta concreta de médico.
J. Deste modo, a revelação da situação de embriaguez em que o A. aparentemente se encontraria – sob o título de capa “Vítima do Vício” – constitui uma devassa da sua vida privada, atingindo o seu direito ao bom nome e reputação.
K. Assim sendo, e ao contrário do que entendeu a sentença recorrida, o alegado interesse público da divulgação da notícia, atento o facto de o A. ser uma pessoa pública e do seu problema de alcoolismo ser conhecido, não pode prevalecer, nas circunstâncias do caso, sobre o seu direito à reserva da intimidade da vida privada, bem como à proteção devida ao seu bom nome e reputação.
L. De qualquer forma, mesmo que assim se não entenda, e se considere que, sendo o A. uma pessoa pública e sendo do domínio público a sua adição (embora em tratamento), poderia haver um interesse público prevalecente na exposição da alegada recaída do A., há um dado incontornável: não havia qualquer justificação ou necessidade de exibir as fotografias do A., as quais aviltam a sua imagem.
M. A divulgação de tais fotografias consubstancia uma violação grosseira do seu direito à imagem, nos termos previstos no art.º 79. ° do CC. Não havia qualquer interesse público em divulgar a degradação visual do A., tendo, designadamente, em conta que o art.º 79.°, n.º 3, do CC, proíbe, em qualquer caso, a reprodução da imagem, se desse facto resultar prejuízo para a reputação ou simples decoro da pessoa retratada, como manifestamente ocorria.
N. A circunstância invocada pela sentença recorrida de que tais fotografias já circulariam na internet é irrelevante para o efeito em pauta, uma vez que estamos perante a reprodução de fotografias inseridas numa revista comercial de grande tiragem, com uma credibilidade reforçada. E não é o facto de terceiros já terem divulgado ilicitamente as fotografias que exime os RR. do seu dever de respeitar o direito à imagem do A.
O. Relativamente à segunda reportagem, está em causa a notícia de que o A. se teria submetido a uma rinoplastia e a divulgação de fotografias do A., desfigurado, com talas no nariz e hematomas na cara, a que acresceu a circunstância de a fotografia exposta na capa – sem explicação do que ocorrera – se prestar a uma especulação negativa para a imagem do A., induzindo facilmente em erro o público em relação aos motivos que teriam levado a que o A. tivesse o rosto desfigurado (podendo mesmo levar o leitor a julgar que o A. teria estado envolvido numa qualquer situação de confronto físico) – cf. factos provados n.os 17 a 20 e 27 a 295.
P. É verdade que o próprio A. divulgou no Instagram que tinha sido submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar da fotografia junta como doc. 11 à contestação; fê-lo, todavia, no contexto já descrito relativamente à matéria do facto 28 do probatório, com a correção objeto da impugnação supra deduzida.
Q. Foi por isso a conduta dos RR. que levou a que o A. tivesse de divulgar ter sido submetido a uma rinoplastia, facto que ele queria ter guardado para si, por fazer parte da reserva da sua vida privada. De qualquer forma, não é esse o ponto. Não é a divulgação da rinoplastia que justifica o presente recurso, mas sim a divulgação das fotografias do A., desfigurado, com tala e hematomas, sem sua autorização e mesmo oposição (cf. facto provado n.º 27), bem como a particular circunstância de a capa da revista o ter exposto desfigurado, sublinhando isso mesmo (“desfigurado”) e deixando o leitor na dúvida sobre o que é que o teria determinado, dando assim azo a especulações negativas sobre uma eventual conduta censurável por parte do A..
R. A fotografia que o A. divulgou no Instagram (doc. 11 à contestação) é bastante diferente das fotografias divulgadas pela XZ, particularmente na capa. Nas fotografias divulgadas pela XZ, o A. aparece desfigurado, com péssima imagem, ademais sem que a chamada de capa adiante qualquer explicação para o sucedido, o que o fez sentir vexado. Deve ter-se presente que o A. é ator (além de médico) e vive da sua imagem (cf. factos n. os 1 a 5 do probatório).
S. Não há justificação para tal divulgação, nem havia necessidade disso ter ocorrido, a não ser o propósito sensacionalista da XZ de querer vender mais revistas à custa da imagem degradada do A. É assim indubitável a violação do direito à imagem do A., nos termos do art.º 79.°, do CC. Sublinha-se, mais uma vez, que a divulgação da imagem do retratado, mesmo quando justificada, não pode, em qualquer caso, ocorrer em prejuízo da reputação ou simples decoro da pessoa retratada, como manifestamente aconteceu. Não pode, por isso, deixar de se concluir que a sentença recorrida ponderou erroneamente os interesses em jogo, admitindo como justificada a divulgação de imagens, cuja publicação consubstanciou uma conduta flagrantemente ilícita.
T. Quanto à imputação dos atos ilícitos às RR., está assente que as 3º a 5º RR. são autoras da primeira reportagem e a 3º R. é autora da segunda reportagem, sendo a 2º R. a diretora da revista, que é propriedade da 1º R.
U. As 3º, 4º e 5º RR. estão, enquanto jornalistas, e a 2º R., enquanto diretora da “XZ” adstritas aos deveres de “informar com rigor e isenção, rejeitando o sensacionalismo (...)” e “preservar, salvo razões de incontestável interesse público, a reserva da intimidade” – cf. Estatuto do Jornalista, art.º 14.°, n.º 1, a) e n.º 2, h) (Lei 1/99, de 1 de janeiro, alterada pela Lei 64/2007).
As RR. incumpriram culposamente os deveres supracitados com a publicação das notícias e das fotografias em causa, porque, sem motivo atendível, à luz de um critério de experiência comum, violaram a reserva da intimidade da vida privada do A., bem como o seu direito à imagem, bom nome e reputação, não informando nem com rigor, nem com isenção, praticando um sensacionalismo gratuito e fútil.
V. À 2º R., enquanto diretora da XZ, incumbia “orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação”, em termos que não consubstanciassem uma violação da reserva da intimidade da vida privada do A. e do seu direito à imagem, bom nome e reputação – cf. art.º 20.° da Lei da Imprensa –, o que se tem de presumir que não fez (presunção judicial – art.º 351.° do CC), uma vez que não demonstrou que a publicação das notícias e fotografias em pauta foram feitas à sua revelia e/ou sem o seu conhecimento.
W. A 1.ª R. é igualmente responsável, civilmente, pelos ilícitos praticados, nos termos do art.º 29. ° da Lei de Imprensa.
X. As publicações em causa vexaram o A., que se sentiu constrangido e desrespeitado, tendo designadamente em conta a repercussão da primeira reportagem no meio artístico e profissional do A. e, em geral, na opinião pública, o que lhe causou particular incómodo, bem como o alarme que a segunda publicação teve junto de amigos e conhecidos do A. (cf. factos provados n.os 24 a 26 e 29), pelo que ocorreram danos não patrimoniais para o A., que foram consequência dos ilícitos praticados (nexo de causalidade).
Y. O A. reclama nesta ação uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, que, considerando as circunstâncias do caso e os critérios do art.º 494.° e 496.° do CC, se reputa adequado fixar, relativamente à primeira reportagem, em €22.500,00, e, em relação à segunda reportagem, em €15.000,00, em que os RR. devem ser condenados nos exatos termos que constam do pedido formulado na PI..
Termos em que o recurso merece provimento, com as legais consequências, devendo os RR. ser condenados nos termos formulados na PI.»
*
Contra-alegaram as apeladas, propugnando pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões A a G);
ii. Violação do direito à imagem, reserva da intimidade da vida privada, bom nome e reputação do autor com a publicação das duas reportagens (restantes conclusões);
iii. Fixação da responsabilidade e cômputo dos danos.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. O Autor é um conhecido ator português, tendo iniciado a sua carreira profissional, há cerca de 20 anos, quando, com 21 anos, participou na telenovela “(...)”.
2. O A. participou, desde então, em inúmeras telenovelas e outros programas de televisão, designadamente “(...)” (2006/2007), “(...)” (2008/2009), “(...)”, e também em peças de teatro como “(...)”, “(...)” ou “(...)”.
3. Além da representação, iniciou uma carreira musical, tendo lançado o disco “(...)” em 2009.
4. Fez também diversos trabalhos como modelo fotográfico e de passerelle.
5. Entretanto, o A. terminou o curso de medicina em 2018, a que se seguiu uma pós-graduação em medicina estética e anti-aging na Universidade de (...), em (...).
6. O Autor esteve sob a tutela do Centro Hospitalar do (...), EPE, como Médico Interno de formação geral em 2019, tendo desempenhando funções de Médico Generalista nas urgências do Hospital de (...), durante um período da pandemia.
7. O Autor realiza atualmente a sua atividade na área da medicina estética, que complementa com a sua vida de ator.
8. O A. teve, no passado, um problema de alcoolismo, tendo passado por um período longo de recuperação.
9. A 1ª Ré (CD, Unipessoal, Lda.) é proprietária de revista “XZ”.
10. A 2ª Ré (EF) é Diretora da “XZ”.
11. As 3ª (GH), 4ª (IJ) e 5ª (KL), RR. são as autoras da reportagem publicada na revista nº (...), de 25.09.2019 a 01.10.2019, e a 3ª R. é ainda autora da reportagem publicada na revista nº (...), de 29.01.2020 a 04.02.2020.
12. As reportagens ora em causa nestes autos foram publicadas na “XZ”.
13. A primeira reportagem, publicada na semana de 25.09.2019 a 01.10.2019, mereceu chamada de capa com o seguinte título “AB – APANHADO após noite de farra. VÍTIMA DO VÍCIO” – conforme documento nº 1 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
14. Na capa podem ver-se duas fotografias tiradas à distância, sem o conhecimento nem o consentimento do A., nos exatos termos que constam do suporte fotográfico documento nº 1 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
15. As mesmas fotografias estão reproduzidas no interior da revista – conforme documento nº 1 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
16. Nessas páginas, pode ler-se o seguinte:
AB apanhado após noite de farra – VÍTIMA DO VÍCIO – Após o incidente da Cova da Moura, Amadora, em que lhe roubaram o carro e foi alvo de agressões, AB volta a ser notícia. Desta vez, o médico e ator de “(...)” foi visto, por quem se cruzou com ele e relatou, aparentemente embriagado, depois de uma noite de farra com amigos em Coimbra. Houve mesmo quem tirasse fotos publicadas em vários sites e que se tornaram virais. As imagens são da manhã do dia 19 de setembro. AB, como é tratado pelos amigos, encontrava-se na esplanada do espaço Istambul Kebab com mais gente, vindo da noite passada na zona de bares e discotecas da cidade, perto das Universidades. «A dada altura, ele discutiu com uma das raparigas do grupo e afastou-se. Sentou-se numa cadeira a beber cervejas e tinha um discurso pouco coerente. Dizia ‘estão todos a olhar para mim’ e queria ir-se embora, mas acabou por ficar saindo por volta do meio-dia com os amigos com quem estava», referiu uma fonte que assistiu a tudo. Antes deste episódio, que continua a correr nas redes sociais e na imprensa nacional, o médico que está a realizar o internato no Centro Hospitalar do (...), tendo já passado pelos hospitais de (...), (...) e (...), recebeu uma proposta de trabalho para integrar as equipas médicas do Hospital de (...). AB declinou a proposta, pois iniciou uma pós-graduação em cirurgia plástica, a ser realizada entre Portugal e Espanha”.
“AB DIZ ESTAR BEM – Perante este episódio, cedo surgiram rumores de uma possível recaída por parte de AB, que não comenta o assunto quando confrontado pela nossa revista. «Não vou falar sobre a minha vida privada. Estou bem e a trabalhar», disse apenas. Nas redes sociais, também mostrou ter voltado à sua vida normal, que inclui o trabalho como médico interno, ser pai do pequeno (...), com 2 anos, e as idas ao ginásio para manter a boa forma física, uma vez que as gravações da série da SIC já chegaram ao fim. A sua presença é dada, no entanto, como certa na Gala dos Globos de Ouro, que decorre no dia 29. «Boa tarde a todos... Estou bem, feliz por fazer aquilo que gosto e a trabalhar todos os dias para ser melhor pessoa e profissional. E nem sempre é fácil. Sejam felizes. Saber viver e deixar viver», afirmou, procurando afastar rumores de que não se encontra bem e voltou às adições. Agradeceu também as muitas mensagens de apoio que recebeu dos seus seguidores. Porém, nos comentários a esta notícia, na internet podem encontrar-se muitas manifestações de preocupação pelo facto de AB estar a exercer medicina e ao mesmo tempo ter um comportamento que indica uma recaída. «Nunca na vida iria querer um médico que me cheirasse a álcool. Nem para mim nem para os meus... era uma queixa nos sítios próprios», pode ler-se num dos vários comentários. PSICÓLOGO EXPLICA RECAÍDAS – Isto acontece quatro anos depois de ter estado internado num centro de reabilitação para curar o seu problema de dependências de álcool e drogas e quando parecia estar a viver uma vida mais tranquila e serena. AB não nega o seu problema e, mesmo agora, já médico, deu várias entrevistas a falar sobre tudo o que se passou nos últimos anos e como quer ser «uma pessoa melhor todos os dias», tendo consciência de que «vive um dia de cada vez», hashtag que usa nas suas publicações. O Dr. AT, psicólogo clínico ligado à Abraço e plataforma Rumo, explica à nossa publicação que «um adicto é para a vida» e que a recaída, isolada, faz parte de um processo que o doente pode ter de fazer. «Em alguns casos, são até terapêuticas. Trabalha-se tudo e faz-se um balanço. A partir daí, pode haver progressão. A recaída tem de ser reparadora e não pode ser encarada como falhanço, senão a pessoa sai fora e é difícil puxá-la. Se houver mais, com frequência, é porque a pessoa não se quer ajudar e é preciso sensibilizá-la». Explica ainda que, atualmente, há duas correntes: uma na qual o adicto não pode voltar a tocar no que lhe causa dependência. E outra em que o paciente passa por uma abordagem de responsabilização também, mas sobretudo de redução de riscos e não a paragem do comportamento. «Em vez de injetar heroína, fuma. É um exemplo. Pode levar a um comportamento inibidor», revela. Certo é que o comportamento de risco só existe se o adicto quiser. «Há uma questão que se faz em psicologia: quantos psicólogos são precisos para acender uma lâmpada? Um, mas a pessoa tem de querer mudar. O máximo que se pode fazer é sensibilizar. São escolhas que estão a ser feitas.
17. A segunda reportagem, publicada na semana de 29.01.2020 a 04.02.2020, teve a chamada de capa com o seguinte título “EXCLUSIVO – AB – DESFIGURADO – Saiba porquê!” – conforme documento nº 2 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
18. Na capa o A. surge com a cara inchada e ligada, e no interior seis fotografias, tiradas à distância, sem o conhecimento nem o consentimento do A., nos exatos termos que constam do suporte fotográfico documento nº 2 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
19. Na realidade, e como é depois explicado no interior da revista, o A. foi submetido a uma rinoplastia – conforme documento nº 2 junto com a petição Inicial cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
20. O A., em virtude da carreira de ator que tem há mais de 20 anos, e sendo muito conhecido do público em geral, tem consciência de que a sua vida tem maior repercussão pública do que a generalidade das pessoas que trabalhem noutros meios.
21. No que diz respeito à primeira reportagem, o A. foi contactado pela Ré GH, que lhe referiu circularem, fotografias nas quais o A. era retratado aparentemente embriagado.
22. O A. referiu de imediato que não autorizava a publicação de fotografias em que aparecesse “embriagado”.
23. Na própria reportagem é referido, que houve comentários de utilizadores online, nomeadamente de um dizendo que: “Nunca na vida iria querer um médico que cheirasse a álcool” – conforme documento nº 1 junto com a petição Inicial e documento 8 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
24. A reportagem foi comentada no meio artístico e no meio profissional do Autor, e, em geral, pela opinião pública.
25. Nessa semana, o A. teve de se confrontar com a sua imagem no escaparate do quiosque à entrada do Hospital onde trabalhava todos os dias, o que lhe trouxe particular incómodo.
26. Em virtude da publicação e de todo o conteúdo da reportagem em geral, o A. sentiu-se vexado, constrangido e desrespeitado.
27.  Antes da publicação da segunda reportagem – identificada em 17 - o A. foi contactado pela XZ, tendo-lhe sido referido que tinham em sua posse fotografias onde o Autor aparecia com uma tala no nariz e hematomas na cara e se queria prestar algum esclarecimento, o que, depois de bastante pressionado por jornalista da XZ, acabou por fazer, tendo explicado que se tinha submetido a uma rinoplastia, não pretendendo que tais fotografias fossem tornadas públicas.
28. O Autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida.
29. O A. sentiu-se vexado com a publicação em causa, tendo recebido inúmeros contactos de amigos e conhecidos preocupados com o seu estado de saúde depois de verem a capa da “XZ”.
30. A questão de dependência alcoólica, seus efeitos e consequências sido abordada pelo Autor em algumas entrevistas – conforme documento nº 4 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
31. Quer a matéria quer as fotografias abordadas na publicação identificada em 13 já eram conhecidas em data anterior à publicação desta reportagem.
32. Já circulava na internet, pelo menos, desde o dia 19 de setembro do mesmo ano, fotografias e conteúdo similar à reportagem – conforme documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
33. Tendo o Autor reagido, nesse mesmo dia (19.09.2019), a tal divulgação através de uma publicação feita dos seus perfis nas redes sociais – conforme documentos nºs 9 e 10 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
34. A 28 de janeiro de 2020, “cinco dias depois” da realização da cirurgia plástica, o Autor partilhou publicamente, através do seu perfil nas redes sociais, uma imagem sua na qual referia “5 dias pós-rinoplastia” – conforme documento nº 11 junto com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
35. Para além da rinoplastia, o Autor já tinha realizado outras duas cirurgias estéticas, nomeadamente uma abdominoplastia e um implante capilar, cujos procedimentos foram divulgados publicamente – conforme documentos nºs 12 e 13 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
36. Nos quais o Autor promoveu os locais e respetivos procedimentos – conforme documentos nºs 12 e 13 juntos com a Contestação cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Impugnação da decisão da matéria de facto
O apelante pretende que se proceda à alteração da matéria de facto provada nos seguintes termos:


FACTO CONSIDERADO PROVADO PELO TRIBUNAL A QUO:NOVA REDAÇÃO IMPETRADA PELO APELANTE:
28. O Autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida28. O Autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida; o que o A. fez porque, tendo tomado conhecimento que a  XZ iria, sem a sua autorização, publicar fotografias suas, com  uma tala no nariz e hematomas na cara, decidiu, a fim de atenuar os danos que tal publicação implicaria, antecipar a comunicação de que tinha sido submetido a uma rinoplastia, acompanhada de uma  fotografia por si escolhida
FACTO CONSIDERANDO NÃO PROVADO PELO TRIBUNAL A QUO:FACTO A CONSIDERAR PROVADO SEGUNDO O APELANTE:
A XZ tem uma tiragem de cerca de 40.000 exemplares semanais, cuja capa é habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa.A XZ tem uma tiragem de cerca de 40.000 exemplares semanais, cuja capa é habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa.


Preliminarmente, haverá que analisar as objeções suscitadas pelas Rés nas contra-alegações quanto à impugnação da matéria de facto.
Em primeiro lugar, sustentam as apeladas que o recurso é intempestivo porquanto «(…) os conteúdos indicados e transcritos pelo recorrente no recurso, para fundamentar o pedido de reapreciação da prova gravada, já constavam dos autos, tendo sido corretamente apreciados e manifestamente considerados pelo Tribunal a quo na valoração probatória e formação da sua convicção». Concluem que o tribunal ad quem não precisará recorrer aos depoimentos gravados na medida em que a matéria invocada pelo recorrente consta, sobretudo, da assentada do seu depoimento.
Não assiste razão às apeladas.
Conforme se refere em (...) Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 827:
«A apreciação do modo como foram preenchidos os ónus de alegação contidos no art.º 640º poderão naturalmente condicionar o conhecimento da impugnação, mas não colocam em crise a tempestividade do recurso de apelação que, naquelas condições, tenha sido apresentado dentro do prazo alargado (STJ 14-9-21, 18853/17, STJ 8-9-21, 5404/11, STJ 9-2-17, 471/10, STJ 28-4-16, 1006/12 e STJ 22-10-15, 2394/11).»
Ora, o apelante deu cumprimento aos ónus do Artigo 640º, nº1, als. a) a c), indicando os segmentos do depoimento e das declarações de parte que, no seu entender, fundam a alteração pretendida. Tanto basta para beneficiar da prorrogação do prazo de dez dias.
Saber se a respetiva pretensão terá, ou não, sucesso é questão que está a jusante, não se refletindo retroativamente na prorrogação do prazo.
Em segundo lugar, as apeladas objetam que o apelante não demonstrou a correspondência dos depoimentos invocados com os concretos factos tidos por insuficientes e incorretamente julgados pelo tribunal a quo.
Sem razão, porém, porquanto o apelante – além de só impugnar dois factos – fez a imputação dos meios de prova às alterações fácticas pretendidas, o que é por demais evidente quanto à pretendida alteração da redação do facto 28.
Quanto à reversão do facto não provado para provado, o apelante ancora-se nesta dupla alegação: trata-se de matéria alegada no artigo 18º da petição, que não foi objeto de impugnação; decorre da ficha técnica das edições da Revista XZ.
Deste modo, estão devidamente identificadas as razões pelas quais o apelante pretende a reversão, questão diversa da respetiva procedência o que será visto infra.
Em terceiro lugar, sustentam as apeladas que o apelante não deu cumprimento ao disposto no Artigo 639º, nº2, alíneas b) e c) na medida em que não indicou o sentido com que as normas deviam ter sido aplicadas nem invocou a norma que devia ter sido aplicada.
Também improcede esta objeção porquanto, ao longo das alegações e conclusões, o apelante mencionou as normas que, no seu entender devem ser aplicadas e em que termos, v.g. artigos 2º, 4º, 26º, 27º, 35º, 37º, 39º, 40º, 42º e conclusões M), S), U), V), W) e Y).
Improcedem as objeções das apeladas, nada obstando ao conhecimento da pretendida impugnação da matéria de facto.
Apreciando.
No que tange à pretendida alteração da redação do facto 28, no artigo 52º da petição, alegou o autor que:
«No entanto, e acabando por perceber que, apesar disso, a XZ iria publicar essas fotografias, o A., através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida, já visivelmente menos inchado, sem nódoas negras e apenas com uns pensos finos por cima do nariz.»
Cotejando o que foi oportunamente alegado pelo autor com os aditamentos pretendidos à redação do facto 28, só ocorre sobreposição no segmento “e acabando por perceber que, apesar disso, a XZ iria publicar essas fotografias”, não ocorrendo correspondência no mais.
Atenta a causa de pedir nestes autos, os segmentos factivos que o apelante pretende adicionar, na parte em que não ocorre correspondência com a alegação respetiva, ao elenco dos factos provados assumem a natureza de factos complementares, nos termos do Artigo 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil. Tais factos só poderiam ser introduzidos no processo no decurso do julgamento em primeira instância, mediante iniciativa da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto, sob pena de proferir uma decisão-surpresa (cf. também: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 7.2.2017, Pinto de Almeida, 1758/10, de 6.9.2022, Graça Amaral, 3714/15, de 30.11.2022, Barateiro Martins, 23994/16, de 30.5.2023, Jorge Dias, 529/21, de 7.12.2023, Cura Mariano, 2017/11; Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de  11.12.2018, Moreira do Carmo, 2053/14, de 13.9.2022, Moreira do Carmo, 3713/16; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.12.2019, Castelo Branco, 11605/18). Em qualquer dessas circunstâncias, assiste à parte beneficiada pelo facto complementar e à contraparte a faculdade de requererem a produção de novos meios de prova para fazer a prova ou contraprova dos novos factos complementares – cf. (...) Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 32.
Não tendo a apelante desencadeado tal mecanismo de ampliação fáctica nem tendo o mesmo sido utilizado oficiosamente pelo tribunal, está precludida a ampliação da matéria de facto  nessa parte com tal fundamento em sede de apelação porquanto o conteúdo da decisão seria excessivo por envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art.º 5º (cf. (...) Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2022, 3ª ed., Almedina, p. 860) ou, segundo Alberto dos Reis, ocorreria erro de julgamento por a sentença/acórdão se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp.. 145-146). Note-se que a ampliação da matéria de facto (Artigo 662º, nº2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade alegada, tempestivamente, pelas partes, não constituindo um sucedâneo do mecanismo sucedâneo do Artigo 5º, nº 2, al. b), do Código de Processo Civil).
Fica, deste modo, restrita a apreciação ao segmento: «e acabando por perceber que, apesar disso, a XZ iria publicar essas fotografias.»
Ouvida a inquirição da testemunha NM (mãe do autor), a mesma confirma que, em conversa com o autor, este lhe disse que foi avisado que ia sair uma notícia com imagem do próprio e que o autor assumiu que era melhor ser ele a fazer uma publicação no Instagram a dizer que tinha feito uma rinoplastia.
No seu depoimento de parte, o autor pronunciou-se em idêntico sentido, dizendo que tinha pretendido fazer um controlo de danos, sendo que a publicação era a única coisa que podia fazer (“o que é que podia dizer mais?”).
De tal forma que, na assentada do depoimento de parte, ficou a constar que:
«Facto 60: Falou sobre o assunto porque lhe haviam comunicado que tinham fotos suas, e não sendo uma parceria entendeu expor por si a situação em causa. Com a publicação do documento n.º 11 junto com a contestação tentou fazer um controlo de danos, uma vez que já havia comunicado que não queria aquela publicação.»
Assim sendo, não havendo prova que infirme este testemunho e depoimento de parte, os quais foram enunciados de forma assertiva, clara e contextualizada, há que alterar a redação do facto 28 para:
28. Acabando por perceber que, apesar do referido em 27, a XZ iria publicar essas fotografias, o Autor, através do seu Instagram, decidiu partilhar que se tinha submetido a uma rinoplastia, o que fez acompanhar de fotografia por si escolhida.
Pretende ainda o autor que seja aditado o seguinte facto:
A XZ tem uma tiragem de cerca de 40.000 exemplares semanais, cuja capa é habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa.
Invoca, para tanto, que se trata de matéria alegada no artigo 18º da petição, que não foi objeto de impugnação, decorrendo ainda da ficha técnica das edições da Revista XZ.
Em primeiro lugar, não consta dos autos a ficha técnica da Revista XZ, só podendo este Tribunal valer-se da prova carreada para os autos.
Em segundo lugar, a alegação do artigo 18º da petição mostra-se impugnada no artigo 18º da contestação nestes termos:
As Rés impugnam, igualmente, as asserções e conclusões presentes nos artigos 1.º, (…)  18.º (…)  da PI, por neles não se imputar qualquer tipo de facto concreto às Rés.
Acresce que a factualidade em causa acaba por estar impugnada pela contestação considerada no seu conjunto (cf. Artigo 574º, nº2, do Código de Processo Civil ), de que é exemplo o vertido no artigo 108º da contestação:  Os eventuais prejuízos sofridos pelo Autor, que se não aceitam, se desconhecem e que não são obrigadas a conhecê-los, não são de responsabilidade das Rés, atento todo o que ficou acima  exposto.
Sustenta o apelante que o facto de a capa da XZ ser habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa constitui um facto público e notório que não carece de prova, nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Civil (conclusão F)).
Conforme se refere em Luís Filipe Sousa, Direito Probatório Material, Almedina, 2ª ed., pp. 21-22:
«Nos termos do Artigo 412º, nº 1, do CPC, não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral.
A exigência do conhecimento geral atua em vários âmbitos:
- Na esfera pessoal, o facto notório tem de constar como certo ou falso para a generalidade de pessoas de cultura média entre as quais se encontra o juiz;
- Na esfera cognoscitiva, no sentido de que tal conhecimento deve integrar a cultura média, de acesso geral, e não ser constitutivo de um saber especializado próprio de um reduzido número de pessoas que se dedica a uma atividade comum;
- Na esfera espacial, no sentido de que tal facto deve ser conhecido no território que integra as instâncias de recurso. Não pode o facto ser notório para o juiz da primeira instância e desconhecido para o juiz conselheiro. Assim, um desastre nacional divulgado pela imprensa constitui um facto notório, mas já não será facto notório os prejuízos causados pelo granizo numa comarca mesmo que tenham afetado pessoalmente o juiz.»
Cremos que a generalidade dos portugueses de cultura média tem noção de que a Revista XZ existe e é exposta nos escaparates de venda da imprensa, podendo concluir-se pela existência de um facto notório neste circunspecto. Mesmo que assim não fosse, tal asserção é também fixável por presunção judicial a partir de diversos factos-base provados, designadamente 9 (propriedade da revista), 24 (comentários pela opinião pública), 25 (exposição em escaparate) e 29 (inúmeros contactos recebidos após a publicação.). Sobre a utilização de presunções judiciais pelo Tribunal da Relação, cf. Luís Filipe Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 4ª ed., pp. 200-205.
Termos em que se adita o facto:
37- A capa da XZ é habitualmente exposta nos escaparates dos postos de venda de imprensa.
Violação do direito à imagem, reserva da intimidade da vida privada, bom nome e reputação do autor com a publicação das duas reportagens.
O tribunal a quo absolveu as rés dos pedidos, estribando-se essencialmente nesta argumentação:
«Insurge-se o Autor com o conteúdo e com as fotografias reproduzidas (no interior e na capa da revista). Alegam as Rés que em causa está uma questão de interesse publico (alcoolismo, recaídas e tratamentos clínicos). Compulsados os factos, verifica-se que, a questão em foco nunca foi afastada pelo Autor, tendo inclusivamente, abordado a mesma em, pelo menos, uma entrevista (cf. facto 30). Acresce que, as fotografias e bem ainda parte do conteúdo publicado pelas Ré não é original ou sequer exclusivo, tendo em conta que, em data anterior, já as mesmas circulavam na internet (cf. facto 32.), ocorrendo num espaço que é notoriamente a via publica.
Repare-se que, a reportagem cita o próprio Autor, na sua resposta às fotografias a circular pelos meios em causa (noticias, sensacionalistas e outros), cita opiniões (negativas e positivas) dos “cibernautas”, e descreve as circunstâncias de acordo com o que já constava na sociedade há, pelo menos uma semana. Não se vislumbra que, tal reportagem tenha “inovado”, limitando-se a “copiar” as fotografias, o enredo e as opiniões. Inovou, sim, na explicação da adição em causa, citando um psicólogo clínico.
Na segunda reportagem, pese embora o lead claramente sensacionalista, o interior explica a razão da aparência do Autor nas fotografias.
Sem prejuízo de o Autor, ter feito publicar, no dia anterior à saída da revista para o publico, a realização da cirurgia com fotografias escolhidas por si, por forma a antecipar-se (a eventuais prejuízos – conforme declarações) atenta a conduta anterior, publicitando outros procedimentos e locais, não se vislumbra a existência de qualquer ofensa, na certeza de os factos, face à postura do próprio, ocorreram publicamente.
(…)
A conduta das Ré limitou-se, no seguimento, da própria conduta do Autor, em primeiro lugar e, usando uma informação/fotografias já do conhecimento publico (aliás, confirmadas pelo próprio Autor), exercer a profissão de jornalista e o comércio na busca do lucro. Não está em causa o sensacionalismo da questão, apenas se a publicação violou ou não os direitos de personalidade do Autor.
Acresce que, sempre se dirá, quer quanto à primeira reportagem (onde o Autor é citado face às publicações do dia 19.09) quer quanto à segunda, as fotografias e reportagens apresentam uma relação direta quer com as profissões do Autor, quer quanto à sua própria atividade pessoal que escolheu dar a conhecer ao publico: na primeira expondo-se em reportagens sobre o tema e, na segunda, publicitando as suas intervenções cirúrgicas (sendo irrelevante para o caso a que titulo o fez - conforme resulta dos factos 35 e 36. ).
À laia de conclusão, não é pelo facto de o Autor ser figura publica, que é permitida a divulgação de imagens da sua esfera pessoal. Na aferição das publicações, impõe-se contrabalançar aquilo que o próprio usa em seu benefício (mormente publicidade e construção/manutenção dessa figura que é publica) e aquilo que é publicado nesse segmento. Nos dois casos concretos, não existiu com a publicação, qualquer ilicitude dos factos, uma vez que as reportagens se limitaram a aproveitar o material já existente, direta ou indiretamente fornecido pelo próprio Autor ou já pré-existente.
A circunstancia de o Autor se ter sentido vexado, constrangido desrespeitado (cf. facto 26), o facto de ser ator (fazendo disso profissão) e médico (no mesmo sentido), certo é que a primeira exige proximidade com a exposição pública e a questão (quer do álcool, quer das cirurgias estéticas) em causa já haviam sido trazidas à colação pelo próprio, e bem ainda, em data anterior já eram divulgadas para quem as queria/tinha interesse em ver, demostra a ausência de aptidão potenciadora do dano.»
Não acompanhamos a argumentação do tribunal a quo.
Começando por fazer um enquadramento geral, todos os direitos invocados pelas partes têm tutela constitucional e infra-constitucional: direito à honra, bom nome e reputação (Artigo 26º, nº1, da CRP,  Artigos 70º e  484º do Código Civil); direito à imagem ( Artigo 79º do Código Civil); direito à reserva sobre a intimidade da vida privada (Artigo 80º do Código Civil); liberdade de expressão e informação (Artigo 37º da CRP); liberdade de imprensa (Artigo 38º da CRP, Artigo 1º da Lei nº 2/99, de 13.1).
O Artigo 19º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, consigna que:
“Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
Também o Artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem [3] , rege sobre tal matéria nestes termos:
 “1- Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideais sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. (...)
2 - O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas na lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e imparcialidade do Poder Judicial.”.
Artigo 8º da mesma Convenção:
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.”
Tais princípios fazem parte do direito português (Artigo 8º, nº1, da Constituição), sendo que os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (Artigo 16º, nº 2, da Constituição). Institui-se aqui o princípio da interpretação em conformidade com a Declaração Universal o que implica que, no caso de polissemia de uma norma constitucional de direitos fundamentais, deve dar-se preferência àquele sentido que permita uma interpretação conforme à Declaração Universal [4] .
Nos termos do Artigo 1º da Lei da Imprensa (aprovada pela Lei nº 2/99, de 13 de janeiro), é garantida a liberdade de imprensa, nos termos da Constituição e da lei. A liberdade da imprensa abrange o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações.
Contudo, logo no Artigo 3º da mesma Lei e sob a epígrafe de Limites, dispõe-se que “A liberdade de imprensa tem como únicos limites os que decorrem da Constituição e da lei, de forma a salvaguardar o rigor e a objetividade da informação, a garantir os direitos ao bom nome, à reserva da intimidade da vida privada, à imagem e à palavra dos cidadãos e a defender o interesse público e a ordem democrática.”
Resulta das normas referidas que o direito à informação constitucionalmente consagrado não é um direito absoluto, comportando limitações que devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos, com respeito pelos princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 394/93, Nunes de Almeida, DR, I Série, de 29.9.93).
No seu Acórdão nº 81/84, D.R., II Série, de 31-01-1985, o Tribunal Constitucional considerou que:
«(…) a liberdade de expressão ― como, de resto, os demais direitos fundamentais ― não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de proteção para ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional. (...). Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos ― designadamente com aqueles que se acham também diretamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25º, nº 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26º, nº 1)]―, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização.»
No seu Acórdão nº 67/99, de 3.2.99, o Tribunal Constitucional reiterou que « (…) a liberdade de expressão e a liberdade de informação – que, como a liberdade de imprensa, se encontram numa “relação intrinsecamente conflitual” com certos bens jurídicos pessoais (…) não podem deixar de conhecer restrições para tutela da inviolabilidade pessoal, e, em particular, de bens pessoais como a honra e intimidade da vida privada.»
Entre os outros direitos constitucionalmente protegidos e que atuam como limites imediatos à liberdade de imprensa estão, de facto, a integridade moral e física das pessoas (Artigo 25º, nº1, da Constituição) e os direitos ao desenvolvimento da personalidade, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à reserva da intimidade da vida privada e familiar (Artigo 26º, nº1, da Constituição).
Nos termos dos Artigos 79º e 80º do Código Civil:
Artigo 79.º
(Direito à imagem)
1. O retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o consentimento dela; depois da morte da pessoa retratada, a autorização compete às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, segundo a ordem nele indicada.
2. Não é necessário o consentimento da pessoa retratada quando assim o justifiquem a sua notoriedade, o cargo que desempenhe, exigências de polícia ou de justiça, finalidades científicas, didáticas ou culturais, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, ou na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente.
3. O retrato não pode, porém, ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, se do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada.
Artigo 80.º
(Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada)
1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem.
2. A extensão da reserva é definida conforme a natureza do caso e a condição das pessoas.
Da conjugação dos Artigos 26º da Constituição, 79º do Código Civil e 192º, nº2, do Código Penal resulta que a captação da imagem de uma pessoa depende do seu consentimento, sendo este que define os limites da utilização da imagem, de modo que o uso da imagem além desses limites será ilícito e gerador de responsabilidade civil. O consentimento para a utilização da imagem pode ser dado tacitamente, mas é revogável a todo o tempo (Artigo 81º, nº2, do Código Civil).
No que tange aos casos limitados em que o consentimento não é necessário (nº2 do Artigo 79º do Código Civil), «Tratando-se de uma restrição ao que parece ser a regra geral dos artigos 70º e 79º, a norma deve ser interpretada com o máximo cuidado, limitando o direito à imagem na estrita medida do que for necessário para salvaguardar a ratio do número 2. Significa isto que a definição do limite a partir do qual deixa de ser necessário o consentimento tem forçosamente de levar em linha de conta a ratio subjacente a cada uma das situações prevista na hipótese legal da norma» (Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 196). «(…) o número 3 vem apenas clarificar que mesmo nos casos em que é lícita a captação da imgaem de certa pessoa, a sua exposição, reprodução ou lançamento no comérico pode violar outros direitos de personalidade, e, em tais circunstâncias, tal exposição, reprodução ou lançamento no comérico é ilícita. Aqui já não estam em causa o direito à imagem, mas a utilização desta em termos que causem prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada, sendo estes os direitos violados» (Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, p. 197).
A propósito da exegese do Artigo 79º, refere Menezes Cordeiro, Código Civil Comentado, I – Parte Geral, Almedina, 2020, p. 317:
«As esferas pública e individual-social permitem retratar sem autorização, consoante as circunstâncias e objetivos, mas apenas para documentar o que lá se passa: não, por exemplo, para obter imagens publicitárias. Podem operar os fatores da notoriedade, cargo, polícia ou justiça, ciência, ensino ou cultura, sempre em termos de adequação social. Mas mesmo nestas duas esferas, os retratos – em sentido amplo – não serão permitidos se puderem prejudicar a honra, a reputação ou o decoro do retratado. Pense-se no político surpreendido a mudar de gravata ou a alimentar-se, com a boca aberta: a lei não autoriza tomada de imagens. Este troço deve ser interpretado extensivamente, de modo a abranger todas as situações que possam prejudicar o visado.»
Quanto ao âmbito do direito à intimidade da vida privada e familiar, são particularmente elucidativas as palavras de Rui Medeiros e Jorge Miranda, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª ed., p. 620:
«(…) tende hoje a reconhecer-se igualmente uma outra dimensão, de cariz positivo, traduzida na faculdade dos cidadãos de controlarem as informações que lhe dizem respeito. Entendida nestes termos, a tutela constitucional de uma reserva da intimidade da vida privada e familiar confere a faculdade de conservar na esfera não pública e reservada dos cidadãos todos os dados pessoais que pertençam à sua vida privada e familiar, dispondo o respetivo titular do direito de impedir o acesso, emprego e revelação desses dados em moldes que não tenham sido por si previamente autorizados (…) Daí que se possa falar, a este propósito, num direito à autodeterminação informacional, ou seja, no direito de cada indivíduo dispor livremente dos respetivos dados e informações pessoais e, assim, determinar os termos de acesso e utilização por terceiros desses mesmos dados e informações. Este direito, tendo na sua base a previsão constitucional do direito ao desenvolvimento da personalidade, mostra-se particularmente abrangido pelo âmbito de proteção do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.»
Por sua vez, Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 7ª ed., p. 61, afirma que:
«As chamadas “figuras públicas”, as pessoas com mais notoriedade, têm o mesmo direito à privacidade que todas as pessoas. Admitir para elas um estatuto pessoal degradado seria inconstitucional e colidiria com o princípio da igualdade. Como ficou já exposto acerca do direito à honra, a compressão da esfera de privacidade que eventualmente possam sofrer só pode fundar-se na publicidade e relevância do interesse em questão e nunca pode resultar simplesmente da notoriedade da pessoa.»
Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, Gestlegal, 2021, p. 370, também enfatiza que:
«As pessoas famosas também são protegidas na sua privacidade. É verdade que a sua esfera de privacidade está limitada em relação às demais pessoas, sobretudo porque são elas próprias que procuram a exposição pública, da qual depende o seu sucesso pessoal e profissional, não podendo depois reivindicar o mesmo grau de proteção dos que não são conhecidos: é o chamado peso da fama. Não obstante, isto não implica que a sua esfera de privacidade se apague. Designadamente, a esfera de segredo mantém-se inalterada e a esfera pessoal continua a ser protegida.»
No que tange à metodologia de articulação de direitos fundamentais conflituantes, o princípio da concordância prática, que constitui decorrência inerente do princípio da proporcionalidade, impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício (total) de uns em relação aos outros. “Subjacente a este princípio está a ideia do igual valor dos bens constitucionais (e não uma diferença de hierarquia) que impede, como solução, o sacrifício de uns em relação aos outros, e impõe o estabelecimento de limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre estes bens” - cf. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7 ª Ed., Almedina, 2003, p. 1225.
Realça este autor que os direitos fundamentais se devem considerar como direitos prima facie e não direitos definitivos, dependendo a sua radicação subjetiva definitiva da ponderação e da concordância feita em face de determinadas circunstâncias concretas. Conclui que «(…) as normas dos direitos fundamentais são entendidas como exigências ou imperativos de otimização que devem ser realizadas, na melhor medida possível, de acordo com o contexto jurídico e respetiva situação fáctica. Não existe, porém, um padrão ou critério de soluções de conflitos de direitos válido em termos gerais e abstratos. A “ponderação” e/ou harmonização no caso concreto é, apesar da perigosa vizinhança de posições decisionistas (…), uma necessidade ineliminável. Isto não invalida a utilidade de critérios metódicos abstratos que orientem, precisamente, a tarefa de ponderação e/ou harmonização concretas: “princípio da concordância prática”; “ideia do melhor equilíbrio possível entre os direitos colidentes”» – Op. Cit., pp. 1275-1276.
Note-se que, segundo o Artigo 18º, nº 2, da Constituição, a lei pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Este artigo preconiza o princípio material da proporcionalidade o que envolve, para os tribunais, a obrigação de interpretar e aplicar os preceitos sobre direitos, liberdades e garantias de modo a conferir-lhes a máxima eficácia possível, dentro do sistema jurídico, e a obter equilíbrio, a concordância prática, se possível a realização simultânea dos direitos, liberdades e garantias, por um lado, e da iniciativa privada, por outro – cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, pp. 152, 156 e 157. 
Mais recentemente, Elsa Vaz Sequeira adotou um enfoque bastante pragmático e impressivo para dilucidar esta questão, assentando na natureza principiológica das normas que preveem tais direitos e na restrição de direitos prima facie perante outros direitos prima facie. Nas suas palavras:
«Do exposto conclui-se, por um lado, que as colisões de princípios são solucionadas através da formulação e/ou aplicação de leis de colisão e, por outro lado, que as possibilidades jurídicas de cumprimento de um princípio são limitadas pelos outros princípios. O que significa que os direitos prima facie são restringidos pela existência de outros direitos prima facie, de tal forma que o conteúdo do direito definitivo é igual ao do direito prima facie após a aplicação das restrições.
Ora é justamente isto que se passa com a liberdade de expressão e com os direitos à reserva da intimidade da vida privada ou ao bom nome e reputação. As normas que os preveem, respetivamente os artigos 37.º e 26.º da CRP, são consciente e deliberadamente abertas, tendo uma vocação de plenitude. Uma visão isolada destes preceitos faz surgir a convicção não só de que se pode exteriorizar tudo o que se pensa, sente ou julga saber, como, simultaneamente, que nada pode ser dito sobre a reserva da intimidade da vida privada ou que possa prejudicar a consideração de que uma pessoa é merecedora no seu meio. Uma visão integrada dos mesmos permite, contudo, perceber que um limita o outro e vice-versa. Dito de outro modo, apesar de as referidas normas constitucionais estabelecerem um âmbito de tutela muito amplo quer para a liberdade de expressão quer para a reserva da intimidade privada ou o bom nome e reputação, o âmbito de garantia efetiva destes é consideravelmente menor, sendo um produto da delimitação recíproca que se opera entre elas. Na verdade, a aplicabilidade de uma das normas convergentes limita a aplicabilidade da outra ou, por outras palavras, um direito prima facie limita o outro, por tal forma que este não abrange a conduta ou a situação em questão» (“Responsabilidade civil e liberdade de expressão”, in Revista de Direito da Responsabilidade, Ano 3, 2021, pp. 72-73)
Em sede de conflito entre o direito/dever de informação e o direito à honra, ao bom nome e à reputação social, a jurisprudência do início do século XXI apelou, com frequência, ao princípio da concordância prática de tal modo que a restrição a um deles , em prol do outro, se reduza ao estritamente necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.[5]
Atualmente, as decisões do STJ sobre esta matéria radicam essencialmente nos parâmetros preconizados pelo TEDH. Na síntese do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.12.2020, Fátima Gomes, 24555/17:
«II. Nos casos em que haja necessidade de ponderar se a liberdade de expressão ofende o direito ao bom nome de uma pessoa, legitimando a reprovação da ordem jurídica, importa um balanceamento concreto (não podendo aferir-se em abstrato).
III. Neste sentido, a mais recente orientação jurisprudencial do STJ tem entendido ser de exigir um juízo de prognose sobre a hipotética decisão que o TEDH adotaria se o caso lhe tivesse sido submetido, no sentido de se verificar se é de admitir como muito provável que, se a questão viesse a ser colocada ao TEDH, tal órgão jurisdicional entenderia que os artigos em causa extravasariam os limites toleráveis do exercício da liberdade de expressão e informação.»
Flui do exposto que há que atentar, em primeira linha, à jurisprudência comunitária e do TEDH, tendo em vista a resolução do caso em apreço.
No que tange à enunciação dos parâmetros de ponderação a adotar para articular os direitos em conflito, têm sido vários os contributos do Tribunal de Justiça. Assim, no Acórdão de 14.2.2019, C-345/17, foi afirmado que:
«64. Assim, para obter uma ponderação equilibrada entre esses dois direitos fundamentais, a proteção do direito fundamental ao respeito pela vida privada exige que as derrogações e limitações à proteção dos dados previstas nos capítulos II, IV e VI da Diretiva 95/46 operem na estrita medida do necessário (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2008, Satakunnan Markkinapörssi e Satamedia, C-73/07, EU:C:2008:727, n. o 56).
 65 Importa recordar que o artigo 7º da Carta, relativo ao direito ao respeito pela vida privada e familiar, consagra direitos correspondentes aos que são garantidos pelo artigo 8º , nº 1, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), e que se deve, portanto, em conformidade com o artigo 52º , nº 3, da Carta, dar ao referido artigo 7º o mesmo sentido e o mesmo alcance que o sentido e o alcance conferidos ao artigo 8º , nº 1, da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (Acórdão de 17 de dezembro de 2015, WebMindLicenses, C-419/14, EU:C:2015:832, n. o 70). O mesmo é aplicável em relação ao artigo 11º da Carta e ao artigo 10º da CEDH (v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2016, Philip Morris Brands e o., C-547/14, EU:C:2016:325, nº 147.
66 A este respeito, resulta desta jurisprudência que, para efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desenvolveu uma série de critérios pertinentes que devem ser tomados em consideração, nomeadamente a contribuição para um debate de interesse público, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, forma e consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a sua veracidade (v., neste sentido, TEDH, 27 de junho de 2017, Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy c. Finlândia, CE:ECHR:2017:0627JUD000093113, § 165). Do mesmo modo, deve ser tomada em consideração a possibilidade de o responsável pelo tratamento adotar medidas que permitam limitar o alcance da ingerência no direito à vida privada.»
No que tange à publicação de imagens e/ou textos sobre a vida privada, o TEDH identificou essencialmente os seguintes critérios de aferição do equilíbrio dos direitos concorrentes:
i. A contribuição para um debate de interesse público;
ii. O grau de notoriedade da pessoa afetada;
iii. O objeto da reportagem;
iv. O comportamento anterior da pessoa em causa;
v. O conteúdo, a forma e as consequências da publicação;
vi. A forma como a informação foi obtida e a sua veracidade;
vii. Se e for caso disso, as circunstâncias em que as fotografias foram tiradas.[6]
As circunstâncias do caso podem determinar que certos critérios possam assumir maior ou menor relevância.[7]
No que tange à definição da contribuição para um debate de interesse público, releva sobretudo a doutrina dos acórdãos:
Mgn Limited contra Reino Unido, 18.1.2011:
«143.Por último, o Tribunal de Justiça considera que a publicação das fotografias e dos artigos, cujo único objetivo é satisfazer a curiosidade de um determinado público sobre os pormenores da vida privada de uma personalidade pública, não pode ser considerada como contribuindo para qualquer debate de interesse geral para a sociedade, apesar de a pessoa ser conhecida do público. Nestas condições, a liberdade de expressão exige uma interpretação mais restritiva (ver, mutatis mutandis, Campmany y Diez de Revenga e Lopez Galiacho Perona/Espanha (dec.), n.º 54224/00, CEDH 2000). 54224/00, CEDH 2000-XII; Julio Bou Gibert e El Hogar Y La Moda J.A. v. Espanha (dec.), n.º 14929/02, 13 de maio de 2003; e Prisma Presse v. França (dec.), n.ºs 66910/01 e 71612/01, 1 de julho de 2003; conforme citado em Von Hannover v. Alemanha, n.º. 59320/00, § 65-66, ECHR 2004-VI).  Além disso, embora a liberdade de expressão também se estenda à publicação de fotografias, este é um domínio em que a proteção dos direitos e da reputação de terceiros assume particular importância. As fotografias que aparecem na imprensa sensacionalista são frequentemente tiradas num clima de assédio contínuo que induz na pessoa em causa um sentimento muito forte de intrusão na sua vida privada ou mesmo de perseguição (Von Hannover contra Alemanha, citado supra, § 59. Ver também Hachette Filipacchi Associés c. França, supracitado, § 42).»
Caso de Von Hannover contra Alemanha (nº2), de 7.2.2012:
«95.  O Tribunal de Justiça recorda que o conceito de vida privada abrange aspectos relativos à identidade pessoal, como o nome, a fotografia ou a integridade física e moral de uma pessoa; a garantia do artigo 8.º da Convenção visa, antes de mais, assegurar o desenvolvimento, sem interferências externas, da personalidade de cada indivíduo nas suas relações com os outros seres humanos. Existe, portanto, uma zona de interação de uma pessoa com outras, mesmo num contexto público, que pode ser abrangida pelo âmbito da vida privada. A publicação de uma fotografia pode, assim, invadir a vida privada de uma pessoa, mesmo que esta seja uma figura pública (ver Schüssel contra Áustria (dec.), n.º 42409/98, 21 de fevereiro de 2002, p. 1), e a publicação de uma fotografia pode, assim, ser considerada como um ato de intimidade. 42409/98, 21 de fevereiro de 2002; Von Hannover v. Germany, no. 59320/00, §§ 50 e 53, CEDH 2004-VI; Sciacca, citado acima, § 29; e Petrina c. Roménia, n.º 78060/01, § 27, 14 de outubro de 2008).
96.  Relativamente às fotografias, o Tribunal declarou que a imagem de uma pessoa constitui um dos principais atributos da sua personalidade, uma vez que revela as características únicas da pessoa e a distingue dos seus pares. O direito à proteção da imagem é, pois, uma das componentes essenciais do desenvolvimento da personalidade. Pressupõe principalmente o direito do indivíduo de controlar a utilização dessa imagem, incluindo o direito de recusar a sua publicação (ver Reklos e Davourlis contra Grécia, já citado, § 40).
97.  O Tribunal de Justiça reitera igualmente que, em certas circunstâncias, mesmo quando uma pessoa é conhecida do público em geral, pode invocar uma "confiança legítima" na proteção e no respeito da sua vida privada (ver Von Hannover, citado supra, § 51; Leempoel & S.A. ED. Ciné Revue v. Bélgica, n.º 64772/01, § 78, 9 de novembro de 2006; Standard Verlags GmbH v. Áustria (n.º 2), n.º 21277/05, § 48, 4 de junho de 2009; e Hachette Filipacchi Associés (ICI PARIS) v. França, n.º 12268/03, § 53, 23 de julho de 2009).»
Em síntese, o TEDH consagra o critério do interesse público no conhecimento dos factos, ou seja, «não é permitida a captação de figuras públicas se, mesmo encontrando-se em lugares públicos, não estejam direta ou indiretamente a exercer funções pelas quais se tornaram conhecidas» (Mafalda Miranda Barbosa, Lições de Teoria Geral do Direito Civil, Gestlegal, 2021, p. 365).
Acórdão do caso de Couderc e Hachette Filipacchi Associés contra França, 10.11.2015:
«100.  O Tribunal de Justiça também sublinhou em numerosas ocasiões que, embora o público tenha o direito de ser informado, e este é um direito essencial numa sociedade democrática que, em certas circunstâncias especiais, pode mesmo estender-se a aspetos da vida privada de figuras públicas, os artigos destinados apenas a satisfazer a curiosidade de um determinado público leitor sobre os detalhes da vida privada de uma pessoa, por mais conhecida que esta seja, não podem ser considerados como contribuindo para qualquer debate de interesse geral para a sociedade (ver Von Hannover, supra, § 65; MGN Limited v. Reino Unido, no. 39401/04, § 143, 18 de janeiro de 2011; e Alkaya v. Turquia, n.º. 42811/06, § 35, 9 de outubro de 2012).
101.  Assim, um artigo sobre as alegadas relações extraconjugais de figuras públicas de alto nível que eram altos funcionários do Estado contribuiu apenas para a propagação de rumores, servindo apenas para satisfazer a curiosidade de um certo público leitor (ver Standard Verlags GmbH v. Áustria (n.º 2), n.º 21277/05, § 52, 4 de junho de 2009). Do mesmo modo, a publicação de fotografias que mostram cenas da vida quotidiana de uma princesa que não exercia funções oficiais visava apenas satisfazer a curiosidade de um determinado público (v. Von Hannover, já referido, § 65, com outras referências). O Tribunal de Justiça recorda, a este respeito, que o interesse público não pode ser reduzido à sede de informação do público sobre a vida privada de outrem, nem ao desejo de sensacionalismo ou mesmo de voyeurismo do leitor.
102.  A fim de verificar se uma publicação relativa à vida privada de um indivíduo não se destina apenas a satisfazer a curiosidade de um determinado público leitor, mas diz também respeito a um assunto de importância geral, é necessário avaliar a publicação no seu conjunto e examinar se, tendo em conta o contexto em que surge (ver Tønsbergs Blad A.S. e Haukom contra Noruega, n.º 510/04, § 87, 1 de março de 2004, n.º 1, alínea b), do artigo 1.º do Regulamento n.º 1049/2001), a publicação é considerada como um ato de interesse público. 510/04, § 87, 1 de março de 2007; Björk Eiðsdóttir v. Islândia, n.º 46443/09, § 67, 10 de julho de 2012; e Erla Hlynsdόttir v. Islândia, no. 43380/10, § 64, 10 de julho de 2012), diz respeito a uma questão de interesse público.
103.  A este respeito, o Tribunal de Justiça precisa que o interesse público diz respeito às questões que afectam o público de tal forma que este pode legitimamente interessar-se por elas, que atraem a sua atenção ou que o preocupam de forma significativa (v. The Sunday Times, já referido, § 66), nomeadamente na medida em que afectam o bem-estar dos cidadãos ou a vida da comunidade (v. Barthold/Alemanha, 25 de março de 1985, § 58, Série A n.º 90). É também o caso das questões susceptíveis de suscitar uma controvérsia considerável, que dizem respeito a uma questão social importante (ver, por exemplo, Erla Hlynsdόttir, já citado, § 64), ou que implicam um problema sobre o qual o público teria interesse em ser informado (ver Tønsbergs Blad A.S. e Haukom, já citado, § 87).
122.  No entanto, em certas circunstâncias, mesmo quando uma pessoa é conhecida do público em geral, pode invocar uma "expetativa legítima" de proteção e de respeito pela sua vida privada (ver, nomeadamente, Von Hannover (n.º 2), citado supra, § 97). Assim, o facto de um indivíduo pertencer à categoria das personalidades públicas não pode de modo algum, mesmo no caso de pessoas que exercem funções oficiais, autorizar os meios de comunicação social a violar os princípios profissionais e deontológicos que devem reger a sua ação, nem legitimar intromissões na vida privada.»
Quanto à repercussão da notoriedade da pessoa visada, a questão foi analisada nestes termos no Acórdão ALPHA DORYFORIKI TILEORASI ANONYMI ETAIRIA contra GRÉCIA, 22.2.2018:
«53.  O Tribunal de Justiça reitera que o papel ou a função da pessoa em causa e a natureza das actividades que são objeto da reportagem e/ou da fotografia constituem outro critério importante a ter em consideração (ver Von Hannover (n.º 2), já referido, § 110, e Axel Springer, já referido, § 91). A medida em que um indivíduo tem um perfil público ou é bem conhecido influencia a proteção que pode ser concedida à sua vida privada. Assim, o Tribunal de Justiça reconheceu em numerosas ocasiões que o público tinha o direito de ser informado sobre certos aspectos da vida privada de personalidades públicas (ver, nomeadamente, Karhuvaara e Iltalehti c. Finlândia, n.º 53678/00, § 45, n.º 2, alínea a), do artigo 1.º). 53678/00, § 45, ECHR 2004-X.
54.  No entanto, em determinadas circunstâncias, mesmo quando uma pessoa é conhecida do público em geral, pode invocar uma "confiança legítima" na proteção e no respeito da sua vida privada (ver, nomeadamente, Von Hannover (n.º 2), citado supra, § 97). Assim, o facto de um indivíduo pertencer à categoria das personalidades públicas não pode, de modo algum, mesmo no caso de pessoas que exercem funções oficiais, autorizar os meios de comunicação social a violar os princípios profissionais e deontológicos que devem reger a sua ação, nem legitimar intromissões na vida privada (ver Couderc e Hachette Filipacchi Associés, já citado, § 122).»
Acórdão Von Hannover contra Alemanha (nº2), 7.2.2012:
«110.  O papel ou a função da pessoa em causa e a natureza das actividades que são objeto do relatório e/ou da fotografia constituem outro critério importante, relacionado com o anterior. A este respeito, deve ser feita uma distinção entre os particulares e as pessoas que actuam num contexto público, como figuras políticas ou figuras públicas. Assim, enquanto um particular desconhecido do público pode reivindicar uma proteção especial do seu direito à vida privada, o mesmo não acontece com as figuras públicas (ver Minelli contra Suíça (dec.), n.º 14991/02, 14 de junho de 2005, e Petrenco, citado supra, § 55). É necessário estabelecer uma distinção fundamental entre a comunicação de factos susceptíveis de contribuir para um debate numa sociedade democrática, relativos, por exemplo, a políticos no exercício das suas funções oficiais, e a comunicação de pormenores da vida privada de um indivíduo que não exerce tais funções (ver Von Hannover, citado supra, § 63, e Standard Verlags GmbH, citado supra, § 47).
Enquanto no primeiro caso a imprensa exerce o seu papel de "cão de guarda público" numa democracia, transmitindo informações e ideias sobre questões de interesse público, esse papel parece menos importante no segundo caso. Do mesmo modo, embora em certas circunstâncias especiais o direito do público a ser informado possa mesmo estender-se a aspectos da vida privada de personalidades públicas, nomeadamente quando se trata de políticos, não será esse o caso - apesar de a pessoa em causa ser bem conhecida do público - quando as fotografias publicadas e os comentários que as acompanham se referem exclusivamente a pormenores da vida privada da pessoa e têm como único objetivo satisfazer a curiosidade do público a esse respeito (ver Von Hannover, supra, § 65 com as referências aí citadas, e Standard Verlags GmbH, supra, § 53; ver também o ponto 8 da Resolução da Assembleia Parlamentar - n.º 71 supra). Neste último caso, a liberdade de expressão exige uma interpretação mais restrita (ver Von Hannover, citado supra, § 66; Hachette Filipacchi Associés (ICI PARIS), citado supra, § 40; e MGN Limited, citado supra, § 143).»
Em sede do objeto da reportagem, releva a doutrina do Acórdão Mosley contra Reino Unido, 10.5.2011:
«131.  O Tribunal, tal como a Assembleia Parlamentar, reconhece que a vida privada das pessoas públicas se tornou um bem altamente lucrativo para certos sectores dos meios de comunicação social (ver ponto 57 supra). A publicação de notícias sobre essas pessoas contribui para a variedade de informações disponíveis para o público e, embora geralmente para fins de entretenimento e não de educação, beneficia indubitavelmente da proteção do artigo 10. No entanto, como já foi referido, essa proteção pode ceder aos requisitos do artigo 8º quando a informação em causa é de natureza privada e íntima e não há interesse público na sua divulgação. A este respeito, o Tribunal toma nota da recomendação do Comité Restrito no sentido de o Código dos Editores ser alterado de modo a incluir a exigência de os jornalistas notificarem normalmente o assunto dos seus artigos antes da sua publicação, sob reserva de uma exceção de "interesse público" (ver ponto 53 supra).
121.  Assim, o Tribunal constatou, em particular, que os políticos se expõem inevitável e conscientemente a um exame minucioso de todas as suas palavras e actos, tanto por parte dos jornalistas como do público em geral (ver, inter alia, Lingens, citado supra, § 42). Além disso, este princípio aplica-se não só aos políticos, mas a todas as pessoas que fazem parte da esfera pública, como também a todas as pessoas que são objeto de um processo de investigação.»
Quanto ao parâmetro da conduta pretérita do visado, releva a jurisprudência do Acórdão Denisov contra Ucrânia, 25.9.2018:
«97.  Paralelamente a esta evolução da jurisprudência, o Tribunal de Justiça foi chamado a determinar se a noção de "vida privada" deve abranger um direito ao respeito da reputação, que não é expressamente mencionado no artigo 8. No processo Pfeifer/Áustria (n.º 12556/03, § 35, 15 de novembro de 2007), o Tribunal de Justiça, tendo em conta a sua jurisprudência, considerou que a reputação de uma pessoa, mesmo que essa pessoa tenha sido criticada no contexto de um debate público, fazia parte da sua identidade pessoal e da sua integridade psicológica e, por conseguinte, também se inseria no âmbito da sua "vida privada".
98.  No entanto, é importante sublinhar que o artigo 8.º não pode ser invocado para se queixar de uma perda de reputação que é a consequência previsível das próprias acções, como, por exemplo, a prática de uma infração penal (ver Sidabras e Džiautas, supra, § 49, e Axel Springer AG contra Alemanha [GC], n.º. 39954/08, § 83, 7 de fevereiro de 2012). No processo Gillberg (supracitado), a Grande Secção não limitou esta regra aos danos à reputação e alargou-a a um princípio mais amplo, segundo o qual qualquer sofrimento pessoal, social, psicológico e económico pode ser consequência previsível da prática de uma infração penal e, por conseguinte, não pode ser invocado para reclamar que uma condenação penal, por si só, constitui uma ingerência no direito ao respeito pela "vida privada" (ibid., § 68). Este princípio alargado deve abranger não só as infracções penais, mas também outras condutas que impliquem uma medida de responsabilidade jurídica com efeitos negativos previsíveis na "vida privada".»
Quanto ao parâmetro dos efeitos e impacto da notícia/foto, releva a jurisprudência do Acórdão do Caso de Couderc e Hachette Filipacchi Associés contra França, 10.11.2025:
«140.  Sempre que esteja em causa uma informação que ponha em causa a vida privada de outra pessoa, os jornalistas devem ter em conta, na medida do possível, o impacto das informações e imagens a publicar antes da sua divulgação. Em particular, certos acontecimentos relativos à vida privada e familiar beneficiam de uma proteção particularmente atenta ao abrigo do artigo 8.º da Convenção e devem, por conseguinte, levar os jornalistas a dar provas de prudência e de prudência na sua cobertura (ver Editions Plon, supra, §§ 47 e 53, e Hachette Filipacchi Associés, supra, §§ 46-49).»
No caso em apreço, o Autor assume o estatuto de figura pública, nomeadamente na área do espetáculo e entretenimento, sendo conhecido do público português na sequência da sua presença assídua em telenovelas e outros programas de televisão, sendo ator há mais de 20 anos (factos 1, 2 e 20). O Autor tem consciência de que a sua vida tem maior repercussão pública do que a generalidade das pessoas que trabalham noutros meios (20). Está também provado que o autor teve, no passado, um problema de alcoolismo, tendo passado por um longo período de recuperação (8), tendo o autor abordado a questão da dependência alcoólica em algumas entrevistas (30).
As circunstâncias conjugadas do Autor ser uma figura pública, estar ciente disso, ter evidenciado e assumido no passado um problema do alcoolismo implicam uma (auto)restrição da sua intimidade da vida privada e imagem de modo a legitimar a fotografias e textos publicados na XZ, em 25.9.2019 e também em 29.1.2020?
Cremos que não.
Em primeiro lugar, a circunstância pretérita do Autor ter revelado e assumido publicamente um problema com o álcool teve um contexto próprio associado a um período de recuperação. O autor fez escolhas pessoais significativas e evidenciadoras do propósito de superar essa adição, nomeadamente concluiu o curso de Medicina, em 2018, fez uma pós-gradução nesta área, exerceu a medicina como interno em 2019 em Hospital público, prosseguindo o exercício da medicina na área da medicina estética. O Autora cumula a profissão de médico com a de ator, sendo fácil de antever que a sua atividade profissional é absorvente e exigente.
Estes percursos pessoal e profissional demonstram que é intuito do autor distanciar-se de um contexto de adição e trilhar um caminho mais sadio. Nesta medida, constitui uma legítima expetativa do autor que o mesmo não seja permanentemente assediado com base numa fase menos positiva e saudável da sua vida. Os erros do passado não têm de constituir uma permanente espada de Dâmocles sobre a cabeça do Autor, sobretudo quando este patenteia um propósito de superação pessoal.
Pode aqui convocar-se a figura do direito ao esquecimento adaptada a este particular contexto.
O direito ao esquecimento «pode ser definido como um direito fundamental de personalidade amparado no princípio da dignidade humana, segundo o qual o titular, pessoa individual ou coletiva, tem o direito à autodeterminação informativa, isto é, pode requerer o apagamento, retirada ou bloqueio da divulgação de dados, lícitos ou não, que lhe digam respeito, encontrados nos diversos meios de comunicação e que não tenham mais interesse público, judicial, histórico ou estatístico ou ainda que não sejam vedados por lei. Não se trata portanto de eliminar todas as referências a factos ocorridos no passado mas apenas de evitar a exposição desnecessária e lesiva de acontecimentos desprovidos de interesse público atual. Exprime em suma um poder de autocontrolo dos próprios dados pessoais» (Rui Paulo Mascarenhas Ataíde, “Direito ao esquecimento”, in Cyberlaw, Vol. 1, nº7 (2019), p. 16). Como refere este autor, «A ideia jurídica central da figura do direito ao esquecimento reside na proteção da vida privada e intimidade das pessoas, bem como a reabilitação e a ressocialização dos indivíduos, que seriam impedidas ou consideravelmente dificultadas pela lembrança indefinida dos factos cometidos. O direito ao esquecimento pode assim ser considerado como um desmembramento do direito à reserva de intimidade da vida privada (artigo 80º, CC), como se revelou de forma sintomática no caso de uma apresentadora brasileira que, no passado, fez um determinado filme do qual mais tarde se arrependeu e que ela não mais deseja que seja exibido ou rememorado por lhe causar prejuízos profissionais e transtornos pessoais» (p. 15).
Dito por outras palavras, o autor tem o direito à sua reabilitação, sendo que esta é consideravelmente dificultada pela permanente lembrança da sua adição pretérita, sendo este o âmago e escopo da primeira publicação.
Em segundo lugar, ainda antes das duas publicações, o autor foi contatado e expressou de forma inequívoca a sua oposição à publicação das fotografias e notícias (factos 21, 22 e 27), oposição essa vinculante para as Rés (cf. Artigo 81º, nº2, do Código Civil).
Conforme refere o TEDH, uma prévia tolerância da pessoa visada sobre a publicação de notícias respeitantes à sua vida privada não a priva necessariamente do direito à sua privacidade (Acórdão Couderc e Hachette Filipacchi Associes contra França, § 130). E no Acórdão de 2004 no caso Von Hannover contra Alemanha, o TEDH deu razão à princesa e marido «por considerar que a privacidade, mesmo de figuras públicas, não acaba à saída da porta de casa» (Francisco Teixeira da Mota, A Liberdade de Expressão em Tribunal, FFMS, p. 43).
A circunstância de as fotografias terem sido tiradas quando o autor estava na via pública não significa que as mesmas se reportem à esfera pública da vida do autor. Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2022, Olinda Garcia, 1102/09: «(…) deve concluir-se que os factos da vida privada, quando tornados públicos, não perdem a natureza de factos da vida privada; não se confundem com factos de natureza pública. / A tutela da reserva da vida privada não existe apenas quando o seu titular mantém absoluto silêncio sobre factos da sua vida pessoal e familiar. Nessa tutela compreende-se ainda a liberdade de decidir sobre o grau de revelação ou exposição a terceiros de factos da vida privada.»
Em terceiro lugar, a publicação das fotografias e notícias em causa não têm substantivamente um propósito de debater uma matéria de interesse público. Consoante tem expressado o TEDH, o interesse público advém de matérias que afetam o público de tal modo que o mesmo tem interesse nas mesmas, tratando-se de matérias que afetam o bem-estar dos cidadãos ou a vida em comunidade. Constituem exemplos acabados de interesse público a prática de crimes, a administração da justiça, o funcionamento das instituições de apoio a crianças, a proteção do ambiente, o combate à fraude e corrupção, a promoção da concorrência, a defesa da saúde e segurança pública, o contributo para que os cidadãos entendam e possa contestar decisões que os atingem.
As fotos e textos em causa não promoveram o debate público de assuntos deste estalão evidenciador do interesse público da notícia.
Note-se que a jurisprudência do nosso STJ é também taxativa quanto à verificação cumulativa de três requisitos (verdade, proporcionalidade e adequação), sendo um precisamente o do interesse público: Acórdãos do STJ de 5.12.2002, Araújo de Barros, 3553/02, de 19.1.2012, Sérgio Poças, 414/07, de 8.5.2013, Moreira Alves, 1486/03.
 Isso é absolutamente insofismável quando à segunda capa e texto, sendo manifesto que a circunstância de o autor ter efetuado uma rinoplastia não assume qualquer interesse público. À disseminação dessa notícia não subjaz qualquer interesse público. Pelo contrário, só poderá ter interesse, mas para um público que rejubila e se alimenta com um certo voyeurismo sobre a vida privada das figuras públicas. Consoante refere o TEDH, o interesse público não pode ser reduzido à sede do público por informação sobre a vida privada dos outros ou ao desejo do leitor por sensacionalismo ou voyeurismo (Cf. Acórdão Couderc e Hachette Filipacchi Associés contra França, § 101).
A fotografia e a menção a “DESFIGURADO” na capa são patentemente compatíveis com a insinuação de que o autor se poderá ter envolvido em alguma agressão física da qual resultou aquele estado (cara inchada e ligada). Esta abordagem é censurável e ilícita porquanto, consoante se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.11.2007, Silva Salazar, 3341/07, Sumários, «as informações a serem divulgadas devam, além do mais, corresponder à verdade dos factos, - sem esquecer que mesmo a divulgação de um facto verdadeiro pode, em certo contexto, atentar contra o bom nome e a reputação de uma pessoa, e que essa divulgação deva ser realizada de forma a não integrar mensagens subliminares ocultas ou de algum modo viciadas nem a provocar equívocos, sugerindo interpretações incorretas suscetíveis de originarem ofensas à personalidade, à dignidade ou ao bom nome de alguém.»
Quanto à primeira publicação e fotografias, as mesmas dão conta de uma situação em que o autor foi visto “aparentemente embriagado”. A notícia esboça uma abordagem pretensamente mais generalizada e instrutiva quando se reporta e extrata declarações de um psicólogo sobre a adição, afirmando tal psicólogo que «um adicto é para a vida» e «que a recaída, isolada, faz parte de um processo que o doente pode ter de fazer (…)  “A recaída tem de ser reparadora e não pode ser encarada como falhanço, senão a pessoa sai foram e é difícil puxá-la”».
Ora, neste segmento o texto é ambíguo porquanto ora aponta a adição como uma fatalidade dificilmente superável, ora aponta a ocorrência de uma recaída como algo conatural a este tipo de processo de superação. De todo o modo, este segmento do texto em que foi ensaiada uma abordagem mais geral e de cariz edificante acaba, no cômputo global, por ser secundarizado pelo protagonismo e enfase da parte inicial da notícia que proclama (e faz eco de insinuações) que o Autora sucumbiu novamente à adição (“VÍTIMA DO VICIO” é o destaque logo no título e capa da revista). A ideia geral que sobressai e impera da conjugação das fotografias com o texto é que o Autor é uma vítima definitiva de adição ao álcool e não tanto que poderá ter tido uma recaída isolada, censurando-se a conduta do Autor, de forma ostensiva e desproprocionada.
Esta discussão só colheria legitimidade como matéria de interesse público se a pontual situação de embriaguez tivesse ocorrido ou se manifestasse em ambiente laboral do autor, seja como médico seja como ator, não sendo esse o caso (cf. supra o que se disse quanto ao critério do interesse público no conhecimento dos factos). Com efeito, a avaliação do interesse público neste contexto exige que o ato ou a conduta revelada tenham conexão ou produzam efeitos na atividade da figura pública, não sendo esse o caso. Na verdade, do próprio teor do texto não resulta nenhum relato nos termos do qual tenha ocorrido uma situação de embriaguez do autor em ambiente laboral. Na falta desse tipo de relato, o texto acaba por fazer uma insinuação não fundamentada quando dá eco a comentários a uma notícia, nos termos dos quais são expressas «manifestações de preocupação pelo facto de AB estar a exercer medicina e ao mesmo tempo ter um comportamento que indica uma recaída
Deste modo, o que sobreleva das fotografias e texto é o intuito de aviltar a imagem do autor como sendo um adicto inveterado e não tanto alguém que teve uma pontual recaída, ou seja, o que ressalta é o intuito de revelar um facto embaraçoso da esfera da vida privada do autor e não o propósito de discutir um assunto de interesse geral. Sendo argumentável que as adições em geral constituem assunto de interesse público, em função do que já foi dito supra (máxime oposição do autor), estava vedado à XZ eleger o autor como motivo dessa pretensa discussão.
De realçar também o modo como as fotografias foram obtidas, evidenciando que não ocorreu consentimento do autor (cf. Facto 18). Conforme refere a este propósito o TEDH, as fotografias publicadas na imprensa sensacionalista ou cor de rosa , geralmente visando a satisfação da curiosidade sobre detalhes da vida privada de uma figura pública, são  frequentemente – como foi o caso – obtidas num clima de contínuo assédio que induz no visado um forte sentido de intrusão na sua vida privada ou mesmo de perseguição (cf. Acórdãos Von Hannover v. Germany, § 59; Société Prisma Presse v. France (no. 1); Société Prisma Presse v. France (no. 2); Hachette Filipacchi Associés (ICI PARIS) v. France, § 40).
A circunstância de as fotografias da primeira publicação já serem conhecidas e circularem pela internet outras similares (factos 31 e 32) não afasta a ilicitude da sua captura, não podendo as Rés eximir-se à sua responsabilidade por não as terem capturado pessoalmente. Dito de outra forma, à ilicitude da sua captura original as rés adicionaram a ilicitude de quererem utilizá-las contra a vontade expressa do autor, fazendo uma intrusão indevida na vida privada do autor com lesão de outros direitos de personalidade do mesmo, nomeadamente da imagem, bom nome e reputação, daí obtendo proventos.
Também a circunstância de o autor ter publicado no Instagram que havia feito uma rinoplastia não exime a responsabilidade das rés. Com efeito, conjugando os factos provados sob 17, 27 e 34 – designadamente com a nova redação do facto 28 – infere-se que tal publicação é feita um dia antes da publicação da revista, agindo o autor a título defensivo para tentar mitigar os efeitos negativos da publicação da revista porquanto alguns leitores da mesma, mais atentos e que consultassem o Instagram do autor, mais rapidamente concluiriam que se tratava apenas de uma mera rinoplastia e não de outra situação.
Flui de todo o acima exposto que dos factos apurados resulta que as publicações em causa integram a prática de ato voluntário, culposo e ilícito, violador dos direitos de personalidade do autor, nomeadamente os direitos à imagem, à reserva da vida privada, bom nome e reputação (cf. Artigos 79º a 81º, 335º, 483º, 484º do Código Civil; Artigos 18º, nº2, 26º, 37º e 38º da Constituição; Artigos 19º da Declaração Universal dos Direitos Humanos; Artigos 8º e 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; Artigo 3º da Lei da Imprensa).
Fixação da responsabilidade e Cômputo dos danos
Nos termos do Artigo 20º da Lei da Imprensa:
1 - Ao director compete:
a) Orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação;
b) Elaborar o estatuto editorial, nos termos do n.º 2 do artigo 17.º;
c) Designar os jornalistas com funções de chefia e coordenação;
d) Presidir ao conselho de redacção;
e) Representar o periódico perante quaisquer autoridades em tudo quanto diga respeito a matérias da sua competência e às funções inerentes ao seu cargo.
Por sua vez, o Artigo 29º rege sobre a responsabilidade civil nestes termos:
1 - Na determinação das formas de efectivação da responsabilidade civil emergente de factos cometidos por meio da imprensa observam-se os princípios gerais.
2 - No caso de escrito ou imagem inseridos numa publicação periódica com conhecimento e sem oposição do director ou seu substituto legal, as empresas jornalísticas são solidariamente responsáveis com o autor pelos danos que tiverem causado.
Conjugando estas normas com os princípios gerais da responsabilidade civil extracontratual (Artigo 483º do Código Civil) temos que o dever de indemnizar recai desde logo sobre o jornalista/agente que praticou o facto lesivo. Todavia, atentas as funções do diretor, a jurisprudência vem entendendo que ocorre uma presunção de culpa do mesmo, constituindo exemplo acabado dessa jurisprudência o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.3.2022, Barateiro Martins, 405/14:
I - A referência feita no n.º 2 do art.º 29.º da Lei de Imprensa à atuação do Diretor não tem o propósito de, com fundamento em tal n.º 2, responsabilizar o Diretor pessoal e diretamente pelos danos causados pela publicação que constitua um ilícito civil, mas tão só o propósito de estabelecer tal intervenção do Diretor como requisito da responsabilidade solidária e objetiva da empresa jornalística; o que, porém, não significa a “irresponsabilidade” do Diretor em relação aos conteúdos noticiosos de que não seja autor.
II - Efetivamente, o Diretor de uma publicação periódica que permite a publicação de notícia que preenche a previsão dos arts. 483.º e ss. do CC é, nos termos gerais (para que, aliás, remete o art.º 29.º, n.º 1, da Lei de Imprensa), solidariamente responsável – juntamente com os autores do escrito e a empresa jornalística proprietária – pelo ressarcimento dos danos sofridos pelo lesado.
III - Sendo de presumir, face às competências atribuídas por lei ao Diretor, principalmente a de orientar, superintender e determinar o conteúdo da publicação (cfr. art.º 20.º, n.º 1, al. a), da Lei de Imprensa), que o que foi publicado foi tido como aceite e autorizado por ele, o que leva a que se diga que a responsabilidade do Diretor da publicação, pelos respetivos conteúdos, resulta da própria titularidade da função e das competências que a lei lhe comete, integrando assim uma presunção legal de culpa (iuris tantum), pelo que, demandado o Diretor, como responsável, é a ele que cabe alegar e provar os factos suscetíveis de ilidirem tal presunção legal de culpa (é a ele que cabe fazer a prova de que ignorava, de forma não culposa, o conteúdo do escrito, ou de que este foi publicado com a sua oposição).
Neste mesmo sentido, cf. ainda os Acórdãos do STJ de 21.9.2010, Cardoso de Albuquerque, 4226/05, de 14.2.2012, Helder Roque, 5817/07, de 15.3.2012, Helder Roque, 3976/06, de 24.2.2016, João Silva Miguel, 338/07.
No caso em apreço, nada está provado que afaste essa presunção legal de culpa da 2ª Ré, diretora da publicação.
Assim, as rés autoras das reportagens (3ª a 5ª Rés), a 2ª ré enquanto diretora e a 1ª ré enquanto proprietária da revista (cf. nº2 do Artigo 29º) respondem solidariamente pelos danos causados ao autor (Artigo 497º, nº1, do Código Civil).
Todavia, tratando-se de duas reportagens, sendo a primeira da autoria da 3ª a 5ª Rés e a segunda da autoria apenas da 3ª Ré (cf. pedidos e factos provados sob 9 a 11), há que calcular separadamente a indemnização para cada uma das reportagens. A 1ª Ré e a 2ª Rés respondem solidariamente quer pelos danos causados pela primeira reportagem quer pelos danos causados pela segunda (cf. supra).
Nos termos do Artigo 496º, nº 1 do Código Civil, “Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” e, prossegue-se no nº3 do mesmo preceito, “O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em conta, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º “.
 O legislador ficou, assim, como critérios de determinação do quantum da indemnização por danos não patrimoniais: a equidade (Artigo 496º, nº3); o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado, e as demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº 3 do Artigo 496º). No que tange à situação económica do lesante e do lesado, tal critério só tem relevância quando ocorre uma «(…) verdadeira desproporção (lesado rico/lesante pobre, mas já não a inversa)», só aí se justificando atender às situações económicas, tanto mais que o bem vida não é compaginável com critérios de índole económica como o proposto no Artigo 494º - cf. Maria Manuel Veloso, “Danos Não Patrimoniais”, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 Anos da Reforma de 1977, III Vol., Direito das Obrigações, pp. 540-542
A responsabilidade civil por danos não patrimoniais assume uma dupla função: compensatória e punitiva. Compensatória porquanto o quantum atribuído a título de danos não patrimoniais consubstancia uma compensação, uma satisfação do lesado, porque se atende à extensão e gravidade dos danos (Artigo 496º, nº1). A função punitiva advém da circunstância da lei enunciar que a determinação do montante da indemnização deve ser fixada equitativamente, atendendo ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica desta e do lesado e às demais circunstâncias do caso (Artigo 494º, aplicável ex vi da primeira parte do nº3 do Artigo 496º) – cf.  Paula Meira Lourenço, A função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra Editora, 2006, pp. 283-291, 415-416; Maria Manuel Veloso, Op. Cit., p. 540.
O Artigo 496º, nº1 do Código Civil confia ao julgador a tarefa de determinar o que é equitativo e justo em cada caso, não em função da adição de custas ou despesas, mas no intuito de arbitrar à vítima a importância dos valores de natureza não patrimonial em que ela se viu afetada. Daí que os danos não patrimoniais não possam sujeitar-se a uma medição mas sim a uma valoração – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.3.95, Lopes Pinto, CJ AcSTJ 1995 – I, p. 233.
 A gravidade do dano dever aferir-se por um padrão objetivo e não por um padrão subjetivo derivado de uma sensibilidade requintada ou embotada. Na fixação do montante da indemnização deve também atender-se aos padrões adotados pela jurisprudência, à flutuação do valor da moeda, à gravidade do dano tendo em conta as lesões, as suas sequelas e o sofrimento físico-psíquico experimentado pela vítima bem como outras circunstâncias do caso que se mostrem pertinentes- cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.7.2004, (...) da Costa, acessível em www.dgsi.pt/jstj. Segundo Maria Veloso, Op. Cit., pp. 542-545, a intensidade, a natureza da lesão e a importância do bem jurídico violado representam os fatores-base de ponderação, devendo ainda atender-se à ideia de proporcionalidade e à necessidade de uniformizar os montantes indemnizatórios.
A propósito de casos da índole do dos autos, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.7.2011, Gabriel Catarino, 2609/05, entendeu-se o seguinte:
«Na determinação do quantitativo para ressarcimento por danos não patrimoniais resultante da lesão de um direito subjectivo e absoluto de personalidade, através da comunicação social, maxime de uma publicação com uma razoável e impressiva difusão, devem ter-se em conta alguns vectores orientadores, ainda que meramente enunciadores: 1.º) a veracidade ou falsidade da notícia; 2.º) a difusão da notícia e/ou a possibilidade de conhecimento que a notícia teve no meio social, em geral e em concreto, frequentado pelo visado; 3.º) o destaque gráfico e/ou simbólico conferido à notícia, 4.º) o tratamento jornalístico dado à notícia e o conteúdo objectivo da mesma; 5.º) o estatuto social do visado; 6.º) a projecção que a notícia, potencialmente, teve no meio social em que o lesado se movimenta, tanto no plano pessoal, como profissional; 7.º) as apreensões concretas pressentidas e, objectivamente, projectadas na esfera pessoal e familiar do lesado.»
Volvendo ao circunstancialismo do caso, apurou-se que, na sequência da publicação da primeira reportagem e do conteúdo desta, o autor sentiu-se vexado, constrangido e desrespeitado (26), confrontou-se com particular incómodo com a sua imagem no escaparate à entrada do Hospital onde trabalhava todos os dias (25), vendo a reportagem comentada no seu meio artístico e profissional e, em geral, pela opinião pública (24).
Em decorrência da publicação da segunda reportagem, o autor sentiu-se vexado com a publicação em causa, tendo recebido inúmeros contactos de amigos e conhecidos preocupados com o seu estado de saúde depois de verem a capa da revista (29), sendo ainda certo que o autor sentiu-se obrigado a revelar a realização da rinoplastia para mitigar os efeitos previsíveis da publicação da reportagem (cf. Factos 27, 28 e 34).
Em sede dos parâmetros da jurisprudência em casos similares, são invocáveis designadamente os seguintes arestos do STJ.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.1.2012, Sérgio Poças, 414/07, Sumários:
«Provando-se que o artigo contendo a imputação referida em XII: (i) foi publicado em revista com tiragem de 34.000 exemplares semanais; (ii) deixou o autor magoado, revoltado, desanimado, amargurado; (iii) atingiu o autor no seu prestígio pessoal e profissional; (iv) que o 1.º réu é jornalista, tendo escrito a notícia; que o 2.º réu é director da revista; e que o 3.º réu é seu proprietário, é adequada a condenação solidária destes na indemnização, pelos danos não patrimoniais sofridos, de €65.000, fixada pelas instâncias.»
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.6.2018, Isabel Pereira, 517/09, fixou-se uma indemnização de €16.000 a favor do autor o qual, na sequência de notícia televisiva que o dava como frequentador de sites pedófilos: «(i) era apontado e incomodado sempre que saía à rua; (ii) recebeu ameaças dirigidas a si e aos seus familiares; (iii) sofreu um desmaio, sentiu hipertensão, amnésia e insónia e procurou ajuda psiquiátrica; e (iv) passou a evitar sair à rua, a disfarçar-se quando o fazia e mudou de casa».
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16.6.2020, Clara Sottomayor, 1981/14:
«Em casos de invasão de privacidade ou de ofensa ao direito à honra cometidas pela imprensa sensacionalista, independentemente do grau de intensidade dos danos causados às vítimas pelas lesões dos seus direitos fundamentais, deve aquela ser condenada numa indemnização punitiva, por razões sancionatórias e preventivas, e, por isso, suficientemente pesada para exprimir a reprovação do direito e ter efeitos no futuro.» No caso concreto, os autores tinham sido filmados, sem para tal terem dado autorização, tendo a empresa titular do canal televisivo sido condenada a pagar uma indemnização de €40.000 por violação do direito à imagem.
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.12.2020, Fátima Gomes, 24555/17:
«Num quadro em que foram produzidas afirmações com animosidade e intenção ofensiva, cuja falsidade a R. não podia razoavelmente ignorar e sendo objectivamente passíveis de quer pelo conteúdo quer pela forma, denegrirem a honra e o bom nome do A., no domínio da vida privada deste, ponderando casos congéneres e as demais circunstâncias do caso, tem-se por adequado fixar a indemnização em €25.000,00.»
No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2022, Olinda Garcia, 1102/09, foi fixada uma indemnização de dez mil euros num contexto em que foi tentada a publicação de uma biografia não autorizada de uma atriz que padeceu de cancro da mama.
Ponderando os critérios enunciados e os parâmetros da jurisprudência em casos afins, entendemos que a indemnização devida pela primeira reportagem deverá ser fixada em vinte mil euros. Esta reportagem abalou e perturbou o percurso profissional e artístico do autor, exarcebando um episódio de infortúnio pessoal com intuitos sensacionalistas e mercantilistas, desacreditando precipitadamente o autor. Quer na primeira reportagem quer na segunda, o destaque da capa foi total (as fotografias ocupam mais de metade da capa) sendo que o autor, como ator, vive da sua imagem.
No que tange à segunda reportagem (cerca de quatro meses depois), a mesma constitui um exercício gratuito de assédio ao autor, sem qualquer relevância de interesse público argumentável. A sanção aqui também exercerá uma função preventiva e refreadora de novas abordagens desta estirpe. Assim, a indemnização pela segunda reportagem deverá ser fixada em € 12.500.
Estes valores são já atualizados à data do acórdão.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art.º 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação e, em consequência:
a) Revoga-se a sentença recorrida;
b) Condena-se a 1ª a 5ª Rés a pagarem ao autor, solidariamente, uma indemnização de vinte mil euros;
c) Condena-se a 1ª, 2ª e 3ª Rés a pagar ao autor, solidariamente, uma indemnização de doze mil e quinhentos euros.
Custas pelo apelante e pelas apelandas, na vertente de custas de parte, na proporção de 13% e 87%, respetivamente (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 21.5.2024
Luís Filipe Sousa
Paulo Ramos de Faria
Alexandra de Castro Rocha
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20, de 11.5.2023, Oliveira Abreu, 26881/15, de 25.5.2023, Sousa Pinto, 1864/21, de 11.7.2023, Jorge  Leal, 331/21. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] A Lei nº 65/78, de 13 de outubro aprovou, para ratificação, tal Convenção.
[4] Neste sentido, cf. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª Ed. Revista, p. 138.
[5] Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.7.2005, Granja da Fonseca, acessível em www.dgsi.pt/jtrl, de 20.4.2006, Granja da Fonseca, CJ 2006- II, pp. 107-110, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.2.2002, Oliveira Barros, CJ AcSTJ 2002 – I, pp. 92-96, de 5.12.2002, Araújo de Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj, de 16.11.2006, Rodrigues dos Santos, acessível no mesmo site.
[6] Cf. Acórdãos: Von Hannover c. Alemanha (n.º 2), §§ 109-113; Von Hannover c. Alemanha (n.º 3), § 46; Axel Springer AG c. Alemanha, §§ 89-95; Tănăsoaica c. Roménia, § 41; Couderc e Hachette Filipacchi Associés c. França § 93; Axel Springer AG c. Alemanha, §§ 90-95.
[7] Cf. Acórdão Satakunnan Markkinapörssi Oy e Satamedia Oy contra Finlândia, § 166.