Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2642/14.8T3SNT-K.L1-5
Relator: ELEONORA VIEGAS - VICE-PRESIDENTE
Descritores: RECURSO
ARGUIDO
AUSÊNCIA
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
NOTIFICAÇÃO
ACÓRDÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/29/2025
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO
Decisão: REJEITADA
Sumário: É prematuro, e nessa medida extemporâneo, o recurso interposto pelo arguido que esteve ausente de toda a audiência de julgamento e ainda não foi pessoalmente notificado do acórdão condenatório.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. Relatório

AA, arguido nos autos, veio reclamar, nos termos do art. 405.º do CPP, do despacho que não admitiu, com fundamento em extemporaneidade, o recurso que interpôs do acórdão pelo qual foi condenado.
Alega, em síntese, que o entendimento vertido no despacho reclamado é controvertido, fundamentalmente por se tratar de uma separação de processos. Sustenta que prestou T.I.R, há mais de 15 anos, logo na sua inicial constituição de arguido, no processo “base” 923/09.1T3SNT que mais tarde, devido à separação dos processos, deu origem a este processo; e que estava regularmente notificado, que se fez representar em todas sessões de julgamento, pela sua Advogada, pelo que dúvidas não devem existir sobre a legitimidade da propositura do recurso e da sua tempestividade.
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II. Fundamentação
Da consulta dos autos resultam os seguintes factos com interesse para a decisão:
1. Por acórdão de 30.06.2025, depositado nessa data, o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena única de 10 anos de prisão pela prática de 17 crimes de falsificação de documento qualificada, p. e p. pelo art.º 256º, n.ºs 1, als. c), d), e), f), e 3, do Código Penal (por referência ao art.º 255º do mesmo diploma), e 17 crimes de burla qualificada, p. e p. pelo art.º 218º, n.º 2, als. a) e b)/n.ºs. 1 e 2 al. b) do Código Penal;
2. A audiência de julgamento foi realizada sem a presença do arguido em qualquer das sessões – tendo a sua Mandatária estado presente - constando das actas da primeira sessão, (11.03.2025) e da segunda (25.03.2025), que foi regularmente notificado para a morada que consta no TIR prestado pelo Arguido a fls. 150 dos presentes autos, pelas razões já anteriormente expressas em despacho proferido nos autos em 16.10.2024;
3. Em 16.10.2024 foi proferido o seguinte despacho:
Na esteira do defendido pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.06.2015 (Relator: Abrunhosa de Carvalho), da Relação de Coimbra de 14.05.2014 (Relator: Jorge Dias) e 05.07.2017 (Relator: Orlando Gonçalves), da Relação de Évora de 05.06.2018 (Relator: Clemente Lima) e 12.10.2021 (Relator: Berguete Coelho) e da Relação de Guimarães de 31.10.2023 (Relator: Fátima Furtado), todos in http://www.dgsi.pt, entendemos que se um arguido ao prestar TIR indica uma morada para onde serão enviadas as notificações e, caso se ausente ou mude de residência sem informar o tribunal, se considera notificado, também se há de ter como notificado o arguido que logo na prestação do TIR indica como morada uma rua e número de polícia inexistente, um endereço insuficiente ou sem recetáculo onde o distribuidor possa colocar a correspondência.
A prestação de TIR regula um específico processo comunicacional entre arguido e tribunal, como seja a possibilidade de notificação por via postal simples (196º, n.º 3, al. c), do Código de Processo Penal), cabendo ao arguido indicar uma residência para essas notificações e o dever de comunicar a subsequente mudança de residência.
Assim, pese embora o expediente remetido para notificação do Arguido tenha sido devolvido com menção de endereço insuficiente este mostra-se regularmente notificado do despacho proferido nos autos no passado dia 16.09.2024.
4. A carta registada enviada para notificação do acórdão ao arguido foi devolvida, tendo em 3.07.2025 sido enviado ofício à ... e em 9.07.2025 à ..., para notificação do acórdão ao arguido, a qual não logrou efectuar-se;
5. Por requerimento de 30.07.2025 o arguido interpôs recurso do acórdão; 6. Sobre o que foi proferido o seguinte despacho:
O AA veio, por requerimento apresentado em 30.07.2025, com a Ref.ª 53035816, recorrer do Acórdão proferido nos presentes autos.
O Arguido foi condenado por Acórdão proferido em 30.06.2025, depositado na mesma data.
O Arguido foi julgado na ausência.
Não se logrou, tanto quanto os autos permitem alcançar, notificar pessoalmente o Arguido do Acórdão condenatório proferido nos autos.
De acordo com o preceituado no art.º 113º, n.º 10, do Código de Processo Penal que “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar”.
A notificação ao Arguido deve, assim, ser feita por contacto pessoal (cfr. art.º 113º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal), na pessoa do Arguido, e não através do Defensor ou mandatário por este constituído.
Por seu turno, o art.º 411º, n.º 1, do Código de Processo Penal prevê que “O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta-se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respetivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em ata, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente”.
E, nos termos do n.º 7 deste mesmo preceito legal, “O requerimento de interposição de recurso que afete o arguido julgado na ausência, ou a motivação, anteriores à notificação da sentença, são notificados àquele quando esta lhe for notificada, nos termos do n.º 5 do artigo 333.”.
Sendo que, de acordo com o art.º 333º, n.º 5, do CPP: “No caso previsto nos n.ºs 2 e 3, havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente. O prazo para a interposição de recurso pelo arguido conta-se a partir da notificação da sentença.”.
Assim, o simples cotejo destas normas processuais é suficiente para compreender que o prazo para a interposição do recurso apenas se inicia com a notificação da sentença.
Antes deste momento – notificação pessoal da sentença em que é condenado arguido julgado na ausência - o recurso é intempestivo.
Aliás, pulsada a jurisprudência das Relações esse é o sentido uniforme das decisões que vêm sendo proferidas pela Segunda Instância – cfr., a título de exemplo, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 24.02.2016 (proferido no Recurso Penal nº 1975/13.5T3AVR-A.P1), do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.05.2021 e da Relação de Coimbra de 10.05.2017 (Relator Vasques Osório), in http://www.dgsi.pt.
Assim, por ser intempestivo, rejeito o recurso interposto pelo Arguido (art.º 414º, n.º 2, do Código do Processo Penal.
Custas do incidente a cargo do Arguido, fixando-se a taxa de justiça devida no mínimo legal, atenta a simplicidade da questão colocada.
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Nos termos do disposto no art. 411.º, n.º1 do CPP, o prazo para interposição de recurso é de 30 dias.
De acordo com o art. 113.º, n.º10, as notificações do arguido podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes, nomeadamente, à sentença, a qual deve igualmente ser notificada ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente se conta a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
Dispõe o art.º 333º, n.ºs 5 e 6, do CPP que, no caso previsto nos n.ºs 2 e 3 [ v.g. se o tribunal considerar que a audiência pode começar sem a presença do arguido], havendo lugar a audiência na ausência do arguido, a sentença é notificada ao arguido logo que seja detido ou se apresente voluntariamente, contando-se o prazo para a interposição de recurso pelo arguido a partir da sua notificação da sentença, com a qual deve ser expressamente informado do direito a recorrer da sentença e do respectivo prazo.
Em síntese, tendo o arguido sido julgado sem que tenha estado presente na audiência, o acórdão tem que lhe ser pessoalmente notificado, iniciando-se o prazo de recurso com essa notificação.
No caso, a audiência de julgamento decorreu na ausência do arguido, que não foi ainda pessoalmente notificado do acórdão.
Sustenta o reclamante que prestou TIR há 15 anos, no âmbito do processo de cuja separação este resultou, pelo que deve considerar-se notificado do acórdão (se bem compreendemos, por ter sido enviada carta para a morada que consta do TIR), invocando o art. 196.º do CPP.
Dispõe o referido art. 196.º que, “Para o efeito de ser notificado mediante via postal simples, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 113.º, o arguido indica a sua residência, o local de trabalho ou outro domicílio à sua escolha” (n.º2). Ora a notificação nos termos do art. 113.º, n.º1, al. c) (aplicável “nos casos expressamente previstos”), não se aplica à notificação do acórdão proferido na ausência do arguido da audiência de julgamento, a qual deve ser feita por contacto pessoal como resulta do art. 333.º.
Como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira, o prazo tem um início e um termo, e é entre estas duas balizas que se conta o tempo (peremptório) dentro do qual deve ser praticado o acto processual. Não restando dúvida de que a defensora do arguido foi notificada mas que este ainda não o foi, devendo sê-lo, não se iniciou ainda o prazo para recorrer do acórdão.
Não estando em causa a sua legitimidade, o recurso interposto pelo arguido é prematuro, e nessa medida extemporâneo, pressupondo o despacho de admissão do art. 414.º a notificação regular do arguido – neste sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5.12.2019 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.11.2020 e de 18.05.2021, referindo-se neste que “as razões determinantes da exigência legal de notificação da sentença tanto ao arguido como ao seu defensor radicam na necessidade de garantir um efectivo conhecimento do seu conteúdo por parte daquele, em ordem a disponibilizar ao segundo todos os dados indispensáveis para, em consciência, decidir se recorre ou não e os termos em que impugna”.
Quanto à invocação pelo arguido do art. 32.º, n.º1 da CRP, não se vê que a não admissão de um recurso interposto fora do prazo legalmente fixado para o efeito, nas circunstâncias descritas, viole o princípio constitucional de que o processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
A ser admitido e conhecido o recurso interposto pelo arguido, nunca poderia concluir-se pelo trânsito em julgado do acórdão condenatório que não lhe foi pessoalmente notificado – v. “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Almedina, 2022, tomo IV, p. 358.
Pelo que há que concluir pela improcedência da reclamação.
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III. Decisão
Pelo exposto, julgo improcedente a reclamação apresentada pelo arguido.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC ( art. 8º, n.º 9, do RCP e Tabela III anexa).
Notifique.
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Lisboa, 29.09.2025
Eleonora Viegas
(Vice-Presidente, com poderes delegados)