Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | CARLA CRISTINA FIGUEIRA MATOS | ||
Descritores: | BENS DA HERANÇA ALIENAÇÃO EXTINÇÃO DA PROCURAÇÃO OPONIBILIDADE A TERCEIROS | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | (da exclusiva responsabilidade da Relatora): I. Não tendo ainda havido partilha de herança com vários herdeiros, o direito que cabe a cada um é um direito sobre a universalidade da herança e não sobre concretos bens que a integrem. II. Todavia, nada impede que os herdeiros, em conjunto, possam alienar um ou mais bens que integrem a herança, ao abrigo do disposto no art.º 2091º nº1 do CC. III. É diferente a situação em que nunca houve, e como tal não é apresentada, qualquer procuração, da situação em que é apresentada uma procuração, embora, entretanto, extinta. IV. Nestes últimos casos rege o art.º 266º do CC, do qual resulta que a extinção da procuração por causas diversas da revogação não pode ser oposta a terceiro, que sem culpa, a tenha ignorado. V. O referido art.º 266º tutela a aparência da existência de poderes de representação decorrente de instrumento de procuração que, entretanto, tenha cessado, protegendo o terceiro que desconheça, sem culpa, tal cessação. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório AA, residente na Rua ..., propôs a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, residente na Rua ..., Ribeira Grande, CC e DD, residentes na Rua ..., EE, residente na Rua ..., FF e GG, residentes na Rua ..., HH, residente na Rua ..., II e JJ, residentes na Rua ... e KK e LL, residentes na Rua ..., peticionando, após despacho de aperfeiçoamento, que seja declarada a nulidade do contrato de compra e venda e do contrato de partilha hereditária e, em consequência, a restituição à herança dos prédios vendidos e adjudicados ou, caso tal não seja possível, a condenação dos Réus no pagamento do valor correspondente aos imóveis vendidos e adjudicados. Subsidiariamente, peticiona a declaração de ineficácia dos referidos contratos. Por fim, peticiona a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de 5.000,00€ a título de danos morais, bem como o pagamento de 100,00€ por cada dia de atraso no cumprimento do peticionado. Para tanto alega ser herdeiro de MM e de NN, juntamente com os Réus CC, EE, FF, HH e II, sendo que a 19/08/2022 foram vendidos, sem a sua intervenção, dois prédios da herança, aos dois últimos Réus, tendo sido utilizada, para tal, uma procuração a favor da 1ª Ré que já havia sido renunciada. Acresce que a 24/08/2022 foi celebrada, e novamente sem a sua intervenção, escritura pública de partilha hereditária parcial entre todos os herdeiros, tendo sido usada a já referida procuração. Assim, e atenta a falta de poderes da alegada procuradora, e não sendo da sua vontade a realização de tais negócios, enfermam os mesmos de nulidade. Mais alega que toda esta situação lhe tem causado graves perturbação de sono e crise de ansiedade, pelo que deverá ser indemnizado por tais danos morais. Os Réus herdeiros (GG e FF, CC e DD, OO e II, HH e EE) apresentaram contestação conjunta, alegando que a 1ª Ré representou, válida e regularmente, o Autor, pois não lhes foi dado conhecimento da renúncia. Os Réus CC e LL também contestaram, invocado a ineptidão da petição inicial (sanada após despacho pré-saneador) e alegando que o Autor foi regularmente representado na escritura, pelo que pagaram o preço do prédio, o registaram em seu nome e o vêm usado desde tal dia. Mais deduziram pedido reconvencional peticionando que, caso a ação seja julgada procedente, o Autor lhes seja condenado a pagar o valor de 43.333,33€ a título de benfeitorias implantadas no prédio que compraram (um armazém). O Autor replicou, invocando a inadmissibilidade do pedido reconvencional e, caso assim não se entenda, que o mesmo seja julgado improcedente, uma vez que, antes da construção do armazém, o Réu já sabia que o Autor iria intentar a presente ação. A Ré BB não contestou, mas juntou documentos aos autos. Foi admitida a reconvenção. Realizou-se audiência prévia, e frustrada qualquer tentativa de conciliação, proferiu-se despacho saneador e despacho de identificação do objeto do lítio e enunciação dos temas da prova, não tendo sido apresentadas reclamações. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “VI. Decisão Pelo exposto, julgo a presente ação, bem como a reconvenção, improcedentes e, em consequência, absolvo os Réus e o Autor dos respetivos pedidos. * Custas pelo Autor.” * Inconformado, veio o Autor intentar recurso de apelação, formulando alegações com as seguintes conclusões: “C - CONCLUSÕES: A - QUANTO À REVISÃO DA MATÉRIA DE FACTO O facto 22 da relação dos factos dados como provados não deverá constar da mesma, uma vez que o que serviu de base à respetiva motivação de facto foi apenas o depoimento da notária PP, o que se revela manifestamente insuficiente, uma vez que os formalismos legais da celebração de uma escritura pública de compra e venda não são suscetíveis de serem confirmados unicamente por depoimento de quem lavrou a própria escritura, desacompanhado de qualquer outro meio de prova. Primeiro que tudo haverá que identificar e discriminar quais os formalismos legais que se entende haverem de ser confirmados pela entidade competente para o efeito, para depois se concluir se os mesmos foram efetivamente cumpridos ou não no caso da celebração da escritura de compra e venda em apreço, o que não se basta com o mero depoimento de quem lavrou a referida escritura, havendo que determinar quais os documentos que, juntamente com o depoimento da testemunha PP, contribuem para efetuar a prova necessária do facto 22, o que não se verificou, devendo, em consequência, ser eliminado este facto da relação dos factos dados como provados. Entende ainda o ora Recorrente que resultou provado o facto mencionado na alínea a) da relação dos factos considerados não provados pela Douta sentença recorrida. O que resulta claro das declarações de parte do R. KK que permitem dar como assente o facto em apreço, o qual declarou de forma isenta, clara e circunstanciada, que teve conhecimento que AA estava interessado no prédio que veio posteriormente a adquirir, que teve inclusive de abandonar o negócio numa primeira fase por causa desse facto, e que só o retomou um ano mais tarde porque o R. CC lhe disse que o prédio estava de novo à venda, já que, alegadamente, o irmão AA já não queria ficar com o mesmo. O certo é que o comprador e R. KK nunca obteve a confirmação por parte do próprio A. de que este já não estaria interessado no prédio em questão, sendo certo que o R. CC sabia muito bem que existia um interesse do seu irmão AA no prédio em causa, não se tendo provado no decurso da audiência que esse interesse se tivesse desfeito a dada altura. Sabendo os RR. CC e KK que AA tinha interesse no prédio em causa, é pouco crível que os restantes irmãos do A. desconhecessem este facto, até porque a relação do A. era mais forte com as irmãs do que com o irmão CC. Mantendo um interesse no prédio que veio a ser vendido a KK, o A. não queria que esta venda se tivesse realizado. BB também tinha conhecimento deste facto, uma vez que renunciou à procuração datada de 28 de Junho de 2023 e teve conhecimento da revogação da procuração que foi emitida a 30 de Junho de 2023 antes da celebração da escritura de venda do prédio a KK. No caso da R. BB, será o depoimento da testemunha QQ, solicitador, que, a respeito da primeira procuração, esclarece que a R. BB rasgou uma cópia da mesma na sua presença, numa atitude de claro e inequívoco descontentamento relativamente ao A. AA, e não porque a mesma teria de ser substituída por outra que mencionasse a identificação dos prédios por exigência do cartório notarial, como a mesma quis fazer crer nas suas declarações. Aliás, até a própria sentença recorrida reconhece este facto ao frisar na pág. 9 “No que se refere ao facto 18º BB confessou, em depoimento de parte, que havia revogado tal procuração, mas que o fez por ter tido a indicação do cartório notarial que seria necessária uma nova procuração com indicação dos prédios a vender, sendo certo que a notária PP não confirmou tal versão e o solicitador QQ explicou-nos que a Ré BB rasgou uma cópia da procuração à sua frente, por se ter zangado com o Autor, mas logo de seguida, fizeram outra, pelo que não existem dúvidas quanto à renúncia.” Mais esclareceu a testemunha QQ no seu depoimento que quem forneceu a indicação dos artigos a colocar na segunda procuração foi a R. BB, tendo ainda acrescentado que aquando da renúncia à primeira procuração ocorre uma zanga entre o A. e a R. BB no seu escritório. Já no que respeita à revogação pelo A. da segunda procuração, datada de 30 de Junho de 2023, o solicitador QQ foi claro ao elucidar o Tribunal que tinha informado a R. BB deste facto no espaço que medeia entre 3 dias e uma semana do facto ter ocorrido e que terá sido ainda no mês de Julho. Mais esclareceu que assumiu a obrigação de comunicar a BB a revogação da segunda procuração por parte do A. AA. Em face de tudo o exposto, concatenado com a consulta dos documentos juntos aos autos, mais precisamente, de ambas as procurações, instrumentos de renúncia e de revogação das mesmas, escritura de compra e venda e escritura de partilha hereditária parcial, fica claro como água o seguinte: a) Que o A. outorga uma primeira procuração a 28 de Junho de 2022; b) Que a 30 de Junho de 2022 se arrependeu de ter outorgado uma procuração com poderes gerais a BB; c) Que BB, descontente com o facto, rasga uma cópia dessa procuração na presença do solicitador QQ e do A. AA na data de 30 de Junho de 2022; d) Que a 30 de Junho de 2022 BB acaba por renunciar à procuração datada de 28 de Junho de 2022; e) Que o A., a 30 de Junho de 2022, acaba por outorgar a BB uma segunda procuração para prometer vender e vender o prédio rústico inscrito sob o artigo …, secção 001, da freguesia de …, e o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo …, também este da freguesia de … (prédios estes que acabaram por ser vendidos ao R. KK a 19 de Agosto de 2022); f) Que na data de 8 de Julho de 2022 o A. revoga a procuração outorgada a 30 de Junho de 2022; g) Que o solicitador QQ assumiu perante AA a obrigação de comunicar a BB o facto de ter ocorrido uma revogação da procuração outorgada a 30 de Junho de 2022; h) Que o solicitador QQ informa por telefone a R. BB, no máximo até ao final do mês de Julho, que AA tinha revogado a procuração outorgada no dia 30 de Junho de 2022, logo, antes da realização da escritura de compra e venda dos imóveis mencionados em e); i) Que na procuração datada de 30 de Junho de 2022 são concedidos poderes à R. BB para, entre outros, para com os demais interessados e co-herdeiros proceder a partilhas judiciais e extrajudiciais em que seja interessado, desde que o prédio rústico inscrito sob o artigo …, secção 001, da freguesia de … lhe fique, ao A. entenda-se, a pertencer, por escritura ou documento equivalente de partilha parcial ou total (prédio este que veio a ser adjudicado à R. II por escritura de partilha hereditária parcial celebrada a 24 de Agosto de 2022); j) Logo, a procuração outorgada em 30 de Junho de 2022 não conferia à R. BB poderes para dispor em nome e representação do A. em sede de partilha hereditária, e a favor de terceiros, do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 347, secção 001 da freguesia de …; k) Que em ambas as escrituras (compra e venda e partilha hereditária parcial) a R. BB interveio na qualidade de procuradora do A., apresentando para o efeito a procuração outorgada a 28 de Junho de 2022, à qual a mesma tinha renunciado; l) Que a R. BB não podia ignorar, antes da data de realização de ambas as escrituras, ter ela própria renunciado à procuração outorgada pelo A. em 28 de Junho de 2022, nem que o A. tinha revogado a procuração outorgada em 30 de Junho de 2022, uma vez que o solicitador a informou desse facto ainda no decurso do mês de Julho de 2022; m) Tendo o solicitador QQ assumido a obrigação de comunicação à R. BB da revogação da segunda procuração por parte do A., este dispensou- se de o fazer; n) Pelo menos os RR. CC e KK tinham conhecimento que o A. tinha interesse nos prédios vendidos a este último, não sendo crível que os restantes RR. não tivessem o mesmo conhecimento, uma vez que são irmãs e cunhados do A.; o) A R. BB também tinha conhecimento desse facto, pois bem sabia que nenhum dos instrumentos de mandato se encontrava em vigor à data da celebração de cada uma das escrituras públicas, o de 28/06/2022 porque a ele renunciou e o de 30/06/2022 porque lhe foi comunicado pelo solicitador QQ que o A. o tinha revogado 8 dias depois da respetiva outorga. Caso fosse vontade do A. dispor dos prédios mencionados em n) acima, não teria o mesmo revogado a procuração que outorgou para o efeito, sendo certo que relativamente ao prédio mencionado em j), não foram conferidos a BB quaisquer poderes para dispor do mesmo que não fossem os necessários para que o mesmo fosse adjudicado ao A., o que não veio a acontecer. O A. nunca ratificou os negócios celebrados por BB em sua representação (ponto 20 dos factos dados como provados). B - QUANTO AO DIREITO A R. BB não detinha poderes para, em nome e representação do A., vender o prédio rústico inscrito sob o artigo …, secção 001, da freguesia de …, nem o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo …, também este da freguesia de …. Isto porque a procuração outorgada em 28 de Junho de 2022 apenas conferia poderes para vender quaisquer bens ou direitos móveis ou imóveis, mas entenda-se, que já estivessem na esfera jurídica do mandante e que a este pertencessem, o que não era o caso, pois os bens imóveis em causa pertenciam à herança de MM e de NN. Não tendo ainda sido efetuadas partilhas, ao A. apenas cabia uma quota ideal na referida herança e não quaisquer bens em concreto, não se encontrando previsto na referida procuração a possibilidade de dispor do direito que o mandante detinha na referida herança. Além do mais, a mandatária de AA, BB, renunciou à referida procuração, pelo que, a mesma nunca poderia ter sido usada por ela para representar o A. no negócio celebrado a 19 de agosto de 2022, uma vez que a mesma a ela renunciou em data anterior (30/06/2022), facto de que o A. teve conhecimento. O mesmo raciocínio vale relativamente à procuração outorgada a 30 de Junho de 2022 e no que concerne à propriedade dos imóveis a vender, sendo que, neste caso, a falta de poderes de BB advém da circunstância do A. ter revogado a procuração, facto do qual foi dado conhecimento àquela por parte do solicitador QQ em momento anterior à celebração da escritura de compra e venda. Já relativamente ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 347, secção 001 da freguesia de …, nos termos da procuração outorgada em 30 de Junho de 2022, este prédio deveria ser adjudicado ao A., pelo que, nunca foram conferidos poderes a BB para que ela dispusesse do mesmo a favor de terceiros, para além dos facto do A. ter revogado a referida procuração, facto de que a R. BB teve perfeito conhecimento, conforme já se demonstrou. O A. não tinha de informar os restantes RR. da renúncia à procuração de 28 de Junho de 2022, acontecendo que a R. BB, numa atitude de clara má fé, não cuidou de dar conhecimento desse facto aos restantes RR. (facto 23 dado como provado), pelo contrário, usou a referida procuração na celebração de duas escrituras públicas, uma de compra e venda e outra de partilha hereditária parcial. Não competia ao A. informar os restantes RR. da revogação da procuração de 30 de Junho de 2022, apenas lhe podendo ser exigido que informasse a R. BB, o que veio a suceder através do solicitador QQ, em data de certeza anterior à celebração das duas escrituras públicas, uma de compra e venda e outra de partilha hereditária parcial. Desconhecendo o A. sequer o propósito da celebração de ambas as escrituras públicas, questiona-se o que haveria para informar aos restantes RR., uma vez que ele nunca supôs sequer que a R. BB pudesse vir a utilizar uma procuração à qual ela própria tinha renunciado ou outra que tinha sido por ele revogada. Aplica-se relativamente à atitude de BB o disposto na Douta sentença recorrida, e que se transcreve pela sua total pertinência: “Dispõe o artigo 334º Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. Perante o preceituado neste artigo, o exercício do direito não deve exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, por a todos se impor uma conduta de acordo com os padrões da diligência, da honestidade e da lealdade exigíveis no comércio jurídico. Assim, os sujeitos de determinada relação jurídica devem atuar como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuir, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica. Os limites impostos pela boa fé são excedidos, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objetivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito. O mesmo se diga dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta na sociedade onde se inserem.” Nos termos do nº. 1 do artigo 268º do CC “O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado”, o que de facto nunca veio a acontecer. O artigo 268º, nº. 1 do Cód. Civil não faz depender a ineficácia do negócio em relação ao “constituinte” do conhecimento pela outra parte da inexistência dos poderes de representação invocados pelo “procurador”. (RE, 27-02-1992: CJ, 1992, 1º-284). Tal significa que estamos perante uma ineficácia absoluta, uma vez que os seus efeitos se projetam na esfera do representado e ainda na esfera daquele que celebra o negócio com o representante. Partilhamos da opinião de que, se não houver ratificação há nulidade do negócio (RDES, 19º- 113). A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal. (cfr. artigo 286º CC). Tanto a declaração de nulidade como a anulação do negócio têm efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente. (cfr. nº. 1 do artigo 289º CC). Razões pelas quais se pugna pela anulação dos negócios jurídicos celebrados por BB numa clara atitude de má fé e no uso de poderes que sabia não deter. Caso assim não se considere, o que por mero dever de patrocínio se admite, no mínimo, estes negócios devem ser considerados ineficazes relativamente ao A.. TERMOS EM QUE: Deverá assim, alterar-se a decisão ora recorrida no sentido de ser julgado como não provado o facto constante do ponto 22 da matéria de facto provada, ser julgado como provado o facto constante da alínea a) da matéria de facto não provada, e ser alterada em conformidade a sentença, e em consequência, ser: a) declarada a nulidade do contrato de compra e venda e do contrato de partilha hereditária parcial e, em consequência, ser b) restituídos à herança de MM e de NN os prédios vendidos ao R. KK, e ainda o prédio adjudicado à herdeira II através de contrato de partilha hereditária parcial; Caso tal não seja possível (a restituição dos três prédios à herança) devem os RR. ser: c) condenados a pagar à herança o valor correspondente aos imóveis vendidos ao R. KK e ao prédio adjudicado à herdeira II através de contrato de partilha hereditária parcial; Caso se entenda não ser possível declarar a nulidade do contrato de compra e venda e do contrato de partilha hereditária parcial, deve ser: d) declarada a ineficácia do contrato de compra e venda e do contrato de partilha hereditária parcial relativamente ao A. com todas as consequências daí resultantes; Devem ainda os RR. ser: e) condenados a pagar ao A., a título de Sanção Pecuniária Compulsória, à razão diária de 100,00 € (cem euros) por cada dia de atraso no cumprimento do peticionado, nos termos do disposto no art.º 829.º-A do CC. COMO É DE JUSTIÇA,” GG, FF, CC, DD, JJ, II, HH e EE, RR, nos autos acima identificados, notificados do recurso interposto pelo A, AA, apresentaram resposta ao recurso interposto, juntando contra-alegações, concluindo nos seguintes termos: “1. O douto recurso interposto deve ser indeferido pelo facto do Recorrente não ter cumprido o ónus de formular conclusões, nos termos do artigo 639º, nº 1, conjugado com o artigo 641º, nº 2, alínea b), do CPC. 2. As alegadas conclusões são apenas a reprodução quase integral – com ligeiras modificações de pormenor – das alegações. 3. A reprodução integral das alegações nas conclusões não preenche o ónus de concisão ou de conclusão. 4. Pelo que não há lugar à prolação de despacho de aperfeiçoamento, pois não se pode aperfeiçoar o que não existe. 5. Não devendo o Tribunal da Relação tomar conhecimento do recurso, indeferindo- o, cf. o artigo 641º, nº 2, alínea b), do CPC. 6. O A, Recorrente nos presentes autos, interpõe recurso da douta sentença, impugnando matéria de facto – facto 22 dos factos dados como provados – e direito. 7. A douta decisão recorrida não merece censura, devendo ser confirmada, pois está devidamente fundamentada, não enferma de contradições perante a prova produzida, nem de contradição ou insuficiência de fundamentação. 8. O Recorrente sustenta uma diversa interpretação – a sua opinião – sobre os factos dados como provados, que não tem acolhimento jurídico perante o princípio da livre apreciação da prova. 9. Um dos princípios estruturantes do processo civil é o princípio da livre apreciação da prova, baseada na convicção livre e prudente do Tribunal sobre a prova produzida, cf. o artigo 607º, nº 5 do CPC. 10. Mesmo quando o Recorrente parece impugnar a matéria de facto dada como provada, está, isso sim, a interpretar de modo diferente, discordando da apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, pois os segmentos dos depoimentos indicados nas doutas alegações de recurso não infirmam nenhum dos factos dados como provados – e postos em crise no recurso – interpretados conjugadamente entre si. 11. Como resulta da motivação de facto da douta sentença recorrida, o facto 22 da matéria dada como provada é dado como provado pelo testemunho da Dr. PP, Notária que lavrou as escrituras em causa nos autos. 12. Depoimento que não foi colocado em causa pelo Recorrente, aceitando-o, bem como a prova que o Tribunal dele retirou. 13. Não existe um erro notório na apreciação da prova - que o Recorrente nem invoca expressamente - limitando-se a discordar da interpretação que o Tribunal deu à prova produzida. 14. A renúncia ao mandato e a revogação da procuração de 28 de Junho de 2022 não foram levadas ao conhecimento dos ora Recorridos, dos RR, KK e mulher, nem da Notária, Dra. PP, tendo a R, BB, representado o A em ambas a escrituras. 15. Nos termos do nº 1, do artigo 266º do Código Civil, a renúncia à procuração por parte da R, BB, não é oponível aos Recorridos. 16. A extinção da procuração é inoponível aos terceiros que, ignorando sem culpa, tal extinção, tenham celebrado com o representante negócio, não tendo a obrigação de conhecer aquela extinção. 17. A não ratificação dos negócios por parte do Recorrente não é geradora de nulidade dos negócios celebrados, como resulta da interpretação conjugada dos artigos 258º, 268º e 269º, do Código Civil. 18. Pelo que a nulidade do negócio improcede. 19. Nestes termos e nos melhores de Direito, o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida, com todas as consequências legais. JUSTIÇA! * Os RR, KK e LL apresentaram contra-alegações de recurso, cujo teor se dá integralmente por reproduzido. Terminam, pugnando pela improcedência do recurso, devendo em consequência manter-se a sentença proferida pelo tribunal a quo; e na eventualidade de procedência do recurso, requerem o conhecimento dos restantes fundamentos invocados pelos RR, julgando-se procedente a reconvenção deduzida quanto ao pedido principal por estes formulado, ou caso assim não se entenda que sejam julgados, pela respetiva ordem, procedentes, os restantes pedidos subsidiários. * O Tribunal a quo não admitiu o recurso apresentado por AA. * Apresentada reclamação desse despacho, foi proferida decisão que o revogou e recebeu o recurso interposto pelo autor a 06.02.2024, que é de apelação, com subida imediata nos próprios autos, e com efeito devolutivo. * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. * II -Objeto do recurso: Segundo as conclusões do recurso, que delimitam o respetivo objeto, e ainda tendo em conta a ampliação do objeto do recurso apresentada nas contra-alegações dos RR, KK e LL, as questões a decidir são as seguintes: - Impugnação da decisão da matéria de facto; - Invocação de nulidade e ineficácia dos negócios jurídicos celebrados por BB em representação do Autor. - Reapreciação dos pedidos reconvencionais (ampliação do objeto do recurso). *** III. Fundamentação de facto: O tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade: “ 1. O Autor encontra-se divorciado desde 8 de junho de 2015 e é filho de MM e de NN. 2. No dia 5 de fevereiro de 2010 faleceu a sua mãe NN e, posteriormente, no dia 20 de novembro de 2019, faleceu o seu pai MM, tendo sido efetuada a escritura de habilitação de herdeiros no dia 27 de julho de 2022 no Cartório Notarial de ... pelo cabeça de casal da herança aberta por óbito dos falecidos e seu filho CC. 3. AA consta da declaração efetuada pelo cabeça de casal como herdeiro de NN e de MM. 4. No dia 31 de maio de 2010 foi entregue no Serviço de Finanças de ... o Modelo 1 (comprovativo de participação de transmissões gratuitas), assim como o respetivo Anexo I (relação de bens), relativos ao imposto do selo a pagar pela morte de NN, pelo então cabeça de casal e seu marido MM. 5. No dia 20 de novembro de 2019 foi entregue no Serviço de Finanças de ... o Modelo 1 (comprovativo de participação de transmissões gratuitas), assim como o respetivo Anexo I (relação de bens), relativos ao imposto do selo a pagar pela morte de MM, pelo cabeça de casal e seu filho CC. 6. Em ambas as relações de bens consta o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 521 da freguesia de …, do concelho de .... 7. Assim como, o prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artigo 314, da secção 001, também este da freguesia de …, do concelho de .... 8. No dia 19 de agosto de 2022, foi celebrado um contrato de compra e venda dos imóveis mencionados em 6 e 7 entre os herdeiros de NN e de MM, entre eles o ora Autor, neste ato representado por BB – a qual juntou, no ato de celebração da escritura pública de compra e venda dos referidos imóveis procuração na qualidade de vendedores, e KK na qualidade de comprador, pelo preço global de 240.000,00€. 9. No dia 24 de agosto de 2022, foi celebrada escritura pública de partilha hereditária parcial entre os herdeiros de NN e de MM, entre eles o ora A., neste ato representado por BB – a qual juntou, no ato de celebração da escritura pública de partilha, a mesma procuração. 10. Através da escritura de partilha hereditária parcial os respetivos intervenientes acordaram na adjudicação à herdeira II do prédio rústico, composto por acácias, mata de incensos e cultura arvense, localizado à ..., na freguesia de …, concelho de Ponta Delgada, com a área total de 1.800m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº. 2006 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo …, da Secção 001, por 10.000,00€. 11. Cerca de três semanas após a realização da escritura pública de compra e venda do imóvel onde se encontra implantado o dito armazém, o Réu KK ligou para o Autor para o informar que já tinha mudado as fechaduras dos prédios. 12. Assim, quando o Autor fosse retirar a sua porca e ainda os seus equipamentos de construção civil que ainda se encontravam guardados nos prédios deveria alertar o Réu KK, porque este iria encarregar-se de lhe dar acesso aos prédios e ainda ter uma conversa com o Autor sobre o negócio da aquisição dos mesmos prédios, o que veio efetivamente a cumprir-se. 13. Uns dias depois, e muito antes da construção do referido armazém, o Autor contactou o Réu KK e deslocou-se aos prédios vendidos para retirar as suas ferramentas e equipamentos que ainda lá se encontravam, tendo-se posteriormente dirigido à morada do Réu, a pedido deste, para manterem a tal conversa. 14. Nesta altura, conversando sobre o negócio, o Autor deu a conhecer ao Réu KK que não concordava com a venda realizada, até porque estava interessado no prédio adquirido pelo Réu, facto que era do conhecimento dos restantes herdeiros, seus irmãos. 15. Foi-lhe ainda transmitido pelo Autor que o assunto não iria ficar assim e que este tudo faria, desde que estivesse ao seu alcance, para reverter a situação, através da instauração de um processo judicial, pois nunca tinha dado o seu acordo à venda dos imóveis em causa. 16. Foi nesta conversa que o Autor informou o Réu KK de que a procuração utilizada pela procuradora BB já não estava em vigor, pois o Autor tinha tido um desentendimento com a mesma e esta tinha revogado a procuração antes da data da celebração da escritura de venda dos imóveis aos Réus KK e LL. 17. Tendo o Réu KK tido conhecimento de todo o conflito que o opunha aos seus irmãos e cunhados, cerca de três semanas após a celebração da escritura de venda dos imóveis, os Réus sabiam muito bem que era intenção do Autor recorrer às vias judiciais para reversão do negócio celebrado. * 18. BB, no dia 30 de junho de 2022, renunciou ao mandato conferido pelo Autor através da supramencionada procuração outorgada em 28 de junho de 2022 19. O Autor nunca aceitou receber nem recebeu quaisquer valores resultantes da celebração quer do negócio de compra e venda dos dois prédios, quer da partilha hereditária parcial. 20. O Autor nunca ratificou os negócios suprarreferidos. * 21. Na celebração da referida escritura de compra e venda, bem como de partilha parcial, a primeira Ré, BB, exibiu à Notária a procuração e outorgou a escritura no uso desses poderes. 22. A escritura de compra e venda foi celebrada respeitando todos os formalismos legais confirmados pela entidade competente para o efeito. 23. Todos os Réus outorgaram as escrituras desconhecendo a renúncia à procuração por parte da primeira Ré, BB. * 24. Com a outorga da escritura de compra e venda, os Réus CC e LL inscreveram o direito de propriedade a seu favor e tomaram posse de ambos os prédios vendidos, tendo já vendido a terceiros um dos prédios e construído no outro um armazém. 25. Utilizando e circulando naqueles prédios, livremente, fazendo deles, coisa sua, certos que não lesavam interesses alheios, e convictos que exerciam o respetivo direito de propriedade. 26. O armazém construído por CC e LL não pode ser levantado sem a deterioração ou destruição do mesmo. 27. O valor das obras executadas e que levou à edificação do armazém foi de cerca de 260 000,00€. 28. O prédio, antes da construção do armazém tinha o valor comercial de 90 000,00€. * (Mais se provou – artigo 5º, nº 2 do Código de Processo Civil): 29. Da procuração outorgada pelo Autor a 28 de junho, a favor da Ré BB, consta que aquele concede os poderes necessários para a) com livre e geral administração civil, reger e geri todos os bens dele outorgante (…), d) comprar ou arrematar, vender, permutar, penhorar ou hipotecar quaisquer bens ou direitos móveis ou imóveis, seja qual for a sua natureza e localização, efetuar contratos promessa e aceitar doações; e) para com os demais interessados ou co-herdeiros, proceder a partilhas judicias ou extrajudiciais em que seja interessado (…); 30. A 30 de junho de 2022 o Autor outorgou nova procuração a favor da Ré BB, concedendo poderes para aquela prometer vender e vender, por si ou juntamente com os demais herdeiros, os prédios rústicos inscritos sob os artigos …, secção 001, … e o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo …, …, pertencentes à herança de MM e NN e ainda para proceder a partilhas judiciais ou extrajudiciais, desde que o prédio inscrito sob o artigo …, secção 001, …, lhe fique a pertencer. 31. A 7 de setembro de 2022 o Autor declarou, no Cartório Notarial da Ribeira Grande, revogar, a partir de tal data, a procuração outorgada a 28 de junho de 2022, a favor de BB. * E considerou não provada a seguinte factualidade: a) Não era vontade do Autor que os negócios acima descritos fossem celebrados, conforme bem sabiam os seus irmãos e bem assim BB. b) Com toda esta situação o Autor tem sofrido graves perturbações de sono e crises de ansiedade, uma vez que não estava à espera de ser tratado com todo este descaso pelos seus irmãos e muito menos, que os estes o tentassem ultrapassar sem considerar a sua vontade já manifestada. c) Em virtude das crises de ansiedade suprarreferidas foi prescrita ao Autor a toma de medicamentos antidepressivos. “ * IV – Fundamentação de Direito: Da impugnação da decisão da matéria de facto: Dispõe o art.º 640º do CPC, com a epigrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” O Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido pelo STJ em 17.10.2023 no proc. 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.” Assim, embora tenha que constar nas conclusões do recurso a indicação dos concretos factos incorretamente julgados, já não tem necessariamente que constar nas mesmas a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, do corpo das alegações do recurso. E também não tem que constar nas conclusões a indicação dos meios probatórios de suporte à pretendida decisão alternativa, podendo tal indicação ser efetuada no corpo das alegações. E como deve ser feita a enunciação dos factos incorretamente julgados? Responde a tal questão o Ac. do STJ de 12-09-2019 proferido no Proc. 1238/14.9TVLSB.L1.S2, cujo sumário se passa, em parte, a transcrever: “(…) III – Havendo recurso da decisão proferida quanto à matéria de facto, a apreciação do cumprimento das exigências de especificação feitas no art.º 640º do mesmo diploma tem de ser feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. IV – Não impondo a lei, textualmente, que a identificação dos factos seja feita, nem pela indicação do seu número, nem pela indicação do seu teor exato, não pode deixar de se considerar suficiente qualquer outra referenciação feita pelo recorrente, desde que elaborada em termos tais que não deixem dúvidas sobre aquilo que pretende ver sindicado, assim definindo o objeto do recurso nessa parte, através da enunciação suficientemente clara da questão que submete à apreciação do tribunal de recurso.” Ou seja, não têm tais factos que ser necessariamente identificados por remissão para o respetivo número (até porque podem não estar numerados) nem por reprodução do seu exato teor; o que importa é que resulte clara a sua indicação, ainda que por outro modo de referenciação. Para além do cumprimento dos ónus referidos no art.º 640º do CPC, o recurso da decisão sobre a matéria de facto pressupõe ainda a utilidade ou pertinência da pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com a regra prevista no art.º 130º do CPC, aplicável a todos os atos processuais, segundo a qual “Não é lícito realizar no processo atos inúteis.” Ou seja, a alteração pretendida deverá ser relevante para a decisão da causa. Veja-se, a este propósito, o Ac. do STJ de 19.05.2021 proferido no Proc. 1429/18.3T8VLG.P1.S1, onde se sumaria que: “O Tribunal da Relação pode recusar-se a conhecer do recurso de impugnação da matéria de facto relativamente àqueles factos concretos objeto da impugnação, que careçam de maneira evidente de relevância jurídica à luz das diversas soluções plausíveis da questão de direito, evitando, de acordo com o artigo 130.o do CPC, a prática de um ato inútil.” Uma última nota: Conforme referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa in CPC Anotado, Vol. I, Almedina, 3ª ed., pág. 858, na anot. 5 ao art.º 662º, desde que se mostrem cumpridos os requisitos formais que constam do art.º 640º, a Relação não está limitada à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, devendo atender a todos quantos constem do processo, independentemente da sua proveniência (art.º 413º) sem exclusão sequer da possibilidade de efetuar a audição de toda a gravação se esta se revelar oportuna para a concreta decisão. Mais acrescentam os referidos Autores que tendo a Relação reapreciado os meios de prova indicados relativamente aos pontos de facto impugnados pelo recorrente, não está o Tribunal da Relação impedido de alterar outros pontos da matéria de facto, cuja apreciação não foi requerida, desde que essa alteração tenha por finalidade ou por efeito evitar contradição entre a factualidade que se pretendia alterar e foi alterada e outros factos dados como assentes em sede de julgamento. Feito este enquadramento, passemos a apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto que integra o objeto do recurso. Pretende o recorrente que seja julgado como não provado o facto constante do ponto 22 da matéria de facto provada, e seja julgado como provado o facto constante da alínea a) da matéria de facto não provada. O ponto 22 da matéria de facto provada tem a seguinte redação: “22. A escritura de compra e venda foi celebrada respeitando todos os formalismos legais confirmados pela entidade competente para o efeito. “ O tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto a tal facto nos seguintes termos: “No que se refere aos factos 21º e 22º o Tribunal atendeu ao depoimento objetivo e conciso da Notária PP.” Pretende o recorrente afastar a prova de tal facto, por considerar que o referido depoimento se revela manifestamente insuficiente, uma vez que os formalismos legais da celebração de uma escritura pública de compra e venda não são suscetíveis de serem confirmados unicamente por depoimento de quem lavrou a própria escritura, desacompanhado de qualquer outro meio de prova. Defende que primeiro que tudo haverá que identificar e discriminar quais os formalismos legais que se entende haverem de ser confirmados pela entidade competente para o efeito, para depois se concluir se os mesmos foram efetivamente cumpridos ou não no caso da celebração da escritura de compra e venda em apreço, o que não se basta com o mero depoimento de quem lavrou a referida escritura, havendo que determinar quais os documentos que, juntamente com o depoimento da testemunha PP, contribuem para efetuar a prova necessária do facto 22, o que não se verificou, devendo, em consequência, ser eliminado este facto da relação dos factos dados como provados. Ora, ponderando que, conforme resulta do respetivo depoimento, a testemunha PP, perguntada sobre se, tendo lido a escritura e a explicado, os compradores levantaram algum problema, respondeu que não, acrescendo que tudo correu normalmente, e sendo certo vez que o recorrente não identifica qualquer concreto formalismo que não tenha sido efetivamente assegurado, entende-se não existir suficiente fundamento para divergir da apreciação do Tribunal a quo quanto a esta matéria. Relativamente ao facto constante da alínea a) da matéria de facto não provada, que o recorrente pretende que seja julgado provado, o mesmo tem a seguinte redação: “a) Não era vontade do Autor que os negócios acima descritos fossem celebrados, conforme bem sabiam os seus irmãos e bem assim BB.” Invoca para tal as declarações de KK, que considera comprovarem o conhecimento deste e de CC da alegada ausência de vontade de celebração dos negócios, sendo crível o conhecimento também por parte dos outros RR irmãos do A; e ainda o depoimento de QQ, que considera comprovar o alegado conhecimento por parte de BB. O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção quanto a tal ponto da matéria de facto não provada nos seguintes termos: “No que diz respeito aos factos não provados, não foi produzida prova suficiente que permitisse ao Tribunal concluir pela veracidade dos mesmos. Desde logo, e quanto ao facto a), encontra-se em contradição com a procuração por si outorgada a 30/06/2022, sendo que o solicitador QQ foi claro ao explicar que deu conhecimento ao Autor do respetivo conteúdo, até porque as partes já se haviam desentendido quanto à procuração anterior. Tal conclusão não é afastada por o Réu KK ter dito que soube que o Autor, há mais de um ano atrás, teve interesse na compra de tal prédio, pois, durante tal período temporal, aquele encarregou BB da venda de diversos prédios, ao que acresce a circunstância da procuração referir-se exatamente ao prédio em discussão. (…)” Ora, como bem aponta o tribunal recorrido, resulta expressamente da procuração outorgada pelo Autor em 30.06.2022 que este encarregou BB da venda de dois prédios (inscritos na matriz sob os arts. 314 e 521), entre os quais o que veio a ser vendido a KK, pelo que o teor desta procuração colide, no que às compras e vendas respeita, com a factualidade constante na al. a) da matéria não provada. Mesmo relativamente à ressalva constante na procuração no sentido de, em partilha, o prédio inscrito na matriz com o nº347 lhe ficar a pertencer, constata-se que afinal não seria essa a sua vontade, pois no seu depoimento referiu que o seu interesse não era ficar com esse prédio (sito na ...), tal como aliás também já resulta do art.º 18º da p.i., em que apenas refere discordar do preço; atenta esta contradição entre o que declarou na procuração relativamente a este prédio, e o que assume no processo relativamente ao mesmo, não há obviamente prova segura que BB ou os irmãos do Autor soubessem o que ele efetivamente queria ou não queria relativamente ao referido prédio. Por outro lado, as declarações de KK também não comprovam a factualidade aludida na alínea a), designadamente no que ao prédio adquirido por aquele respeita. Referiu que há cerca de um ano ou dois anos atrás quis comprar o terreno mas soube que o Autor tinha interesse nele, e que posteriormente o R CC lhe disse que o terreno estava à venda outra vez, e que o irmão (autor) não o queria; ora, tais declarações até apontam no sentido de que quer KK quer CC pensavam que afinal o Autor já não tinha interesse no prédio, não demonstrando, pois, a factualidade descrita na referida al a). Relativamente ao conhecimento imputado à Ré BB, e não obstante a testemunha QQ ter referido que lhe deu conhecimento ainda no mês de Julho de 2022, por telefone, da revogação da procuração outorgada a 30.06.2024, BB, nas suas declarações refutou ter tido conhecimento dessa revogação. Atenta esta divergência, não há prova segura de que na data da celebração das escrituras BB soubesse que também a procuração de 30.06.2022 já não estaria em vigor, e que, portanto, não seria vontade do Autor que os negócios identificados nas escrituras fossem celebrados (mais a mais, porque segundo BB foi o Autor que a contactou para vender prédios da herança, quem a apresentou aos irmãos, e quem a acompanhou nas visitas aos imoveis - sendo que o próprio A, no seu depoimento, também reconheceu ter sido ele a contratar BB e tê-la acompanhado pelo menos numa visita -, sendo que tais comportamentos do Autor são objetivamente reveladores de interesse na venda de imóveis). Assim sendo, improcede esta pretensão do apelante, e, portanto, toda a impugnação da decisão sobre a matéria de facto improcede. Invocação de nulidade e ineficácia dos negócios jurídicos celebrados por BB em representação do Autor: Defende o A que a R. BB não detinha poderes para, em seu nome e representação do A., vender o prédio rústico inscrito sob o artigo …, secção 001, da freguesia de …, nem o prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o artigo …, também este da freguesia de …, pois a procuração outorgada em 28 de Junho de 2022 apenas conferia poderes para vender quaisquer bens ou direitos móveis ou imóveis, mas entenda-se, que já estivessem na esfera jurídica do mandante e que a este pertencessem, o que não era o caso, pois os bens imóveis em causa pertenciam à herança de MM e de NN, não tendo ainda sido efetuadas partilhas, pelo que ao A. apenas cabia uma quota ideal na referida herança e não quaisquer bens em concreto, não se encontrando previsto na referida procuração a possibilidade de dispor do direito que o mandante detinha na referida herança. Além do mais, a mandatária de AA, BB, renunciou à referida procuração, pelo que, a mesma nunca poderia ter sido usada por ela para representar o A. no negócio celebrado a 19 de agosto de 2022, uma vez que a mesma a ela renunciou em data anterior (30/06/2022), facto de que o A. teve conhecimento. Vejamos. É incontestável que não tendo ainda havido partilha de herança com vários herdeiros, o direito que cabe a cada um é um direito sobre a universalidade da herança e não sobre concretos bens que a integrem. Todavia, nada impede, e nem sequer foi posto em causa nos autos, que os herdeiros, em conjunto, possam alienar um ou mais bens que integrem a herança, ao abrigo do disposto no art.º 2091 º nº 1 do CC, o qual dispõe que: “1. Fora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros.” Sobre esta questão veja-se o Ac. do TRL de 27-06-2006 proferido no Processo 4669/2006-7, do qual se reproduz o seguinte trecho da fundamentação: “Portanto, antes de se proceder à partilha, mas depois de aceite a herança, esta pode ser alienada na sua totalidade pelos vários herdeiros. Todavia também pode ser alienada em parte, ou seja, apenas o “quinhão hereditário” que caiba a um só ou apenas a alguns dos co-herdeiros. É certo que, havendo vários herdeiros, antes de se proceder à partilha nenhum deles tem um direito real sobre os bens da herança em concreto, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles (não existe um regime de verdadeira compropriedade (6). Tem, porém, cada deles direito ao quinhão hereditário, ou seja, à respectiva quota parte ideal da herança global em si mesma. Todavia, por maioria de razão, parece nada obstar a que se proceda à venda de um bem determinado da herança, desde que haja acordo de todos os interessados, nos termos do artigo 2091º do CC. É que, salvo os actos de mera administração, só os herdeiros em conjunto podem exercer os direitos relativos à herança. No caso de todos os herdeiros serem maiores parece nenhuma questão se colocar, até porque se trata de uma prática normalmente seguida.” Também na fundamentação do Ac. do TRP de 12.07.2021 proferido no Proc. 3021/20.3T8GDM.PI se refere que: “Com efeito, tendo existido acordo de todos os herdeiros para a venda do imóvel que fazia parte do património da herança dos «de cujus», avós paternos da Autora, é, em absoluto, neste contexto, irrelevante a consideração de que os mesmos não eram proprietários de uma parte certa ou determinada nesse imóvel, mas apenas de uma quota-parte ideal, pois que essa circunstância torna-se irrelevante a partir do momento em que todos deram o seu assentimento à alienação do imóvel. [2]” A questão que o recorrente coloca é diversa, prendendo-se com o conteúdo da procuração outorgada a 28.06.2022, defendendo que a mesma apenas permitia à procuradora vender quaisquer bens ou direitos móveis ou imóveis que já estivessem na esfera jurídica do mandante e que a este pertencessem, o que não era o caso, pois ao A. apenas cabia uma quota ideal na referida herança e não quaisquer bens em concreto, “não se encontrando previsto na referida procuração a possibilidade de dispor do direito que o mandante detinha na referida herança.” Discordamos. Tal procuração de 28.06.2022 confere os poderes necessários para: a) com livre e geral administração civil, reger e geri todos os bens dele outorgante (…), d) comprar ou arrematar, vender, permutar, penhorar ou hipotecar quaisquer bens ou direitos móveis ou imóveis, seja qual for a sua natureza e localização, efetuar contratos promessa e aceitar doações; e) para com os demais interessados ou co-herdeiros, proceder a partilhas judicias ou extrajudiciais em que seja interessado (…); É pois uma procuração formulada em termos amplos, sem o cariz restritivo que o recorrente ora defende, permitindo ao procurador vender quaisquer bens ou direitos móveis ou imóveis, o que, para qualquer declaratório normal colocado na posição do declaratário (cf art.º 236 do CC) não pode deixar de abranger também o direito correspondente ao quinhão em herança indivisa - que é em si mesmo coisa móvel nos termos do art.º 205 nº1 do CC (ainda que a herança tenha imóveis – cf. AC. TRG de 30-10-2008 proferido no Processo 2007/08-1), e consequentemente, o direito de, em conjunto com os outros herdeiros, vender bens da herança. Acresce que tal procuração, na parte referente à venda de bens ou direitos, não pode deixar de ser interpretada de acordo com a vontade do próprio Autor, que, conforme resulta de nova procuração outorgada 2 dias depois, na sequência da renúncia da procuradora à primeira procuração, era a de que fossem vendidos concretos bens da herança, vontade que era conhecida pela procuradora (art.º 236 nº 2 do CC). Questão diversa é a que prende com a realização das escrituras de compra e venda e partilha nas quais BB outorgou na qualidade de procuradora do Autor, apesar de prévia renúncia à procuração de 28.06.2022 outorgada por aquele. Provou-se que no dia 19 de agosto de 2022 foi celebrado um contrato de compra e venda dos imóveis mencionados em 6 e 7 entre os herdeiros de NN e de MM, entre eles o ora Autor, neste ato representado por BB – a qual juntou, no ato de celebração da escritura pública de compra e venda dos referidos imóveis procuração- na qualidade de vendedores, e KK na qualidade de comprador, pelo preço global de 240.000,00€; e que no dia 24 de agosto de 2022, foi celebrada escritura pública de partilha hereditária parcial entre os herdeiros de NN e de MM, entre eles o ora A., neste ato representado por BB – a qual juntou, no ato de celebração da escritura pública de partilha, a mesma procuração (factos provados 8 e 9). Embora em tais factos 8 e 9 não conste a concreta identificação da procuração utilizada, resulta do facto provado 18 (que alude à “supramencionada procuração outorgada em 28 de junho de 2022”) que a procuração aludida nos anteriores factos provados é a de 28.06.2022, procuração à qual a Ré BB renunciou em 30.06.2022. Também do facto 23 resulta que a procuração usada nas escrituras é a que tinha sido objeto de renúncia, ou seja, a de 28.06.2022. Mais se provou que na celebração da referida escritura de compra e venda, bem como de partilha parcial, a primeira Ré, BB, exibiu à Notária a procuração e outorgou a escritura no uso desses poderes (facto provado 21); e que os demais outorgantes outorgaram as escrituras desconhecendo a renúncia à procuração por parte da primeira Ré, BB (facto provado 23). Dispõe o art.º 265 do CC que: “1. A procuração extingue-se quando o procurador a ela renuncia, ou quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, excepto se outra for, neste caso, a vontade do representado. 2. A procuração é livremente revogável pelo representado, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de revogação. 3. Mas, se a procuração tiver sido conferida também no interesse do procurador ou de terceiro, não pode ser revogada sem acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa.” Por sua vez, dispõe o art.º 266º do CC: 1. As modificações e a revogação da procuração devem ser levadas ao conhecimento de terceiros por meios idóneos, sob pena de lhes não serem oponíveis senão quando se mostre que delas tinham conhecimento no momento da conclusão do negócio. 2. As restantes causas extintivas da procuração não podem ser opostas a terceiro que, sem culpa, as tenha ignorado. Por último dispõe o art.º 268º do CC que: 1. O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado. 2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroactiva, sem prejuízo dos direitos de terceiro. 3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito. 4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante. Assim, a renúncia à procuração extinguiu a procuração de 28.06.2022 (art.º 265 nº1 do CC). O que significa que aquando da celebração das escrituras tal procuração já não existia. Não podemos, contudo, subsumir a situação ao disposto no art.º 268º do CC. É que é diferente a situação em que nunca houve, e como tal não é apresentada, qualquer procuração, da situação em que é apresentada uma procuração, embora, entretanto, extinta. Nestes últimos casos rege o art.º 266º do CC, do qual resulta que a extinção da procuração por causas diversas da revogação não pode ser oposta a terceiro, que sem culpa, a tenha ignorado. Consta no Código Civil Comentado I - Parte Geral, CIDP, Faculdade de Direito Universidade de Lisboa, Almedina, com coordenação de António Menezes Cordeiro, em anotação a este preceito, que: “(…) À partida não parece ser possível alargar o 266º a casos nos quais falte, pura e simplesmente, uma procuração. A previsão protetora assenta num instrumento de representação efectivamente existente, cuja cessação não foi comunicada ao terceiro que, nele, acredite: temos uma razão muito forte para a tutela da aparência. Na falta de procuração e mesmo em situações de tolerância ou aparência, nada há que, objectivamente, faculte a aplicação do referido art.º 266º: só pela boa fé”. Ou seja, o referido art.º 266º tutela a aparência da existência de poderes de representação decorrente de instrumento de procuração que, entretanto, tenha cessado, protegendo o terceiro que desconheça, sem culpa, tal cessação. Mais se refere no referido Código Civil Comentado, ainda em anotação a esse preceito, que: “À partida e em face de situações puramente individuais, a pessoa que contrate com um alegado representante tem um mínimo de cautelas a observar. O art.º 260º permite-lhe exigir, do representante, a prova dos seus poderes, prova essa que, se não for feita num prazo razoável, deixa a declaração sem efeitos- e isso mesmo quando exista uma procuração inatacável. Compreende-se que a tutela da aparência exija uma previa procuração, manifestando-se, apenas, quando sobrevenham modificações ou a extinção (266º).” Ora, no caso dos autos é evidente a necessidade de tutela da aparência da existência, na esfera de BB, de poderes de representação do Autor. Na celebração da referida escritura de compra e venda, bem como de partilha parcial, BB exibiu à Notária a procuração e outorgou a escritura no uso desses poderes. A procuração foi, portanto, exibida em ato formal perante um Notário cuja função é precisamente dar forma legal e conferir fé pública aos atos jurídicos extrajudiciais (art.º 1º nº 1 do Código de Notariado), pelo que qualquer pessoa com a diligência de um bom pai de família confiaria na existência dos correspondentes poderes de representação. Mais se provou (facto provado 23) que os demais outorgantes outorgaram as escrituras, desconhecendo a renúncia à procuração por parte da primeira Ré, BB. Assim sendo, é notório que os demais outorgantes, sem culpa sua, ignoravam a cessação da procuração. E, portanto, tal cessação não lhes é oponível. É indiferente que o Autor não tenha ratificado os negócios jurídicos em causa; tal falta de ratificação apenas relevaria se a situação sub judice fosse subsumível à previsão que consta no art.º 268º do CC, e não o é, aplicando-se antes o disposto no art.º 266ºnº2 do mesmo Código. Também é irrelevante a má fé que o recorrente imputa à R. BB, por não ter dado conhecimento da renúncia à procuração aos restantes RR. O art.º 266º nº 2 do CC tutela a situação dos terceiros, ou seja, as pessoas alheias à procuração, que, sem culpa, desconhecem a cessação da mesma, independentemente da eventual má fé de quem, com base nessa procuração, se apresente como procurador. A referida inoponibilidade da renúncia à procuração aos demais outorgantes nas escrituras da obsta, pois, à pretendida nulidade ou ineficácia dos negócios jurídicos celebrados (sendo certo que o art.º 268º do CC invocado pelos recorrentes, que já vimos que aqui não se aplica, comina com a ineficácia relativamente ao alegadamente representado, e não com nulidade, o negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de dele, se não for por ele ratificado). Obstando também aos consequentes pedidos de restituição à herança dos prédios vendidos e adjudicados ou, caso tal não seja possível, à condenação no pagamento à herança do valor correspondente aos imóveis vendidos e adjudicados, e à aplicação de sanção pecuniária compulsória, e condenação no pagamento de danos morais ao Autor, danos morais que nem sequer se provaram. E tanto basta para improceder o recurso, sem necessidade de analisar sequer a invocada revogação da procuração outorgada a 30.06.2022 (revogação que aliás não consta sequer da matéria provada), pois, conforme resulta dos factos provados 18 e 23, a procuração usada para a celebração dos negócios descritos nos factos 8 e 9 é a de 28.06.2022. Reapreciação dos pedidos reconvencionais (ampliação do objeto do recurso): Os RR, KK e LL apresentaram contra-alegações de recurso, onde pugnam pela improcedência do recurso; e na eventualidade de procedência do recurso, requerem o conhecimento dos restantes fundamentos invocados pelos RR, julgando-se procedente a reconvenção deduzida quanto ao pedido principal por estes formulado, ou caso assim não se entenda que sejam julgados, pela respetiva ordem, procedentes, os restantes pedidos subsidiários. Recorde-se que na sentença se julgou a ação improcedente e, em consequência, também improcedente o pedido reconvencional porquanto se mostrava dependente da procedência da ação. Cumpre apreciar. Dispõe o art.º 636º nº 1 do CPC que: “No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.” E acrescenta o nº 2 do art.º 636º do CPC que: “Pode ainda o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.” Permite-se, pois, que quem não tem legitimidade para recorrer por a decisão final lhe ter sido favorável, possa ser admitido “a integrar no objecto do recurso interposto pela contraparte as questões em que decaiu, por forma a assegurar por qualquer das vias a manutenção do resultado final” – cf. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pereira de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 3º ed. em anotação ao art.º 636º do CPC. “A ampliação do objecto de recurso pode ainda abarcar a impugnação da decisão da matéria de facto que se mostrou desfavorável à parte vencedora, na medida em que daí decorra, ainda que por outra via, a manutenção da decisão recorrida” – cf. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, e Luís Filipe Pereira de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 3º ed. em anotação ao art.º 636º do CPC. No caso que ora nos ocupa, verificamos que estes RR pretendem apenas que, na eventualidade de procedência do recurso apresentado pelo autor, seja julgado procedente o pedido reconvencional que formularam. Ora, considerando que improcedeu o recurso de apelação interposto pelo autor, fica prejudicada a reapreciação do pedido reconvencional em causa. As custas do recurso são a cargo do apelante, por ter ficado vencido (art.º 527 nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie. *** V. DECISÃO: Pelo exposto acordam as Juízes desta 8ª seção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie. Notifique. Lisboa, 10.04.2025 Carla Cristina Figueira Matos Maria do Céu Silva Maria Carlos Calheiros |