Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | HIGINA CASTELO | ||
| Descritores: | ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS ATA DA REUNIÃO DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS ASSINATURA DELIBERAÇÃO | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 10/23/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Sumário: | Sumário I. A falta de assinatura da ata da assembleia-geral pelos condóminos não constitui causa de ineficácia das deliberações ali tomadas. II. De acordo com o disposto no art. 1.º, n.º 1, do DL 268/94 (Regime da Propriedade Horizontal), as atas das assembleias de condóminos, apenas têm de ser assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente; assim é tanto à luz da versão inicial do artigo como à luz da segunda e última versão, introduzida pela Lei 8/2022. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam as abaixo identificadas desembargadoras do Tribunal da Relação de Lisboa: I. Relatório “A” – Construções, Ld.ª, com sede no Campo Pequeno, … Lisboa, intentou ação declarativa de anulação e nulidade contra o CONDOMÍNIO do prédio designado por “B”, sito na Av. …, em Lisboa, representado pela respetiva administração …, Unip., Ld.ª, com sede na Rua … Lisboa, pedindo «o reconhecimento e declaração dos vícios que afetam as atas, a convocatória, as decisões e deliberações indicadas», sic. Para tanto e em síntese alegou: - Realizou-se assembleia de condóminos em 15/11/2021, pelas 18H00; - Da ordem de trabalhos da respetiva convocatória constavam pontos vagos – em violação das normas que impõem o direito à informação sobre as matérias objeto da convocatória, de modo, a assegurar uma participação esclarecida nas deliberações –, concretamente, os seguintes: 3- Análise e deliberação sobre obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio; 4- Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior; - A administração escreveu falsamente na ata, a propósito dos pontos 3 e 4, que ali se aprovaram uns trabalhos no montante de 6.000 € + IVA, não registando a votação dessa alegada deliberação, nem determinando com exatidão quais os trabalhos em causa; - O mesmo sucede como registo das alegadas votações do orçamento e da sua repartição, que não tiveram lugar; - Não houve deliberação sobre os pontos 3 e 5, que sempre seria inválida por violação do direito à informação; - As atas 34 e 35 (docs. 9 e 10), das assembleias de condóminos de 12/11/2021 e 15/11/2021 [e não de 15/11/2022, como por manifesto lapso consta em dois artigos da petição], foram apenas assinadas pela Administração, não tendo sido oferecidas a nenhum condómino para assinatura; - Apenas foram enviadas à autora, por carta, em 22/12/2021. Contestando, o condomínio réu diz, em síntese, que: - Desde o início, a autora põe em causa todas as assembleias de condóminos e todas as deliberações nelas tomadas, num total de nove processos judiciais, tendo as decisões dos processos findos sido favoráveis ao condomínio; - A autora detém atualmente 58 frações, correspondentes 208,5/1000 do capital, e não pagou qualquer quotização de condomínio nos anos 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012, 2014, 2015 e 2020, ascendendo a sua dívida ao condomínio, em 15/11/2021, a 336.128,25 € só de capital; - Salvo escassas penhoras de rendas dos estacionamentos da autora, não tem sido possível obter meios de cobrança eficazes, por os imóveis titulados pela autora estarem onerados com hipotecas e penhoras para garantia de valores superiores aos patrimoniais e até aos valores de mercado na venda em execução; - A autora votou favoravelmente as deliberações tomadas no âmbito dos pontos 3, 4, 1.ª parte, e 5, e e absteve-se quanto à 2.ª parte do ponto 4, pelo que não tem legitimidade para impugnar as respetivas deliberações; - A autora falseia dolosamente os factos, para impor à administração e aos restantes condóminos mais um processo judicial e mais despesas, dificultar a normal gestão condominial, e continuar a não pagar as quotizações de condomínio devidas pelas suas inúmeras frações autónomas. Termina pedindo que a ação seja julgada totalmente improcedente, e a autora condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização de, pelo menos, 2.000,00 €. O processo seguiu os regulares termos e, após audiência, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto: 1. Julga-se procedente a ação e anulam-se as deliberações constantes da ata 35. 2. Julga-se improcedente o incidente deduzido pelo réu e absolve-se a autora como litigante de má-fé.» O condomínio réu não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma: «1) Vem o presente recurso interposto da sentença de 4 de junho de 2024, que julgou procedente a ação, anulando as deliberações constantes da ata 35, relativa à assembleia de condóminos do Condomínio Recorrente realizada em 15 de novembro de 2021 e ainda absolveu a A/Recorrida como litigante de má-fé. 2) Para além dos factos provados e não provados enunciados na sentença recorrida, outros factos com “relevância para a causa”, designadamente, quanto à matéria da litigância de má-fé, que se encontram provados por documentos e não foram contestados pela A./Recorrida, deveriam constar da matéria provada. 3) Designadamente os factos alegados nos art.ºs 2º, 3º e 61º1 da contestação, a saber em resumo: 3.1) A A., pôs em causa todas e qualquer uma das deliberações tomadas nas sucessivas assembleias de condóminos do designado ““B””, podendo citar-se as seguintes ações de nulidade/anulação intentadas pela A.: a) Processo n.º …/12.0TVLSB, que correu termos na 1.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, tendente à anulação das deliberações tomadas na assembleia de 15/06/2012 e que foi designada extinta, por deserção da A., em 29/4/14 - DOC. 1; b) Processo n.º …/13.0TJLSB, que correu termos na Instância Local de Lisboa – J 20 e que visou anular as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 02/05/2013 e no qual foi proferida douto saneador - sentença de 28/6/2018, confirmado por Acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2019, já transitado e que absolveu os réus/condóminos dos pedidos formulados pela “A”, Lda. - DOC. 2; c) Processo n.º …/16.8T8LSB, que correu termos na Instância Local de Lisboa – J 17 e que tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 03/11/2015, com continuação em 19/11/2015, já concluído – DOC. 3. d) Proc. n.º …/16.1T8LSB, que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 4, tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 17/10/2016 e que foi julgada totalmente improcedente por sentença confirmada em Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2020 e há muito transitado (DOC. 4 e 4A). e) Proc. n.º …/20.4T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 25/11/2019, no âmbito do qual foi preferida sentença datada de 04/06/2021, favorável ao Condomínio (DOC. 5) e de que a A. interpôs apelação em 08/09/2021 (DOC. 6). f) Proc. n.º …/20.4T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, tem como pedido uma segunda tentativa, ao abrigo do 372º nº 3 do CPC, de anulação das deliberações tomadas na assembleia de 02/05/2013 (cfr. precedente alínea b)) e foi objeto da sentença de 08/06/2021, favorável ao Condomínio (DOC. 7) e de que a A. interpôs apelação em 06/09/2021 (DOC. 8). g) Proc. n.º …/20.8T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 4, visando a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 09/03/2020 e se encontra na fase dos articulados.- DOC. 9. h) Procº nº …/21.2T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 10, visando a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 16/06/2021, que foi objeto da sentença de 07/11/2021 favorável ao Condomínio e em fase de recurso de apelação interposto pela A. em 13/12/2021 (DOC. 10) 3.2). Porque não se realizaram assembleias nos anos de 2017 e 2018, desde 2012, a A. impugnou TODAS as assembleias de condomínio que ocorreram no Condomínio dos autos, questionando TODAS as deliberações tomadas. 3.3) Da página 3 da ata 35 consta o seguinte: “Os orçamentos juntos à convocatória não foram votados porque «Lamentavelmente, atendendo aos valores devidos por alguns condóminos, sobretudo da “A” que nesta data deve ao condomínio a quantia de € 336.128,25€, não tem sido possível realizar quaisquer melhorias, sequer as mais urgentes e obrigatórias.» 4) Factos que deverão ser aditados à matéria de facto provada e devidamente ponderados, designadamente na apreciação da requerida litigância de má-fé da A./Recorrida; 5) O Mmo Juiz a quo assentou a decisão de julgar procedente a ação, apenas e só no seguinte excerto da sentença recorrida: “A autora invoca o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, que, na redação da Lei n.º 8/2022, de 10 de Janeiro, dispõe: “1. São obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos nelas presentes. 2. (…) 3. A eficácia das deliberações depende da aprovação da respetiva ata, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos. (…)” Nesta ação, não foi demonstrada a aprovação da ata 35, que não se encontra assinada por nenhum dos condóminos – apenas pela administração. Pelo que as deliberações não são eficazes. Não sendo as deliberações eficazes, importa julgar procedente a ação.” 6) A A/Recorrida invocou efetivamente do nº 1 desse artigo, concretamente no art.º 26º da pi, mas a propósito da falta de assinatura da ata de 15/11/2021, mas nada disse sobre a redação desse preceito e não é sequer crível que tenha ponderado a redação introduzida pela Lei nº 8/2022, ou seja de uma alteração publicada 2 (dois) dias antes da apresentação da presente ação (12/01/2022) e que, como é sabido, entrou em vigor no dia 10 de abril de 2022. 7) Está assente que as deliberações sindicadas pela A./Recorrida foram tomadas na assembleia realizada em 15 de novembro de 2021 e que a respetiva ata (35), reproduzida no FP.8, foi enviada a todos os condóminos, incluindo a A/Recorrida por carta de 13 de dezembro de 2021 (FP.14). 8) A redação do nº 3 do art.º 1.º do DL nº 268/94, de 25/10, introduzida pela Lei 8/2022, de 10/01 e que foi aplicada pelo Tribunal a quo para fundamentar a decisão ora recorrida não pode ser aplicada a uma ata (e respetivas deliberações) de assembleia de condóminos realizada em 15/11/2021, pois não está em causa o “conteúdo de certas relações jurídicas” mas apenas a introdução de um requisito de eficácia, que não pode ser imposto retroativamente. 9) Assim, é evidente que a eficácia das deliberações tomadas na assembleia de que emerge a ata 35 não está, direta ou indiretamente, condicionada por uma alteração legislativa que entrou em vigor praticamente 5 meses depois dessa assembleia e quase 4 meses depois da ata ter sido elaborada e enviada a todos os condóminos. 10) Apenas como comentário, sublinha-se que esta alteração de 2022 provoca e provocará vários problemas de aplicação na gestão corrente dos Condomínios e vai em sentido diametralmente oposto ao visado pelo legislador de 1994, ou seja e como consta do preâmbulo do DL 268/94: “as regras aqui consagradas … têm o objetivo de procurar soluções que tornem mais eficaz o regime da propriedade horizontal, facilitando simultaneamente o decorrer das relações entre os condóminos e terceiros”. 11) Abstraindo desta incongruência legislativa, nos presentes autos importa aferir o regime das deliberações da assembleia de condóminos que vigorava em 2021, ano em que foi realizada a assembleia em causa, elaborada a respetiva ata e a mesma enviada aos condóminos. 12) A redação do artº 1º do DL 268/94, de 25/10 que vigorou até 9 de abril de 2022 e que aqui nos abstemos de reproduzir, não previa o requisito de eficácia das deliberações condominiais em que o tribunal a quo assentou, em exclusivo, a sua decisão de julgar a ação procedente, pelo que, não estando a eficácia das deliberações tomadas na assembleia de 15 de novembro de 2021 dependente da aprovação da respetiva ata, é notório ter a sentença recorrida incorrido “em manifesto lapso” “na determinação da norma aplicável”. 13) Lapso que até fundamentaria a reforma da sentença, ao abrigo do nº 2 do artº 616º CPC, não fora a admissibilidade do presente recurso, que terá, assim, de ser julgado procedente com a consequente revogação da sentença recorrida. 14) O Condomínio Recorrente acusou a A./Recorrida de “deduzir pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar”, de alterar “a verdade dos factos” e de fazer “um uso manifestamente reprovável” dos meios processuais, assentando, em resumo, essas acusações no seguinte: a) A A./Recorrida, por estar representada por advogado, tem necessariamente de saber que um condómino que votou favoravelmente uma deliberação não a pode impugnar judicialmente (artºs 64º, 66º e 67º da contestação); b) A A/Recorrida mentiu, designadamente nos seus artºs 15º, 16º, 28º, 29º e parte final da alínea f) da súmula final da contestação, quando alega que não votou favoravelmente as deliberações tomadas no âmbito dos pontos 3 e 5 e a primeira deliberação do ponto 4 (artºs 59º e 65º da contestação); c) A A/Recorrida utilizou esta ação para, na esteira da estratégia que adotou desde 2012, entorpecer a gestão do Condomínio (cfr. artº 2º a 21ºda cont.). 15) O Mmº Juiz a quo fez a correta análise das deliberações tomadas na ata 35, indicando as seguintes: 1. Realização de obras de €6.000,00 + IVA, nas centrais de incêndios e de CO2, necessárias por questões de segurança. 2. Quota-parte de cada condomínio no pagamento de acordo com a permilagem de cada condómino. 3. Nomeação dos membros da comissão de acompanhamento. 4. Voto de louvor 16) Com base na documentação junta aos autos e no depoimento da única testemunha que esteve presente na assembleia de 15/11/2011 (…) foi dado como provado: 9. Na assembleia, o representante da autora aprovou a realização das obras no valor de €6.000,00 + IVA, e o ponto cinco da ordem de trabalhos. 17) Assim, ficou provado que a A./Recorrida votou favoravelmente a 1ª deliberação tomada no âmbito do ponto 4 (Realização de obras de €6.000,00 + IVA, nas centrais de incêndios e de CO2, necessárias por questões de segurança.) e as duas deliberações tomadas no âmbito do ponto 5 (Nomeação dos membros da comissão de acompanhamento e Voto de louvor). 18) Pelo que, tendo estado presente/representada na assembleia em causa, a A./Recorrida faltou consciente e dolosamente à verdade, ao alegar que não votou favoravelmente essas deliberações e, em geral, quando afirma que a ata 35 não corresponde ao que efetivamente se passou na assembleia de 15/11/2021. 19) A motivação de tão patente violação do dever de boa-fé processual só pode ser entendida no âmbito da persecução do objetivo da A./Recorrida de dificultar a gestão do Condomínio Recorrente, mesmo que, para tanto, tenha – como fez – de utilizar o presente processo como instrumento dessa estratégia, ficcionando a não fiabilidade da ata e invocando a inexistência de deliberações efetivamente tomadas e que até votou favoravelmente. 20) O Tribunal recorrido julgou improcedente a requerida litigância da má-fé da A./Recorrida, com alguns considerandos sobre esse instituto e a seguinte fundamentação “Atenta o supra decidido, afigura-se que a autora não litiga de má-fé. Cumpre julgar improcedente o incidente” 21) Mostrando-se preenchidos todos os “requisitos” enunciados no excerto doutrinário reproduzido na parte final da sentença recorrida, dúvidas não podem existir quanto à qualificação do comportamento altamente censurável da A./Recorrida como de litigância de má-fé e quanto a ser merecedor de uma reação clara e inequívoca, no mínimo aquela que se requer no artº 70º da contestação - condenação da A./Recorrida em multa condigna e em indemnização à Ré, no valor das despesas e prejuízos a que alude a alínea b) do nº 1 do artº 543º do CPC, no mínimo, de 2.000,00€. 22) Pelo que, também, neste segmento, deverá ser revogada a sentença recorrida; 23) A A./Recorrida procurou complicar e confundir a causa de pedir, não identificando concretamente as deliberações que pretendia impugnar, amalgamando todas e cada uma em alegações difusas e espúrias, que passaram por orçamentos juntos à convocatória que nem sequer foram discutidos ou colocados à votação (FP 6 e 10) e serviços de limpeza que não constavam da OT e nem sequer foram discutidos (artºs 31º a 33º da pi). 24) Reconhecida que está a fiabilidade da ata 35 e afastada, no que respeita às deliberações tomadas, a omissão do dever de informação e a não adequação do âmbito da OT da convocatória, apenas restará a questão da dependência da eficácia da ata da circunstância de estar ou não assinada pelos condóminos presentes. 25) Matéria a que o Condomínio Recorrente se referiu, por exemplo, no artº 52º da contestação, sendo certo que existe unanimidade no doutrina e na jurisprudência quanto à qualificação e efeitos decorrentes da não assinatura de uma ata da assembleia de condóminos – mera irregularidade, que a lei não comina com qualquer sanção (nulidade, anulabilidade, inexistência) e que nem sequer retira a força executiva a essa ata. 26) Dispondo os autos dos elementos necessários à apreciação das questões não julgadas pelo Tribunal a quo e que, atinentes ao cerne da causa, ficaram prejudicadas perante a “liminar” decisão de julgar ineficazes todas as deliberações tomadas na ata 35, impor-se-á, nos termos do nº 2 do artº 665ª CPC, substituir, nessa apreciação, o tribunal recorrido. 27) Estando apenas em causa a apreciação da validade/eficácia das deliberações que o Mmº Juiz a quo sumariou e se transcreveram em supra 15), afigura-se inequívoco que nenhuma delas enferma de qualquer vício que pudesse motivar a sua anulação, já que: 27.1) Quer a 1ª deliberação tomada no âmbito do ponto 4 (Realização de obras de €6.000,00 + IVA, nas centrais de incêndios e de CO2, necessárias por questões de segurança.), quer a duas deliberações tomadas no âmbito do ponto 5 (Nomeação dos membros da comissão de acompanhamento e Voto de louvor) foram votadas favoravelmente pelo A./Recorrida, pelo que esta não detém legitimidade (nº 1 do art.º 1.433º do CC) para impugnar tais deliberações. 27.2) A 2ª deliberação tomada no âmbito do ponto 4 (Quota-parte de cada condómino no pagamento de acordo com a permilagem de cada condómino) e na qual a A./Recorrida se absteve, traduz o mero cumprimento da regra do nº 1 do art.º 1.424º do CC, pelo que, tratando-se de matéria inserida nas competências da assembleia de condóminos, não se vislumbra qualquer fundamente para anular tal deliberação. 28) Impõe-se, portanto, julgar procedente a presente apelação e revogar a sentença recorrida, substituindo-a por decisão que julgue a ação totalmente improcedente e procedente a requerida litigância de má-fé da A./Recorrida. 29) A sentença recorrida violou o art.º 1º do DL nº 268/94, de 25/10, na redação vigente em 2021, bem como o princípio da não retroatividade da lei, bem como, entre outros, o nº 1 do art.º 1.433º do CC e o art.º 542º do CPC Termos em que (…) deverá ser julgada procedente a presente apelação e, em consequência: A) Revogada a sentença recorrida, quer na parte em que julgou procedente a ação, anulando as deliberações constantes da ata 35, quer na parte em que absolveu a A./recorrida como litigante de má-fé; B) Substituída a sentença recorrida por decisão que julgue a ação totalmente improcedente e procedente a requerida condenação da A./recorrente como litigante de má-fé assim se fazendo Justiça!» Não foram oferecidas contra-alegações. Por nosso acórdão de 30 de janeiro do corrente, foram apreciados os três temas do recurso: a. Impugnação da matéria de facto; b. Vícios das deliberações; c. Litigância de má fé. No que respeita às als. a) e c), mantivemos a decisão da 1.ª instância, não assim no que respeita à al. b), tendo terminado com o seguinte dispositivo: «Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença na parte em que anulou as deliberações tomadas na assembleia de condóminos do condomínio réu, ocorrida em 15/11/2021, constantes da ata n.º 35, e confirmando a sentença no que respeita à absolvição da autora do pedido de condenação como litigante de má-fé.» Deste acórdão foi interposta revista para o Colendo Supremo Tribunal de Justiça, que o anulou, com a seguinte parte decisória: «Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção - Cível) em conceder provimento à revista, anulando o acórdão recorrido nos termos supra expostos.» Nos termos supra expostos, a única questão a apreciar encontra-se no domínio dos «vícios das deliberações», ou seja, as questões relativas à «matéria de facto» e à «boa-fé processual» não eram objeto da revista e, consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça não se pronunciou sobre elas. Porém, o acórdão de 30 de janeiro foi anulado e tanto significa que deixou de existir na sua globalidade, pelo que neste novo acórdão teremos de incluir toda a apreciação do recurso de apelação, não apenas a questão dos vícios das deliberações, que apreciaremos em estrita obediência ao Acórdão anulatório, mas também a impugnação da matéria de facto e a litigância de má-fé, relativamente às quais reproduziremos o que constava do acórdão anulado. A questão relativa aos vícios das deliberações, que devemos agora apreciar, em estrita conformidade com o Acórdão anulatório, é a seguinte: «saber se a falta de assinaturas dos condóminos na acta da assembleia de condóminos, tendo em conta a aplicação da lei vigente ao tempo da realização da Assembleia, produziria, ou não, consequentemente, o efeito da ineficácia das deliberações. Apenas isso (independentemente da concreta e relativamente discutível formulação jurídica empregue no dispositivo da sentença de 1ª instância).» pp. 18-19 do Acórdão anulatório. Temos pois de apreciar substantivamente, neste «novo acórdão, a questão jurídica em referência (a qual consiste, repete-se, em saber se a falta de assinaturas dos condóminos na acta da assembleia de condóminos, tendo em conta a aplicação da lei vigente ao tempo da realização da Assembleia, produziria, ou não, consequentemente o efeito da ineficácia das deliberações).» p. 19 do Acórdão anulatório. Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito. Objeto do recurso Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). Tendo em conta o teor daquelas, e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1 de Julho, colocam-se as seguintes questões: a. Os factos constantes dos artigos 2.º, 3.º e 61.º da contestação são relevantes para a apreciação da má-fé processual da autora, suscitada pelo réu, pelo que devem ser aditados à decisão de facto? b. As deliberações tomadas na assembleia-geral de condóminos de 15/11/2021 são ineficazes, por a respetiva ata n.º 35 não estar assinada pelos condóminos, estando-o apenas pela Administração? c. A autora litiga de má-fé, devendo ser condenada em conformidade? II. Fundamentação de facto A 1.ª instância considerou na sua decisão os seguintes factos: 1. O prédio sito na Av. …, em Lisboa, encontra-se sujeito ao regime da propriedade horizontal e está descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º … da Freguesia de São João de Brito, cf. certidão permanente de fls. 66-88. 2. O imóvel destina-se a estacionamento e está dividido em 299 frações, tendo 7 frações com permilagem de 6‰ (fr. CO,CP, CQ, GX, MI, MJ, ML, estacionamentos n.º 83, 84, 85, 183, 284,285,286), uma com 12,25‰ (fr. GZ, nº 184) e as restantes com 3,25‰, cf. certidão permanente de fls. 66-88. 3. A Autora é condómina do imóvel, cf. certidão permanente de fls. 66-88. 4. Por carta datada de 25/10/2021 e enviada em 29/10/2021, foi a Autora convocada para a assembleia de condóminos do referido Condomínio a realizar no dia 12/11/2021 (6ªFeira), pelas 17H00, ou caso não existisse quórum para a reunião, a ter lugar no dia 15/11/2021, pelas 18H00, cf. fls. 91-94. 5. Da Ordem de Trabalhos dessa convocatória constavam os seguintes pontos: “1- Discussão e deliberação sobre a (re)organização do sistema de controlo de acessos ao parque de estacionamento, designadamente a manutenção de porteiros ao serviço do Condomínio (e em que horário de funcionamento e com que recursos humanos) ou a alteração para um sistema de empresa de segurança (e em que modalidade de horário de funcionamento presencial ou de cobertura com recurso a câmaras vídeo). 2- Discussão e deliberação sobre: a) Definição das medidas necessárias à execução das deliberações tomadas no âmbito dos pontos anteriores; b) Fixação dos custos/orçamentos de cada uma dessas medidas; c) Repartição dos valores resultantes das deliberações tomadas no âmbito das alíneas anteriores entre comproprietários, com fixação das regras aplicáveis na liquidação, vencimento e cobrança de cada quota-parte nos custos/orçamentos aprovados; d) Calendarização da execução e implementação de cada uma das medidas aprovadas. 3 - Análise e deliberação sobre as obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio. 4 - Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior. 5 - Nomeação da Comissão de Acompanhamento e ampliação dos trabalhos cometidos à sua apreciação e decisão de adjudicação juntamente com a administração.” 6. A convocatória tinha 2 orçamentos anexos, cf. fls. 91-94. 7. Em 12.11.2021, pelas 17 horas, não foi possível dar início aos trabalhos em primeira convocatória, por apenas estarem presentes ou representados 312,50%0 dos condóminos, cf. fls. 95. 8. A fls. 97-99, encontra-se cópia de ata: ACTA N° 35 Aos quinze dias do mês de Novembro do ano de dois mil e vinte e um, pelas 18H00, na paróquia Stª … no Centro Cultural, sita na Rua …, reuniu em segunda convocatória a assembleia geral de condóminos do Parque de Estacionamento …, sito na Av. …, em Lisboa, mediante convocatória previamente enviada, com a seguinte ordem de trabalhos: 1 - Discussão e deliberação sobre a (re)organização do sistema de controlo de acessos ao parque de estacionamento. designadamente a manutenção de porteiros ao serviço do Condomínio (e em que horário de funcionamento e com que recursos humanos) ou a alteração para um sistema de empresa de segurança (e em que modalidade de horário de funcionamento presencial ou de cobertura com recurso a câmaras vídeo). 2 - Discussão e deliberação sobre a) Definição das medidas necessárias à execução das deliberações tomadas no âmbito dos pontos anteriores; b) Fixação dos custos/orçamentos de cada uma dessas medidas; c) Repartição dos valores resultantes das deliberações tomadas no âmbito das alíneas anteriores entre comproprietários, com fixação das regras aplicáveis na liquidação, vencimento e cobrança de cada quota-parte nos custos/orçamentos aprovados; d) Calendarização da execução e implementação de cada uma das medidas aprovadas. 3 - Análise e deliberação sobre as obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio. 4 - Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior. 5 - Nomeação da Comissão de Acompanhamento e ampliação dos trabalhos cometidos à sua apreciação e decisão de adjudicação juntamente com a administração. Estiveram presentes ou fizeram-se representar os condóminos dos lugares: 197, 138 e 145, 90, 162 e 163, 80, 46, 47, 48 e 187, 70, 24, 152. 55, 114, 153 e 154, 10, 9, 226, 86, 112, 38, 91, 96, 52, 126, 53, 118, 82, 67 e 68, 78, 71, 79 e 88, 188 e 189, 7, 113 e 185, vários da “A” (208,5%o) e vários da Insidetours (246%o). Considerando o quórum presente, ou seja, 594,25%o, deu-se início aos trabalhos. Presidiu aos trabalhos o Dr. …, secretariado por … e …. Entrando no ponto 1 da ordem de trabalhos - Discussão e deliberação sobre a (re)organização do sistema de controlo de acessos ao parque de estacionamento, designadamente a manutenção de porteiros ao serviço do Condomínio (e em que horário de funcionamento e com que recursos humanos) ou a alteração para um sistema de empresa de segurança (e em que modalidade de horário de funcionamento presencial ou de cobertura com recurso a câmaras vídeo) — foi dada a palavra ao Dr. …, Advogado que tem acompanhado os processos relativos aos porteiros, incluindo a ação laboral mencionada na última assembleia. Agora pelas 18H30 entrou o condómino do lugar 40 passando o quórum para 597,50%0. No uso da palavra o Dr. … esclareceu que, sem a prestação de trabalho suplementar recorrente, não é possível cobrir 24h00/dia durante 365 dias/ano com apenas 4 porteiros, atentas as folgas e as férias. Por outro lado e por forma a evitar outras reivindicações laborais, importa rever o estatuto remuneratório dos porteiros, por forma a cumprir integralmente as regras aplicáveis em matéria de turnos, trabalho noturno e em dia feriado. De seguida foram trocadas impressões pelos condóminos presentes. Um dos condóminos colocou a questão de saber se era viável eliminar o turno das 24H às 8H, tendo a maioria dos demais entendido que não devia ser essa a opção a tomar para a portaria, já que, independentemente do horário, se impõe que o Parque tenha presença humana na portaria 24H por dia. Afigura-se que o serviço atual, com recurso a porteiros, é financeiramente mais favorável para o condomínio, pelo que é de manter. Ademais, a alteração do sistema implementado na portaria, implicaria o pagamento de indemnizações, sendo que o condomínio não tem liquidez financeira para o efeito. Assim, por maioria de 506,50%o, com os votos de abstenção dos lugares 197, 138 e 145, 162 e 163, 46, 47, 48 e 187, 24, 152, 55, 114, 153 e 154, 9, 112, 38, 52, 126, 118, 82, 67 e 68, 78, 71, 188 e 189, representando o quórum de 91%o, sem votos contra, foi deliberado manter o sistema da portaria do Parque em regime de 24/7 com recurso a porteiros. Mais foi deliberado, com a mesma maioria, que a Administração deve diligenciar por substituir o porteiro que vai sair, o Sr. …, no âmbito até da gestão corrente do condomínio. Ainda neste ponto a administração informou que é necessário avaliar da necessidade de se contratar mais um porteiro, em tempo parcial, para suprir as folgas e férias dos demais. Após prestados os esclarecimentos solicitados, por maioria dos presentes, representando o quórum de 389%0, com o voto de abstenção da “A”, esta com o quórum de 208,50960, foi deliberado que a Administração deve avaliar a necessidade de proceder á contratação de mais um porteiro, a tempo parcial, apurar os custos com essa contratação, bem como os custos da revisão do atual estatuto de todos os porteiros, e colocar essas situações à apreciação e deliberação de futura assembleia. De igual forma deverá apurar-se do interesse dos porteiros em funções para realizarem horas extraordinárias, mediante a devida compensação financeira. Entrando no ponto DOIS da ordem de trabalhos - Discussão e deliberação sobre: a) Definição das medidas necessárias à execução das deliberações tomadas no âmbito dos pontos anteriores; b) Fixação dos custos/orçamentos de cada uma dessas medidas; c) Repartição dos valores resultantes das deliberações tomadas no âmbito das alíneas anteriores entre comproprietários, com fixação das regras aplicáveis na liquidação, vencimento e cobrança de cada quota-parte nos custos/orçamentos aprovados; d) Calendarização da execução e implementação de cada uma das medidas aprovadas — face à deliberação tomada no ponto anterior ficou sem efeito a análise e deliberação deste ponto. No que se refere ao ponto TRÊS da ordem de trabalhos – Análise e deliberação sobre as obras/intervenções/melhorias a realizar no condomínio — a Administração esclareceu que já com a circular 5/2019 havia elencado os trabalhos preconizados para o Parque e enviado as propostas de custos para os mesmos. Com a convocatória para esta assembleia apenas se enviaram os custos para os trabalhos de construção civil que é necessário realizar no Parque para que os condóminos tivessem conhecimento dos valores atualizados. Mais informou que os membros da Comissão de acompanhamento eleita em assembleia, sobretudo o Dr. … e o Eng.° …, têm juntamente com a administração, acompanhado os trabalhos a efetuar na central SADI, nas bombas da Central de incêndio, na ventilação, na central de CO; no grupo gerador, nas armaduras de emergência, nas bombas das águas pluviais e de esgotos, nos sensores, nas lâmpadas, no sistema CCTV, nas portas corta-fogo e nos elevadores. Lamentavelmente, atendendo aos valores devidos por alguns condóminos, sobretudo pela “A” que nesta data deve ao condomínio a quantia de € 336.128,25, não tem sido possível realizar quaisquer melhorias, sequer as mais urgentes e obrigatórias. Acresce que o atual saldo do condomínio não se afigura suficiente sequer para assegurar o pagamento atempado das remunerações dos trabalhadores e dos serviços prestados por terceiros. Nesta sequência a condómina do lugar 86 referiu que considera urgente, por questões de segurança, que as centrais de incêndio e de CO sejam intervencionadas. Após alguma troca de impressões, apurando-se que o valor necessário para esses trabalhos é de € 6.000,00+Iva, solicitou que fosse colocado á votação a aprovação de um orçamento extra para o efeito. Manifestaram-se contra os condóminos dos lugares 7, 113, 185, 10, 89, 90, 79 e 88, porquanto entendem que se a “A” pagasse o que deve os demais condóminos deixariam de ser sacrificados com as comparticipações mensais, já avultadas, ao que acresce o facto de serem sempre chamados a investir mais dinheiro para suprir a falta da “A”. Entrando no ponto QUATRO da ordem de trabalhos - Análise e deliberação sobre a aprovação de um orçamento suplementar para pagamento das obras/intervenções/melhorias aprovadas no ponto anterior – foi colocado à votação a aprovação de um orçamento extraordinário no valor de € 6.000,00+Iva, no total de € 7.380,00, foi o mesmo aprovado por maioria de 571,50%0, com os votos contra dos lugares 7, 113, 185, 10, 89, 90, 79 e 88, representando o quórum de 26%o, sem votos e abstenção. Mais foi aprovado por maioria de 363%0, com o voto de abstenção da condómina “A”, representando o quórum de 208,50%0 e os votos contra dos condóminos dos lugares 7, 113, 185, 10, 89, 90, 79 e 88, representando o quórum de 26%o, que o valor de € 7.380,00 deverá ser rateado pelos condóminos, de acordo com a permilagem, devendo cada um pagar a sua quota-parte, até ao dia 15 de Dezembro de 2021, conforme solicitação de cobrança a enviar pela administração do condomínio. Quanto ao ponto CINCO da ordem de trabalhos - Nomeação da Comissão de Acompanhamento e ampliação dos trabalhos cometidos à sua apreciação e decisão de adjudicação juntamente com a administração - foi aprovado por unanimidade dos presentes manter os membros da Comissão eleita em anterior assembleia, a saber: Dr. ... Eng.° … e Sr. …. De seguida o Sr. Eng.° … pediu a palavra propondo um voto de louvor aos membros da comissão de obras pelos trabalhos que têm desenvolvido com a Administração tendo em vista a implementação de medidas de recuperação do Parque. Colocado à votação o voto de louvor foi o mesmo aprovado por unanimidade. E nada mais havendo a tratar encerraram-se os trabalhos pelas 20H30, tendo sido dado um voto de confiança à administração para posterior elaboração da ata que será assinada pela Administração do condomínio e enviada a todos os condóminos. A Administração 9. Na assembleia, o representante da autora aprovou a realização das obras no valor de €6.000,00 + IVA, e o ponto cinco da ordem de trabalhos. 10. Não foi aprovado nenhum dos orçamentos anexos à convocatória. 11. A ata foi assinada pela administração do condomínio. 12. A ata não foi assinada por nenhum dos condóminos. 13. Foram assinadas as folhas de presença na assembleia, cf. fls. 182-186 verso. 14. A ata foi enviada a todos os condóminos, cf. 192-195, incluindo a autora por carta de 13.12.2021, que o havia solicitado por carta de 15.12.2021, cf. fls. 99-100. * Com relevância para a causa, não se provou qualquer outro facto, nomeadamente: 15. Já a Administração resolveu escrever, falsamente na ata de 15/11/2022, a propósito dos pontos 3 e 4 que ali se aprovaram uns trabalhos no montante de € 6.000,00+iva, não registando a votação dessa alegada deliberação, nem determinando com exatidão quais os trabalhos em causa. 16. O mesmo sucede com o registo das alegadas votações do orçamento e da sua repartição, que não tiveram lugar e se, por hipótese, tais matérias tivessem sido postas à votação, teriam um objeto indeterminado, sendo, por conseguinte nulas, uma vez que não é possível determinar a que trabalhos respeitariam. III. Apreciação do mérito do recurso 1. Da impugnação da matéria de facto O condomínio réu, ora apelante, impugna a decisão da matéria de facto, pedindo que se acrescentem ao elenco os factos constantes dos artigos 2.º, 3.º e 61.º da contestação, por terem relevância para a apreciação da, por si suscitada, litigância de má-fé do autor. Passamos a reproduzir os invocados artigos da contestação: 2.º - A A. mantém intocada a recorrente estratégia de pôr em causa todas e qualquer uma das deliberações tomadas nas sucessivas assembleias de condóminos do designado ““B””, podendo citar-se, para ilustrar esse anómalo procedimento da A., as seguintes ações de nulidade/anulação (para a A. não há diferença) intentadas pela A.: a) Processo n.º …/12.0TVLSB, que correu termos na 1.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, tendente à anulação das deliberações tomadas na assembleia de 15/06/2012 e que foi designada extinta, por deserção da A., em 29/4/14 - DOC. 1; b) Processo n.º …/13.0TJLSB, que correu termos na Instância Local de Lisboa – J-20 e que visou anular as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 02/05/2013 e no qual foi proferida douto saneador - sentença de 28/6/2018, confirmado por Acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2019, já transitado e que absolveu os réus/condóminos dos pedidos formulados pela “A”, Lda. - DOC. 2; c) Processo n.º …/16.8T8LSB, que correu termos na Instância Local de Lisboa – J-17 e que tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 03/11/2015, com continuação em 19/11/2015, já concluído – DOC. 3. d) Proc. n.º …/16.1T8LSB, que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 4, tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 17/10/2016 e que foi julgada totalmente improcedente por sentença confirmada em Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2020 e há muito transitado (DOC. 4 e 4A). e) Proc. n.º …/20.4T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 25/11/2019, no âmbito do qual foi preferida sentença datada de 04/06/2021, favorável ao Condomínio (DOC. 5) e de que a A. interpôs apelação em 08/09/2021 (DOC. 6). f) Proc. n.º …/20.4T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, tem como pedido uma segunda tentativa, ao abrigo do 372º nº 3 do CPC, de anulação das deliberações tomadas na assembleia de 02/05/2013 (cfr. Precedente alínea b)) e foi objeto da sentença de 08/06/2021, favorável ao Condomínio (DOC. 7) e de que a A. interpôs apelação em 06/09/2021 (DOC. 8). g) Proc. n.º …/20.8T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 4, visando a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 09/03/2020 e se encontra na fase dos articulados.- DOC. 9. h) Procº nº …/21.2T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 10, visando a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 16/06/2021, que foi objeto da sentença de 07/11/2021 favorável ao Condomínio e em fase de recurso de apelação interposto pela A. em 13/12/2021 (DOC. 10). 3.º - Ou seja e porque não se realizaram assembleias nos anos de 2017 e 2018, desde 2012, a A. impugnou TODAS as assembleias de condomínio que ocorreram no Condomínio dos autos, questionam TODAS as deliberações tomadas, mesmo aquelas em que votou a favor e por mais inócuas que fossem. 61.º - Esgrime ainda a A. com outros “argumentos” irrelevantes, como o do seu artigo 14.º, quando os orçamentos juntos à convocatória não foram votados porque «Lamentavelmente, atendendo aos valores devidos por alguns condóminos, sobretudo da “A” que nesta data deve ao condomínio a quantia de € 336.128,25€, não tem sido possível realizar quaisquer melhorias, sequer as mais urgentes e obrigatórias.» (pág.3 da ata nº 35). Sobre estes factos que pretende ver aditados, e para justificar o pretendido aditamento, o réu argumenta, na p. 5 das alegações de recurso, que: i. os factos constantes do artigo 2.º da contestação não foram impugnados e estão documentalmente suportados; ii. o facto do artigo 3.º «traduz uma mera decorrência dos anteriores, foi alegado na contestação e não infirmado pela A./Recorrida»; e, iii. o facto do artigo 61.º «é um mero destaque do texto reproduzido no FP 8 e complementar do FP 10». Como é sabido, o apelante, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 640.º do CPC, pode impugnar a decisão sobre a matéria de facto, desde que especifique: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. O recorrente cumpriu os três indicados ónus. Apreciando e decidindo. A autora, na sua resposta à contestação apresentada em 04/03/2022, impugnou os factos dos artigos 2.º e 3.º da contestação e respetivos documentos, por não terem relação com os presentes autos, e deles não se retirarem as consequências que o réu pretende, antes pelo contrário, por evidenciarem, na opinião da autora manifestada na resposta, que os litígios serão provocados «deliberada e desnecessariamente» pelo réu. O tribunal a quo terá entendido que os factos em causa são irrelevantes para a apreciação e decisão da causa, pelo que não os identificou nos temas de prova, nem os elencou na decisão de facto, seja como provados, seja como não provados. No que respeita ao rol de processos listados no artigo 2.º da contestação, podemos considerar provada a sua existência e os desfechos constantes das certidões e decisões judiciais juntas aos autos, cuja autenticidade não foi posta em questão. Adiante, em III.3., aferiremos da sua relevância para a apreciação da lisura processual da autora. Que a autora tenha impugnado todas as deliberações tomadas em todas as assembleias de condóminos que ocorreram no condomínio réu – artigo 3.º da contestação –, considerando que a autora impugnou este facto e que não há outro meio de prova sobre o mesmo (prova que teria de passar pela junção de cópia integral do livro de atas), não o consideramos provado. No que respeita ao artigo 61.º, trata-se, como afirma o recorrente, de um destaque de parte da ata que já se encontra integralmente transcrita no facto 8. Segundo consta da citada ata, os orçamentos juntos com a respetiva convocatória não foram votados porque, atendendo aos valores devidos por alguns condóminos, sobretudo pela “A” que, na data da assembleia, deveria ao condomínio a quantia de € 336.128,25€, não tem sido possível realizar melhorias, ainda que urgentes e obrigatórias. Nada se provou além de que este conteúdo consta da ata. Estando a ata reproduzida nos factos assentes (facto 8), nada mais deve ser acrescentado. 2. Da ineficácia das deliberações tomadas na assembleia de 15/11/2021 por falta de assinatura da respetiva ata pelos condóminos Na sentença ora objeto de apelação, a ação foi julgada procedente e anularam-se as deliberações constantes da ata n.º 35, com o seguinte raciocínio: a ata n.º 35 «não se encontra assinada por nenhum dos condóminos, apenas pela administração. Pelo que as deliberações não são eficazes. Não sendo as deliberações eficazes, importa julgar procedente a ação.» (pp. 13-14 da sentença). O dispositivo da mesma sentença concluiu, na parte que ora releva: «1. Julga-se procedente a ação e anulam-se as deliberações constantes da ata 35». É contra esta apreciação e decisão que o condomínio réu se insurge, pugnando pela revogação da sentença. Em estrita obediência ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido neste processo em 1 de julho, apreciaremos se a sentença proferida em primeira instância deve ser mantida por ineficácia das deliberações tomadas na assembleia de condóminos cuja ata não foi assinada pelos condóminos presentes, tendo-o sido apenas pela administração do condomínio (factos 11 e 12). Colocando a questão num patamar mais elevada generalidade: o facto de uma ata de assembleia-geral de condóminos não estar assinada pelos condóminos presentes, mas apenas pela administração do condomínio, determina, por si só, a ineficácia das deliberações ali tomadas? Adiantamos que a resposta é, em geral e no caso concreto, negativa. Não é pelo simples facto de uma ata não ser assinada pelos condóminos presentes que as deliberações são ineficazes; no caso sub judice, a falta de assinatura dos condóminos não afeta a eficácia das deliberações pelos mesmos tomadas na assembleia de 15 de novembro de 2021. Passamos a justificar, dizendo previamente que o raciocínio a percorrer para chegarmos a estas conclusões pede que tenhamos presente: i. a dogmática relativa à ineficácia do negócio jurídico; ii. um dado conjunto de disposições do ordenamento; iii. as reflexões doutrinárias e jurisprudenciais sobre o mesmo; iv. a realidade social que esse conjunto de normas visa e as consequências das possíveis interpretações desse acervo normativo sobre essa realidade. Estes elementos, que ponderaremos de forma concertada, convergem na resposta. Assim, e antes do mais, importa ter presente o conceito jus-privatísticos de ineficácia. Num sentido amplo, a ineficácia inclui a invalidade (nulidade e anulabilidade) e a ineficácia em sentido estrito, ou mera ineficácia (e, ainda, a inexistência, para os que a autonomizam da nulidade). A ineficácia em stricto sensu, por seu turno, não é uma sanção, não decorre de um ato inválido, sendo sim «consequência de conformidade com a autonomia privada ou de desconformidade não valorativa com certas regras legais» - Carlos Ferreira de Almeida, «Invalidade, inexistência e ineficácia», Católica Law Review, v. 1 n.º 2 (2017) pp. 9-33 (26), https://doi.org/10.34632/catolicalawreview.2017.1980. Há ineficácia querida pelas partes, por exemplo, no contrato sujeito a condição suspensiva ou após a ocorrência de condição resolutiva (artigo 270.º); há mera ineficácia resultante da lei, por exemplo, nos casos de declaração recebida pelo destinatário mas que este, sem culpa sua, não pode conhecer (artigo 224.º, n.º 3), de negócio celebrado pelo gestor de negócios, sem poderes de representação, enquanto não for ratificado pelo dono (artigo 268.º), de promessa de casamento (artigo 1591.º). Sobre os aludidos conceitos, além do citado texto, v.g., António Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil português, I, Parte geral, t. I, 3.ª ed., Almedina, 2005, pp. 853-888; Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil, II, 5.ª ed., Universidade Católica Editora, 2010, pp. 485-512 e 542-5; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria geral do direito civil, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2005, pp. 615-627; Pedro Pais de Vasconcelos, Teoria geral do direito civil, 6.ª ed., Almedina, 2010, pp. 735-753; Heinrich Ewald Hörster, A parte geral do Código Civil português, 3.ª ed., Almedina, 2024, pp. 589 e ss., maxime, para o que queremos enfatizar, pp. 589-591. A invalidade, fonte de ineficácia e, por isso, por vezes estudada dentro desta (v.g., Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria geral do direito civil, II, 5.ª ed., Universidade Católica Editora, 2010, pp. 485-512 e 542-5), decorre, em geral, da violação de norma imperativa. Como regra, estabelecida no artigo 294.º do CC, os negócios jurídicos celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, como parece ser o caso das deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados, que o n.º 1 do art. 1433.º do CC afirma serem anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. A ineficácia jurídica das deliberações dos condóminos tomadas em assembleia reconduz-se, em geral, a um dos seguintes tipos: i. Ineficácia acompanhada de invalidade das deliberações (art. 1433.º do CC); ii. Ineficácia stricto sensu, ou mera ineficácia, quando a assembleia delibera sobre assuntos que exorbitam a sua esfera de competência. Relativamente ao ponto i., tenha-se presente que, no nosso ordenamento, existem, grosso modo, dois tipos de invalidade negocial com regimes gerais definidos no CC: a nulidade e a anulabilidade. A invalidade das deliberações da assembleia de condóminos contrárias à lei ou a regulamentos, no texto do art. 1433.º, é sempre anulabilidade, seguindo o regime especial descrito no mesmo artigo, e supletivamente, o regime geral da anulabilidade. Doutrina e jurisprudência têm admitido, porém, que deliberações que infrinjam preceitos de natureza imperativa sejam nulas – Rui Pinto Duarte, A Propriedade Horizontal, 2.ª ed., Almedina, 2025, p. 131 e nota 199, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra Editora, reimp. 1987, pp. 447-448. Na jurisprudência também e desde cedo, v.g., além da citada naquelas obras, os Acs. do STJ de 31-01-2023, proc. 763/18.7T8PVZ.P1.S1 (Ricardo Costa), de 10-11-1992, proc. 082650 (Fernando Fabião), e de 22-04-1975, proc. 065535 (Bruto da Costa). Aceitando-se a possibilidade de existência de deliberações nulas, aplicar-se-á às mesmas do regime geral da nulidade, nomeadamente quanto à invocabilidade a todo o tempo, por qualquer interessado, bem como por iniciativa do tribunal, sem o espartilho do regime da anulabilidade, específico do art. 1433.º ou geral. Quanto à ineficácia em sentido estrito (acima referida em ii.), a doutrina tende a destinar essa consequência aos casos em que a assembleia delibera sobre assuntos que exorbitam a sua esfera de competência – neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra Editora, reimp. 1987, p. 448, e M. Henrique Mesquita, Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, Coimbra (policopiado), pp. 292 e 293, e «A Propriedade Horizontal no Código Civil Português», in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXIII, janeiro/dezembro 1976, p. 141, apud Rui Pinto Duarte, cit., pp. 131-132 e nota 200. Em geral, a consequência da ineficácia jurídica em sentido estrito é a de a deliberação não produzir efeitos (ou não produzir os efeitos típicos do ato eficaz), sem ter de passar pelo crivo do tribunal em ação anulatória ou de declaração de nulidade. No que respeita às deliberações em assembleia de condóminos, o n.º 2 do art. 1433.º contempla e possibilita a ação anulatória de deliberações meramente ineficazes. A propriedade horizontal é regulada pelos arts. 1414.º a 1438.º-A do CC e pelo DL 268/94, de 25 de outubro (alterado pelo DL 81/2020, de 2 de outubro, e pela Lei 8/2022, de 10 de janeiro), diploma que estabelece normas regulamentares do regime da propriedade horizontal. Não há no CC qualquer norma que descreva, taxativa ou exemplificativamente, situações-tipo de deliberações tomadas em assembleia condóminos meramente ineficazes, ou seja, que não produzem os seus efeitos típicos, sem que essa ineficácia tenha de ser afirmada por um tribunal. A única disposição do referido acervo que se reporta a deliberações ineficazes está no n.º 2 do art. 1433.º do CC, referente ao prazo para exigir ao administrador a convocação de uma assembleia extraordinária para revogação «das deliberações inválidas ou ineficazes». O trecho «ou ineficazes» foi um acrescendo do DL 267/94, de 25 de outubro, diploma que alterou o regime da propriedade horizontal constante do Código Civil e o Código do Registo Predial, sem que haja no seu preâmbulo qualquer explicação para ele. Mais: todas as normas da redação inicial do artigo (n.º 1, igual ao atual, n.º 2 que corresponde, com alterações ao atual n.º 4, n.º 3 que passou a n.º 5 e n.º 4 que passou a n.º 6) estavam construídas para a previsão de deliberações inválidas, «contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados» (como consta do n.º 1). O mesmo sucede com a redação do artigo resultante das alterações, únicas que sofreu, introduzidas pelo DL 267/94: a previsão, a situação típica a que as normas procedimentais dos n.ºs 2 e ss. do art. 1433.º se aplicam, continua a ser a mesma, descrita no n.º 1, que não sofreu alteração: «deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados», portanto, inválidas, anuláveis, de acordo com o mesmo número e artigo. A referência a deliberações apenas ineficazes introduzida no n.º 2 deste artigo é algo esdrúxula: as meramente ineficazes não teriam, à partida, por que passar pelo crivo de uma ação de anulação para serem o que sempre foram, ineficazes. Segundo entendemos, a introdução das deliberações meramente ineficazes no texto do artigo vem apenas permitir que tais deliberações passem por um processo que confere certeza jurídica ao seu estatuto de ineficácia. Independentemente da interpretação que se faça do art. 1433.º do CC – no sentido de obrigar ou de simplesmente facultar o uso da ação anulatória para certificação da mera ineficácia de uma deliberação –, como acima referido, os casos que a doutrina costuma indicar como de simples ineficácia das deliberações são casos em que a assembleia se pronuncia sobre assuntos para os quais não tem competência, como o uso das frações autónomas. Escrevem a respeito Pires de Lima e Antunes Varela: «Quando a assembleia se pronuncie sobre assuntos para que não tenha competência (tal será o caso em que, por exemplo, a assembleia sujeite ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respectivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos), a deliberação deve considerar-se ineficaz: desde que a não ratifique, o condómino afectado a todo o tempo pode arguir o vício de que ela enferma, ou por via de excepção, ou através de uma acção de natureza meramente declarativa. E é este, sem dúvida, o regime mais aconselhável: seria violento, com efeito, obrigar o condómino afectado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do acto, uma acção anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia. De resto, a sanção da ineficácia é a que a lei comina para os actos praticados por um representante sem poderes (art. 268.°, 1), e as duas situações são em tudo análogas: em qualquer dos casos faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem (vide, neste sentido, acórdão da Relação de Coimbra, de 2 de Novembro de 1982, na Col. Jurisp., ano vii, t. 5, págs. 22 e segs.)» (Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra Editora, reimp. 1987, p. 448). Com uma única exceção – a da ata que formaliza o acordo de todos os condóminos com vista à modificação do título constitutivo da propriedade horizontal, cf. art. 1419.º, n.º 3 –, o CC não destina normas à ata da assembleia de condóminos, nem à sua assinatura. Nenhuma norma do Código obriga a que as atas das assembleias de condóminos, excetuada a que referimos, sejam assinadas pelos condóminos, todos ou alguns. Esta matéria encontra-se regulada no acima referido DL 268/94, que estabelece normas regulamentares do regime da propriedade horizontal, concretamente no seu art. 1.º, que, na redação vigente à data da assembleia de 15/11/2021, apresentava a seguinte redação: «Deliberações da assembleia de condóminos 1 - São obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado. 2 - As deliberações devidamente consignadas em ata são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às frações. 3 - Incumbe ao administrador, ainda que provisório, guardar as atas e facultar a respetiva consulta, quer aos condóminos, quer aos terceiros a que se refere o número anterior.» Atentemos no n.º 1 e no uso das palavras «assinadas» e «subscritas». As atas são redigidas e assinadas por quem presidiu à assembleia, e são subscritas pelos condóminos que nelas participaram. No dicionário português os verbos «assinar» e «subscrever» podem ter o mesmo significado, ser sinónimos, mas há significados de subscrever que não se encontram em assinar. Ambos podem significar escrever o nome por baixo de uma carta ou declaração, escrever o nome num documento, aderir a determinada iniciativa ou serviço, contribuindo com uma quantia ou pagando o preço exigido – comparem-se os significados das duas palavras nos dicionários online da Porto Editora e da Academia das Ciência, https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa e https://dicionario.acad-ciencias.pt/. Porém, há significados de «subscrever» que, naqueles mesmos dicionários não encontramos em «assinar», embora possam (mas não tenham de) ser uma extensão ou consequência da assinatura. São eles os de aprovar, anuir, aceder, aquiescer, em particular, e para o que ora releva, o primeiro.
A versão do DL 268/94 de que nos ocupamos, vigente à data da assembleia de 15/11/2021 e, portanto, aplicável ao caso, não explicitava uma forma concreta para a dita subscrição ou aprovação, pelo que a mesma não tinha de ser feita por escrito, muito menos por meio de assinatura. Se necessário fosse, teríamos de fazer uma interpretação atualista das normas, que permitisse a aprovação por qualquer forma, considerando que os condomínios da atualidade pouco têm em comum com os dos prédios de três andares com dois fogos por piso que predominavam nas cidades portugueses da década de 1960, radicando hoje em edifícios ou conjuntos de edifícios com largas dezenas ou centenas de frações autónomas, como o condomínio dos autos com 276 frações – “A” a “MZ” – cf. certidão da CRP de Lisboa do prédio em causa, n.º …/…215 da freguesia de São João de Brito, junta com a p.i. Exigir a assinatura das atas pelos condóminos presentes nas assembleias seria impossibilitar o funcionamento dos condomínios, com consequências desastrosas, nomeadamente ao nível da conservação dos edifícios e da paz social. Entretanto, o DL 268/94 foi alterado pela Lei 8/2022, de 10 de janeiro, que, entre outras alterações, acrescentou ao art. 1.º a seguinte norma que foi colocada no n.º 3: «A eficácia das deliberações depende da aprovação da respetiva ata, independentemente da mesma se encontrar assinada pelos condóminos». Pelo acima exposto, esta norma tem natureza clarificadora e interpretativa da norma do n.º 1, que, em substância se manteve: os condóminos subscrevem as atas, ou seja, aprovam-nas, o que não significa que tenham de as assinar. A eficácia das atas não depende, pois, da sua assinatura pelos condóminos. No sentido do entendimento manifestado no presente acórdão, v. os Acs. TRL de 08-11-2007, proc. 9687/2006-6, TRP de 15-12-2021, proc. 1211/14.7TBMTS.P1, e TRP de 12-09-2024, proc. 605/23.1T8GDM.P1, extratando as seguintes passagens do último : «Da ineficácia da deliberação tomada (…) pela ausência de assinatura da mesma pelos condóminos presentes e pela falta de aprovação do teor da ata A Autora defende que a deliberação tomada na assembleia geral extraordinária de 15 de dezembro de 2022 é ineficaz porquanto a ata não foi assinada pelos condóminos presentes e do seu conteúdo não resulta que a mesma tenha sido aprovada por aqueles. Promana do artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de outubro, que são obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha intervindo como presidente e subscritas por todos os condóminos nelas presentes. Ademais, o n.º 2 prevê que a ata contém um resumo do que de essencial se tiver passado na assembleia de condóminos, indicando, designadamente, a data e o local da reunião, os condóminos presentes e ausentes, os assuntos apreciados, as decisões e as deliberações tomadas com o resultado de cada votação e o facto de a ata ter sido lida e aprovada. A propósito dos vícios atinentes à falta de cumprimento das formalidades constantes daquele artigo, pronunciou-se o Tribunal da Relação de Lisboa, em acórdão de 8 de novembro de 2007, proc. 9687/2006-6, disponível em www.dgsi.pt: (…) Mais, “No que concerne à assinatura da ata pelos condóminos presentes, estamos perante uma exigência formal que não consta da norma legal atinente. O que o artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, estabelece é que são obrigatoriamente lavradas atas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado. Se a norma legal pretendesse impor a assinatura de todos os condóminos não necessitava de usar um termo diferente do de assinatura e que, aliás, já usava na sua redação. Bastaria portanto que a norma estabelecesse que a ata é redigida por quem tenha servido de presidente da assembleia e assinada por este e por todos os condóminos presentes. Não foi essa a opção do legislador, o que bem se compreende porque as reuniões podem compreender um número alargado de participantes e/ou uma extensão de assuntos tratados em resultado do que essa exigência seria praticamente impossível de cumprir e redundaria num aumento de conflitos que a norma pretende evitar. A norma legal distingue, portanto, a redação e assinatura da ata, as quais são responsabilidade da pessoa que preside à assembleia, da subscrição da mesma pelos condóminos presentes, ou seja, a aceitação do respetivo conteúdo narrativo, a qual não se confunde com a aposição da assinatura manuscrita”- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15 de dezembro de 2021, proc. 1211/14.7TBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt . (…) Todavia, subscrevendo integralmente a posição constante do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, a ausência da menção de que a ata foi lida e aprovada pelos condóminos não implica a ineficácia a deliberação tomada, pelo contrário, constitui-se como uma mera irregularidade, por incumprimento das exigências constantes do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 368/94, de 25 de outubro.» Lembramos que na assembleia de 15/11/2021, que deu origem à ata n.º 35, redigida e assinada por quem de direito (factos 8 e 11), a autora participou, na assembleia e nas deliberações, aprovando a realização de obras no valor de €6.000,00 + IVA, e o ponto cinco da ordem de trabalhos (facto 9). A ata não foi assinada por nenhum dos condóminos (facto 12), nem tinha de o ser. Outrossim, foram assinadas as folhas de presença na assembleia (facto 13) e a ata foi enviada a todos os condóminos, incluindo a autora por carta de 13.12.2021 (facto 14). Conforme consta da ata sub judice (facto 8), «encerraram-se os trabalhos pelas 20H30, tendo sido dado um voto de confiança à administração para posterior elaboração da ata que será assinada pela Administração do condomínio e enviada a todos os condóminos». À data, vigorava como acima referido, o DL 268/94, com a redação do DL 81/2020, sem as alterações introduzidas pela Lei 8/2022. O diploma na sua redação aplicável ao caso sub judice não determinava nenhuma forma especial de aprovação da ata. Os dados de facto acima referidos afiguram-se-nos suficientes para que a ata se considere aprovada pelos condóminos, com exceção, claro está, do autor, que propôs esta ação por dela discordar. Recaía sobre o autor o ónus de alegar e provar as circunstâncias que lhe legitimam a não aprovação da ata (v.g., falsidades, invalidades). Alegou-as, mas não as provou. Em todo o caso, a questão, única, sobre a qual nos podemos pronunciar, em obediência ao douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 1 de julho nos presentes autos, é a de saber se a falta de assinatura da ata pelos condóminos presentes é causa de ineficácia das deliberações tomadas na respetiva assembleia. Por tudo o acima exposto, reiteramos a resposta negativa: a falta de assinatura da ata pelos condóminos não gera ineficácia das deliberações que foram tomadas na respetiva assembleia. 3. Da má-fé processual Na sua contestação, o réu pediu a condenação da autora como litigante de má-fé, em multa e indemnização de valor não inferior a € 2.000,00. Para tanto e em síntese, alegou que a autora, desde 2012, impugnou todas as deliberações de todas as assembleias de condóminos do réu, com o fito de impedir ou dificultar a gestão do condomínio e de continuar a não pagar as quotizações devidas pelas suas 58 frações, correspondentes a 208,50/1000 do capital investido; a dívida da autora ao condomínio ascendia em 15/11/2021 a € 336.128,25. De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 542.º do CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Em III.1. concluímos que a autora efetivamente intentou contra o condomínio réu todas as ações listadas no artigo 2.º da petição, com vista a pôr em causa deliberações de várias assembleias, eventualmente de todas as ocorridas, a saber: a) Processo n.º …/12.0TVLSB, que correu termos na 1.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa, tendente à anulação das deliberações tomadas na assembleia de 15/06/2012 e que foi designada extinta, por deserção da A., em 29/4/14 - DOC. 1; b) Processo n.º …/13.0TJLSB, que correu termos na Instância Local de Lisboa – J-20 e que visou anular as deliberações tomadas na assembleia de condóminos de 02/05/2013 e no qual foi proferida douto saneador-sentença de 28/6/2018, confirmado por Acórdão da Relação de Lisboa de 29/10/2019, já transitado e que absolveu os réus/condóminos dos pedidos formulados pela “A”, Lda. - DOC. 2; c) Processo n.º …/16.8T8LSB, que correu termos na Instância Local de Lisboa – J-17 e que tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 03/11/2015, com continuação em 19/11/2015, já concluído – DOC. 3. d) Proc. n.º …/16.1T8LSB, que correu termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 4, tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 17/10/2016 e que foi julgada totalmente improcedente por sentença confirmada em Acórdão da Relação de Lisboa de 17/12/2020 (DOC. 4 e 4A). e) Proc. n.º …/20.4T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, tem como pedido a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 25/11/2019, no âmbito do qual foi preferida sentença datada de 04/06/2021, favorável ao Condomínio (DOC. 5) e de que a A. interpôs apelação em 08/09/2021 (DOC. 6). f) Proc. n.º …/20.4T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 2, tem como pedido uma segunda tentativa, ao abrigo do 372º nº 3 do CPC, de anulação das deliberações tomadas na assembleia de 02/05/2013 (cfr. Precedente alínea b)) e foi objeto da sentença de 08/06/2021, favorável ao Condomínio (DOC. 7) e de que a A. interpôs apelação em 06/09/2021 (DOC. 8). g) Proc. n.º …/20.8T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 4, visando a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 09/03/2020 e se encontra na fase dos articulados.- DOC. 9. h) Proc. n.º …/21.2T8LSB, que corre termos no Juízo Local Cível de Lisboa – Juiz 10, visando a anulação das deliberações tomadas na assembleia de 16/06/2021, que foi objeto da sentença de 07/11/2021 favorável ao Condomínio e em fase de recurso de apelação interposto pela A. em 13/12/2021 (DOC. 10). O conjunto dos factos de a autora ter intentado todos os conhecidos processos para anulação de deliberações das assembleias de condóminos e de dever mais de € 300.000,00 ao condomínio, desacompanhado de outros que não temos, não nos permite subsumir o comportamento da autora a nenhuma das alíneas do n.º 2 do artigo 542.º do CPC. IV. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, revogando a sentença na parte em que anulou as deliberações tomadas na assembleia de condóminos do condomínio réu, ocorrida em 15/11/2021, constantes da ata n.º 35, e confirmando a sentença no que respeita à absolvição da autora do pedido de condenação como litigante de má-fé. Custas por autora e réu na proporção de ¾ e ¼, respetivamente. Lisboa, 23/10/2025 Higina Castelo Susana Maria Mesquita Gonçalves Rute Sobral __________________________________________________ 1. Nas conclusões consta «62.º», manifesto lapso, que corrigimos. Trata-se do artigo 61.º da contestação, conforme consta do corpo das alegações e resulta do conteúdo da conclusão 3.3), que corresponde ao dito artigo 61.º da contestação, e não ao 62.º. | ||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||