Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA MANUELA GOMES | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR MORA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/01/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário: | I - A mora do devedor pode extinguir-se (purgatio morae), por diversos modos, designadamente mediante acordo das partes, do qual resulte deixar o devedor de ficar em atraso, por se deferir para momento ulterior o vencimento da obrigação (moratória). O credor concede ao devedor um prazo para cumprir ou declara prorrogado o prazo que já findara ou dá sem efeito a interpelação efectuada ou, sempre com a anuência do devedor, exprime-se por outro modo igualmente significativo da intenção de o retirar da situação de mora. II - Se o credor aceitou os meios de pagamento propostos, posteriormente concretizados em verdadeiros pagamentos, tem-se por indiciariamente provado que o devedor deixou de estar em mora ex nunc. (FG) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: Relatório. 1. No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, D, SA., intentou a presente providência cautelar contra V, Lda., pedindo a apreensão e entrega judicial de diversos veículos cedidos à Ré, em regime de locação financeira, a coberto de contrato celebrado em 5.10.2003, que, segundo alega, foi resolvido por falta de pagamento das rendas respectivas. Invocou, em síntese, que foi interveniente em tal contrato, e na qualidade de locadora, a sociedade M, SA., sucursal em Portugal, que entretanto cedeu a sua posição contratual à ora requerente, cessão oportunamente comunicada à locatária. Mais alegou que o decretamento da providência não implica para a requerida qualquer prejuízo que deva merecer tutela jurídica, já que foi ela que deu causa à mesma. Contestou a requerida, arguindo a ilegitimidade da requerente e invocando que à data do envio da carta a resolver o contrato já havia transferido a favor da requerente a quantia de € 174.400,00 e que, na sequência de tal carta, remeteu-lhe ainda dez cheques no valor unitário de € 30.583,38, imputando expressamente € 218.732,04 à liquidação das rendas deste contrato, tendo a requerente recebido integralmente o respectivo valor. Invocou ainda que ao contrário do alegado pela requerente, a oponente será a única prejudicada com a presente providência, pois os veículos em causa são essenciais ao exercício da sua actividade, o transporte de mercadorias, estando a oponente de acordo com a requerente a proceder ao seu pagamento. Concluiu pelo indeferimento da pretensão. Prosseguiram os autos os seus trâmites, procedendo-se a audiência de discussão e julgamento, sendo depois proferida decisão, julgando a providência improcedente e absolvendo a requerida do pedido. Inconformada com essa decisão, veio a Requerente interpor recurso para este Tribunal da Relação, apresentando alegação com as seguintes conclusões: 1. Atenta a matéria de facto dada como provada, o tribunal a quo deveria ter considerado como verificados os pressupostos de decretação da providência cautelar de entrega e de cancelamento de registos prevista no n.° 1 do artigo 21° do DL n°. 149/95, de 24 de Junho, e, sem quaisquer considerações adicionais, deveria ter considerado a providência cautelar procedente e decretá-la; 2. No entanto, resulta da sentença em crise que o Tribunal a quo considerou que o silêncio da Requerente e o recebimento das quantias tituladas pelos cheques, ainda que meses após a data em que a resolução operaria os respectivos efeitos, revelaram que a ora Recorrente considerou o pagamento operante, não se tendo, por essa razão, desencadeado o efeito cominado na carta, qual seja, a resolução do contrato; 3. Antes de mais, muito estranha a Recorrente que o Tribunal a quo tenha fundamentado a sua sentença num alegado silêncio da Requerente, ou melhor, numa ausência de reacção ao recebimento da carta da Requerida datada de 20.07.2005, quando, uma vez percorrida, ponto por ponto, a matéria de facto dada como assente, se verifica facilmente que em nenhum local foi dado como provado ou como assente um qualquer silêncio da Requerente ou uma qualquer ausência de reacção desta à carta da Requerida de 20.07.2005; 4. Com efeito, em sede de inquirição de testemunhas, foi expressamente mencionado pela testemunha da então Requerente, M, chefe do departamento de cobranças da Recorrente, que havia sido oportunamente dada resposta, quer verbal, quer escrita, à carta datada de 20/07/05 (cfr. docs. 1 e 2) não tendo tal resposta sido colocada em causa pelo Tribunal a quo; 5. Na resposta por escrito enviada pela Requerente à Requerida em 10.08.2005, a Requerente acusa a recepção da carta da Requerida de 20.07.2005 e afirma designadamente, a propósito da carta de resolução: "Acontece que, não obstante o envio daquelas cartas, V. Exas. não se dignaram a proceder ao pagamento solicitado, pelo que a mora converteu-se em incumprimento definitivo, devendo os referidos contratos considerar-se rescindidos, com as legais consequências" (cfr. does. 1 e 2); 6. Ainda que se admitisse, por mera hipótese ou cautela de patrocínio, que a decisão de facto continha uma referência ao silêncio da Requerente ou à ausência de resposta da Requerente à carta da Requerida de 20.07.2005, é sabido que no ordenamento jurídico português o silêncio só vale como declaração negocial quando esse valor lhe seja atribuído por lei, uso ou convenção, o que, manifestamente, não se verifica no caso concreto; 7. O Tribunal a quo mais não fez do que presumir uma aceitação do referido pagamento por parte da Recorrente, presunção essa inaceitável, já que, para além de não constituir uma presunção legal, o Tribunal não pode julgar com base em suposições e/ou conjecturas; 8. No que concerne à alegada "imposição" à Recorrente de fazer constar não aceitar o pagamento diferido das rendas em atraso para obviar à resolução do contrato, diga-se apenas que tal suposta "imposição" não encontra acolhimento na Lei; 9. Por outro lado, a declaração resolutória de um contrato é uma declaração recipienda, sendo por definição irrevogável, tornando-se a mesma eficaz logo que chega ao poder do seu destinatário; 10. A declaração contida na referida carta é bastante clara e precisa, resultando expressamente do teor da mesma que a Recorrida para obviar à rescisão do contrato em causa teria de proceder à liquidação do montante em dívida no prazo naquela concedido, ou seja, 8 (oito) dias, o que não se verificou; 11. Resulta expressamente da fundamentação da sentença em crise que "Tal interpelação foi recebida pela locatária em 2/8/05 e é inquestionável que naquele prazo não foi pago o valor reclamado" (sublinhado nosso); 12. Com efeito, não pode o envio de cheques pré-datados desvirtuar uma declaração recipienda, irrevogável, a qual é absolutamente clara e precisa nos seus termos e se tornou eficaz, naqueles precisos termos, após a respectiva recepção por parte da Recorrida, ou seja, em 02/08/05; 13. Refira-se apenas, a este propósito, que o cheque não consubstancia em si um pagamento, mas apenas e só um meio de pagamento; 14. Do alegado silêncio da Recorrente não poderia ser retirada a conclusão de que a mesma aceitava o pagamento diferido como forma de obviar a resolução, nem tão pouco poderia ao mesmo ser atribuída a força de anular os efeitos da declaração de resolução; 15. No período de oito dias concedido para pagamento do montante global em dívida e quanto muito, a Recorrente apenas recebeu a quantia de € 30.583,38, o que é manifestamente insuficiente para obviar a rescisão contratual promovida; 16. Refira-se ainda que a Recorrente não aceitou, com o recebimento de tais cheques, o pagamento de quaisquer rendas subsequentes, nem tal facto foi dado como provado em sede de audiência de julgamento; 17. Por outro lado, não entende a Recorrente a referência feita pelo Tribunal a quo ao valor de € 174.400 depositados na conta da Recorrente, porquanto tal valor, como resulta da matéria dada como provada, foi imputado, de acordo com a Requerida, ao pagamento das rendas de outros contratos; 18. O Tribunal a quo não só considerou que o contrato objecto dos presentes autos continuou a vigorar, como considerou que a ora Recorrente aceitou o pagamento das rendas subsequentes, não se questionando, contudo, se a Recorrida terá continuado a liquidar as rendas que entretanto se venceriam no pressuposto - que é errado - de o referido contrato se encontrar em vigor; 19. Por último, refira-se ainda que neste tipo de procedimentos cautelares não é exigível a alegação e prova dos requisitos exigidos para as providências cautelares não especificadas reguladas no C.P.C., tendo o requerente apenas que provar a existência de um contrato de locação financeira, a sua resolução em virtude de incumprimento por parte do locatário e a não restituição do bem objecto de tal contrato; 20. Conclui-se, assim, que se encontram preenchidos todos os requisitos previstos no artigo 21° do DL 149/95, pelo que se impunha o decretamento da providência cautelar requerida. Terminou pedindo que fosse concedido provimento ao recurso e, consequentemente, que se decretasse a providência cautelar requerida. A requerida contra-alegou, pugnando pela manutenção concluindo que: 1 - O presente recurso não deve obter provimento pois não respeita os requisitos exigidos pelo art. 690° e 690°A, ambos do CPC; 2 - A Recorrente não pode juntar um documento para suportar as declarações de uma testemunha, por si apresentada, pois a prova não foi gravada, estando, por esta via, a Relação impedida de a reapreciar; 3 - A norma vertida no art. 706°, n.° 1, do CPC, não dispensa a Recorrente de alegar, na PI, factos consubstanciadores do documento junto posteriormente, e, só tem aplicação, no caso de o documento não poder ser apresentado até ao encerramento da discussão em 1.ª instância; se os factos a provar forem posteriores aos articulados ou se a sua apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior; 4 - Na sua PI, a Recorrente, depois de reconhecer ter recebido 10 cheques, para pagamento das rendas, nunca alegou que os recusou. Pelo contrário, admitiu tê-los depositado e recebido alguns deles; 5 - No documento agora junto, a Recorrente apôs-lhe a data de 10 de Agosto de 2005. A PI entrou em juízo em 19 de Setembro de 2005. Nada existe aqui de superveniente. A realidade permaneceu inalterada. A Recorrente não alega qualquer justificação para, só agora, juntar tal documento; 6 - Conclui-se, por aqui, que a Recorrente poderia ter exibido este documento antes do encerramento da discussão em 1.ª instância. Pelo que o mesmo deve agora ser rejeitado, esvaziando-se o presente recurso; 7 - A norma vertida no n.° 1, do art. 706°, do CPC, não serve para que a Recorrente possa reformular a sua PI, em função do sentido da decisão recorrida, ampliando a matéria de facto; 8 - De qualquer modo, o teor do documento em nada contraria a matéria de facto assente a fls. 249 e 250, pelo que, também por aqui, improcederia o recurso; 9 - Vai impugnado o documento em causa. O mesmo é contraditório com os factos alinhados na PI e as cópias dos registos de correio juntas, com datas ilegíveis, não provam o conteúdo da correspondência que suportam. Não é, por isso, crível que, caso este documento, com este exacto teor, já existisse, como tal, a Recorrente não o tivesse junto aos autos com a PI, ou, no máximo, em audiência; 10 - Este facto, e o presente recurso, resultam apenas da incompreensível obstinação da Recorrente, já demonstrada nos autos, de querer retirar à Recorrida os instrumentos do seu trabalho, depois de ter recebido o valor devido pelos mesmos. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Matéria de facto. 2. Os factos a tomar em consideração para conhecimento do agravo são os seguintes: a) Entre a sociedade M, SA e a requerida V, Lda., foram celebrados cento e onze contratos de locação financeira referentes a outros tantos equipamento, em datas não apuradas. b) Tendo havido incumprimento por parte da locatária, vieram tais contratos a ser resolvidos pela locadora, a qual celebrou novo contrato em 5.10.2003 que consta a fls. 36 a 51 dos autos, tendo por objecto quarenta equipamentos que tinham sido objecto de anteriores contratos de locação. c) Em 14.07.2004 a locadora M cedeu à requerente a sua posição contratual no âmbito dos contratos de locação financeira que celebrara incluindo o destes autos, cedência de que deu conhecimento à requerida. d) A requerida não procedeu ao pagamento das rendas nos termos acordados, tendo todavia efectuado transferências a favor da requerente. e) Em Abril, Maio e Junho de 2005 um cliente da requerida efectuou a pedido desta os depósitos em conta, documentados de fls. 191 a 198, no montante de € 174.400,00 a favor da requerente, sem imputação das rendas a cujo pagamento se destinavam. f) Além deste contrato, foram celebrados e mantém-se em vigor entre as mesmas partes, outros contratos de locação financeira referentes a outros bens. g) A requerente, de acordo com a requerida, imputou os valores referidos em e) - € 174.400,00 - ao pagamento das rendas de outros contratos (cfr . fls . 206), ficando consequentemente em dívida todas as rendas relativas ao contrato 4236 vencidas no ano de 2005, cujo montante global era, em 15.07.2005, de € 170.533,39 (não incluindo juros moratórios). h) Em face de tal incumprimento a requerente enviou à requerida a carta que constitui fls. 174, datada de 15.07.2005, que foi recebida pela destinatária em 2.08.2005. i) Por carta de 20.07.2005 e constante de fls. 206, a requerida enviara à requerente dez cheques pré-datados no valor unitário de € 30.583,38, imputando € 218.732.04 à liquidação das rendas deste contrato e o restante ao pagamento de idêntica responsabilidade de outro contrato. j) Na véspera do vencimento de tais cheques, a requerida procedeu ao depósito em conta da requerente do respectivo valor, dando conhecimento do facto à locadora e pedindo-lhe a restituição dos cheques respectivos. h) Todos os valores foram pagos pela forma referida no número anterior, sendo liquidado directamente apenas um dos cheques, que a requerente apresentara a pagamento, sendo, assim, pago integralmente o valor de € 305.833,80. O Direito. 3. A questão a resolver traduz-se em saber se, no caso, a providência requerida deveria ter sido decretada, conforme foi pedido. O diploma regulador do contrato de locação financeira (leasing), o DL 149/95, de 24 de Junho (com as alterações introduzidas pelo DL nº 265/97, de 2.10) prevê, no seu art. 21º, a providência cautelar de entrega judicial do bem locado e cancelamento de registo, estabelecendo-se no n.º 1 deste preceito que “se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente e no cancelamento do respectivo registo de locação financeira, caso se trate de bem sujeito a registo”. O n.º 4 do preceito em análise esclarece que “o tribunal ordenará a providência requerida se a prova produzida revelar a probabilidade séria da verificação dos requisitos referidos no n.° 1, podendo, no entanto, exigir que o locador preste caução adequada”. E o n.º 7 acrescenta que “são subsidiariamente aplicáveis a esta providência as disposições gerais sobre providências cautelares, previstas no Código de Processo Civil, em tudo o que não estiver especialmente regulado no presente diploma”. Tendo por objectivo o adimplemento da obrigação do locatário de proceder à entrega do bem locado, em consequência da extinção do contrato de locação financeira decorrente da caducidade ou da resolução do mesmo, o legislador instituiu pelo DL 149/95, no mencionado art. 21º, a denominada providência cautelar de entrega judicial e cancelamento do registo, inicialmente circunscrita aos bens móveis, mas posteriormente, pelo DL nº 265/97, de 2/10, tornada extensível aos bens imóveis. Assim, por força do regime constante do citado diploma, uma vez resolvido o contrato, deve o locatário restituir o bem locado ao locador, uma vez que este mantém o direito de propriedade sobre aquele bem durante o prazo do contrato de locação financeira. Caso o não faça, pode o locador requerer ao tribunal a sobredita providência cautelar especificada para a entrega imediata do bem e para cancelamento do respectivo registo, caso se trate de bem a ele sujeito. E o tribunal deverá ordenar a providência requerida se a prova produzida revelar probabilidade séria da verificação dos requisitos enunciados no preceito mencionado, isto é, ter o contrato de locação financeira sido extinto por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido, pelo locatário, o direito de compra e não ter o locatário procedido à restituição do bem ao locador e/ou ainda não se mostrar cancelado o respectivo registo de locação financeira. Só assim não será se se verificar a situação prevista no n.º 2 do art. 387º do Código de Processo Civil, isto é, quando o prejuízo resultante da providência para o requerido exceda consideravelmente o dano que com ela o requerente pretende evitar, situação em que a providência pode ser recusada pelo tribunal. Esta norma é aplicável à providência cautelar de entrega judicial do bem locado, prevista no art. 21º, do DL 149/95, de 24 de Junho, por força do disposto no n.º 7 do mesmo preceito e por se justificar que também no âmbito desta providência se atenda ao prejuízo que dela decorra para o requerido. Isto não obstante esta norma ser de aplicação excepcional, só devendo ser usada dentro de certos limites, como se diz no relatório do DL 180/96, de 25/9, quando se afirma: “esclarece-se que a recusa da providência pelo tribunal, nos termos do n.º 2 do artigo 387º, apenas pode ter lugar quando o prejuízo dela resultante para o requerido exceder “consideravelmente” o dano que com ela o requerente pretende evitar, privilegiando-se, no juízo de proporcionalidade ínsito nesta norma, a vertente da tutela dos direitos ameaçados. Na parte que interessa, decorre da matéria de facto indiciariamente dada por assente que entre a requerente e a requerida, entre outros, foi celebrado, em 05.10.2003, o contrato de locação financeira n.º 4236, objecto dos presentes autos. Sucede que a requerida não procedeu ao pagamento das respectivas rendas nos termos acordados, encontrando-se em dívida, em 15.07.2005, no âmbito do contrato nº 4236, rendas no valor global de € 170.533,39 (não incluindo juros moratórios). Em face de tal incumprimento a requerente enviou à requerida a carta que constitui fls. 174, que foi recebida pela destinatária em 02.08.2005, segundo a qual deveria proceder à liquidação das rendas vencidas no prazo máximo de oito dias, acrescentando-se que “decorrido o prazo de 8 (oito) dias sem que V. Exa. proceda ao pagamento ora solicitado, a mora converter-se-á em incumprimento definitivo e o contrato em causa considerar-se-á automática e imediatamente rescindido, sem necessidade de qualquer outra comunicação”. Também decorre dos factos que, apesar do recebimento desta carta, a requerida não procedeu no prazo aludido ao pagamento das rendas vencidas, com excepção do valor de um cheque de € 30.583,38, como a requerente reconhece. A interpelação admonitória efectuada pela requerente com fixação de prazo peremptório para o pagamento das rendas vencidas seguida do não pagamento dentro deste prazo pela requerida facultava haver-se o incumprimento por definitivo (art. 808º/1 do CC) e o contrato automática e imediatamente resolvido pela requerente, como esta havia declarado. Eventualmente poderia questionar-se a razoabilidade do prazo concedido face ao elevado montante da dívida. Acontece, todavia, que os factos não se ficam pela simplicidade do que mencionado se deixou. Com efeito, enquanto a requerente fazia chegar à requerida em 02.08.2005 a carta acima aludida, a requerida, por seu lado, por carta de 20.07.2005 e constante de fls. 206, enviara à requerente dez cheques pré-datados no valor unitário de € 30.583,38, imputando € 218.732.04 à liquidação das rendas do contrato dos autos e o restante ao pagamento de idêntica responsabilidade de outro contrato. E na véspera do vencimento de tais cheques, a requerida procedeu ao depósito em conta da requerente do respectivo valor, dando conhecimento do facto à requerente e pedindo-lhe a restituição dos cheques respectivos. Sendo que todos os valores foram pagos pela forma referida no número anterior, sendo liquidado directamente apenas um dos cheques, que a requerente apresentara a pagamento, sendo, assim, pago integralmente o valor de € 305.833,80. Ou seja, na versão indiciária dos factos, a requerente apesar de ter concedido à requerida um prazo de oito dias para pagar as rendas vencidas, acabou por aceitar tal pagamento para além daquele prazo. Como assinala Galvão Telles (1), embora a lei guarde silêncio sobre a matéria, a mora do devedor pode extinguir-se (purgatio morae), por diversos modos, designadamente “mediante acordo das partes, do qual resulte deixar o devedor de ficar em atraso, por se deferir para momento ulterior o vencimento da obrigação (moratória). O credor concede ao devedor um prazo para cumprir ou declara prorrogado o prazo que já findara ou dá sem efeito a interpelação efectuada ou, sempre com a anuência do devedor, exprime-se por outro modo igualmente significativo da intenção de o retirar da situação de mora”. Ora, no caso presente, dos factos tal como resultaram indiciariamente provados até à prolação da decisão recorrida, a requerente aceitou os meios de pagamento propostos, posteriormente concretizados em verdadeiros pagamentos, do que resulta ter-se por indiciariamente provado que a requerida deixou de estar em mora ex nunc. Daí que mesmo tendo sido fixado um prazo para pagamento das rendas vencidas, que não foi cumprido, tendo a recorrente, apesar de tudo, admitido o seu recebimento tardio tal facto só pode ter o significado de a mesma ter aceitado o cumprimento da obrigação em tal condicionalismo, deixando, então, a estipulação do prazo de relevar no contexto em que fora estabelecida. Efectivamente, nada impede, antes a lei autoriza, que os negócios jurídicos possam modificar-se na sua execução por mútuo consentimento das partes, como decorre do princípio da liberdade contratual (art.s 405 e 406º/1 do CC). No caso até não se adequa ao princípio da boa fé negocial, que é suposto existir, que a agravante tenha recebido as rendas da requerida na forma que aquela lhe apresentou para vir depois invocar a mora e a resolução do contrato. Acresce que existe uma outra razão para o indeferimento da providência pedida e que é o facto de que o prejuízo da requerida seria consideravelmente maior que o dano que se pretende evitar para a requerente, uma vez que a primeira ver-se-ia privada de bens que atendendo até à sua quantidade não podem deixar de ser indispensáveis ao exercício da sua actividade de transporte de mercadorias, como a requerida invocou. Ao passo que não está suficientemente indiciado qualquer prejuízo sofrido pela requerente, uma vez pagas as rendas vencidas e cujo não pagamento fundamentara a resolução contratual invocada. Daí que se entenda que a decisão proferida é de manter, improcedendo o núcleo central da alegação da recorrente. Decisão 4. Termos em que se acorda em negar provimento ao agravo e confirmar a decisão recorrida. Custas pela agravante. Lisboa, 1 de Junho de 2006. (Maria Manuela B. Santos G. Gomes) (Olindo Geraldes) (Ana Luísa Passos Geraldes) _________________________________________ 1 In Direito das Obrigações, 7.ª ed. pg. 309. |