Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | FERREIRA MARQUES | ||
| Descritores: | SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO CONTRATO DE TRABALHO MEIOS DE PROVA MATÉRIA DE DIREITO COMPETÊNCIA MATERIAL | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2009 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | AGRAVO | ||
| Decisão: | PROVIDO | ||
| Sumário: | 1. O trabalhador despedido pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, desde que este seja a causa invocada pela entidade empregadora para a cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento; 2. A discussão de questões respeitantes à relação jurídica contratual, designadamente, a de saber se a mesma consubstancia um contrato de trabalho ou uma relação contratual de outra natureza, constituem questões cuja discussão e apreciação não tem cabimento no estrito espaço do procedimento cautelar de suspensão de despedimento. 3. Os meios de prova consentidos pelo art. 35º do CPT só podem ter lugar nos casos de despedimento não precedido de processo disciplinar e destinam-se a fazer prova dos factos integradores desse despedimento ou da verosimilhança desse despedimento. 4. Num processo em que se discute se a relação contratual consubstancia uma relação de trabalho subordinado, a alegação das expressões “o requerente prestou o seu trabalho sob as instruções e directivas da requerida” e “dependia funcional e hierarquicamente do Director Geral da requerida” constituem matéria de direito e, consequentemente, não podem figurar na matéria de facto provada. 5. A competência do tribunal em razão da matéria constitui um pressuposto processual que se afere não pela matéria de facto provada, mas pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação: I. RELATÓRIO A… casado, residente na Rua…, instaurou procedimento cautelar especificado contra B…., com sede em…, pedindo que seja decretada a suspensão do seu despedimento e ordenada a sua reintegração imediata, com todas as condições remuneratórias (fixas, variáveis e em espécie), bem como com todas as condições e equipamentos de trabalho acordadas no contrato de trabalho com ele celebrado, com efeitos retroactivos à data do despedimento. Alegou para tanto e em síntese o seguinte: A requerida é uma empresa espanhola que detém a esmagadora maioria das participações sociais do grupo M… e que se dedica à actividade de promoção imobiliária e desenvolvimento de projectos imobiliários e industriais; Em 30 de Novembro de 2007, o requerente e a requerida celebraram o contrato promessa de trabalho junto a fls. 20-22 dos autos, nos termos do qual a requerida se obrigou a contratar o requerente como seu trabalhador dependente sem termo, devendo o contrato de trabalho definitivo ser celebrado ou com a MG…, Lda, ou com a sociedade a constituir com a designação MR…, SL; O requerente iniciou a sua prestação de trabalho em 15 de Janeiro de 2008, sob as instruções e subordinação jurídica da requerida, tendo procedido à abertura de um escritório na cidade da Maia, e foi, principalmente, nesse local, que exerceu o seu trabalho, muito embora as funções que desempenhava na requerida o obrigassem a trabalhar na sua residência em Cascais e no estrangeiro, quando desenvolvia a área internacional fora de Portugal; O requerente, enquanto Director Internacional da requerida, dependia funcional e hierarquicamente do seu Director Geral RA…; Em 29 de Fevereiro de 2008, acessoriamente às suas funções de Director Internacional da requerida, e sem ter solicitado, o requerente foi nomeado gerente da sociedade B…, Lda; Em 4 de Fevereiro de 2009, em reunião havida com o Director Geral RA…, a requerida comunicou ao requerente a sua intenção de, sem mais, terminar o contrato de trabalho em vigor, invocando o facto de ir destituir o requerente da gerência da B…, Lda; Em 23 de Fevereiro de 2009, o advogado da requerida enviou ao requerente uma mensagem de correio electrónico, na qual lhe comunica que, seguindo instruções da gerência da B…, iria cessar as funções de gerente; Em anexo a essa mensagem, seguiu uma carta na qual o Director Geral da requerida declara cessada a relação existente, a partir de 15/03/2009, pela sua destituição de gerente da B… e agradece a colaboração do requerente; No dia 17 de Março de 2009, o requerente foi impedido de entrar nas instalações da B…, sitas na Maia, em cumprimento de instruções do Director Geral da requerida, RA…; Até esta data o requerente não recebeu qualquer carta de despedimento – apenas lhe foram enviadas as comunicações atrás referidas relativamente à sua destituição de gerente. A requerida, na sua oposição, alegou em resumo o seguinte: O contrato de promessa invocado nos autos foi celebrado em Pamplona, Espanha, entre a requerida, empresa de direito espanhol, e o requerente, cidadão de nacionalidade portuguesa, e a lei aplicável a esse contrato é a lei do lugar da celebração do negócio jurídico, ou seja, a lei vigente em Espanha, Pamplona, afastando-se, por esta via, as regras de direito interno português; O requerente iniciou a sua prestação de trabalho no dia 15 de Janeiro de 2008, tendo ficado estabelecido, por mútuo acordo das partes, que o contrato definitivo, de cariz laboral, seria celebrado em momento posterior; Em 29 de Fevereiro de 2008, em cumprimento do que tinha ficado estabelecido no contrato de promessa, o requerente foi nomeado responsável máximo da sociedade MRA Portugal, Lda, sociedade que iria desenvolver a actividade internacional do Grupo, tendo aceite o cargo de gerente, que exerceu até 15 de Março de 2009; Tal nomeação, feita ao abrigo do direito comercial português, não dava cumprimento integral ao contrato promessa, pelo que a requerida ofereceu, em variadíssimas ocasiões, ao requerente um contrato de trabalho para cargos directivos e de confiança elaborado nos termos previstos para os Conselheiros delegados das empresas do Grupo em Espanha; Tal contrato é, em Espanha como em Portugal, um contrato laboral de cariz especial, com o mesmo cotejo do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço previsto no Código do Trabalho; O requerente nunca quis aceitar esse contrato na medida em que, outra relação, que não a relação comercial de nomeação como gerente, implicaria proceder a descontos para a Segurança Social ao abrigo do regime geral, prejudicando o requerente na parte do fundo de pensões que havia negociado e estabelecido, o que impediu sempre a celebração do contrato laboral definitivo; Dando o requerente sempre a entender que preferia manter-se na situação que tinha – nomeação como gerente e as condições definidas no contrato de promessa de contratação – a assumir o vínculo laboral; A requerida para solucionar definitivamente a questão, procurando contornar as objecções do requerente, submeteu formalmente uma minuta do contrato à apreciação do requerente, por via electrónica, em 27 de Março de 2008, mas este continuou a levantar objecções, dizendo que “o contrato em vigor, que temos assinado e com o qual saí da Direcção Europeia da Caixa da Galiza é suficiente e não precisamos de nos preocuparmos mais com o tema”; Em 4 de Abril de 2008, em reunião presencial entre o requerente, o Director Geral JE…, responsável pelo departamento jurídico da requerida, realizada em Pamplona, numa última tentativa de obter a anuência do requerente à celebração do contrato prometido, entregaram a minuta do contrato onde foram inseridas todas as alterações solicitadas para cumprir o contrato promessa de contratação e, ainda assim, o requerente preferiu manter a sua nomeação como gerente em detrimento do contrato de trabalho; A não celebração do contrato de trabalho, nos termos em que esta se vinculou, não pode ser imputada à requerida pois é da exclusiva responsabilidade do requerente que preferiu não assinar o contrato laboral de direito espanhol, equivalente ao contrato de trabalho em comissão de serviço da legislação portuguesa, preferindo a manutenção da relação comercial, emergente da sua nomeação como gerente, que estava a vigorar em 31 de Março. O contrato promessa de contratação, que se extingue atendendo à recusa do contrato oferecido, e a sua nomeação como gerente da sociedade que desenvolve a internacionalização do grupo M… assegurando, ainda assim, todas as condições que haviam sido negociadas à excepção do vínculo laboral – foi recusado pelo requerente. Termina pedindo que: Seja julgada procedente a excepção de inaplicabilidade das regras do ordenamento jurídico laboral português na medida em que o litígio deve ser regulado ao abrigo da lei do lugar da celebração do negócio – Pamplona, Espanha – devendo a requerida ser absolvida do pedido formulado em virtude de não se aplicarem os normativos invocados; Seja julgada procedente a excepção de inexistência da relação laboral e, consequentemente, ser a requerida absolvida do pedido formulado em virtude de ter cumprido todas as obrigações emergentes do contrato promessa de contratação – quer do ponto de vista das funções prometidas, quer do ponto de vista da remuneração, quer ainda do vínculo laboral que o requerente rejeitou – pelo que a inexistência de vínculo laboral apenas pode ser imputada ao próprio requerente o que impede a convolação pretendida. Foi realizada a audiência final com observância de todas as formalidades legais, como da acta consta, após o que foi proferida sentença que, julgando procedente o procedimento cautelar instaurado, decretou a suspensão do despedimento do requerente e determinou que a requerida deve mantê-lo ao seu serviço, nas exactas condições em que fazia. Inconformada, a requerida interpôs recurso de agravo da referida sentença, no qual formulou as seguintes conclusões: (…) Terminou pedindo que se dê provimento ao recurso por violação do disposto nos arts. 660º e 668º do CPC aplicáveis por força do art. 1º, n.º 1, al. c) do CPT, bem como dos arts. 85º a 89º da Lei n.º 3/99, 13/01, e por via do provimento ser: Após análise da prova gravada, considerado provado que "a requerida ofereceu ao requerente um contrato de direito espanhol, de cariz laboral, adaptado do direito espanhol e típico dos contratos laborais dos quadros dirigentes da requerida, que este recusou, a primeira versão em 31 de Março de 2008 e a segunda em Abril de 2008, optando, nessa data, por manter uma relação estritamente comercial e renunciando a uma relação laboral." Decidida a excepção de incompetência material do Tribunal do Trabalho emergente da recusa, pelo requerente ora recorrido, de celebração do contrato de trabalho ficando, apenas, com a relação de direito comercial emergente da sua nomeação como gerente e, consequentemente, ser a recorrente absolvida do pedido. O requerente, na sua contra-alegação, pugnou pela confirmação da decisão recorrida e pelo não provimento do recurso. Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: 1. Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto e, na afirmativa, se a decisão que fixou a matéria de facto provada deve ser ampliada e deve integrar a matéria de facto pretendida pela recorrente; 2. Saber se, no período compreendido entre 15/01/2008 e 15/03/2009, as partes estiveram vinculadas por um contrato de trabalho e, na afirmativa, se esse contrato cessou por despedimento do requerente promovido pela requerida; 3. Saber se a decisão recorrida enferma da nulidade de omissão de pronúncia que a recorrente lhe imputa e, na afirmativa, se procede, ou não, a excepção da incompetência material do Tribunal do Trabalho invocada pela recorrente. II. FUNDAMENTOS DE FACTO A 1ª instância considerou indiciariamente provada a seguinte matéria de facto: 1. O Tribunal de Trabalho da Maia, por despacho transitado em julgado, considerou que o Tribunal do Trabalho de Lisboa era o tribunal territorialmente competente para conhecer deste procedimento cautelar (cfr. documento de fls. 62 a 67). 2. A requerida é uma empresa espanhola que detém a esmagadora maioria das participações sociais do grupo M… e que se dedica à actividade promoção imobiliária, e desenvolvimento de projectos imobiliários e industriais. 3. Em 30 de Novembro de 2007, o requerente e a requerida celebraram o contrato promessa de trabalho, junto a fls. 20-22, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. 4. Nesse contrato ficou acordado que o contrato de trabalho definitivo seria celebrado ou com a MG… Lda., ou com a sociedade a constituir com a designação MR… S.L. 5. No contrato promessa foram estabelecidas as condições de remuneração fixa e variável geral, e uma segunda retribuição variável em função de resultados extraordinários da gestão do projecto Parque Maior na Maia, e ainda o plano de participação no capital sobre todos os activos, acções e participações do Grupo M… fora de Espanha. 6. Bem como foram estabelecidas as demais condições de trabalho do requerente (viatura automóvel, plano de pensões, seguro de saúde, viagens, despesas de representação, telefone móvel, computador portátil, serviço de internet, etc.) e que constam do anexo ao contrato promessa rubricado por ambas as partes. 7. Provado o constante do documento n.°1 com ao requerimento inicial e respectivo anexo (quanto à matéria do artigo 11°); 8. As funções do requerente consistem no desenvolvimento e gestão dos projectos urbanísticos, imobiliários, de construção e industriais da requerida fora de Espanha - cláusula 3a dos considerandos do contrato promessa. 9. O contrato promessa de trabalho foi outorgado em virtude da necessidade de ambas as partes em que o requerente resolvesse o contrato de trabalho com a sua anterior entidade patronal a fim de exercer a sua actividade profissional no GRUPO M… com a maior brevidade - parágrafo 2° da cláusula 4a do contrato promessa de trabalho. 10. O requerente iniciou a sua prestação de trabalho em 15 de Janeiro de 2008, tendo a requerida comunicado por carta com data de 30 de Janeiro de 2008, o início da prestação de trabalho e que oportunamente formalizaria a promessa em contrato de trabalho - tudo conforme consta da carta que se junta sob doc. 2 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos. 11. O requerente, na mesma data, confirmou o seu início de prestação de trabalho com a requerida. 12. Anteriormente à sua contratação pela requerida o requerente exercia o cargo de Director Geral para a Europa do Banco Cajá de Ahorros de Galicia (incluindo a Direcção Geral em Portugal). 13. Até à data de instauração da providência, não foi formalizado por escrito, por ambas as partes, o contrato de trabalho prometido. 14. O requerente iniciou a sua prestação de trabalho em 15 de Janeiro de 2008, tendo procedido à abertura de um escritório na cidade da Maia, Rua …, como previsto no anexo ao contrato promessa de trabalho. 15. O Requerente exerceu o seu trabalho principalmente naquele local da Maia muito embora se tivesse deslocado em serviço ao estrangeiro e trabalhar por vezes na sua residência de Cascais; 16. Desde o dia 15 de Janeiro de 2008 até 15.03.2009, sob as instruções e directivas da requerida, o Requerente organizou relacionamento técnico e de gestão com os parceiros Câmara Municipal e Espaço Municipal da Maia e colaborou activamente no desenrolar das suas funções v.g. coordenando ou e/ dirigindo na: - Redefinição do projecto Parque Maior explorado pela sociedade PM…, S.A. (em que a requerida é accionista); -Coordenação de um programa de acção territorial para o projecto PM…; - Projecto da Praça do Oxigénio na Maia; - A nível internacional procedeu a vários estudos e démarches quanto a negócios a efectuar no Brasil -relacionados com construção de habitações de custo acessível -, onde se deslocou, e efectuou respectivos relatórios; - Estudou oportunidades relacionadas com África especificamente quanto a Angola, Moçambique e Gana; - Em Junho - tendo ido acompanhado de D. R… e D. MR… - e Novembro - tendo ido acompanhado de D. R… - de 2008 preparou e realizou visitas a Washington D.C., ao I.F.C., Banco Mundial, para efectuar estudos para possibilidades de parecerias com esta entidade na implementação de projectos internacionais da Requerida em países em vias de desenvolvimento; 17. Em 29.02.2008 além das funções que já exercia o requerente foi nomeado gerente da M…, Lda. nomeação que ainda se mantinha a 23.03.2009; 18. A requerida pagou ao requerente o subsídio de férias e de Natal; 19. Sendo que o montante de € 30.144,00 do plano de pensões do requerente foi pago pela requerida - como consta da factura que se junta sob documento n.º 7 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos. 19. Sendo os seus vencimentos igualmente pagos pela requerida que transferia para a M…, Lda, os fundos necessários a tais pagamentos. 20. Dá-se por inteiramente reproduzida a declaração de rendimentos anual do A. que consta sob o documento n.° 8 com o requerimento inicial; 21. O requerente, enquanto Director Internacional da requerida depende funcional e hierarquicamente do seu Director Geral RA…. 22. Em 23 de Fevereiro de 2009, o advogado interno da requerida, JE… enviou ao requerente a mensagem de correio electrónico que se junta sob doc. 9 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos, mediante a qual comunica ao requerente que, seguindo as instruções da gerência da M…, iria cessar as funções de gerente. 23. Sendo que em anexo à referida mensagem de correio electrónico seguiu a carta que se junta sob doc. 10 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos, mediante a qual o Director Geral da requerida declara cessada a partir de 15 de Março de 2009 a relação existente entre requerida e requerente, pela sua destituição de gerente da M…. 24. E agradece a prestimosa colaboração do requerente. 25. O requerente, em 27 de Fevereiro de 2009 elaborou e enviou à requerida a carta que se junta sob doc. 11 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos, pela qual reitera a sua relação de trabalho com a requerida independentemente da sua qualidade de gerente de uma sociedade do grupo. 26. Depois de receber em 10 de Março de 2009 uma proposta telefónica do Director Geral da requerida para compensar a sua saída, o requerente no dia seguinte enviou ao Director Geral e ao Presidente da requerida, D. MR…, a mensagem de correio electrónico que se junta sob doc. 12 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos, mediante a qual comunica que aceitou a proposta de trabalho da requerente em 2007 (e que inicialmente tem até uma remuneração inferior à recebida na Caixa Galicia) com base nas condições remuneratórias, incentivos e benefícios que constam do contrato outorgado. 27. Bem como comunicou novamente a sua intenção de manter o contrato de trabalho em vigor. 28. A requerida cortou o acesso do Requerente ao seu correio electrónico - documento n.°13 com o requerimento inicial que se dá por inteiramente reproduzido. 29. No dia 17 de Março de 2009, o requerente foi impedido de entrar nas instalações da sociedade da requerente sitas na Maia, tendo os trabalhadores …, em cumprimento das instruções do Director Geral da requerida, RA… proibido o acesso do requerente, conforme consta da participação da PSP da Maia, junto sob documento 14 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos. 30. E não obstante as comunicações do requerente em que explicitava a sua relação de trabalho com a requerida, no final do dia 17 de Março de 2009, o Director Geral da requerida volta a enviar uma carta ao requerente, insistindo definitivamente na cessação das suas funções e reclamando a entrega dos bens em sua posse até dia 20 de Março de 2009 - junta sob documento 15 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos; 31. Inclusivamente, no dia 14 de Março de 2009, o Director Geral da requerida enviou uma mensagem de correio electrónico, entre outros, para o Presidente da requerida, D. MR…, para o Administrador Executivo da sociedade Parque Maior S.A., Eng. IF… e para os trabalhadores da M…., Dra. SS… e Arq. NL…, declarando que no dia 15 de Março termina a relação do requerente com o Grupo M…, e solicitou a divulgação dessa mensagem a terceiros - tudo como consta da mensagem de correio electrónico que se junta sob doc. 16 e que se dá por integralmente reproduzida nos presentes autos. 32. O requerente, em Março de 2009, auferia a remuneração fixa líquida de € 7.544,65, conforme se prova pelo último recibo de vencimento que se junta sob doc. 17 que se dá por inteiramente reproduzido. 33. Até esta data o requerente não recebeu qualquer carta de despedimento - apenas lhe foram enviadas as comunicações acima referidas relativamente à sua destituição de gerente. 34. O requerente iniciou o exercício de funções para a requerida no dia 15 de Janeiro de 2008 tendo, por mútuo acordo, estabelecido que o contrato definitivo, de cariz laboral, seria celebrado em momento posterior; 35. Em 29.02.2008 além das funções que já exercia, o requerente foi nomeado em 29 de Fevereiro de 2008, gerente da sociedade M…, sociedade que iria desenvolver a actividade internacional do Grupo, cargo que exerceu até 15 de Março de 2009 ainda se mantendo o registo da sua nomeação em 23.03.2009; 36. A Requerida, através do Director Geral do Grupo M…, D. RA… apresentou a minuta de um contrato à apreciação do requerente por via electrónica no dia 27 de Março de 2008, nos termos do documento n.° 1 apresentado com a oposição que aqui se dá por inteiramente reproduzido; 37. Depois de analisar essa minuta, o requerente respondeu nos termos que constam no documento de fls. 121 e 122 que, nessa parte, se dá aqui por reproduzido; 38. A M… Portugal, Lda, era o motor da internacionalização do Grupo M…; 39. Em geral os gerentes/administradores das sociedades que integram o grupo M… dependem funcionalmente e respondem perante o Director Geral do Grupo e este é o único responsável perante a administração. III. FUNDAMENTOS DE DIREITO Como vimos atrás, são três as questões se nos suscitam neste recurso: a) Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto e, na afirmativa, se a decisão que fixou a matéria de facto provada deve ser ampliada e deve integrar a matéria de facto pretendida pela recorrente; b) Saber se, no período compreendido entre 15/01/2008 e 15/03/2009, as partes estiveram vinculadas por um contrato de trabalho e, na afirmativa, se esse contrato cessou por despedimento do requerente promovido pela requerida; c) Saber se a decisão recorrida enferma da nulidade de omissão de pronúncia que a recorrente lhe imputa e, na afirmativa, se procede, ou não, a excepção da incompetência material do Tribunal do Trabalho invocada pela recorrente. 1. Questão prévia Antes de nos debruçarmos sobre cada uma destas questões, uma questão prévia se nos suscita: saber se o procedimento cautelar de suspensão de despedimento é o meio processual adequado para apreciar as questões que constituem o objecto deste processo e deste recurso. Preceitua o art. 386º do Código do Trabalho que “o trabalhador pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação do despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho.” Nesse procedimento cautelar, as partes podem apresentar qualquer meio de prova, salvo se o despedimento tiver sido precedido de processo disciplinar, caso em que apenas é permitido a apresentação de prova documental (art. 35º, n.º 1 do CPT). Por seu turno, o art. 39º do CPT determina que a providência cautelar de suspensão de despedimento é decretada se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo, ou se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria da inexistência de justa causa. Resulta destes preceitos que o procedimento cautelar previsto nos arts. 386º do Código do Trabalho e 34º a 40º do CPT é um meio processual posto à disposição dos trabalhadores para enfrentar despedimentos sem fundamento legal que os legitime e, assim, garantir a segurança no emprego, sendo o escopo deste procedimento cautelar a reposição imediata, em toda a sua plenitude do contrato de trabalho até à decisão final da acção de impugnação (acção principal), a intentar pelo trabalhador. O procedimento cautelar de suspensão de despedimento não é o meio processual adequado para discutir questões que se afastam do núcleo essencial do objecto a que se destina; por natureza os procedimentos cautelares não são acções, antes representam uma reacção provisória tendente a acautelar o perigo na demora da decisão definitiva; no caso específico da suspensão do despedimento visa-se através dela assegurar ao trabalhador um meio rápido do restabelecimento do contrato e do cumprimento das respectivas obrigações, mas isso só pode suceder quando apenas esteja em causa o despedimento do trabalhador. Quer isto dizer que tal procedimento cautelar especificado só pode ser instaurado se se verificarem cumulativamente dois pressupostos essenciais: a) Que a relação contratual que vincula o trabalhador à entidade empregadora consubstancie um contrato de trabalho; b) Que esse contrato de trabalho tenha cessado através de despedimento, promovido pela entidade empregadora, ou, pelo menos, que se afigure verosímil a existência desse despedimento. Assim, quando seja indiscutível que a relação contratual que vincula trabalhador e entidade empregadora configura um contrato de trabalho e este tenha cessado através de despedimento promovido pela entidade empregadora, pode o trabalhador requerer a sua suspensão, cabendo então ao tribunal, nos termos do art. 39º, n.º 1 do CPT, verificar se o mesmo foi ou não precedido de processo disciplinar; se enferma de alguma nulidade que o invalide, e – se existir processo disciplinar e este for válido - ponderar todas as circunstâncias relevantes e verificar se há, ou não, probabilidade séria de inexistência de justa causa. É este o âmbito do procedimento cautelar de suspensão de despedimento e é dentro deste âmbito que o requerente se deve mover ao servir-se deste meio processual. No nosso ordenamento jurídico, o despedimento só é lícito se houver justa causa e se for precedido de processo disciplinar válido. E o procedimento cautelar de suspensão de despedimento tem como objectivo obter uma decisão sumária e necessariamente provisória, sobre a verificação desses elementos, devendo ser decretada, se não tiver sido instaurado processo disciplinar, se este for nulo ou se, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, se concluir pela probabilidade séria de inexistência de justa causa. A discussão de outras matérias e de outras questões respeitantes à relação jurídica contratual, designadamente, a de saber se as partes estavam vinculadas por um contrato de trabalho ou por uma relação contratual de outra natureza; se o requerente, além do cargo de gerente de uma empresa do Grupo da requerida, estava vinculado a esta por um contrato de trabalho; se houve erro no julgamento da matéria de facto relevante para a apreciação da natureza da relação contratual que realmente existiu entre as partes e se a decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida deve ser alterada nessa parte, constituem questões cuja discussão e apreciação não tem cabimento no estrito espaço do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, mas tão somente no âmbito da acção (principal) de que está dependente, o que bem se compreende, dada a forma sumária de que a providência se reveste. O requerente só podia servir-se deste procedimento cautelar especificado se se verificassem os pressupostos que atrás enunciámos e se para a apreciação da licitude ou ilicitude do despedimento, fosse apenas necessário apurar se o mesmo enfermava de alguma nulidade que o invalidasse, e – caso não enfermasse – se havia probabilidade séria de inexistência de justa causa. Como isso não sucede, e como a apreciação da licitude ou ilicitude do despedimento está dependente, no caso em apreço, da discussão e da apreciação de outras questões que não caiem no âmbito do art. 39º, n.º 1 do CPT, designadamente, a de saber se o requerente, além de gerente da M…, Lda (empresa do grupo M…), estava vinculado à requerida B… por uma relação de trabalho subordinada ou por uma relação contratual de outra natureza e se houve erro no julgamento da matéria de facto relevante para a apreciação da natureza dessa relação, questões estas cuja discussão e apreciação não pode fazer-se nesta sede, o recorrente não pode servir-se deste procedimento cautelar para requerer a suspensão do seu despedimento. A lei, atendendo à “sumario cognitio”, própria dos procedimentos cautelares, apenas permite, neste procedimento cautelar especificado, discutir e apreciar a factualidade inerente à eventual inexistência ou nulidade do processo disciplinar e à (eventual) probabilidade séria de inexistência de justa causa. É certo que quando o despedimento não é precedido de processo disciplinar, o CPT em vigor, além de admitir oposição do requerido, admite (também) a apresentação de qualquer meio de prova (cfr. arts. 34º, n.º 2 e 35º, n.º 1 do CPT). Mas ao admitir a apresentação e a produção de qualquer meio de prova, o legislador não quis permitir que no âmbito deste procedimento cautelar se discutam outras questões para além das que referimos, designadamente, a da qualificação jurídica da relação contratual, e da discussão e apreciação da matéria de facto relevante para essa qualificação. Com o disposto no art. 35º, n.º 1, primeira parte, pretende-se tão somente que o trabalhador despedido verbalmente ou sem precedência de processo disciplinar, possa fazer prova dos factos integradores desse despedimento, o que não lhe era permitido na vigência do anterior código (cfr. arts. 34º e 40º do CPT de 1981), situação que determinava, por regra, a improcedência das providências que tinham como objecto despedimentos não precedidos de processo disciplinar, dado que, na audiência de partes, o empregador, geralmente, contradizia o que aquele tinha alegado, e perante essas duas posições contraditórias, sem a admissão de qualquer outra prova, o juiz dificilmente podia concluir pela verificação do despedimento. E foi com essa situação (determinada por falta de meios de prova) que o legislador quis acabar, ao estabelecer no art. 35º, n.º 1 do CPT que, nesses casos, as partes podem apresentar qualquer meio de prova. Com esses meios de prova, o legislador visou apenas facilitar a prova dos requisitos para concessão da providência e não o alargamento do thema decidendum no procedimento cautelar de suspensão de despedimento. Nada na lei o permite, nem a ratio legis da alteração o consente, sob pena de subversão dos princípios gerais dos procedimentos cautelares que, indubitavelmente, norteiam os procedimentos cautelares tipificados no CPT. Se o legislador, em profunda alteração com o anteriormente estatuído, quisesse permitir que, neste procedimento cautelar especificado, se discutissem outras matérias para além daquela que atrás referimos, designadamente a da qualificação jurídica da relação contratual, por certo não deixaria de o dizer no preâmbulo do DL 480/99, de 9/11, que aprovou o actual CPT, e de o estatuir, claramente, em artigos deste Código. Porém, não é isso que consta do citado art. 35º nem do preâmbulo do referido decreto-lei. Daí que os referidos meios de prova apresentados só possam ser utilizados para fazer prova do despedimento não precedido de processo disciplinar e das circunstâncias em que o mesmo ocorreu. Não se diga que o que legislador quis foi o contrário, foi permitir que se discuta e aprecie, neste procedimento cautelar especificado, aquelas matérias, já que a tutela jurisdicional efectiva postula a adopção de um sistema de providências que acautele o efeito útil da acção, que impeça uma lesão grave e dificilmente reparável do direito ou do interesse legalmente protegido que se pretende defender em tribunal Cfr. Professores Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, Tomo I, pág. 203. (art. 20º, n.º 1 da Constituição), em consonância com o disposto no art. 2º do CPC no qual se estabelece que “a todo o direito (...) corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.” Esta argumentação não procede, pois se já na vigência do CPT de 1981 se admitia que o trabalhador podia recorrer ao procedimento cautelar comum e aos procedimentos cautelares especificados regulados no CPC, para impedir (eventuais) lesões graves ou dificilmente reparáveis dos seus direitos, por maioria de razão, agora, o recurso a esses procedimentos se justifica, face ao disposto nos arts. 32º e 44º do actual CPT. Quer isto dizer que se o trabalhador não puder socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento, o mesmo não deixa de poder obter uma adequada providência cautelar, através dos procedimentos cautelares – comum e especificados – regulados no CPC, e que, pela natureza do conflito, sejam aplicáveis no foro laboral. Este não é, portanto, o procedimento cautelar adequado para discutir e decidir questões como as suscitadas pelas partes neste processo e neste recurso, questões essas cujo conhecimento era essencial para apurar se o recorrente foi ou não vítima de um despedimento ilícito Vide Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ, de 1/10/2003, publicado no Diário da República, n.º 262, 1ª -A Série, de 12/11/2003, Albino Mendes Baptista, Código de Processo do Trabalho Anotado, pág. 84, anotação ao art. 34º; J. Cruz de Carvalho, Prontuário de Legislação do Trabalho, Actualização n.º 43, pág. 15; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Vol. Almedina, pag. 329, Nota 569; Acs. da RL, de 16/6/99 e de 22/05/2002, CJ, 1999, III, 172, CJ 2002, III, pág. 154 e Ac. da RE, de 11/7/00, CJ 2000, IV, 287. . 2. Impugnação da decisão da matéria de facto e qualificação da relação contratual. De qualquer forma, mesmo que por hipótese se admitisse outro entendimento e se aceitasse que neste procedimento cautelar se pode produzir prova sobre todas as matérias atrás referidas e se podem discutir e apreciar todas as questões que atrás enunciámos – designadamente a da qualificação jurídica da relação contratual – a pretensão do requerente teria sempre de improceder, já que a matéria de facto provada não permite concluir, mesmo indiciariamente, como concluiu a Mma juíza a quo, que as partes estiveram vinculadas por um contrato de trabalho, entre 15 de Janeiro de 2008 e 15 de Março de 2009. O tribunal a quo concluiu pela existência de uma relação de trabalho subordinado, essencialmente, com base nos elementos que constam nos n.ºs 16, 21 e 39 da matéria de facto provada. No n.º 16 foi considerado provado que, desde o dia 15 de Janeiro de 2008 até 15.03.2009, sob as instruções e directivas da requerida, o requerente organizou relacionamento técnico e de gestão com os parceiros Câmara Municipal e Espaço Municipal da Maia e colaborou activamente no desenrolar das suas funções v.g. coordenando ou/e dirigindo na redefinição do projecto PM… explorado pela sociedade PM…, S.A. (em que a requerida é accionista), na coordenação de um programa de acção territorial para o projecto PM…, no projecto da Praça do Oxigénio na Maia; procedeu, a nível internacional, a vários estudos e démarches quanto a negócios a efectuar no Brasil - relacionados com construção de habitações de custo acessível -, onde se deslocou, e efectuou respectivos relatórios; estudou oportunidades relacionadas com África especificamente quanto a Angola, Moçambique e Gana; preparou e realizou visitas a Washington D.C., ao I.F.C., Banco Mundial, para efectuar estudos para possibilidades de parecerias com esta entidade na implementação de projectos internacionais da requerida em países em vias de desenvolvimento. No n.º 21 ficou assente que o requerente, enquanto Director Internacional da requerida, dependia funcional e hierarquicamente do seu Director Geral RA…. E no n.º 39 ficou provado que, em geral, os gerentes/administradores das sociedades que integram o grupo M… dependem funcionalmente e respondem perante o Director Geral do Grupo e este é o único responsável perante a administração. Em suma: a Mma juíza concluiu pela existência de uma relação de trabalho subordinado, fundamentalmente, por ter ficado provado: - que o requerente prestou o seu trabalho “sob as instruções e directivas da requerida”; - que o requerente, enquanto “Director Internacional” da requerida, “dependia funcional e hierarquicamente” do seu Director Geral; - que, em geral, os gerentes/administradores das sociedades que integram o grupo M… “dependem funcionalmente e respondem” perante o Director Geral do Grupo. Se em determinadas situações, se consegue integrar, com relativa facilidade, uma determinada afirmação no campo da matéria de direito ou no campo da matéria de facto, noutras nem sempre é fácil estabelecer uma linha de demarcação entre estes dois terrenos, sobretudo nos casos em que as expressões têm, simultaneamente, um sentido técnico-jurídico, de onde o legislador retira determinados efeitos, e um significado vulgar e corrente, facilmente captado pelas pessoas comuns (v.g. trabalhar sob as instruções e directivas; director internacional; depender funcional e hierarquicamente; despedimento verbal; etc.) Vide António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 2ª edição; Almedina, pág. 241-242.. Em nossa opinião, a inclusão destas expressões numa ou noutra das referidas categorias depende fundamentalmente do objecto da acção Como refere Anselmo de Castro, “a linha divisória entre o facto e o direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa; o que é um juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.” in Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Vol. III, pág. 270.. Se o thema decidendum da acção, no todo ou em parte, estiver precisamente dependente e localizado no significado real daquelas expressões, tem de considerar-se que estamos perante matéria de direito, insusceptível de ser incluída no despacho de condensação, na matéria de facto assente, ou de fazer parte da base instrutória e de ser objecto de instrução (arts. 508º, n.º 1, al. e), 511º, n.º 1. 513º, 522º, n.º 2, 577º, n.º 1, 623º, n.º 1 e 638º, n.º 1 do CPC) ou de integrar a decisão sobre a matéria de facto (arts. 646º, n.º 4 e 653º, n.º 2 do CPC). Se pelo contrário, o objecto da acção não girar à volta da resposta exacta que se dê às afirmações feitas pela parte, parece-nos que as referidas expressões e outras de cariz semelhante, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção de meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efectua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se dos textos legais. Estando em causa neste procedimento cautelar a qualificação jurídica da relação contratual que vinculou ambas as partes, entre 15/01/2008 e 15/03/2009, a Mma juíza não podia dar como provada aquela matéria alegada pelo requerente, uma vez que a questão a decidir está precisamente dependente do significado real daquelas expressões. Em vez de alegar aqueles juízos de valor e aquelas conclusões, o requerente devia preocupar-se essencialmente em especificar (concretizar) as instruções e as directivas que lhe eram dadas pela requerida naquele período e em alegar e demonstrar elementos de facto concretos que permitissem ao tribunal sindicar aqueles juízos de valor e concluir que o mesmo estava integrado na estrutura e na organização da empresa e que respondia e estava funcional e hierarquicamente dependente do Director Geral da requerida. A matéria atrás descrita deve, assim, considerar-se não escrita, nos termos do art. 646º, n.º 4 do CPC, não podendo a mesma, por essa razão, ser levada em consideração na caracterização da referida relação contratual. Sem a especificação (concretização) das referidas instruções e directivas e sem a alegação e demonstração de elementos de facto dos quais resulte que o requerente, naquele período, estava integrado na estrutura e na organização da empresa e que era o Director Geral do Grupo quem programava a sua actividade e definia como, quando, onde e com que meios a devia executar, o tribunal recorrido não podia concluir, como concluiu, pela existência de uma relação de trabalho subordinado, tanto mais que a existência de instruções e directivas é perfeitamente compatível com a existência de um contrato de prestação de serviços (art. 1161º, alíneas a), b) e d) do Cód. Civil) e, pelos vistos, até com a relação de gerência que o requerente mantinha com a M…, Lda. (cfr. n.º 39 da matéria de facto provada). É certo que se provou que o requerente auferia uma determinada retribuição mensal (em Março de 2009, auferia a remuneração fixa líquida de € 7.544,65) e que a requerida lhe pagava subsídio de férias e de Natal, mas esta matéria de facto, só por si, não é determinante na qualificação da referida relação contratual, já que a existência de tais prestações não é uma característica exclusiva do contrato de trabalho. A existência de um esquema regular, periódico e fixo de retribuição e o pagamento de subsídio de férias e de Natal não é incompatível com o contrato de prestação de serviços nem com a relação de gerência que o requerente mantinha com uma empresa do grupo da requerida (a MRA, Portugal, Lda). Face a esta conclusão, deixou de ter interesse saber se houve erro no julgamento da matéria de facto, ou seja, saber se face ao teor do depoimento da testemunha JE… devia considerar-se provada a matéria que a recorrente alega na alínea F) das conclusões do recurso. De qualquer forma, mesmo que se reapreciasse o depoimento da referida testemunha e toda a demais prova produzida no processo, nunca aquela matéria poderia ser considerada provada, uma vez que a mesma é constituída por matéria de direito e não por matéria de facto. 3. Nulidade da sentença e excepção da incompetência absoluta do tribunal Vejamos, agora, se a decisão recorrida enferma da nulidade de omissão de pronúncia que a recorrente lhe imputa e, na afirmativa, se procede, ou não, a excepção da incompetência material do Tribunal do Trabalho invocada pela recorrente. Alega a recorrente que a relação contratual em causa neste processo não consubstancia uma relação de trabalho subordinado e que, na sua oposição, invocou a excepção da incompetência material do Tribunal do Trabalho e que a Mma juíza, ao não se pronunciar sobre essa questão, violou o disposto nos arts. 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1, al. d) do CPC. Desde já se adianta que não lhe assiste razão. Em primeiro lugar, porque não corresponde à verdade que a requerente tenha invocado tal excepção, na sua oposição. E em segundo lugar, porque essa excepção, na realidade, não se verifica. Embora a matéria de facto provada não permita concluir pela existência de uma relação de trabalho subordinado, tal excepção não podia ser julgada procedente, no caso em apreço, já que a competência do tribunal constitui um pressuposto processual que se afere não pela matéria de facto provada, mas pelo modo como o autor configura o pedido e a respectiva causa de pedir Vide Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 91 e Acs da RE de 9/2/84, CJ, 1984, Tomo 1º, pág. 292; da RL de 1/3/89, CJ, 1989, Tomo 2º, pág. 175 e do STJ de 6/7/78, BMJ 278º, pág.122.. Ora, se o requerente alega no seu requerimento inicial que esteve vinculado à requerida por um contrato de trabalho e que esta pôs termo a esse contrato, em 15/03/2009, através de despedimento, não precedido de processo disciplinar é evidente, atento o preceituado no art. 85º, al. b) da LOFTJ, que o Tribunal do Trabalho é competente em razão da matéria para conhecer deste procedimento cautelar. A nulidade de sentença e a excepção da incompetência em razão da matéria do tribunal invocadas pela recorrente não têm, portanto, o menor cabimento. Assim, julga-se parcialmente procedente o recurso e, embora por razões diferentes das invocadas pela recorrente, revoga-se a decisão recorrida. IV. DECISÃO Em conformidade com os fundamentos expostos, decide-se: 1. Julgar improcedentes a nulidade da sentença e a excepção da incompetência absoluta do tribunal invocadas pela recorrente; 2. Revogar a decisão recorrida; 3. Julgar improcedente o procedimento cautelar de suspensão de despedimento instaurado pelo recorrido. 4. Condenar ambas as partes nas custas do recurso, sendo 1/3 da responsabilidade da recorrente e 2/3 da responsabilidade do recorrido. Lisboa, 10 de Dezembro de 2009 Ferreira Marques Maria João Romba Paula Sá Fernandes |