| Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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| Relator: | AGOSTINHO TORRES | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO PERDA DO DIREITO À VIDA DANOS NÃO PATRIMONIAIS | ||
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| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 11/16/2021 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
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| Meio Processual: | RECURSOS PENAIS | ||
| Decisão: | NÃO PROVIDO O RECURSO DOS DEMANDANTES E PARCIALMENTE PROVIDO O RECURSO DA DEMANDADA CIVIL | ||
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| Sumário: | - Seguindo um critério de equidade e de comparação com os valores médios da jurisprudência, parece adequado concluir que o valor vida deva fixar-se em patamar não acima de 120.000 euros ( atribuindo-se aos pais do falecido metade (60.000, euros) para cada um), actualizado à presente data, valor esse que será o agora determinado, reduzindo-se aquele outro inicial de 150.000,00 para este montante. - De acordo com os mesmos critérios de equidade, entendemos que, dada a evolução temporal após a vigência das Portarias aplicáveis, com actualização de valores à actual data, o quantum moral doloris a indemnizar justifica um ressarcimento pelos 10.000,00. - No caso em apreço, em que houve perda da vida humana, deve considerar-se que todo o sofrimento pela perda do familiar é intenso e, em regra, perdura o desgosto dos pais pela vida fora com a perda do filho, desde que existam laços estreitos entre todos, como era o caso e, sendo estes danos também indemnizáveis, na fixação da indemnização por danos morais, deve o Tribunal tomar em conta "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida". - Atendendo ao grau de sofrimento, às circunstãncias trágicas da perda, ao facto de se tratar de filho único apenas do demandante , à mais intensa reacção depressiva de desgosto por parte da demandante, ao tempo decorrido desde a fixação daqueles valores e da data do acidente e em identidade de razões de equidade, o valor de cada parcela deverá fixar-se em 40,000 euros para o demandante pai e em 40,000 euros para a demandante mãe, no total de 80.000,00 euros, já que o valor de 100 mil fixado aproxima-se exageradamente do valor do direito à vida que entendemos ser relevante. | ||
| Decisão Texto Parcial: |  | ||
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| Decisão Texto Integral: | ACORDAM EM CONFERÊNCIA OS JUÍZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA – 5ª SECÇÃO (PENAL) I-RELATÓRIO 1.1 Por sentença de 11/01/2021, no proc NUIPC 48/18…….. do Juízo Local Criminal do .....- J… Foi decidido: “Relatório Nos presentes autos, o Ministério Público veio requerer o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de: AA, filho de BB e de CC, natural de ....., nascido em 29-4-1994, solteiro, tripulante de ambulância, residente na Avenida ....., ....., Imputando-lhe a prática, na acusação de fls. 163 a 168, como autor material, em concurso efectivo e na forma consumada, de: 1 - Um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.", n." 1 e 15.", n." 1, alínea a), do Código Penal; e 2 – Um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.", n."s 1 e 2 do Código Penal; Sendo que, em audiência de julgamento, o Tribunal comunicou à defesa do arguido uma alteração da qualificação jurídica dos factos, entendendo estar também em causa, quanto ao crime de homicídio por negligência, a aplicação do disposto no artigo 69.", n." 1, alínea a), do Código Penal. ** A fl. 185 a 197, foi deduzido pedido de indemnização civil por DD e por EE contra a Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal(…) Terminaram os demandantes civis, pedindo a condenação da demandada civil a pagar-lhes: 1 – Uma indemnização no valor de € 336,00, a título de danos patrimoniais sofridos; 2 – Uma indemnização no valor de € 280.000,00, na proporção de € 140.000,00 para cada um dos demandantes, a título de danos não patrimoniais sofridos; 3 – Uma indemnização no valor de € 20.000,00, na proporção de € 10.000,00 para cada um dos demandantes, pelos danos não patrimoniais, sofridos pela vítima entre o acidente e a sua morte; 4 – Uma indemnização no valor de € 150.000,00, na proporção de € 75.000,00 para cada um dos demandantes, pelo dano não patrimonial de perda da vida da vítima; Tudo acrescido de jutos de mora, vencidos e vincendos, desde a data da notificação desse pedido e até integral e efectivo pagamento. (…)A demandada civil Zurich Insurance PLc apresentou contestação quanto ao pedido de indemnização civil contra si deduzido, (…) Terminou a demandada civil, peticionando que o pedido de indemnização civil fosse julgado de acordo com a prova a produzir até final. (…) “Relatório Nos presentes autos, o Ministério Público veio requerer o julgamento em processo comum, com intervenção do tribunal singular, de: AA, filho de BB e de CC, natural de ....., nascido em 29-4-1994, solteiro, tripulante de ambulância, residente na Avenida ....., ....., Imputando-lhe a prática, na acusação de fls. 163 a 168, como autor material, em concurso efectivo e na forma consumada, de: 1 - Um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.", n." 1 e 15.", n." 1, alínea a), do Código Penal; e 2 – Um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.", n."s 1 e 2 do Código Penal; Sendo que, em audiência de julgamento, o Tribunal comunicou à defesa do arguido uma alteração da qualificação jurídica dos factos, entendendo estar também em causa, quanto ao crime de homicídio por negligência, a aplicação do disposto no artigo 69.", n." 1, alínea a), do Código Penal. ** A fl. 185 a 197, foi deduzido pedido de indemnização civil por DD e por EE contra a Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal (…) Terminaram os demandantes civis, pedindo a condenação da demandada civil a pagar-lhes: 1 – Uma indemnização no valor de € 336,00, a título de danos patrimoniais sofridos; 2 – Uma indemnização no valor de € 280.000,00, na proporção de € 140.000,00 para cada um dos demandantes, a título de danos não patrimoniais sofridos; 3 – Uma indemnização no valor de € 20.000,00, na proporção de € 10.000,00 para cada um dos demandantes, pelos danos não patrimoniais, sofridos pela vítima entre o acidente e a sua morte; 4 – Uma indemnização no valor de € 150.000,00, na proporção de € 75.000,00 para cada um dos demandantes, pelo dano não patrimonial de perda da vida da vítima; Tudo acrescido de jutos de mora, vencidos e vincendos, desde a data da notificação desse pedido e até integral e efectivo pagamento. (…) A demandada civil Zurich Insurance PLc apresentou contestação quanto ao pedido de indemnização civil contra si deduzido, (…) Terminou a demandada civil, peticionando que o pedido de indemnização civil fosse julgado de acordo com a prova a produzir até final. Fundamentação: Factos Provados: 1) No dia 29-09-2018, cerca das 2H20 horas, o arguido AA conduzia o veículo ligeiro de mercadorias da marca ....., modelo ....., de cor ....., com a matrícula …-UN-…, na Avenida ....., Estrada Nacional, ....., zona do ....., sentido Oeste – Este (…. - …), circulando pela via de trânsito da direita, atento o seu sentido de marcha, a uma velocidade não concretamente apurada, com as luzes médias ligadas; 2) A Avenida ...../Estrada Nacional, naquele ponto, era uma recta em patamar, com ligeira inclinação de 1,2%, comportando dois sentidos de trânsito, separados por uma linha descontínua, e era delimitada por duas linhas guia, permitindo naquelas circunstâncias, com iluminação pública existente do lado esquerdo, atento a esse sentido de marcha ….-…., a um condutor de automóvel com as luzes médias ligadas, ver a via numa extensão de, pelo menos, 40, 50 metros à sua frente; 3) O limite máximo de velocidade para a circulação no local era de 90 Km/h, limite máximo geral para a circulação fora de localidades; 4) O pavimento encontrava-se em bom estado de conservação, limpo e seco; 5) Era de noite e estava bom tempo; 6) Na mesma ocasião, um pouco adiante e no sentido de marcha contrário, ou seja, indo da ..... para ....., circulavam apeados na berma que fica do lado direito da supra aludida via, para quem circulava no sentido de marcha do arguido, ou seja, .....-....., FF, GG e HH; 7) HH caminhava à frente, mais à esquerda da berma, atento o sentido .....-....., sendo imediatamente seguido por FF, que era o que ia mais à direita pela berma, ou seja, mais perto da faixa de rodagem, e na parte da zona asfaltada da berma que confinava com a zona de terra batida, e depois por GG; 8) À frente do veículo conduzido por AA, no mesmo sentido de marcha, circulava o automóvel da marca ....., de matrícula …-VJ-…; 9) Ao aproximar-se do referido automóvel, o arguido, imprimindo à viatura que conduzia uma velocidade não concretamente apurada, mas não inferior a 100 km/hora, ultrapassou-o pela esquerda, invadindo a via de trânsito destinada à circulação em sentido contrário e regressando à sua via de trânsito após conclusão da ultrapassagem; 10) Contudo, após ter retomado a sua via de trânsito e ali ter percorrido alguns metros, o arguido, que seguia desatento ao que se passava na via e sem adequar a velocidade às condições de visibilidade do local, perdeu o controlo do veículo que conduzia, guinando-o para a sua direita e saiu da faixa de rodagem, passando a linha–guia e invadindo a berma direita com, pelo menos, metade desse veículo, atento o seu sentido de marcha; 11) Nesse instante, o veículo conduzido pelo arguido embateu com a zona frontal lateral direita da viatura em FF, que ali circulava apeado na berma do lado direito, na parte asfaltada da mesma e perto da zona em que esta confinava com a terra batida; 12) No local onde tal embate ocorreu, a berma do lado direito, atento o sentido de marcha do arguido, era composta de uma parte asfaltada, com 1,40 metros de largura e uma parte em terra batida, com 2,80 metros de largura, dando-se o atropelamento a poucos metros do local onde essa berma passa a ser toda asfaltada, por referência ao sentido de marcha de FF; 13) Em consequência do embate, FF foi projectado para o lado direito e para trás, ainda tocando o seu corpo no ombro de GG e depois embatendo numa vedação em rede ali existente, até que caiu no solo, perto de um edifício com um terraço ali existente, a uma distância de cerca de 12,20 metros do local do embate, onde ficou prostrado; 15) Não obstante o embate supra descrito e consequente necessidade de acionar os meios de socorro com vista ao tratamento das graves lesões sofridas pelo peão, o arguido prosseguiu a marcha e abandonou o local; Na sequência do embate supra descrito, FF sofreu as lesões traumáticas crânio meningo encefálicas, torácicas e abdominais descritas no relatório de autópsia médico-legal de fls. 159 e 160, cujo teor damos aqui por reproduzido e integrado, que foram causa directa e necessária da sua morte; 16) Ao agir da forma supra descrita, o arguido conduziu o veículo sem empregar a atenção e cuidado devidos no exercício da condução, designadamente por forma a adequar a velocidade que imprimia à viatura às características e visibilidade da via e a mantê-la a circular dentro da hemi-faixa de rodagem reservada ao seu sentido de marcha, sem invadir a berma do seu lado direito, como podia e devia ter efeito, agindo de modo descuidado e imprudente; 17) O que veio a originar o embate e deu causa à produção das lesões sofridas por FF, das quais resultou a sua morte; 18) Ao agir desta forma, o arguido nem sequer previu, como podia e devia ter feito, que esse comportamento podia dar azo a que saísse da hemi-faixa de rodagem reservada ao seu sentido de marcha e invadisse a berma; que com tal colocava em risco a vida e integridade física dos demais utilizadores da via, mormente de um peão que ali se encontrasse, e que podia dessa forma causar a morte a uma dessas pessoas, conforme veio a suceder; 19) De igual forma, o arguido, pelo menos, previu como possível que tinha embatido num peão que circulava na berma pela qual o seu veículo irrompera; que esse peão podia, por isso, ter ficado ferido e com a sua integridade física e vida em perigo por si originado e quis, ainda assim, abandonar o local após o embate, sem pedir ou se certificar que alguém chamava o socorro médico necessário para dirimir esse perigo, como ele podia fazer, conformando-se com essa possibilidade; 20) O arguido agiu de forma consciente e voluntária, sabendo ser proibida a sua conduta e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação. Factos específicos do pedido de indemnização civil deduzido: 21) A responsabilidade civil pelos danos advenientes da circulação do veículo automóvel conduzido pelo arguido com a matrícula …-UN-… encontrava-se, à data do acidente, transferida para demandada civil Zurich Insurance Plc – Sucursal de Portugal, através de contrato de seguro, titulado pela apólice n.º …..; 22) Os demandantes civis são país da vítima FF, o qual era o único filho comum do casal e o único filho do demandante civil; 23) Os demandantes civis tinham uma relação muito próxima e afectuosa para com FF; 24) FF, à data da sua morte tinha 17 anos de idade e era estudante do 11.º ano, sendo calmo, obediente, enérgico, saudável e cheio de alegria; 25) FF nunca tinha causado problemas ou preocupações aos pais, que tinham orgulho no seu percurso, formando uma família com um bom relacionamento e muito unida; 26) A morte súbita e violenta de FF causou aos demandantes civis grande dor e consternação, bem como com um sentimento de vazio pela falta da sua presença, de saudade, vendo-se repentina e imprevisivelmente privados da companhia e apoio do seu único filho, que seria no futuro e velhice de ambos o seu apoio, e deixando de ter alegria, paz de espírito e bem-estar na sua vida; 27) Acresce que, para além do arguido com a sua conduta ter causado a morte de FF, deixou-o a agonizar na berma da estrada, sem sequer parar para lhe prestar auxílio, o que provocou nos demandantes maior dor e revolta, vivendo com a ideia de que FF ficou a morrer na berma da estrada; 28) O desgosto sentido pelos demandantes civis piorou também a sua saúde, sendo que a demandante civil ficou completamente destroçada, sofrendo de depressão e vivendo com dificuldade o seu quotidiano, todos os dias chorando a morte do filho; 29) A demandante civil necessita de apoio psicológico, mas a situação económica do casal não lhe permite custear essas consultas, continuando a mesma a aguardar para ter acesso a elas através do Serviço Nacional de Saúde; 30) As lesões que ditaram a morte de FF causaram a este dor e sofrimento, pois o seu decesso não foi imediato, tendo ainda agonizado durante alguns minutos, já que após o embate tinha a respiração ofegante, gemia e tentou comunicar com quem estava no local, até que se quedou somente por respirar e acabou por falecer, vindo o seu decesso a ser declarado às 3H00 desse dia 29-9-2018; 31) Na sequência do acidente ficaram ainda destruídos alguns bens, que acompanhavam a vítima FF, nomeadamente: - uma bolsa para objectos pessoais, no valor de € 30,00; - as calças do fato de treino que vestia, de valor não concretamente apurado, mas não inferior a € 40,00; - os ténis que calçava, no valor de € 86,00. Mais se provou: 32) Após o embate ocorrido no corpo de FF e de se ter ausentado do local, o arguido foi ao encontro de II, seu chefe na altura, e passados alguns minutos, retornou ao sítio onde o embate ocorrera, onde já se encontravam as autoridades policiais a tomar conta da ocorrência e já tendo sido accionados os meios de socorro a FF, apresentando-se como tendo sido ele o condutor da carrinha, que para ali também foi levada; 33) A demandante civil trabalha como ....., auferindo mensalmente cerca de € 565,00, vivendo a mesma com o demandante civil, que é ..... e ganha € 920,00 por mês; 34) O agregado familiar composto pelos demandantes civis despende mensalmente no pagamento da renda de casa a quantia de € 285,41, vivendo ainda com os mesmos o filho mais velho da demandante; 35) O arguido tem a profissão de ....., auferindo mensalmente entre € 830,00 a € 840,00; 36) O arguido vive com uma companheira, que trabalha e aufere mensalmente cerca de € 680,00, despendendo ambos no pagamento da renda de casa a quantia de € 400,00; 37) O arguido confessou parte dos factos de que foi acusado e em audiência de julgamento verbalizou lamentar o que se tinha passado perante os demandantes civis; 38) Logo após o embate, o arguido ficou perturbado e chocado e ainda hoje o ocorrido o afecta, tendo iniciado acompanhamento psicológico em 15-9-2020, em regime quinzenal; 39) Do registo individual do condutor do arguido consta que o mesmo cometeu em 1-11-2018 uma contra-ordenação por utilização de aparelho radiotelefónico durante a marcha, pela qual lhe 40) foi aplicada sanção acessória de inibição de conduzir por 30 dias, por decisão que lhe foi notificada em 8-1-2019 e que o mesmo efectuou o seu cumprimento; 41) O arguido não tem antecedentes criminais. Factos não provados: 42) Não se provou, com relevância para a decisão, nenhuma da factualidade que não se compagina com a supra descrita, designadamente que: 43) - FF, GG e HH circulassem na Avenida ..... aquando dos factos no mesmo sentido de marcha que o arguido; 44) - O arguido estivesse desatento e descuidado na condução que efectuava do veículo automóvel porque vinha a utilizar o telemóvel; 45) - O arguido tenha previsto como possível que poderia perder o controlo da direcção do veículo e colocar em risco a vida e integridade física dos demais utilizadores da via, e que tivesse confiado que tal não sucederia; 46) - O arguido tenha querido deixar FF prostrado no local após o embate, sem pedir ou se certificar que alguém chamava o socorro médico necessário, não obstante se encontrar ciente da situação de perigo por si criada para a sua integridade física e vida; 47) - Tenha sido em virtude do acidente de viação e do decesso de FF que o demandante civil passou a ser medicado para problemas de tensão arterial de que agora padece e os seus problemas de asma pioraram, sendo obrigado a recorrer a medicação (bombas) para poder respirar devidamente, o que antes não ocorria; 48) - Em virtude do decesso de FF, o demandante civil tenha tomado e tome calmantes. (…)” (…) III – Do pedido de indemnização civil deduzido por DD e EE: Conforme supra referido, foi deduzido pedido de indemnização civil por parte de DD e EE contra a companhia de seguros Zurich Insurance PLC, Sucursal em Portugal, peticionando a sua condenação no pagamento de: 1-Uma indemnização no valor de € 336,00 por danos patrimoniais da vítima; 2 – Uma indemnização no valor de € 280.000,00, na proporção de € 140.000,00 para cada um dos demandantes, a título de danos não patrimoniais sofridos; 3 – Uma indemnização no valor de € 20.000,00, na proporção de € 10.000,00 para cada um dos demandantes, pelos danos não patrimoniais, sofridos pela vítima entre o acidente e a sua morte; 4 – Uma indemnização no valor de € 150.000,00, na proporção de € 75.000,00 para cada um dos demandantes, pelo dano não patrimonial de perda da vida da vítima, Tudo acrescido de jutos de mora, vencidos e vincendos, desde a data da notificação desse pedido e até integral e efectivo pagamento. Cumpre proceder à apreciação de tal pedido, o que vai então ser realizado à luz da lei civil, como determina o artigo 129.' do Código Penal. Assim, procedendo à subsunção dos factos provados, há que apreciar se a obrigação de indemnizar existe por parte da demandada civil Zurich em virtude de responsabilidade extracontratual do condutor do veículo com a matrícula …-UN-…, e ante o facto de ter sido celebrado contrato de seguro, transferindo para esta última a responsabilidade pelos danos advenientes da sua circulação, a aferir face ao disposto no artigo 483.' do Código Civil. De acordo com este preceito, em regra, a obrigação de indemnizar eclode mediante a reunião dos seguintes pressupostos: conduta dominada ou dominável pela vontade; ilicitude dessa conduta, por violar o direito de outrem ou uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios; imputação do facto ao lesante, através de dolo ou negligência; existência de um dano; e nexo de causalidade entre o facto e o dano. In casu, constata-se que todos estes pressupostos se verificam, na medida em que, pelo que resultou provado: - AA, ao levar a cabo a condução do veículo com a matrícula …-UN-… pela Avenida ....., no ....., no dia 29-9-2018, cerca das 2H20, de forma desatenta e sem adequar a velocidade às condições da via por onde circulava, fazendo-o a não menos de 100km/hora, ao ponto de sair da hemi-faixa de rodagem reservada ao seu sentido de marcha e irromper pela berma, vindo a embater em FF, que por ali circulava, praticou actos dominados pela sua vontade; - a sua conduta foi ilícita, por violar o direito de FF à sua vida, cuja tutela se encontra plasmada no artigo 24.' da Constituição da República Portuguesa, em termos finais, e de forma imediata, o disposto nos artigos 3.', n.' 2, 13.', n.' 1, 17.', n.' 1, 24.', n.' 1, e 27.' do Código da Estrada, ilicitude essa que não foi excluída, conforme atrás se explanou; - AA agiu com negligência inconsciente, ou seja, apesar de dever e poder evitar o resultado de atropelar o peão FF, adoptando o cuidado devido para a tal obstar, mormente respeitando as regras estradais supra expostas, nem sequer previu como possível que, do seu comportamento, viesse a surgir o acidente de viação em apreço; - houve a produção de danos não patrimoniais, consubstanciados na morte de FF e no sofrimento físico e psíquico que padeceu durante minutos após o acidente e até ao seu decesso; no sofrimento dos demandantes civis, seus pais, com a sua morte, que ainda hoje sentem de forma muito presente e intensa; - houve a produção de danos patrimoniais, mormente danos emergentes com a deterioração da roupa, calçado e bolsa que FF trazia consigo, no montante global de € 156; - os danos sofridos foram consequência directa e necessária da conduta assumida por AA, porquanto sem a mesma não ocorreriam, ao mesmo tempo que não sobrevieram outras condutas extraordinárias, fortuitas ou excepcionais para a sua verificação. Assim, e com base no disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 11.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, 15.º , n.º 1 (que expressamente prevê que o contrato de seguro automóvel obrigatório garante a responsabilidade civil do tomador do seguro, dos sujeitos da obrigação de segurar previstos no artigo 4.' e dos legítimos detentores e condutores do veículo, pois no caso, apesar da tomadora do seguro ser diverso do arguido, era este que legitimamente o detinha e conduzia e, logo, a sua responsabilidade civil está também garantida), e 64.', n.' 1, alínea a) do Decreto-Lei n.' 291/2007, de 21/08, a demandada civil, com a qual foi celebrado contrato de seguro automóvel transmitindo-lhe a responsabilidade civil pelos danos advenientes da circulação do veículo automóvel com a matrícula …-UN-… está obrigada a indemnizar os demandantes civis, enquanto ascendentes de FF e seus únicos e universais herdeiros, mas nos moldes que seguidamente se expõem, e nos termos dos artigos 496.' e 562.' a 564.' do Código Civil. O princípio geral quanto ao conteúdo da obrigação de indemnizar é o da reconstituição natural, repondo-se o lesado na situação que existiria se não se tivesse produzido o dano, princípio este acolhido expressamente no aludido artigo 562.'. Somente quando a reconstituição natural não for possível, não seja idónea ou se revele injustamente onerosa para o devedor, haverá que proceder à fixação da indemnização em dinheiro – artigo 566.', n.' 1, do mencionado código. Quanto aos danos não patrimoniais, dada a sua natureza, a indemnização arbitrada não pode assumir uma função reconstitutiva, mas antes de compensação, de forma a proporcionar alguma satisfação ao lesado. Comecemos por atentar então nos diversos montantes indemnizatórios peticionados pelos demandantes civis. 1 – Do montante indemnizatório pelo dano morte – dano não patrimonial da perda do direito à vida: O direito à vida apresenta-se como o bem jurídico supremo, consubstanciando-se no direito de cada a um ao respeito da sua vida perante as outras pessoas, com tutela constitucional no artigo 24.' da Lei Fundamental. Apesar das várias posições esgrimidas acerca da titularidade deste direito, ante o disposto no artigo 496.' do Código Civil, ou seja, se estaremos perante um direito que nasce na esfera jurídica da vítima e é transmitido depois por via sucessória, ou perante um direito próprio das pessoas elencadas no artigo 496.', n.' 2, do Código Civil, afigura-se-nos ser questão hoje pacífica na doutrina e na jurisprudência que estamos perante um dano patrimonial autónomo, susceptível de reparação pecuniária – veja-se neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1504-2009 (Proc. n.' 08P3704), disponível em www.dgsi.pt.. Ora, de acordo com o artigo 496.', n.'s 2 e 4 do Código Civil: “2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. (...) 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”. Assim, há que proceder à fixação do respectivo montante indemnizatório, de harmonia com o disposto no artigo 496.°, n.° 3, 1.° parte, e o artigo 494.° para o qual este remete, ou seja, considerando que “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”, recorrendo a critérios de equidade. Há ainda que atender a que essa indemnização deve ser actual, aplicando-se-lhe também a regra constante do artigo 566.°, n.° 2, do mesmo código – assim, Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República, I Série A, n.º 146, de 27/09/2002. Mas como traduzir em termos monetários a vida de alguém, ou seja, fazer o impossível? Aquilo que resta ao aplicador do Direito é, munido de critérios de objectividade e de equidade, alcançar uma reparação justa para a perda desse direito, e abunda a jurisprudência a este respeito, remetendo-se para a resenha feita a este respeito no supra referido aresto do Supremo Tribunal de Justiça. Ora, na fixação de tal indemnização pelo dano morte e face àquela que em sido a jurisprudência dos tribunais superiores, há que atentar na idade da vítima, no seu estado de saúde, antes da ocorrência do evento danoso (se era pessoa gravemente doente ou saudável), na forma como ocupava o seu tempo e os seus projectos de vida, mormente em termos pessoais e profissionais, a sua vontade e alegria de viver, entre muitos outros. Ou seja, será com recurso a estes diversos indicadores e sua apreciação em termos globais, que se conseguirá densificar e delimitar tal montante indemnizatório pela perda do direito à vida em cada caso concreto. Acresce ainda que, nestes casos de arbitramento de indemnização por responsabilidade civil fundada em acidente de viação, não faz sentido o reporte à situação do lesante, até porque o mesmo está ausente da lide, sendo normalmente o demandado uma companhia de seguros. Depois, é verdade, como a demandada civil veio invocar, que existe a Portaria n.° 377/2008, de 26/05, na redacção dada pela Portaria n.° 679/2009, de 25/06, e este é um elemento que o tribunal deve ponderar no arbitramento dos montantes indemnizatórios, porquanto este diploma prevê uma tabela legal de ressarcimento do dano corporal, tendo em vista não a fixação final e última dos quantum indemnizatórios, mas “o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios tendentes a agilizar a apresentação pelas seguradoras de propostas razoáveis, possibilitando a avaliação pela autoridade da supervisão, em quadro de objectividade, da respectiva razoabilidade” (Salvador da Costa, Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico, Cadernos do Cej. – Acidentes de Viação I, 2011) – apud, Acórdão da Relação de Évora de 10-4-2012 (Proc. n.° 133/08.5GCCUB.E1), disponível em www.dgsi.pt. Daqui decorre que os valores contemplados em tal Portaria, nas suas tabelas anexas nunca serão definitivos, nem tal é de aplicação judicial obrigatória, apenas tendo o escopo de dar algumas directrizes nesta matéria, acrescendo ainda que, os valores ali contemplados datam de 2009, ou seja, há 11 anos atrás e são genéricos, abstractos, não estando adaptados às particularidades de cada caso. Por fim, há ainda que ter em conta os critérios e valores comummente fixados na jurisprudência de forma actualizada (e não há 7 e 5 anos atrás, como a demandada civil mencionou na sua contestação). Prescrutando a jurisprudência dos tribunais superiores no que respeita á indemnização do dano morte, temos que (arestos todos disponíveis em www.dgsi.pt): - no acórdão da Relação de Lisboa de 30-6-2020 (Proc. n.° 65/17.6GTALQ -5), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito a vida da vítima que, aquando do decesso tinha 33 anos, saudável e que constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os dois filhos do casal, em € 150.000,00; - no acórdão da Relação de Évora de 24-09-2020 (Proc. n.° 3710/18.2T8FAR.E1), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito à vida da vítima em € 90.000,00, tendo em conta que tinha 33 anos de idade, era saudável e sem deficiência, imigrante que tinha conseguido fazer a sua vida e estabelecer-se em Portugal, exercendo as funções de pedreiro, casado há cerca de 5 anos e com um filho de 4 anos de idade, que vivia e trabalhava para dar uma vida digna à sua família, tendo a seu cargo a sua esposa, e o seu filho; - no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2019 (Proc. n.' 75/17.3GCPTM.E1.S1), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito à vida da vítima em € 55.000,00, tendo em conta que tinha 73 anos, era saudável e com uma vida regrada, com actividade profissional. Transpondo tais considerações para o caso em apreço, há que considerar que: - FF faleceu com 17 anos, sendo estudante do 11.' ano de escolaridade; - era um jovem obediente, calmo, saudável e cheio de energia; - FF tinha uma relação afectuosa com os pais, formando com os mesmos uma família muito unida; - ante os factos provados, há ausência de conculpabilidade de FF para a produção do acidente de viação, que ficou a dever-se em exclusivo ao comportamento de AA; - a morte de FF ocorreu de forma abrupta e violenta; - de acordo com a Portaria n.' 377/2008, na redacção dada pela Portaria n.' 679/2009, esta previsto como indicação do valor indemnizatório pela perda do direito à vida de vítima com menos de 25 anos o valor de € 61.560,00. Atendendo a tal, bem como às tendências jurisprudênciais a este respeito, que em termos de justiça distributiva também devem ser consideradas, afigura-se-me adequado e justo fixar o valor da indemnização a suportar pela demandada civil pelo dano morte de FF em € 150.000,00, (cinquenta e cinco mil euros), conforme os seus pais peticionaram, a dividir por cada demandante civil em partes iguais, valor esse actualizado na presente data. Uma vez que tal montante foi actualizado na presente data, acrescem ao mesmo juros de mora vincendos a partir de hoje, á taxa legal. 2 – Do montante indemnizatório referente aos danos não patrimoniais sofridos por FF: Cumpre apreciar agora autonomamente os danos não patrimoniais sofridos por FF entre o acidente e a sua morte, sendo que a respeito da fixação do montante indemnizatório a arbitrar em virtude dos mesmos chamamos à colação o entendimento vertido no acórdão da Relação de Lisboa de 03-08-2009 (Proc. n.' 151/99.2PBCLD.L-5), disponível em www.dgsi.pt: “(...) no que concerne ao dano sofrido pela vítima antes de morrer, importa referir que este pode variar de acordo com diversos factores, tais como o tempo decorrido entre o evento e a morte, se a vítima esteve consciente ou em coma, se teve dores ou não e se teve ou não consciência de que ia morrer. E, deste modo, a dor que a vítima padeceu pode estabelecer-se entre o limite zero (caso de morte instantânea, sem qualquer sofrimento ou caso de coma profundo desde o acontecimento até à morte) e o limite que se situe em plano aquém do que for entendido como adequado pela perda do direito à vida. Tudo depende do sofrimento e da respectiva duração, da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado e da aproximação da morte.”. Tendo uma vez mais presente o disposto no artigo 496.' e 494.' do Código Civil, e os supra referidos critérios de equidade, no caso em apreço, há que levar em linha de conta que, ante os factos provados: - em virtude da conduta de AA e que deu causa ao atropelamento, FF veio a sofrer as graves e extensas lesões elencadas no relatório de autopsia, mormente ao nível crânio meningo encefálico, torácico e abdominal; - a seguir ao embate, FF, ainda estava com vida, respirando e inclusivamente, tentando comunicar e gemendo, pelo que inconsciente e sem reacção não estava, mas sim em sofrimento; - tal perdurou por alguns minutos, não chegando a uma hora, até porque o acidente ocorreu cerca das 2H20 e o seu óbito foi declarada no local do acidente pelas 3H00. Estes danos, causados pela conduta de AA tiveram uma feição física e moral, assumindo uma gravidade elevada, atentas as lesões causadas, e o estado de consciência, ainda que fugaz de FF, sendo claramente merecedores da tutela do Direito. Face ao antes exposto, afigura-se-me adequado e justo, em face dos danos não patrimoniais supra descritos, fixar o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte em € 15.000,00 (quinze mil euros) actualizado à presente data, valor esse a suportar pela demandada civil. Uma vez que tal montante foi actualizado na presente data, acrescem ao mesmo juros de mora vincendos a partir de hoje, á taxa legal. 3 - Da indemnização peticionada por danos não patrimoniais directamente sofridos pelos demandantes civis: Quanto a esta parcela do pedido formulado e ante o que ficou provado ressalta à saciedade que DD e EE experienciaram choque e grande dor pela perda repentina e inesperada do seu jovem filho, com apenas 17 anos, sendo o mesmo o único filho de ambos e o único do demandante civil. Resultou também demonstrado que não só no momento de conhecimento do decesso do filho, mas desde então e ainda hoje, os demandantes civis choram a sua morte, sofrem com saudades do mesmo e o vazio que a sua ausência importou, alterando-se irremediavelmente a sua vida, bem como sentem revolta pelo acontecido, para mais, ante o facto de ter sido deixado entregue a sua sorte por quem deu causa ao acidente. Aquilo que fica patenteado é que os demandantes civis perderam a alegria, vivem com a memória do filho e com a sua falta sempre presentes, e tal é algo que os acompanhará para sempre, não podendo vê-lo crescer, tornar-se homem e pugnar pela realização dos seus sonhos. E se, por um lado, no caso de DD, sendo FF o seu único filho, a sua perpetuação, a sua descendência terminou com a perda desta vida, também para EE este era o seu filho mais novo e o seu eterno elo àquele, equiparando-se a intensidade da dor que sentem, ainda que a demandante tenha procurado ajuda, reconhecendo a necessidade de apoio psicológico. Ora, conforme já aflorado, dispõe o artigo 496.º do Código Civil, sublinhado nosso, que: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. 2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. 3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes. 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”. Ora, os danos não patrimoniais sofridos pelos ascendentes de FF em virtude do seu decesso tiveram uma feição moral e apresentaram uma gravidade muito elevada, afectando irremediavelmente a vida destas 2 pessoas, sendo claramente merecedores da tutela do Direito. Tendo tal em conta; que na Portaria n.' 377/2008, na redacção dada pela Portaria n.' 679/2009, se prevê para os danos morais dos ascendentes com a perda da vida de filho menor de 25 anos a quantia de € 15.390,00, com uma majoração de 25%, no caso de filho único; as decisões dos tribunais superiores a este respeito mais actualizadas (cfr, por exemplo o já aludido acórdão da Relação de Lisboa de 30-6-2020), entendo que o valor de € 280.000,00 peticionado pelos demandantes a este título é excessivo, antes se nos afigurando adequado e justo, em face dos danos não patrimoniais supra descritos, fixar o montante indemnizatório no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), sendo € 50.000,00 para cada demandante civil, quantias essas actualizadas à presente data e a suportar pela demandada civil. Uma vez que tais montantes foram actualizados na presente data, acrescem aos mesmos juros de mora vincendos a partir de hoje, à taxa legal. (…) Decisão: A-Nestes termos, o Tribunal decide condenar o arguido AA pela prática, em concurso real heterogéneo, de: 1 - Um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos artigos 137.", n." 1, e 69.", n." 1, alínea a), do Código Penal, pelo qual se encontrava acusado, numa pena de 10 (dez) meses de prisão e na pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses; 2 – Um crime de omissão de auxílio, p. e p. pelo artigo 200.", n."s 1 e 2, do Código Penal, numa pena de 7 (sete) meses de prisão; Fixando a pena única em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de 1 (um) ano e 2 (dois) meses, com a sujeição do arguido ao dever de entregar mensalmente ao Centro de Medicina de Reabilitação do Alcoitão a quantia de € 50,00 (cinquenta euros) durante o período de suspensão da execução da pena e de o comprovar nos autos, nos termos dos artigos 50." e 51.", n." 1, alínea c) do Código Penal, a que acresce a pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados antes referida. Para o efeito de cumprimento da pena acessória de proibição de condução de veículos motorizados pelo período de 10 (dez) meses, deve o arguido proceder à entrega da sua carta de condução na secretaria deste tribunal ou em qualquer posto policial, no prazo de 10 (dez) dias, a contar do trânsito em julgado desta decisão, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência - artigo 69.", n." 1, alínea a) e n." 3 do Código Penal. B- Mais decide o Tribunal julgar parcialmente procedente, porque provado apenas em parte, o pedido de indemnização civil deduzido por DD e de EE e, consequentemente, condena a demandada civil Zurich Insurance PLc – Sucursal em Portugal, no pagamento das seguintes quantias àqueles: 1) A título de indemnização pela perda do direito à vida de FF, a quantia de € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros), actualizada na presente data, a repartir em partes iguais por ambos os demandantes, na proporção de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) para cada um deles; 2) A título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte, a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), actualizada na presente data, a repartir em partes iguais por ambos os demandantes, na proporção de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) para cada um deles; 3) A título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por DD e EE, em virtude da morte de FF, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), actualizada na presente data, a repartir em partes iguais por ambos os demandantes, na proporção de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) para cada um deles: 4) A título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelo próprio FF a quantia de € 156,00 (cento e cinquenta e seis euros) a que têm direito os dois demandantes civis enquanto herdeiros daquele; Tudo perfazendo o montante global de € 265.156,00 (duzentos e sessenta e cinco mil, cento e cinquenta e seis euros), sendo que, sobre as indemnizações actualizadas na presente data, vai ainda a demandada civil condenada no pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde hoje e até integral e efectivo pagamento, e sobre a indemnização por danos patrimoniais vai também condenada no pagamento de juros de mora à taxa legal, mas desde a notificação do pedido e até integral e efectivo pagamento, no mais se absolvendo a demandada civil. Vai o arguido condenado nas custas criminais, sendo a taxa de justiça no valor de 2 (duas) UC, no termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais. Vão ainda os demandantes civis e a demandada civil condenados nas custas atinentes ao pedido de indemnização civil, na proporção do seu decaimento, ordenando-se o cumprimento do disposto no artigo 15.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais. (…)” * 1.2 – Desta decisão recorreram quer os assistentes demandantes civis quer a Seguradora, rematando as seguintes conclusões: 1.2.1- Assistentes A) De acordo com a douta sentença proferida no âmbito dos presentes autos e no que concerne ao pedido de indemnização civil formulado pelos ora Recorrentes julgou o Tribunal “Aquo” parcialmente procedente o pedido de indemnização civil, deduzido pelos ora Recorrentes, condenando a Demandada civil “Zurich Insurance PL C- Sucursal” em Portugal no pagamento, de entre outras quantias, do montante, a título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por DD e EE, ora Recorrentes, em virtude da morte de FF, seu filho, a quantia de € 100.000,00 (cem mil euros), actualizada na presente data, a repartir em partes iguais por ambos os demandantes, na proporção de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) para cada um deles. Alega para tanto, em síntese, que entende ser demasiado excessivo o pedido formulado pelos ora recorrentes a título de danos não patrimoniais no valor de 280 000,00 euros (duzentos e oitenta mil euros). B) Salvo o devido respeito, não podem os ora Recorrentes concordar com tal entendimento, pois reconheceu o Tribunal “Aquo” que se verificaram os pressupostos necessários para a condenação da Demandada civil no pagamento de uma indemnização aos ora Recorrentes já que ocorreu uma conduta dominada ou dominável pela vontade do agente. C) Tal conduta é ilícita por violar o direito de outrem e disposição legal destinada proteger interesses alheios, ocorrendo uma imputação do facto ao lesante através de dolo ou negligência. D) Ocorreram danos e um nexo de causalidade entre o facto e o dano. E) Tendo resultado provado que o Arguido agiu com negligência inconsciente, o que levou à morte de FF com sofrimento físico e psíquico. F) Padecendo a vítima durante alguns minutos após o acidente até ao seu decesso, dando ainda como provado que o acidente ocorreu cerca das 02h20 e o seu óbito foi declarado no local do acidente, pelas 03h00. G) Entendem assim os ora Recorrentes que o montante fixado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelos ora Recorrentes, na sequência da morte do seu único filho e que o Tribunal “Aquo” fixou no montante total de 100 000,00 euros (cem mil euros), é reduzido, face aos factos que foram dados como provados, pois, para além do supra exposto. J) Reconheceu ainda o Tribunal “Aquo” que os ora Recorrentes experienciaram um grande choque e grande perda com o desaparecimento repentino e inesperado do seu único filho, com apenas 17 anos de idade, desaparecimento esse que ainda hoje choram, sofrem com saudades do filho, sentindo um vazio com a sua ausência, o que alterou, irremediavelmente as suas vidas. K) Sentem revolta pelo acontecido e ainda mais pelo mesmo ter sido abandonado no local do acidente, pelo Arguido, tendo ficado provado que os ora Recorrentes perderam a alegria, vivem com a memória do seu filho e com a sua falta, constante. L) Reconhecendo o Tribunal “Aquo”, na douta sentença proferida, que os factos em apreço apresentam uma gravidade muito elevada, afetando, irremediavelmente, a vida dos dois ora Recorrentes. M) Não podem assim os ora Recorrentes, salvo o devido respeito, concordar com o montante indemnizatório fixado no que se refere aos danos não patrimoniais sofridos pelos ora Recorrentes, pois N) Entendem os mesmos que tal valor fica aquém daquilo que deveria ter sido arbitrado, atendendo a todos os factos vertidos na douta sentença e dados como provados e com os quais os ora Recorrentes concordam. O) A perda deste filho é insubstituível e fez com que os ora Recorrentes passassem a viver em constante dor e sofrimento. Q) Assim apesar de se concordar que o valor indemnizatório por muito elevado que seja não vai nunca colmatar tal dor e sofrimento dos ora Recorrentes, a verdade é que o facto dos mesmos entenderem que tal valor é reduzido face ao valor daquilo que perderam aumenta ainda mais o seu sofrimento, pois sentem os ora Recorrentes que não foi feita justiça face ao valor daquilo que perderam. R) A dor dos ora Recorrentes é imensurável por isso não é, em bom rigor, quantificável em dinheiro, no entanto, ainda assim, os ora Recorrentes peticionaram, no seu pedido cível, o montante que entendem ser, minimamente, aceitável, num total de 280 000,00 euros (duzentos e oitenta mil euros). S) Entendem os ora Recorrentes que face aos factos que foram dados como provados na douta sentença, proferida, entendem ser esse o valor adequado a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos. T) Face ao supra exposto entendem assim os ora Recorrentes que a douta sentença proferida acaba por violar o disposto nos Artigos 494° e 496°, ambos do C. Civil. U) Pelo que, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente ser alterada a douta sentença, ora recorrida, e consequentemente, ser a Demandada condenada a pagar aos ora Recorrentes, a título de danos não patrimoniais o montante de 280 000,00 euros (duzentos e oitenta mil euros), sendo arbitrado para cada um dos ora Recorrentes 140 000,00 euros (cento e quarenta mil euros). TERMOS EM QUE Deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente ser alterada a douta sentença, ora recorrida, e consequentemente, ser a Demandada cívil condenada a pagar aos ora Recorrentes, a título de danos não patrimoniais o montante de 280 000,00 euros (duzentos e oitenta mil euros), sendo arbitrado para cada um dos ora Recorrentes 140 000,00 euros (cento e quarenta mil euros). 1.2.2- A seguradora Zurich Insurance Plc (doravante, a Seguradora) 1. A recorrente não se conforma com a douta sentença recorrida, a qual, no seu modesto entender, condena no pagamento de montantes indemnizatórios exagerados e violadores da aplicação uniforme do direito e da padronização do valor das indemnizações, desrespeitando, assim, o disposto no Art' 496' n' 4 e no n' 3 do Artigo 8', ambos do C. Civil. 2 Como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-022018 no processo 1685/15.9T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt: “5. Em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização;” 3 Ora a douta sentença recorrida afasta-se, precisamente, e de forma injustificada, desta regra, violando, assim, o princípio da igualdade. 4 Não se conforma a recorrente com a fixação em € 150.000,00 do montante da indemnização pela lesão do direito à vida de FF. 5 Os tribunais superiores vêm fixando a indemnização pela lesão do direito à vida em valores que oscilam, na esmagadora maioria dos casos, entre os € 50.000,00 e os € 100.000,00, chegando a ultrapassar, nalguns casos, devidamente justificados, este último valor. 6 Assim, no Acórdão do STJ de 07-05-2020, proferido no processo 952/06.7TBMTA.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, para uma vítima de 29 anos de idade à data da morte, com elevada expetativa de vida, com casamento contraído há cerca de dois anos antes da morte e que tinha sido pai há cerca de um ano, considerou-se adequada a indemnização de € 85 000,00 (oitenta e cinco mil euros) pela perda do direito à vida. No mui recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-10-2020, proferido no processo 625/18.8T8AGH.L1, disponível em www.dgsi.pt, para uma vítima de 7 anos de idade, com ausência de problemas de saúde e temperamento alegre e dinâmico, julgou-se adequado valorar o dano pela perda da vida em € 100.000,00 (cem mil euros). 8 Por seu turno, no Acórdão do STJ de 22-02-2018, proferido no processo 33/12.4GTSTB.E1.S1, que julgou o caso de uma vítima jovem, de 25 anos de idade, solteiro, saudável, com formação académica superior, sendo piloto aviador da Força Aérea, com a patente de alferes, competente, dedicado e com fundadas aspirações de progressão na carreira, consideraram os Colendos Conselheiros que a privação da vida da vítima configurava in casu um dano situado no patamar superior da escala de gravidade configurável para este tipo de danos, daí terem confirmado a indemnização pela perda do direito à vida no montante de € 120.000,00, assinalando, contudo, que o mesmo excede significativamente as indemnizações que o STJ vem atribuindo pela perda do direito à vida que, na maioria dos casos, oscilam entre 50.000,00€ e 100.000,00€. 9 No caso dos presentes autos, FF tinha 17 anos de idade, era estudante do 11º ano de escolaridade, o que significa que já havia tido reprovação em um ano escolar anterior, e frequentava um Curso ..... – Cft Certidão de fls. 210 dos autos. 10 Não resultou provada nenhuma particular circunstância, expectativa, ou aspiração, do FF relativamente ao seu futuro, que a nível da sua formação académica, quer a nível da sua vida profissional, nem nenhuma outra particular circunstância, nomeadamente a nível social ou comunitário, que permitisse ao Tribunal valorar o dano morte do FF no dito patamar superior da escala de gravidade configurável para este tipo de dano demodo a ultrapassar significativamente os parâmetros seguidos pela jurisprudência. 11 O montante fixado na douta sentença recorrida a título de indemnização pela perda do direito à vida viola, pois, os princípios gerais da igualdade e da proporcionalidade. 12 A indemnização a arbitrar pela perda da vida de FF não pode ser fixada em montante superior a € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros). 13 Também a indemnização fixada por danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte, no montante de € 15.000,00 (quinze mil euros), se mostra violadora dos princípios da igualdade e da unidade do direito por ser claramente elevada face ao decidido pelo nosso mais alto Tribunal em casos semelhantes. 14 No Acórdão do STJ de 03/11/2016, proferido no processo 6/15.5T8VFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, foi fixada em € 20.000,00 a indemnização pelo dano não patrimonial sofrido por vítima de acidente de viação que “sofreu dores intensas em consequência do acidente e das graves lesões que o atingiram, suportou cerca de 23 dias de clausura hospitalar e dolorosos tratamentos e perspetivou a sua morte, o que lhe causou angústia e medo.” 15 No caso que nos ocupa, ficou provado que entre o momento do acidente e o momento da morte o inditoso FF agonizou durante alguns minutos, tendo o seu decesso sido declarado às 03H00 do dia 29-9-2018, sendo que, como vem igualmente provado, o acidente ocorreu às 02H20M desse dia. 16 Confrontando a indemnização de € 20.000,00 fixada a uma vítima que sofreu dores intensas e agonizou durante 23 dias em internamento hospitalar com a indemnização de € 15.000,00 fixada nos presentes autos, não pode deixar de concluir-se que esta última é manifestamente exagerada e destituída de razoabilidade. Uma vez provado que as lesões que ditaram a morte de FF causaram a este dor e sofrimento, pois o seu decesso não foi imediato, tendo ainda agonizado durante alguns minutos, a indemnização a arbitrar pelos danos não patrimoniais por ele sofridos entre o momento do acidente e a sua morte deve ser fixada no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), à semelhança do montante fixado no Acórdão da Relação de Lisboa de 30-06-2020 (Proc. 65/17.6GTALQ-5) citado pela meritíssima juiz a quo na douta sentença recorrida a propósito da lesão do direito à vida. 18 Finalmente, vem a recorrente pedir a revogação do montante indemnizatório fixado na douta sentença recorrida a título de danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes Civis em virtude da morte de seu filho, montante que a meritíssima juiz a quo fixou em € 50.000,00 para cada progenitor, no total de € 100.000,00. 19 Resultou provado nos autos que o FF era o único filho do demandante civil, seu pai, e único filho comum do casal, sendo que a demandante sua mãe tem outros dois filhos e duas netas, vivendo o filho mais velho da Demandante com os Demandantes; os Demandantes civis tinham uma relação muito próxima e afetuosa para com o FF, no qual tinham orgulho e com quem formavam uma família com um bom relacionamento e muito unida; a morte súbita e violenta de FF causou aos demandantes civis grande dor e consternação, bem como um sentimento de vazio pela falta da sua presença, de saudade, vendo-se repentina e imprevisivelmente privados da companhia e apoio do seu filho, deixando de ter alegria, paz de espírito e bem-estar na sua vida, tendo a demandante civil ficado completamente destroçada, sofrendo de depressão e vivendo com dificuldade o seu quotidiano, todos os dias chorando a morte do filho. Os danos não patrimoniais sofridos pelos Demandantes são, sem sombra de dúvida, graves. Porém, com todo o respeito pelo sofrimento dos Demandantes, os danos provados não consubstanciam uma situação tal que permita ao Tribunal afastar-se, para mais, dos montantes indemnizatórios decididos pelos Tribunais superiores a este título. 21 No Acórdão do STJ de 18-06-2015 proferido no processo 2567/09.9TBABF.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, foi confirmada a indemnização de € 20.000,00 atribuída pela Relação a cada um dos pais da vítima pelo sofrimento causado pela morte de um filho com apenas 20 anos de idade. 22 No Acórdão do STJ de 11-02-2015 no processo nº 6301/13.0TBMTS.S1, igualmente disponível em www.gsi.pt, foi julgada justa, adequada e equitativa a fixação da compensação pelos danos de natureza não patrimonial próprios sofridos por cada um dos autores, pais da vítima mortal de 31 anos de idade, solteiro, a viver com os progenitores, no montante de € 20.000,00 para cada um deles. 23 E no recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-10-2020, proferido no processo 625/18.8T8AGH.L1, já acima citado, foi declarada justa a indemnização € 40.000,00 para cada um dos autores pelos danos não patrimoniais atinentes ao sofrimento com a perda da sua única filha, uma menina de 7 anos de idade. 24 Saliente-se que este último aresto relata, ele sim, um sofrimento particularmente grave dos pais da vítima na decorrência do seu decesso, o qual ressalta claramente demonstrado nos factos que ficaram provados nas instâncias. 25 Já no caso sub judicio o Tribunal não tinha particulares razões para se afastar, para mais, da jurisprudência mais recente, pelo que ao fixar a indemnização a título de danos não patrimoniais próprios dos Demandantes Civis pelos montantes que fixou a meritíssima juiz a quo não aplicou um tratamento análogo ao que mereceram as decisões judiciais da jurisprudência mais recente. 26 Perante os factos provados, a indemnização aos Demandantes Civis pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com a morte da vítima deve ser fixada no montante de € 30.000,00 (trinta mil euros) para cada um deles, no total de € 60.000,00, montantes que se acham, estes sim, em conformidade com os parâmetros legais e jurisprudenciais em vigor. 27 Na fixação dos montantes indemnizatórios pela perda do direito à vida de FF, pelos danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte, e pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes em virtude da morte de seu filho, o tribunal não teve em devida conta todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. 28 A douta sentença recorrida violou o disposto nos Artigos 496° n° 4 e 8° n° 3, ambos do C. Civil, 29 Pelo que deve, em suma, ser revogada e substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso a) Fixe em € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) a indemnização pela lesão do direito à vida de FF; b) Fixe em € 5.000,00 (cinco mil euros) a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte; Fixe em € 30.000,00 (trinta mil euros) para cada um dos Demandantes Civis a indemnização devida a título de danos não patrimoniais próprios em virtude da morte de seu filho. 1.3 - Em resposta ao recurso da seguradora Zurich disseram os demandantes civis, em síntese: A) Veio a R., Zurich Insurance Plc – Sucursal em Portugal, apresentar recurso por não se conformar com a douta sentença proferida no que se refere ao pedido de indemnização civil deduzido pelos ora Recorridos. B) Alega para tanto, em síntese, que os valores fixados pelo Tribunal “Aquo” foram demasiado elevados, de acordo com aquilo que tem vindo a ser a prática atual a nível de jurisprudência. C) Alegando, em conclusão, que deve ser fixado o montante de 85 000,00 euros (oitenta e cinco mil euros) a título de indemnização pela lesão do direito à vida de FF, o montante de 5 000,00 euros (cinco mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte e o montante de 30000,00 euros (trinta mil euros) para cada um dos Demandantes civis, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos com a morte do filho. D) Não podem os ora Recorridos concordar com tal entendimento, pois F) Entendem os mesmos que com excepção do valor de indemnização dos danos não patrimoniais arbitrado a cada um dos Demandantes, com o qual não concordam por entenderem ser inferior ao que deveria ter sido arbitrado, tendo já recorrido desse facto, os restantes valores encontram-se, corretamente fixados, não aceitando assim os valores que são indicados pela ora Recorrentes. No que respeita ao valor da indemnização pela perda do direito à vida, o direito à vida é um bem jurídico supremo. Pelo que há que proceder à fixação do montante indemnizatório, de acordo com o disposto no Artigo 496.°, n.° 3, 1.° parte, e o Artigo 494.° do C. Civil , para tanto há que recorrer a critérios de equidade e essa indemnização deve ser actual, aplicando-se-lhe também a regra constante do Artigo 566.°, n.° 2, do C. Civil. G) O julgador deve-se munir de critérios de objectividade e de equidade para conseguir uma reparação justa para a perda desse direito, sendo muita a jurisprudência a este respeito. H) A fixação da indemnização pelo dano morte e de acordo com o que tem sido a jurisprudência dos tribunais superiores, há que atentar à idade da vítima, ao seu estado de saúde, à forma como ocupava o seu tempo e quais os seus projectos de vida a nível pessoal e profissional, a sua vontade e alegria de viver, entre muitos outros. I) Há ainda que ter em conta os critérios e valores que são habitualmente fixados na jurisprudência de forma actualizada e aos quais a douta sentença proferida fez referência J) Na situação em apreço e como é referido na douta sentença ora recorrida: - FF faleceu com 17 anos, sendo estudante do 11.° ano de escolaridade; - Era um jovem obediente, calmo, saudável e cheio de energia; - FF tinha uma relação afectuosa com os pais, formando com os mesmos uma família muito unida; - Ante os factos provados, há ausência de culpabilidade de FF para a produção do acidente de viação, que ficou a dever-se em exclusivo ao comportamento de AA; L) - A morte de FF ocorreu de forma abrupta e violenta; De acordo com a Portaria n.° 377/2008, na redacção dada pela Portaria n.° 679/2009, esta previsto como indicação do valor indemnizatório pela perda do direito à vida de vítima com menos de 25 anos o valor de € 61.560,00. M) Foi assim tendo em conta todos estes factores que o Tribunal “Aquo” fixou a indemnização. N) Quanto aos danos não patrimoniais sofridos por FF também entendem os ora Recorridos nada haver a apontar aos mesmos, pois tendo em conta o disposto nos Artigos 496.° e 494.°, ambos do Código Civil, e os supra referidos critérios de equidade, na situação em apreço, há que levar em linha de conta que, como refere a douta sentença ora recorrida, foram dados como provados, nomeadamente que: - Em virtude da conduta de AA e que deu causa ao atropelamento, FF veio a sofrer as graves e extensas lesões elencadas no relatório de autopsia, mormente ao nível crânio meningo encefálico, torácico e abdominal; - A seguir ao embate, FF, ainda estava com vida, respirando e inclusivamente, tentando comunicar e gemendo, pelo que inconsciente e sem reacção não estava, mas sim em sofrimento; O) - Tal perdurou por alguns minutos, não chegando a uma hora, até porque o acidente ocorreu cerca das 02H20 e o seu óbito foi declarada no local do acidente pelas 03H00. P) Estes danos, causados pela conduta do Arguido tiveram consequências físicas e morais, assumindo uma gravidade elevada, atentas as lesões causadas, e o estado de consciência, da vítima, sendo por isso passíveis de indemnização, entendendo-se assim adequado o montante fixado pelo Tribunal Q) Quanto à indemnização peticionada por danos não patrimoniais, diretamente sofridos pelos ora Recorridos, quanto a este valor não estão os ora Recorrido de acordo com o que foi proferido pelo Tribunal Aquo, por o entenderem baixo face ao sofrimento dos ora Recorridos, tendo os mesmos interposto o respetivo recurso, cuja decisão aguardam. R) Reconheceu o Tribunal “Aquo” que se verificaram os pressupostos necessários para a condenação da Demandada civil no pagamento de uma indemnização aos ora Recorrentes já que ocorreu uma conduta dominada ou dominável pela vontade do agente. S) Entendem assim os mesmos que nada há a apontar à douta sentença no que diz respeito à matéria de facto dada como provada, nem à apreciação que faz quanto à gravidade de tais factos. T) Não podem é os ora Recorridos, salvo o devido respeito, concordar com os montantes indemnizatórios propostos pela ora Recorrente, pois ficam os mesmos aquém daquilo que deveria ter sido arbitrado, atendendo a todos os factos vertidos na douta sentença e dados como provados e com os quais os ora Recorridos concordam. Pelo exposto deve ser negado provimento presente ao recurso, mantendo-se o vertido na douta sentença, apenas sendo alteranda, em sede própria, ou seja no âmbito do recurso interposto pelos ora Recorridos, nos termos ali expostos. Deve ser dado negado provimento ao presente recurso mantendo-se o vertido na douta sentença, apenas sendo alteranda, em sede própria, ou seja no âmbito do recurso interposto pelos ora Recorridos, nos termos ali expostos. 1.4- Admitidos os recursos e remetidos a esta Relação, o MºPº emitiu mero visto, alegando que no recurso está em causa matéria cível para a qual o MinistérioPúblico não tem interesse em agir, uma vez que o pedido cível, objeto de condenação, embora formulado no processo crime, foi deduzido pelo demandante cível e assistente ora recorrentes. 1.5- Após exame preliminar e vistos legais foram remetidos os autos à Conferência, cumprindo agora decidir. II- CONHECENDO 2.1- Sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente, se for o caso, dos vícios indicados no art.º 410º, n.º 2 do CPP, o âmbito do recurso delimita-se pelas questões sumariadas em face das conclusões extraídas da respectiva motivação, visando permitir e habilitar o tribunal ad quem a conhecer as razões de discordância da decisão recorrida. Este entendimento tem sido a posição pacífica da jurisprudência ([1]). 2.2 - Está em discussão para apreciação e em síntese: a) Fixação ou não por redução para apenas € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) o valor da indemnização pela lesão do direito à vida de FF; b) Fixação ou não com redução para € 5.000,00 (cinco mil euros) o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte; c) Fixação ou não em apenas € 60.000,00 (sessenta mil euros) –(posição da seguradora- ou então em 280.000,00 euros- posição dos demandantes civis, a dividir metade para cada um dos Demandantes Civis, a indemnização devida a título de danos não patrimoniais próprios em virtude da morte de seu filho. 2.3 - A POSIÇÃO DESTE TRIBUNAL ad quem. 2.3.1- O recurso da seguradora 2.3.1.1- Da peticionada fixação apenas em € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) do valor de indemnização pela lesão do direito à vida de FF; Os demandantes haviam pedido o valor de € 150.000,00, na proporção de € 75.000,00 para cada um dos demandantes, pelo dano não patrimonial de perda da vida da vítima, valor esse que foi deferido. Dispõe o art° 496° n° 2 do CC que "por morte da vítima o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes aos pais ou a outros ascendentes e por último aos irmãos ou sobrinhos que os representem". E no n° 3 do citado artigo consagrou-se que no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos supra referidos. Com vista à determinação da indemnização devida, a lei aponta para um critério que se há-de ter por elástico, inspirado em razões objectivas e sobre o qual há-de assentar o juízo de equidade. E no n° 3 do citado artigo consagrou-se que no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos supra referidos. Com vista à determinação da indemnização devida, a lei aponta para um critério que se há-de ter por elástico, inspirado em razões objectivas e sobre o qual há-de assentar o juízo de equidade. Como se viu já na transcrição da sentença a quo, o tribunal considerou que o dito valor de indemnização do direito à vida do falecido devia ser fixado nos termos seguintes: “(…) O direito à vida apresenta-se como o bem jurídico supremo, consubstanciando-se no direito de cada a um ao respeito da sua vida perante as outras pessoas, com tutela constitucional no artigo 24.' da Lei Fundamental. (…) Ora, de acordo com o artigo 496.º, n.ºs 2 e 4 do Código Civil: “2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem. (...) 4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.”. Assim, há que proceder à fixação do respectivo montante indemnizatório, de harmonia com o disposto no artigo 496.°, n.° 3, 1.° parte, e o artigo 494.° para o qual este remete, ou seja, considerando que “Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”, recorrendo a critérios de equidade. Há ainda que atender a que essa indemnização deve ser actual, aplicando-se-lhe também a regra constante do artigo 566.°, n.° 2, do mesmo código – assim, Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2002, Diário da República, I Série A, n.º 146, de 27/09/2002. Mas como traduzir em termos monetários a vida de alguém, ou seja, fazer o impossível ? Aquilo que resta ao aplicador do Direito é, munido de critérios de objectividade e de equidade, alcançar uma reparação justa para a perda desse direito, e abunda a jurisprudência a este respeito, remetendo-se para a resenha feita a este respeito no supra referido aresto do Supremo Tribunal de Justiça. Ora, na fixação de tal indemnização pelo dano morte e face àquela que em sido a jurisprudência dos tribunais superiores, há que atentar na idade da vítima, no seu estado de saúde, antes da ocorrência do evento danoso (se era pessoa gravemente doente ou saudável), na forma como ocupava o seu tempo e os seus projectos de vida, mormente em termos pessoais e profissionais, a sua vontade e alegria de viver, entre muitos outros. Ou seja, será com recurso a estes diversos indicadores e sua apreciação em termos globais, que se conseguirá densificar e delimitar tal montante indemnizatório pela perda do direito à vida em cada caso concreto. Acresce ainda que, nestes casos de arbitramento de indemnização por responsabilidade civil fundada em acidente de viação, não faz sentido o reporte à situação do lesante, até porque o mesmo está ausente da lide, sendo normalmente o demandado uma companhia de seguros. Depois, é verdade, como a demandada civil veio invocar, que existe a Portaria n.° 377/2008, de 26/05, na redacção dada pela Portaria n.° 679/2009, de 25/06, e este é um elemento que o tribunal deve ponderar no arbitramento dos montantes indemnizatórios, porquanto este diploma prevê uma tabela legal de ressarcimento do dano corporal, tendo em vista não a fixação final e última dos quantum indemnizatórios, mas “o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios tendentes a agilizar a apresentação pelas seguradoras de propostas razoáveis, possibilitando a avaliação pela autoridade da supervisão, em quadro de objectividade, da respectiva razoabilidade” (Salvador da Costa, Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico, Cadernos do Cej. – Acidentes de Viação I, 2011) – apud, Acórdão da Relação de Évora de 10-4-2012 (Proc. n.° 133/08.5GCCUB.E1), disponível em www.dgsi.pt. Daqui decorre que os valores contemplados em tal Portaria, nas suas tabelas anexas nunca serão definitivos, nem tal é de aplicação judicial obrigatória, apenas tendo o escopo de dar algumas directrizes nesta matéria, acrescendo ainda que, os valores ali contemplados datam de 2009, ou seja, há 11 anos atrás e são genéricos, abstractos, não estando adaptados às particularidades de cada caso. Por fim, há ainda que ter em conta os critérios e valores comummente fixados na jurisprudência de forma actualizada (e não há 7 e 5 anos atrás, como a demandada civil mencionou na sua contestação). Prescrutando a jurisprudência dos tribunais superiores no que respeita à indemnização do dano morte, temos que (arestos todos disponíveis em www.dgsi.pt): - no acórdão da Relação de Lisboa de 30-6-2020 (Proc. n.° 65/17.6GTALQ -5), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito a vida da vítima que, aquando do decesso tinha 33 anos, saudável e que constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os dois filhos do casal, em € 150.000,00; - no acórdão da Relação de Évora de 24-09-2020 (Proc. n.° 3710/18.2T8FAR.E1), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito à vida da vítima em € 90.000,00, tendo em conta que tinha 33 anos de idade, era saudável e sem deficiência, imigrante que tinha conseguido fazer a sua vida e estabelecer-se em Portugal, exercendo as funções de pedreiro, casado há cerca de 5 anos e com um filho de 4 anos de idade, que vivia e trabalhava para dar uma vida digna à sua família, tendo a seu cargo a sua esposa, e o seu filho; - no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-09-2019 (Proc. n.º 75/17.3GCPTM.E1.S1), fixou-se o montante indemnizatório pela perda do direito à vida da vítima em € 55.000,00, tendo em conta que tinha 73 anos, era saudável e com uma vida regrada, com actividade profissional. Transpondo tais considerações para o caso em apreço, há que considerar que: - FF faleceu com 17 anos, sendo estudante do 11.º ano de escolaridade; - era um jovem obediente, calmo, saudável e cheio de energia; - FF tinha uma relação afectuosa com os pais, formando com os mesmos uma família muito unida; - ante os factos provados, há ausência de conculpabilidade de FF para a produção do acidente de viação, que ficou a dever-se em exclusivo ao comportamento de AA; - a morte de FF ocorreu de forma abrupta e violenta; - de acordo com a Portaria n.º 377/2008, na redacção dada pela Portaria n.' 679/2009, esta previsto como indicação do valor indemnizatório pela perda do direito à vida de vítima com menos de 25 anos o valor de € 61.560,00. Atendendo a tal, bem como às tendências jurisprudenciais a este respeito, que em termos de justiça distributiva também devem ser consideradas, afigura-se-me adequado e justo fixar o valor da indemnização a suportar pela demandada civil pelo dano morte de FF em € 150.000,00, (cinquenta e cinco mil euros), conforme os seus pais peticionaram, a dividir por cada demandante civil em partes iguais, valor esse actualizado na presente data. Uma vez que tal montante foi actualizado na presente data, acrescem ao mesmo juros de mora vincendos a partir de hoje, à taxa legal.(…)” Relativamente a este montante o mesmo parece-nos equitativo e equilibrado acima do valor pretendido pela seguradora mas um pouco abaixo do pedido pelos demandantes, tendo em conta os critérios indicativos das Portarias citadas em vigor, a data em que as mesmas entraram em vigor e o tempo entretanto decorrido (mais de 11 anos) e tendo em conta que o falecido era um jovem saudável com 17 anos, num patamar intermédio de majoração de expectativas de vida sem particularidades negativas de relevo mas também não acima da média de qualquer jovem da sua idade e condição. No citado acórdão da Relação de Lisboa de 30-6-2020 fixo-se, é verdade, um valor equivalente para idade superior (33 anos de um pai de família com filhos) e teve-se em conta ainda o valor atribuído em 2001 às vítimas da queda da ponte de Entre-os-Rios. Porém, entendemos que as circunstãncias do presente caso não justificam se fuja demasiado além da média dos casos jurisprudenciais correntes e conhecidos. Ali se explicitou, além do mais, que: “(…) Assim, se a indemnização pelo dano moral visa simultaneamente compensar o lesado e sancionar o lesante, o recurso à equidade não pode significar o uso de arbitrariedade, mas tão-somente o uso de um critério para a compensação de um direito em ordem a que se tenham em consideração, fundamentalmente, as circunstâncias do caso concreto, atendendo sobretudo aos danos causados, ao grau de culpa do agente, à sua situação económica, bem como à do lesado e às demais circunstâncias do caso - art. 494° CC. Deste modo, a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser de montante irrisório e terá de demonstrar a intensidade de uma dor, de uma angústia, de um desgosto, de um sentimento moral, em suma, terá de se reportar a um somatório de sentimentos que hão-de ser por esta via compensados. Embora a dor não tenha preço, importa sobretudo que a correspondente indemnização, deva por si própria, significar algo que permita compensar a perda e minorar a dor sofrida, correspondendo em termos de equidade à gravidade do dano considerado, quer objectivamente, porque a vida é o bem maior da pessoa humana, quer relativamente, porque à data do acidente, o falecido era um homem de 33 anos, saudável e que constituía uma família feliz juntamente com a mulher e os filhos do casal, sendo a sua contribuição económica para a manutenção da vida familiar naturalmente relevante. Considerando que aquando da queda da ponte de Entre-os-Rios, em 2001, a indemnização pela perda do direito à vida foi fixada em 50.000,00€, independentemente da idade das vítimas e da sua condição sócio-económica, e que, desde então decorreram dezoito anos, porquanto tal indemnização deve ser computada à data da prolação da sentença - artigo 496° n°1 do CC -, pelo que, em nosso entender, mostra-se actualmente ajustado o montante peticionado por falecimento ocorrido em 2017, pela simples actualização daquele referido montante, e mostrando-se ainda adequado às indemnizações que vão sendo praticadas pelos tribunais superiores.[Cfr. Acórdão do STJ de 10-07-2008, Revista n.º 1840/06 - 6.ª secção; de 16-10-2008, Revista n.º 2697/08 - 7.ª secção; de 18-11-2008, Revista n.º 3422/08 - 2.ª secção; de 05-02-2009, Revista n.º 4093/08 - 2.ª secção; de 14-05-2009, Revista n.º 1240/07.TBVCT.S1- 6.ª secção.] Notando-se alguma discrepância de valores, em matéria que não se afigura de todo consensual, fixar em 150.000 mil euros equivaleria a uma desnecessária e injustificada desproporção com casos que revestiam gravidade ainda tanto ou mais acentuada que a dos autos. Os valores das citadas Portarias são indicativos nos máximos referidos e não terão, de todo, triplicado, sequer duplicado em 11 anos de vigência. Ainda assim, apenas seguindo um critério de equidade e de comparação com os valores médios da jurisprudência, parece-nos adequado concluir que o valor vida deva fixar-se em patamar não acima de 120.000 euros ( atribuindo-se aos pais do falecido metade (60.000, euros) para cada um), actualizado à presente data, valor esse que será o agora determinado, reduzindo-se aquele outro inicial de 150.000,00 para este montante. Vai assim parcialmente deferido o recurso da seguradora nesta parte. 2.3.1.2- Da fixação ou não em apenas € 5.000,00 (cinco mil euros) o valor da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte; O tribunal a quo fixou este segmento do dano em 15.000,00 (quinze mil) euros. DA parte da recorrente seguradora pretende-se que seja fixado apenas em 5.000,00 euros. Para tanto, fundamenta esta: “ (…) os montantes fixados são desajustados dos princípios da igualdade e violadores da unidade do direito e da padronização do valor das indemnizações de acordo com a jurisprudência conhecida, citando, além do mais, o Acórdão do STJ de 03/11/2016, no processo 6/15.5T8VFR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt. bem como o Acórdão do STJ de 03/11/2016, no processo 6/15.5T8VFR.P1.S1, igualmente disponível em www.dgsi.pt “ Por outro lado, na versão recorrida considerou-se que: “Cumpre apreciar agora autonomamente os danos não patrimoniais sofridos por FF entre o acidente e a sua morte, sendo que a respeito da fixação do montante indemnizatório a arbitrar em virtude dos mesmos chamamos à colação o entendimento vertido no acórdão da Relação de Lisboa de 03-08-2009 (Proc. n.' 151/99.2PBCLD.L-5), disponível em www.dgsi.pt: “(...) no que concerne ao dano sofrido pela vítima antes de morrer, importa referir que este pode variar de acordo com diversos factores, tais como o tempo decorrido entre o evento e a morte, se a vítima esteve consciente ou em coma, se teve dores ou não e se teve ou não consciência de que ia morrer. E, deste modo, a dor que a vítima padeceu pode estabelecer-se entre o limite zero (caso de morte instantânea, sem qualquer sofrimento ou caso de coma profundo desde o acontecimento até à morte) e o limite que se situe em plano aquém do que for entendido como adequado pela perda do direito à vida. Tudo depende do sofrimento e da respectiva duração, da maior ou menor consciência da vítima sobre o seu estado e da aproximação da morte.”. Tendo uma vez mais presente o disposto no artigo 496.' e 494.' do Código Civil, e os supra referidos critérios de equidade, no caso em apreço, há que levar em linha de conta que, ante os factos provados: - em virtude da conduta de AA e que deu causa ao atropelamento, FF veio a sofrer as graves e extensas lesões elencadas no relatório de autopsia, mormente ao nível crânio meningo encefálico, torácico e abdominal; - a seguir ao embate, FF, ainda estava com vida, respirando e inclusivamente, tentando comunicar e gemendo, pelo que inconsciente e sem reacção não estava, mas sim em sofrimento; - tal perdurou por alguns minutos, não chegando a uma hora, até porque o acidente ocorreu cerca das 2H20 e o seu óbito foi declarada no local do acidente pelas 3H00. Estes danos, causados pela conduta de AA tiveram uma feição física e moral, assumindo uma gravidade elevada, atentas as lesões causadas, e o estado de consciência, ainda que fugaz de FF, sendo claramente merecedores da tutela do Direito. Face ao antes exposto, afigura-se-me adequado e justo, em face dos danos não patrimoniais supra descritos, fixar o montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte em € 15.000,00 (quinze mil euros) actualizado à presente data, valor esse a suportar pela demandada civil. Uma vez que tal montante foi actualizado na presente data, acrescem ao mesmo juros de mora vincendos a partir de hoje, à taxa legal.” Verificamos que a gravidade do trauma sofrido e dores causadas duraram alguns minutos antes do decesso. A dor e angústia sofridas pela vítima durante o período que mediou entre o acidente e a morte constitui o chamado dano intercalar (art.º 496º, n.º 3 do Cód. Civil). Entre o momento do acidente e o momento da morte o FF agonizou durante cerca de 40 minuos, tendo o seu decesso sido declarado às 03H00 do dia 29-9-2018, sendo que, como vem igualmente provado, o acidente ocorreu às 02H20M desse dia. Cremos que o mesmo se terá apercebido da gravidade dos ferimentos, da falta de assistência e da angústia de morte possível. No caso de jurisprudência aliás citado pela recorrente, uma vítima que sofreu dores intensas e agonizou durante 23 dias em internamento hospitalar e a quem foi fixada a indemnização de € 20.000,00, por isso que defende que o montante de € 15.000,00 fixado nos presentes autos, é manifestamente destituído de razoabilidade, estando mesmo eivado de franco subjetivismo.” A Portaria 679/2009 avaliou à data do seu início de vigência e até 2.052,00 euros o dano moral da vítima aceitando uma majoração de 50% em função do nivel de sofimento e de antevisão da morte. É de aceitar a enorme intensidade desse sofrimento da vítima do acidente e visão de morte dado o tempo decorrido sem assistência e as gravissimas lesões sofridas sem perda de consciência. De acordo com os mesmo critérios de equidade, entendemos que dada a evolução temporal após a vigência das ditas Portarias com actualização de valores à actual data o quantum moral doloris a indemnizar justifica um ressarcimento pelos 10.000,00.(dez mil euros), abaixo do fixado a quo e bem acima dos apenas 5000,00 euros pretendidos pela seguradora. Desta forma, entendemos equitativo e de acordo com uma e equilibrada padronização de ressarcimento o referido valor, face ao tempo decorrido desde a vigência das portarias citadas, valor esse actualizado na presente data. 2.3.2- (Questão comum a todos os recorrentes)- Da fixação ou não em apenas € 60.000,00 (sessenta mil euros) –(posição da seguradora- ou então em 280.000,00 euros- posição dos demandantes civis, a dividir metade para cada um dos Demandantes Civis, a indemnização devida a título de danos não patrimoniais próprios em virtude da morte de seu filho. Os valores indicativos da Portaria dos Danos Corporais – temos a apontar que a respectiva utilização se esgota na fase pré- judicial, como de resto se extrai do preâmbulo da Portaria 377/2008 quando ali se afirma “o objectivo da portaria não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis”. Este entendimento tem sido o adoptado pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores de que destacamos, o decidido no Ac. STJ de 14.12.2016, disponível em www.gde.mj.pt/jstsj: “…a Portaria nº 377/2008, de 26 de Maio (alterada pela Portaria nº 679/2009, de 25 de Junho) vigora apenas no domínio da regularização extrajudicial dos sinistros por parte das seguradoras, não vinculando os tribunais…”. O tribunal a quo considerou que: “ (…) Quanto a esta parcela do pedido formulado e ante o que ficou provado ressalta à saciedade que DD e EE experienciaram choque e grande dor pela perda repentina e inesperada do seu jovem filho, com apenas 17 anos, sendo o mesmo o único filho de ambos e o único do demandante civil. Resultou também demonstrado que não só no momento de conhecimento do decesso do filho, mas desde então e ainda hoje, os demandantes civis choram a sua morte, sofrem com saudades do mesmo e o vazio que a sua ausência importou, alterando-se irremediavelmente a sua vida, bem como sentem revolta pelo acontecido, para mais, ante o facto de ter sido deixado entregue a sua sorte por quem deu causa ao acidente. Aquilo que fica patenteado é que os demandantes civis perderam a alegria, vivem com a memória do filho e com a sua falta sempre presentes, e tal é algo que os acompanhará para sempre, não podendo vê-lo crescer, tornar-se homem e pugnar pela realização dos seus sonhos. E se, por um lado, no caso de DD, sendo FF o seu único filho, a sua perpetuação, a sua descendência terminou com a perda desta vida, também para EE este era o seu filho mais novo e o seu eterno elo àquele, equiparando-se a intensidade da dor que sentem, ainda que a demandante tenha procurado ajuda, reconhecendo a necessidade de apoio psicológico. (…) Ora, os danos não patrimoniais sofridos pelos ascendentes de FF em virtude do seu decesso tiveram uma feição moral e apresentaram uma gravidade muito elevada, afectando irremediavelmente a vida destas 2 pessoas, sendo claramente merecedores da tutela do Direito. Tendo tal em conta; que na Portaria n.º 377/2008, na redacção dada pela Portaria n.' 679/2009, se prevê para os danos morais dos ascendentes com a perda da vida de filho menor de 25 anos a quantia de € 15.390,00, com uma majoração de 25%, no caso de filho único; as decisões dos tribunais superiores a este respeito mais actualizadas (cfr, por exemplo o já aludido acórdão da Relação de Lisboa de 30-6-2020), entendo que o valor de € 280.000,00 peticionado pelos demandantes a este título é excessivo, antes se nos afigurando adequado e justo, em face dos danos não patrimoniais supra descritos, fixar o montante indemnizatório no montante de € 100.000,00 (cem mil euros), sendo € 50.000,00 para cada demandante civil, quantias essas actualizadas à presente data e a suportar pela demandada civil. Uma vez que tais montantes foram actualizados na presente data, acrescem aos mesmos juros de mora vincendos a partir de hoje, à taxa legal. (…)” No caso em apreço, em que houve perda da vida humana, deve considerar-se que todo o sofrimento pela perda do familiar é intenso e, em regra, perdura o desgosto dos pais pela vida fora com a perda do filho, desde que existam laços estreitos entre todos, como era o caso. Sendo estes danos também indemnizáveis, como entenderam Pires de Lima e Antunes Varela (CC. Anot., vol.1, pg. 501) na fixação da indemnização por danos morais, deve o Tribunal tomar em conta "todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida". Assim, se a ordem jurídica tutela o modo como se poderá compensar esse sofrimento, entendemos, em conformidade com o disposto no art.496° n°1 e 3 do CC e de acordo com as considerações acima tecidas, ser efectivamente devida uma indemnização aos membros da família ora demandantes. Desta sorte, entendemos adequada a fixação a cada um dos autores, a título de danos não patrimoniais sofridos em consequência da prematura morte do filho e nas trágicas circunstâncias confirmadas. A Portaria 679/2009 estabeleceu a cada pai de falecido com menos de 25 anos o valor de 15.390,00 euros mais 25% de majoração sendo filho único. A proporção com o valor quanto ao direito à vida e que é o valor absoluto mais importante) seria de aproximadamente 1/3. Atendendo ao grau de sofrimento, às circunstãncias trágicas da perda, ao facto de se tratar de filho único apenas do demandante , à mais intensa reacção depressiva de desgosto por parte da demandante, ao tempo decorrido desde a fixação daqueles valores e da data do acidente e em identidade de razões de equidade, o valor de cada parcela deverá fixar-se em 40,000 euros para o demandante pai e em 40,000 euros para a demandante mãe, no total de 8o.000,00 euros, já que o valor de 100 mil fixado aproxima-se exageradamente do valor do direito à vida que entendemos ser relevante. Assim, procede apenas parcialmente o recurso da demandada Zurich III- DECISÃO 3.1 - Pelo exposto, revogando-se parcialmente a decisão julga-se o recurso dos demandantes improcedente e o da demandada Zurich parcialmente procedente nos termos seguintes, além do mais que na sentença se mantém como decidido e inalterado pela presente decisão: 1) A título de indemnização pela perda do direito à vida de FF, a quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros), actualizada na presente data, a repartir em partes iguais por ambos os demandantes, na proporção de € 60.000,00 (sessenta mil euros) para cada um deles; 2) A título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por FF entre o momento do acidente e a sua morte, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), actualizada na presente data, a repartir em partes iguais por ambos os demandantes, na proporção de € 5000,00 (cinco mil euros) para cada um deles; 3) A título de indemnização por danos não patrimoniais sofridos por DD e EE, em virtude da morte de FF, a quantia de € 80.000,00 (oitenta mil euros), actualizada na presente data, a repartir em partes iguais por ambos os demandantes, na proporção de € 40.000,00 (quanrenta mil euros) para cada um deles: 3.2 – Custas cíveis na proporção do vencimento e decaimento por parte dos recorrentes. Lisboa, 16 de Novembro de 2021 Os Juízes Desembargadores (texto elaborado em suporte informático , revisto e rubricado pelo relator – (artº 94º do CPP) Agostinho Torres João Carrola [1] vide Ac. STJ para fixação de jurisprudência 19.10.1995 publicado no DR, I-A Série de 28.12.95 |