Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUEL SARAIVA | ||
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO LEITURA DA SENTENÇA NULIDADE INSANÁVEL | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/24/2008 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | ANULADO O PROCESSO | ||
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Sumário: | Em processo de impugnação de decisão administrativa de contra-ordenação em que se realizou audiência de julgamento, a sentença deve ser lida publicamente, sendo obrigatória por efeito do disposto nos art.ºs 365º n.º 11, 372º e 373º do CPP e sob pena de nulidade insanável. | ||
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Decisão Texto Integral: | Decisão sumária, nos termos do art.417, nº6, al. c), do CPP. Iº 1. No Processo Nº 795/07.0TBOER -Recurso de Contra-ordenação- do 3º Juízo do T.J. de Oeiras, em que é Recorrente J…. verificamos que: - Por despacho de 2007-03-06 foi admitido o recurso de contra-ordenação e designada data para audiência de julgamento, (Art.64º nº 1 do DL nº 433/82 de 27 de Out.), que, após adiamento, veio a ocorrer em 2008-04-01. (fls 55) -Sem oposição, foi ordenada abertura de conclusão “a fim de proferir decisão” -Assim, em fls.60 a 72 mostra-se junta “sentença”,que, via correio, foi notificada - Em fls 76 e seg.s veio o J… recorrer. -O MP, junto do Tribunal a quo, respondeu (cfr fls147 a 153) -O recurso foi admitido e os autos vieram remetidos a este T.R.LSB No exercício do disposto no art.416º do CPP a Ex.ma Srª Procuradora-Geral-Adjunta suscitou, doutamente, a QUESTÃO PRÉVIA, que se transcreve: “ 1. Constata-se que, em 1 de Abril de 2008, teve lugar a sessão da audiência de julgamento, decorrendo da respectiva acta (a fls.55-58) ter a Mma. Juiz a quo, finda a produção de prova, proferido o seguinte despacho Atenta a não oposição do (Digno Magistrado do MinistérioPúblico e Ilustre Mandatário da ecorrente, abra conclusão a fim de proferir decisão". II.Acontece, porém, que a lei é expressa quanto à obrigatoriedade da leitura pública pelorespectivo juiz da fundamentação da sentença (ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula),bem como do dispositivo, cominando com nulidade o não cumprimento de tal estatuição -cfr. art.372°., n°.3- 2a. Parte do C.P P. III.Estipula, com efeito, o referido comando legal contido no art.372°. do C.P.P., sob a epígrafe “Elaboração e assinatura da sentença ", nos seus n°s.3 a 5: "3 - Regressado o tribunal à safa de audiência, a sentença é fida publicamente pe1 presidente ou por outro dos juízes. A feitura do relatório pode ser omitida. A feitura da fundamentação ou, se esta for muito extensa, de uma sua súmula, bem como do dispositivo, é obrigatória, sob pena de nulidade. 4 - A feitura da sentença equivale à sua notificação aos sujeitos processuais que deverem considerar se nresente.ç na audiência. 5 - Logo após a feitura da sentença, o presidente procede ao seu depósito na secretaria. O secretário apõe a data, subscreve a declaração de depósito e entrega cópia aos sujeitos processuais que o solicitem ". IV.De modo que a questão a resolver é a de saber que tipo de nulidade ocorre por virtude da absoluta omissão desse acto que a lei processual penal prescreve como obrigatório - a leitura pública da sentença —, omissão essa em flagrante violação do citado dispositivo legal - se uma nulidade relativa (e como tal, dependente de arguição, consequentemente já sanada — cfr. arts.120°. e 121°. do C.P.P.) ou se, pelo contrário, uma nulidade insanável. V.Afigura-se-nos revestir tal vício a natureza de nulidade insanável. VI.Com efeito, se reveste tal natureza a leitura da sentença que haja tido lugar sem a presença do defensor do arguido ou do Ministério Público - cfr. art.330°., n°.1 do C.P.P., nulidade essa que deriva desde logo do estatuído no art119°., alsb) e c) do mesmo diploma —, o mesmosucedendo na hipótese de a leitura da sentença não ser efectuada pelo tribunal legalmente competente para o efeito - cfr. art.119°., al.a) do C.P.P. — é insustentável, por maioria de razão, defender-se revestir natureza diversa a absoluta preterição de um tal acto processual. VII.Numa outra perspectiva, constata-se que, por via de regra, vigora o princípio, de consagração constitucional, da publicidade da audiência (cfr. art.206°. da C.R.P.), igualmente plasmado na lei processual penal (onde se estipula, no art.321°., n°.1 do C.P.P., que "a audiência de julgamento é pública, sob pena de nulidade insanável"), pretendendo assim o legislador sujeitar a público escrutínio a aplicação da justiça pelos tribunais, mediante a realização de julgamentos. VIII.Ora, certo é também que a sublime missão de julgar não se esgota obviamente com a realização dos actos introdutórios da audiência de julgamento (previstos no Capítulo II do Título II — arts.329°. e sgts), nem com os actos referentes à produção da prova (previstos no Capítulo III do Título II — arts.340°. e sgts), apenas atingindo o seu escopo último, após o encerramento da discussão, com a decisão do tribunal — tomada na sequência de deliberação, mediante a elaboração e assinatura da sentença, subordinadas a modos regulamentados de execução que se mostram previstos nos arts.365°. e sgts. do C.PP —, a qual deverá ser sempre publicamente lida, assim se assegurando, em última análise, o amplo conhecimento pela comunidade do desfecho do caso submetido a julgamento. IXDa verificação de tal nulidade decorre, por força do estatuído no art.122°. do C.P.P., a invalidade do despacho judicial que determinou a abertura de conclusão, a fim de quefosse proferida decisão, assim ficando dispensada a leitura pública da sentença, bem como de todos os subsequentemente praticados, por dele dependentes e não poderem ser aproveitados. X.No sentido que propugnamos foi proferido recente ACRL, em 09.09.08, já disponível em www.pgdlisboa.pt (P.4872/08-5a.Secção, Rel.:-Nuno Gomes da Silva, disponível em www.pgdlisboa.pt), sumariado nos seguintes termos: "1. A exigência de um acto público de leitura da sentença é entendida com tal intensidade que, mesmo quando ocorra na audiência, nos termos permitidos pela lei, a exclusão da publicidade, ela não abrange, em caso algum, a leitura da sentença – cfr. art.87°., n°.5 do C.P.P. 2. A exigência da publicidade na leitura da sentença e até na marcação da data em que ela deve ter lugar é a tradução da ideia do legislador de sujeição ao escrutínio público a aplicação da justiça, sendo certo que o respeito pelo princípio da publicidade não se traduz numa formalidade ditada por mero simbolismo, solenidade ou tradição, mas tem antes finalidades específicas na realização da justiça e um contributo incontornável no estabelecimento da paz social. 3. Decorre, com efeito, dos arts.365°., n°.1, 372°. e 373°. do C.P.P.. que a sentença deve ser lida publicamente, sendo obrigatória, sob pena de nulidade insanável a feitura de uma súmula da fundamentação e do dispositivo. 4. É que, perante a violação do princípio constitucional da publicidade da audiência – sendo que o conceito de "audiência" usado no art.206°. da CRP abrange, para além da própria audiência de discussão e julgamento, a decisão judicial a proferir na sequência da mesma – fica patente que tal violação não pode passar em claro, não obstante não haja arguição da sua invalidade pelos sujeitos processuais, impondo-se um "alongamento" do regime de nulidade insanável estatuído no art,321 °. do CPP a toda a audiência e não apenas a uma parte dela, assim se procurando dar completa expressão ao princípio da publicidade constitucionalmente consagrado. 5. Em consequência, declara-se nula a audiência a partir do despacho que dispensou a leitura da sentença e, bem assim, os termos subsequentes, determinando-se a sua repetição" (sublinhados nossos); XI.Pelo exposto, suscita-se a «questão prévia» da ocorrência da mencionada nulidade insanável – circunstância que, obstando ao conhecimento do recurso, deve ser conhecida por "(Decisão sumária", nos termos do art.417°., n°.6 al.a) do C.P.P., na qual deverá também ser determinada a devolução dos autos à 1a. Instância, a fim de que se proceda à leitura pública da sentença, nos moldes legalmente previstos. Promovo o cumprimento do n°.2 do art.417°. do C. P. P. “ -Não foi recebida resposta. * II - Cumpre apreciar e decidir: É óbvio que assiste inteira razão à Digna Mag. do MP ( Il. Procuradora-Geral-Adjunta deste Tribunal). Para alem da tese jurisprudencial supra exposta e que aqui se dá por reproduzida, sempre se dirá ainda que, em termos de doutrina, é também este o entendimento dos Mmos Srs Juízes Conselheiros Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa in Contra-Ordenações – Vislis Editores- 3ª Edição- Jan.2006- pp.351. Assim e sem mais considerações, * DECIDO: Julgar verificada a nulidade insanável prevista no Art.321º do CPP declarando-se nulo o processado a partir do despacho que ordenou a abertura de “conclusão a fim de proferir decisão” -cfr.fls 57- ,e, em consequência, ordenar a devolução dos autos ao Tribunal à quo -1ª Inst.- a fim de se designar data para leitura da sentença, e, a ela publicamente se proceder, seguindo-se a demais tramitação legal. Não há lugar a tributação. Lisboa, 24.10.2008 Manuel Saraiva |