Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
9772/2007-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I- Deve-se considerar como falta, nos termos do artº 224º do CT, a presença do trabalhador no local e tempo de trabalho que não seja em condições de poder desempenhar a função principal a que se obrigou.
II - Assim, incorre em falta injustificada o trabalhador, cuja função principal era a de motorista, embora auxiliasse na carga e descarga das viaturas que conduzia, sendo que a empresa tinha pessoal especialmente destinado a proceder às cargas e descargas, que se encontre impossibilitado de desempenhar essa função por ter sido condenado pela prática de um crime de condução sob o efeito de álcool.
III- Constitui justa causa de despedimento o comportamento do trabalhador / motorista que, nessas condições, dá 17 faltas injustificadas seguidas, não informa o empregador dessa inibição de conduzir e, quando confrontado com o facto de aquele ter já conhecimento, por terceiros, de tal inibição, o ameaça de apresentar baixas médicas sucessivas até terminar o período de inibição.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa



A…. intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra B…, S.A. a presente acção declarativa sob a forma de processo comum de impugnação de despedimento.
Alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da R. em 19 de Março de 1996 para sob as suas ordens, direcção e fiscalização lhe prestar a sua actividade profissional como motorista de pesados. Auferia ultimamente a retribuição de € 469,90 acrescida de 4,86 €, a título de subsídio de refeição por cada dia de trabalho prestado.
No dia 25 de Janeiro de 2005 foi despedido pela R. por comunicação escrita e com invocação de justa causa.
Contudo, o comportamento que lhe é imputável – ter-lhe sido aplicada a pena acessória de inibição da faculdade de conduzir pelo período de 4 meses -, não configura causa justificativa de despedimento, nem causou quaisquer lesões sérias dos interesses da R., pois a medida a que foi sujeito acabou por não afectar a empresa, uma vez que, no 1° mês, esteve de férias, e depois esteve de baixa por doença.
Acresce que lhe foram imputados factos numa adenda a uma nota de culpa que nunca recebeu, nem recebeu o telegrama mencionado no relatório para ir levantar a referida carta. Posteriormente, por a adenda à nota de culpa ter também sido enviada ao seu mandatário, que o informou, deslocou-se às instalações da R. para a receber, não lhe tendo sido permitida sequer a entrada, sem qualquer justificação. Só através do relatório final anexo à decisão de despedimento tomou conhecimento dos factos que lhe foram imputados e que foram dado como provados, sem dos mesmos se ter podido defender, pelo que a conduta da R. constitui uma clara denegação do seu direito à defesa, o que torna o procedimento disciplinar inválido, nos termos dos artigos 430º n°s 1, 2, alínea b) e 429º do CT. Mas mesmo que assim não se entendesse, os factos que lhe são imputados nessa adenda são falsos.
A R. acusou-o também de ter faltado injustificadamente ao serviço 15 dias no mês de Dezembro de 2004 e nos dias 29 e 30 de Novembro, mas tal é igualmente falso. Após um período de ausência por doença apresentou-se ao serviço no dia 29 de Novembro de 2004 e foi a R. que o impediu de trabalhar, ordenando que abandonasse as instalações. A R. entende que o facto do A. se ter apresentado ao serviço é irrelevante, uma vez que não pode trabalhar, porquanto não pode conduzir, por se encontrar inibido. Contudo, não faltou assim ao serviço, a R. é que o impediu de trabalhar.
O comportamento do A. que motivou a aplicação da pena de inibição de conduzir ocorreu durante o seu período de descanso e não quando se encontrava ao serviço da R.
Consequentemente, o seu despedimento é ilícito não só porque o processo disciplinar é inválido, como também pelo facto do seu comportamento não ter sido de tal modo grave que inviabilizasse a subsistência da relação de trabalho.
Termina pedindo a condenação da R. a pagar-lhe:
. as retribuições que deixou de auferir desde o 30° dia anterior à propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão, estando vencida a quantia de € 576,82;
. a reintegrá-lo com a categoria e a antiguidade que lhe competiriam, podendo optar pela indemnização de antiguidade, no montante de € 4.229,10, a corrigir em função da antiguidade até à data da sentença;
. a pagar-lhe € 939,80 relativo às retribuições de Dezembro de 2004 e Janeiro de 2005;
. a pagar-lhe a quantia de € 939,80 respeitante às retribuições de férias e respectivo subsídio, relativas ao ano de 2004;
. a pagar-lhe o montante de € 299,90 a título de diferença de subsídio de Natal do ano de 2004;
. a pagar-lhe juros de mora até integral pagamento.
A R. contestou, alegando, em síntese:
No dia 28 de Dezembro de 2004 enviou por carta registada a adenda à nota de culpa do processo disciplinar instaurado ao A. por despacho de 12 de Outubro do mesmo ano. A adenda foi enviada para a Rua …., em Lisboa, morada que, foi dada à R. pelo próprio A. por declaração escrita datada de 24 de Novembro de 2004. A carta foi devolvida à R. no dia 10 de Janeiro, por não ter sido levantada em tempo útil. Ainda assim, nesse mesmo dia a R. enviou um telegrama com cópia para o A. solicitando que se deslocasse à sua sede, no dia 11 de Janeiro de 2005, até às16 horas a fim de lhe entregar em mão, a adenda à nota de culpa. A PT Comunicações confirmou à R. que o telegrama foi depositado na caixa de correio do destinatário no dia 10 de Janeiro de 2005, contudo, o A. nem compareceu nem entrou em contacto consigo. O A. não a informou de que se iria ausentar da sua residência e por que período de tempo o faria e desconhece o motivo pelo qual o trabalhador não levantou a carta registada. Não podia continuar indefinidamente à espera que o A. estivesse em casa para ser notificado, não tendo sido violado o princípio do contraditório.
No dia 25 de Outubro de 2004, enviou ao A. uma carta solicitando-lhe que o mesmo se deslocasse à sede para actualização do processo de cadastro. No dia marcado o A. compareceu na sede da R. e quando lhe foi solicitada a carta de condução pelo chefe da secção do pessoal Miguel Osório, o A. exibiu uma carta de condução fazendo crer que estava na sua posse, que não estava, pois tinha sido entregue no Tribunal para cumprir a medida de inibição de conduzir, e não facultou que lhe fosse tirada fotocópia.
Ao agir da maneira descrita, o A. quis erroneamente fazer crer à sua entidade patronal que tinha carta de condução. Nesse mesmo dia, numa reunião, onde se encontravam presentes o Administrador e o Chefe de Pessoal e o A., este apresentou o boletim de baixa com início no dia 3.11.2004 e disse que se a empresa lhe passasse carta para o fundo de desemprego, apresentaria a sua demissão e rasgaria o boletim de doença; caso, as suas pretensões não fossem aceites, iria apresentar baixas sucessivas até ao fim do período de inibição de conduzir. Esta situação criou grande surpresa e desencadeou uma série de diligências junto dos vários departamentos da Segurança Social para averiguar a veracidade da baixa e denunciar a situação do A.
O A. foi contratado para desempenhar às funções de motorista de pesados e para desempenhar as funções para as quais foi contratado é essencial ter carta de condução, sem a qual fica totalmente impossibilitado de prestar o serviço para o qual foi contratado pela R.
No dia 29 de Novembro de 2004 o A. não se apresentou ao serviço e não compareceu nas instalações da sua entidade patronal. O A. encontrava-se impedido de exercer as suas funções por sua culpa. Não impossibilitou o A. de trabalhar, apenas lhe disse que poderia retomar funções quando tivesse os documentos que o habilitam a conduzir em seu poder.
O A. com o seu comportamento violou os deveres de assiduidade, de zelo e diligência, pelo que o seu despedimento é lícito.
Após audiência de julgamento foi proferida a sentença de fls. 221/239 que julgou a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenou a R. a pagar ao A. a quantia de € 1.016,60, acrescida de juros à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma das prestações, até integral pagamento e absolveu a R. dos demais pedidos.
Inconformado, apelou o A. formulando, a final, as seguintes conclusões:
(…)
A R. contra-alegou, pugnando pela confirmação da sentença.
No mesmo sentido se pronunciou o M.P. junto deste tribunal, no seu parecer de fls. 287.

A questão essencial colocada à nossa apreciação é a de saber se a factualidade apurada constitui justa causa de despedimento.

Na sentença recorrida foram dados como apurados os seguintes factos:
.1. O A. foi admitido ao serviço da R. em 19 de Março de 1996 para sob as ordens, direcção e autoridade, lhe prestar a sua actividade de motorista de pesados.
.2. Ultimamente auferia a retribuição mensal de € 469,90, acrescida de € 4,86 a título de subsídio de refeição por cada dia efectivamente prestado.
.3. A R. remeteu ao A. com data de 29.10.2004 uma carta onde o informa de que lhe remete a nota de culpa junta aos autos a fls. 21 a 25, cujo teor dou aqui por reproduzido, na sequência do processo disciplinar que lhe instaurou em Outubro de 2004 e que tem a intenção de o despedir com justa causa.
.4. O A. respondeu à nota de culpa nos termos de. fls. 26 a 29, cujo teor dou aqui por reproduzido.
20. O A. tinha inicialmente marcado um período de 2 semanas de férias para o mês de Agosto de 2004.
21. Antes do início do período de férias, o A., invocando razões pessoais, solicitou à R. a alteração do seu período de férias, para o mês de Outubro de 2005, gozando férias do dia 1.10.2004 até ao dia 3.11.04.
.22. Na R. é habitual os motoristas marcarem as férias por mais de um período, gozando um período inicial de 15 dias em Agosto e o restante durante o mês de Dezembro.
.23. Enquanto o A. esteve de férias, veio ao conhecimento da R., através de colegas do A., que lhe teria sido aplicada uma pena de inibição de conduzir pelo período de 4 meses.
. 24. Pelo que, no dia 25 de Outubro de 2004, a R. remeteu ao A. uma carta, solicitando que o mesmo se deslocasse à sede para actualização do processo de cadastro no dia 4.11.2004, com o fim de aferir se o A. tinha carta de condução para voltar a conduzir, terminadas as férias.
.25. Na data marcada o A. compareceu na sede da R. e facultou ao chefe da secção de pessoal, J…, o bilhete de identidade, cartão de contribuinte e cartão de beneficiário da segurança social. Quando lhe foi pedida a carta de condução para que fosse tirada uma fotocópia, exibiu um documento que afigurava ser uma carta de condução (modelo anterior, em cor-de-rosa), mas não a facultou para fotocopiar, alegando que eram instruções do seu advogado.
.26. No dia 10 de Novembro de 2004, a R solicitou junto do … juízo-… secção da Pequena Instância Criminal de Lisboa que informassem se o A. se encontrava a cumprir a pena de inibição de conduzir e desde quando.
.27. No dia 11 de Novembro de 2004, o referido Tribunal informou que o A. tinha sido condenado por sentença proferida em …, transitada em julgado em …., na pena de 100 dias de multa à taxa diária de 2 euros e na pena acessória de inibição de condução pelo período de 4 meses, tendo o A. procedido à entrega da carta de condução n° …, a fim de cumprir a inibição, no dia 1.10.2004.
.28. Em 4.11.2004, o A. já tinha procedido à entrega da sua carta de condução para cumprir a pena de inibição de conduzir.
.29. Após os factos referidos em supra 25, o A. foi mandado entrar para a sala de reuniões, onde se encontravam também G…, Administrador da R. e o chefe da secção de pessoal.
. 30. Nessa reunião o A. apresentou um boletim de baixa médica com início no dia 3 de Novembro de 2004 e termo no dia 14.11.2004, tendo referido que se a R. satisfizesse o que pretendia, se demitiria e rasgaria o boletim de doença. Caso a sua pretensão não fosse acolhida, iria apresentar baixas médicas sucessivas até terminar o período de inibição de conduzir.
. 31. A R. convocou o A. para uma consulta médica de verificação de situação de doença a ter lugar no dia 11.11.2004, por carta junta a fls. 130.
.32. Após a referida consulta o médico que consultou o A. formulou o seguinte parecer, com data de 11.11.2004: "Após exame clínico, sou de opinião de que após o termo da actual baixa (14/Novembro), deve retomar a sua actividade laboral de motorista."
.33. A R. remeteu ao Centro Regional de Segurança Social os faxes de fls. 132, 136, 148, 151, 157, 159.
.34. Na sequência dos referidos faxes, o CRSS remeteu à R. os ofícios de fls. 140, 150, 162 e 163.
.35. A R. remeteu ao Centro de Saúde dos Olivais o fax junto a fls. 153 e ao Centro de Saúde de Sete Rios, o fax junto a fls. 155.
.35-A - A R. convocou o A. para uma nova consulta de verificação de incapacidade, a ter lugar em 25.11.2004, a que o A. não compareceu.
.36. Por comunicação de serviço datada de 13 de Dezembro de 2004, M…, informou a administração da R. que o A. se encontrava a faltar desde o dia 29.11.2004.
.37. Para o desempenho das funções referidas em 1, o A. necessita de estar habilitado com carta de condução.
.38. A R. tem no estaleiro trabalhadores com o fim de procederem à carga e descarga dos veículos pesados (condutores manobradores), com o auxílio de máquinas. O A. e os demais trabalhadores da R. costumam auxiliar na carga e descarga das viaturas que conduzem, verificando, nomeadamente, a mercadoria que vai ser transportada.
.39. O A. não prestou trabalho à R. nos dia 29 e 30 de Novembro de 2004, nem nos dias 2, 3, 6, 7, 9, 10, 13, 14, 15, 16, 17, 20, 21, 22 e 23 de Dezembro de 2004.
.40. O A. não comunicou à R. que lhe tinha sido aplicada a pena de inibição de conduzir pelo período de 4 meses.
.41. O A. apresentou à R. um certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença natural, com início em 3.11.2004 e termo em 14.11.2004 e posteriormente um outro certificado com início em 15.11.2004 e termo em 26.11.2004.
.42. O A. apresentou-se ao trabalho no dia 29 de Novembro de 2004. A R. ordenou-lhe que se retirasse, uma vez que não tinha carta de condução para conduzir qualquer veículo.
. 43.
(…)
50.A R. procedeu à substituição do A. nas funções que este vinha exercendo até ao dia 30.09.04.


Apreciação
O apelante insurge-se contra a parte da sentença recorrida que julgou improcedentes os pedidos que tinham como causa de pedir o alegado despedimento ilícito, julgamento a que se encontra subjacente ter sido considerado procedente a justa causa invocada pela R. para despedir o A. e, por isso, lícito o despedimento.
Em seu entender, não incorreu em 17 faltas injustificadas seguidas, como se considerou na sentença, porque a não prestação de trabalho nas datas indicadas no nº 39 da matéria de facto se deveu apenas ao facto de a apelada não ter permitido que ele retomasse o trabalho, quando se apresentou ao serviço em 29/11/2004, após a cessação da incapacidade para o trabalho por doença natural e que, embora não pudesse exercer as funções de motorista, deveria a R. ter-lhe dado outras tarefas, como sempre fez, quando necessitou, pois, como está assente o A. e outros trabalhadores costumavam auxiliar na carga e descarga das viaturas que conduzem, verificando nomeadamente a mercadoria que vai ser transportada.
Está efectivamente assente (nº 42) que o A. se apresentou ao trabalho no dia 29/11/2004 e a R. lhe ordenou que se retirasse, uma vez que não tinha carta de condução para conduzir qualquer veículo, e se bem que esteja também assente (nº 38) que o A. e demais trabalhadores da R. costumam auxiliar na carga e descarga das viaturas que conduzem, verificando nomeadamente a mercadoria que vai ser transportada, importa não passar por cima do que, no mesmo ponto, é dito imediatamente antes: que a R. tem no estaleiro trabalhadores – condutores manobradores - com o fim de procederem à carga e descarga dos veículos pesados com o auxílio de máquinas. Ora se a R. tinha pessoal especialmente destinado a proceder às cargas e descargas, a intervenção dos motoristas na tarefa de auxílio às cargas e descargas só podia ser meramente pontual e acessória e, por isso, necessariamente reduzida e muito pouco significativa no conjunto das funções que lhes cabiam, passando sobretudo por verificar a mercadoria que vai ser transportada, o que sempre pressupõe o exercício da actividade principal que é a de conduzir os veículos de transporte de mercadorias.
Ora se o A. não podia desempenhar a actividade principal, por se encontrar inibido de conduzir (em cumprimento de pena aplicada no âmbito de um processo criminal), não era exigível à R. que alterasse o estatuto funcional do A. para, durante o período da inibição de conduzir, o ocupar exclusivamente em tarefas de cargas e descargas ou quaisquer outras, tanto mais que o A. nem sequer teve a lisura de informar a R. de que iria ficar temporariamente inibido de conduzir e de procurar, consensualmente, compatibilizar essa sua indisponibilidade para o exercício das funções contratadas com a manutenção do contrato de trabalho, propondo-se desempenhar outras em que a empresa o pudesse ocupar, como o mais elementar bom senso aconselharia.
É apenas à entidade patronal que, no exercício dos poderes de gestão da sua actividade empresarial, cabe definir o posto de trabalho de cada trabalhador, consoante as necessidades da empresa.
Assim, ainda que acessoriamente coubessem nas funções do A. algumas tarefas de auxílio às cargas e descargas, não lhe assistia, de forma alguma, o direito de exigir ser colocado a fazer apenas trabalho desse tipo, se a empresa dele não precisasse.
E se o trabalhador não podia desempenhar a função principal da actividade a que se obrigou, por razões que lhe são imputáveis, não lhe basta apresentar-se ao trabalho para não ser considerado em falta. É certo que a noção de falta que nos é dada pelo art. 224º do CT é a de “ausência do trabalhador no local de trabalho e durante o período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito”, mas a presença no local e tempo de trabalho, se não for em condições de poder prestar a actividade contratada, em substância, é equivalente à ausência, reconduzindo-se pois a uma verdadeira falta, como bem se considerou na sentença em apreço.
Também não pode oferecer dúvidas que, no caso, as faltas em questão são injustificadas pois, apesar de motivadas na impossibilidade de prestar o trabalho a que se obrigou para com a R., essa impossibilidade decorre apenas de um comportamento ilícito e censurável do A. – prática de um crime de condução sob o efeito de álcool - que, ainda que porventura tivesse sido cometido fora do exercício da sua actividade (o que, de todo, se ignora), sobre ela necessariamente se iria repercutir, na medida em que o cumprimento da sanção acessória aplicada o impedia, durante quatro meses, de desenvolver a actividade profissional a que se obrigou e, por esse motivo, não pode deixar de assumir também relevância disciplinar laboral. Daí que, embora constitua efectivamente uma dupla penalização pelo mesmo comportamento, não haja nenhum impedimento legal a que tal possa suceder. O processo penal e o procedimento disciplinar têm pressupostos e finalidades distintas. A sanção penal visa punir a infracção pelo ilícito rodoviário, protegendo o bem jurídico segurança rodoviária, nada obstando a que, se como reflexo dessa sanção, um trabalhador fica impossibilitado de cumprir o seu contrato de trabalho, assim o violando - o que, obviamente, lhe é imputável a título de culpa - possa ser disciplinarmente sancionado pelo respectivo empregador. Essa será mais uma razão para os condutores que são motoristas profissionais terem, no exercício da condução, mesmo que fora do âmbito da sua actividade profissional, um cuidado redobrado, ainda maior do que o que é exigido aos condutores em geral, para evitarem cometer infracções estradais puníveis com inibição de conduzir, na medida em que o cumprimento de tal pena acessória contende com a sua actividade profissional, podendo pôr em risco o seu próprio emprego.
Ora o A. deu dezassete faltas injustificadas Não se enquadrando na previsão de nenhuma das alíneas do nº 2 do art. 225, recaem pois no âmbito do nº 3 do mesmo preceito. seguidas, o que preenche a previsão do art. 396º nº 2 g) do CT.
Mas o apelante pretende também pôr em causa que o seu comportamento, ainda que culposo, revista uma gravidade tal em si mesmo e nas suas consequências que torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação laboral.
Cabe salientar que, quando o número de faltas injustificadas num ano atingir as cinco seguidas ou dez interpoladas, o legislador dispensa o empregador de alegar e provar que delas resultaram prejuízos ou riscos graves, o que seguramente tem subjacente o entendimento que, só por si, o número de faltas injustificadas ali referido é, em princípio, susceptível de causar um dano significativo a qualquer empregador, pela perturbação que causa na organização e funcionamento da empresa, sendo pois apta a determinar quebra da relação de confiança necessária à relação de trabalho.
Mas importa não esquecer que no caso não são apenas as 17 faltas injustificadas que relevam, mas todo o comportamento anterior do A. que vem descrito nos nºs 23 a 35-A, em especial nos nºs 23 a 30.
Através de tal comportamento o A. violou de uma forma altamente censurável o dever de tratar o empregador com probidade, que lhe é imposto pelo art. 121º nº 1 do CT. Com efeito, na medida em que o período de inibição de conduzir e, por conseguinte, o obstáculo ao cumprimento do contrato de trabalho ultrapassava o período de férias do A. Não nos parece que mereça censura a alteração do período de férias de forma a abranger parcialmente o período de inibição., interferindo necessariamente com a sua actividade profissional, o A. tinha a obrigação de ter informado a R. da situação E, porventura, diligenciar junto da R. pela possibilidade de encontrar, no âmbito da empresa, uma solução razoável que salvaguardasse o contrato de trabalho e o equilíbrio das prestações de ambas as partes., o que não fez, vindo esta a saber da inibição por terceiros e confirmando-a, posteriormente, junto do tribunal.
E, se isto não bastasse para afectar seriamente a base de confiança que a manutenção de uma relação duradoura como é a laboral requer, o comportamento do A., quando chamado à empresa para actualização do cadastro, exibindo uma carta de condução ou algo que se parecesse, mas recusando-se a facultá-la para ser fotocopiada, sendo certo que não poderia ser a sua própria carta de condução, que à data se encontrava apreendida, a que acresce – quando confrontado com o facto de a R. ter já conhecimento da inibição de conduzir, que lhe cabia ter comunicado - a ameaça de apresentar baixas médicas sucessivas até terminar o período de inibição (o que apenas em parte conseguiu) revela uma tal falta de honestidade para com o empregador que, em nosso entender, afecta irremediavelmente aquele mínimo de confiança indispensável ao prosseguimento da relação tornando inexigível à entidade patronal que sacrifique o seu interesse na rotura do contrato e dê prevalência ao interesse do trabalhador para lhe garantir a estabilidade do vínculo.
É certo que, face ao princípio constitucional da segurança no emprego, o despedimento deve ser a ultima ratio das sanções disciplinares, devendo ceder perante outras sanções quando isso for suficiente para reestabelecer a harmonia na relação. Mas não cremos que isso suceda no caso vertente, pois perante uma tal violação do dever de probidade e honestidade, não nos parece que a aplicação de uma sanção conservatória pudesse restaurar o equilíbrio na relação, conferindo de novo à R. a confiança indispensável no A. para o manter ao seu serviço.
Bem andou pois a Srª Juíza ao julgar o comportamento do A., globalmente considerado, como integrando justa causa de despedimento, sendo por isso lícito o despedimento decretado pela R.
Não merece por isso provimento a apelação.

Decisão
Pelo que antecede se acorda em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.
Lisboa, 13 de Fevereiro de 2008

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira