Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
| Processo: |
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| Relator: | PAULA POTT | ||
| Descritores: | MARCA ELEMENTOS DESCRITIVOS DISTINTIVIDADE | ||
| Nº do Documento: | RL | ||
| Data do Acordão: | 03/10/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Texto Parcial: | N | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO | ||
| Sumário: | Marca nacional – Elementos descritivos – Carácter distintivo – Distintividade adquirida pelo uso ou secondary meaning – Artigos 209.º e 231.º do Código da Propriedade Industrial – Artigo 4.º da Directiva 2015/2436 – Violação dos princípios da igualdade e da legalidade. | ||
| Decisão Texto Parcial: | |||
| Decisão Texto Integral: | Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa 1. A recorrente, no procedimento de registo da marca aqui em causa, que correu no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (doravante também INPI) apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 222.º do Código da Propriedade Industrial (CPI), um pedido de registo da marca nacional n.º 681575, “Talho O Arouquês Penhalonga”, que foi recusado por despacho do INPI (cf. referência citius 104787 /Doc. 9). 2. Do despacho do INPI mencionado no parágrafo anterior, o recorrente interpôs recurso de impugnação judicial junto do Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal a quo, Tribunal recorrido ou Tribunal de primeira instância), pedindo a sua revogação e substituição por decisão que conceda o registo da marca nacional 681575 (cf. referência citius 104101 de 26.9.2022). 3. O Tribunal da Propriedade Intelectual, por sentença de 23.10.2022 (referência citius 503446), julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão do INPI que recusou o registo da marca em crise. 4. Da sentença referida no parágrafo anterior veio o recorrente interpor o presente recurso para o Tribunal da Relação, pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que defira o pedido de registo da marca nacional 681575, “Talho O Arouquês Penhalonga”, por respeitar todos os requisitos legais. 5. A recorrente invocou, em síntese, que: § O conjunto das palavras que fazem parte da marca em crise conferem distintividade à marca de um ponto de vista semântico e fonético; § De um ponto de vista gráfico e fonético, a marca é nova e indica a origem dos produtos; § O INPI fez uma apreciação analítica de cada um dos elementos que compõem a marca em crise quando devia tê-la apreciado no seu conjunto, ter dado relevo ao seu elemento dominante e ter levado em conta, por um lado, os produtos e serviços para as quais foi pedido o registo da marca e, por outro lado, a percepção do público relevante, tudo nos termos dos artigos 222.º do CPI, do artigo 2.º da Directiva 2015/2436 e da jurisprudência quer nacional, quer do Tribunal de Justiça da União (TJUE), constante, designadamente, dos acórdãos C-53/01, parágrafo 41, C-363/99, parágrafo 34, C-468/01 e C-472/01 P, parágrafo 33; § Uma marca composta por elementos genéricos e descritivos, eventualmente presentes noutras marcas, pode não ser descritiva desde que crie no consumidor uma impressão suficientemente distanciada da que é produzida pela simples reunião dos seus elementos, como resulta do acórdão do TJUE 265/00, parágrafo 40, cuja jurisprudência versa sobre um caso análogo; § A marca em crise não é meramente descritiva, quando muito é sugestiva do serviço prestado/produto fornecido; § A decisão do INPI violou os princípios da igualdade e da legalidade, consagrados no artigo 5.º n.º 2 do Código de Processo Administrativo (CPA) e nos artigos 13.º n.º 2 e 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP), uma vez que já concedeu outras marcas – e.g. O Talho, Boa Carne, Talho Central Vale Figueira – compostas por elementos descritivos, dando oportunidade a esses concorrentes de usarem tais sinais de comércio, mas negando essa oportunidade à recorrente; § Mesmo que a marca da recorrente não seja inerentemente distintiva, adquiriu distintividade extrínseca ou secondary meaning, através do uso prolongado e intenso que faz com que a marca se converta na marca identificadora dos produtos ou serviços de determinado empresário. Questão prévia 6. A recorrente juntou dois documentos às alegações do recurso interposto para a segunda instância (cf. referência citius 106198 de 25.11.2022, Doc. 1 e Doc. 2), datados, respectivamente, de 30.6.2022 e 11.7.2022. 7. Ora, sendo tais documentos anteriores à data da impugnação judicial em primeira instância (apresentada em 26.9.2022 como referido no parágrafo 2 supra), afigura-se não ser admissível a sua junção ao presente recurso uma vez que, nos termos do artigo 425.º do Código de Processo Civil (CPC) depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, o que não é o caso. 8. Pelo que o Tribunal não admite a junção dos documentos mencionados no parágrafo 6, que não serão levados em conta. Delimitação do âmbito do recurso 9. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões: A. Carácter distintivo da marca B. Secondary meaning C. Violação dos princípios da igualdade e da legalidade Factos provados Nota: este Tribunal mantém, a seguir à numeração de cada parágrafo, a numeração pela qual foram enunciados os factos provados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e as remissões. 10. 1. Em 23/02/2022, a Recorrente pediu o registo da marca nominativa nacional nº 681575 “TALHO O AROUQUÊS PENHALONGA”. (cf. processo INPI). 11. 2. O pedido destinava-se a abranger os produtos/serviços da classe 29 - carne e produtos à base de carne (cf. processo INPI). 12. 3. O INPI recusou o registo da marca referida em 1.º, por despacho do Diretor do Instituto, de 30 de Agosto 2022. (cf. processo INPI). 13. 4. O requerente é fornecido ou pretende vir a ser fornecido pela entidade que titula a denominação de origem protegida (PDO) n.º PT-0235 «CARNE AROUQUESA» Quadro legal relevante 14. Têm relevo para a decisão os seguintes textos legais: Código da Propriedade Industrial ou CPI Artigo 208.º Constituição da marca A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas. Artigo 209.º Exceções 1 - Não satisfazem as condições do artigo anterior: a) As marcas desprovidas de qualquer caráter distintivo; b) Os sinais constituídos, exclusivamente, pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza do produto, pela forma ou por outra característica do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma ou por outra característica que confira um valor substancial ao produto; c) Os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos; d) As marcas constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio. 2 - Os elementos genéricos referidos nas alíneas a), c) e d) do número anterior que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, exceto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva. 3 - A pedido do requerente ou do reclamante, o INPI, I. P., indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente. Artigo 231.º Fundamentos de recusa do registo 1 - Para além do que se dispõe no artigo 23.º, o registo de uma marca é recusado quando esta: a) Seja constituída por sinais que não possam ser representados graficamente ou de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular; b) Seja constituída por sinais desprovidos de qualquer caráter distintivo; c) Seja constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidas nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 209.º; d) Contrarie o disposto nos artigos 208.º, 211.º e 224.º 2 - Não é recusado o registo de uma marca constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 209.º se, antes da data do pedido de registo e na sequência do uso que dela for feito, esta tiver adquirido caráter distintivo. 3 - É ainda recusado o registo de uma marca que contenha em todos ou alguns dos seus elementos: a) Símbolos, brasões, emblemas ou distinções do Estado, dos municípios ou de outras entidades públicas ou particulares, nacionais ou estrangeiras, o emblema e a denominação da Cruz Vermelha, ou de outros organismos semelhantes, bem como quaisquer sinais abrangidos pelo artigo 6.º-ter da Convenção da União de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial, salvo autorização; b) Sinais com elevado valor simbólico, nomeadamente símbolos religiosos, salvo autorização, quando aplicável, e exceto quando os mesmos sejam usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais do comércio dos produtos ou serviços a que a marca se destina e surjam acompanhados de elementos que lhe confiram caráter distintivo; c) Expressões ou figuras contrárias à lei, moral, ordem pública e bons costumes; d) Sinais que sejam suscetíveis de induzir o público em erro, nomeadamente sobre a natureza, qualidades, utilidade ou proveniência geográfica do produto ou serviço a que a marca se destina; e) Sinais ou indicações que contrariem o disposto na legislação nacional, na legislação da União Europeia ou em acordos internacionais de que a União Europeia seja parte, que conferem proteção a denominações de origem e indicações geográficas; f) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, menções tradicionais para o vinho que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte; g) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, especialidades tradicionais garantidas que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte; h) Sinais ou indicações que contenham, em todos ou alguns dos seus elementos, denominações de variedades vegetais que se encontrem protegidas pela legislação da União Europeia ou por acordos internacionais de que a União Europeia seja parte. 4 - É também recusado o registo de uma marca que seja constituída, exclusivamente, pela Bandeira Nacional da República Portuguesa ou por alguns dos seus elementos. 5 - É ainda recusado o registo de uma marca que contenha, entre outros elementos, a Bandeira Nacional nos casos em que seja suscetível de: a) Induzir o público em erro sobre a proveniência geográfica dos produtos ou serviços a que se destina; b) Levar o consumidor a supor, erradamente, que os produtos ou serviços provêm de uma entidade oficial; c) Produzir o desrespeito ou o desprestígio da Bandeira Nacional ou de algum dos seus elementos. 6 - Quando invocado por um interessado, constitui também fundamento de recusa o reconhecimento de que o pedido de registo foi efetuado de má-fé. Artigo 259.º Nulidade 1 - Para além do que se dispõe no artigo 32.º, o registo de marca é nulo quando na sua concessão, tenha sido infringido o previsto nos n.ºs 1 e 3 a 6 do artigo 231.º 2 - É aplicável às ações de nulidade, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 231.º. Directiva 2015/2436 em matéria de marcas Artigo 4.º Motivos absolutos de recusa ou de nulidade 1. É recusado o registo, ou são passíveis de serem declarados nulos, se efetuados, os registos relativos: a) a sinais que não podem constituir uma marca; b) a marcas desprovidas de caráter distintivo; c) a marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção dos produtos ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos; d) a marcas constituídas exclusivamente por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio; e) a sinais constituídos exclusivamente: i) pela forma ou por outra característica imposta pela própria natureza dos produtos, ii) pela forma ou por outra característica dos produtos necessária à obtenção de um resultado técnico, iii) por uma forma ou por outra característica que confira um valor substancial aos produtos; f) a marcas contrárias à ordem pública ou aos bons costumes; g) a marcas que sejam suscetíveis de enganar o público, por exemplo no que respeita à natureza, à qualidade ou à proveniência geográfica do produto ou do serviço; h) a marcas que, não tendo sido autorizadas pelas autoridades competentes, sejam de recusar ou invalidar por força do artigo 6.o ter da Convenção de Paris; i) a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União, com o direito nacional do Estado-Membro em causa, ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a denominações de origem e indicações geográficas; j) a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a menções tradicionais para o vinho; k) a marcas excluídas do registo em conformidade com a legislação da União ou com acordos internacionais de que a União é parte, que conferem proteção a especialidades tradicionais garantidas; l) a marcas constituídas por uma denominação de variedade vegetal anterior, registada em conformidade com a legislação da União ou com o direito nacional do Estado-Membro em causa, ou com acordos internacionais de que a União ou o Estado-Membro em causa seja parte, que confere a proteção dos direitos das variedades vegetais, ou a marcas que reproduzam essa denominação nos seus elementos essenciais, e que digam respeito a variedades vegetais da mesma espécie ou de espécies estreitamente relacionadas. 2. As marcas devem ser declaradas nulas se o pedido de registo for feito de má-fé pelo requerente. Qualquer Estado-Membro pode também estabelecer que essa marca não seja registada. 3. Qualquer Estado-Membro pode prever que seja recusado o registo de uma marca ou que o seu registo, se efetuado, fique sujeito a ser declarado nulo quando e na medida em que: a) a utilização dessa marca possa ser proibida por força de legislação que não seja a legislação em matéria de direito de marcas do Estado-Membro em causa ou da União; b) a marca inclua um sinal de elevado valor simbólico e, nomeadamente, um símbolo religioso; c) a marca inclua emblemas, distintivos e escudos diferentes dos referidos no artigo 6.º ter da Convenção de Paris e que apresentem interesse público, salvo se o seu registo tiver sido autorizado em conformidade com o direito do Estado-Membro pela autoridade competente. 4. Não será recusado o registo de uma marca nos termos do n.º 1, alíneas b), c) ou d), se, antes da data do pedido de registo, na sequência do uso que dela for feito, a marca tiver adquirido caráter distintivo. Pelos mesmos motivos, a marca não será declarada nula se, antes da data do pedido de declaração de nulidade, na sequência do uso que dela for feito a marca tiver adquirido caráter distintivo. 5. Os Estados-Membros podem prever que o n.º 4 se aplica também no caso em que o caráter distintivo tiver sido adquirido após a data do pedido de registo, mas antes da data do registo. Apreciação do recurso A. Carácter distintivo da marca 15. A primeira questão colocada a este Tribunal é a de saber se uma marca nominativa, como a que está aqui em causa – “Talho O Arouquês Penhalonga” – é composta unicamente por expressões que servem para designar, no comércio, a espécie e a qualidade dos produtos e serviços e a sua proveniência geográfica e, portanto, está coberta pelo motivo absoluto de recusa previsto no artigo 4.º n.º 1 – c) da Directiva 2015/2436 que se encontra transposto nos artigos 209.º n.º 1 – c) e 231.º n.º 1 – c) do CPI. O Tribunal a quo julgou que existe esse motivo absoluto de recusa ao passo que a recorrente discorda, alegando que a marca tem carácter distintivo quando analisada globalmente. 16. Segundo este Tribunal julga perceber, a recorrente defende que, apesar de separadamente os elementos da marca poderem ser considerados genéricos, banais ou descritivos, tais elementos nominativos analisados como um todo compõem um sinal que tem distintividade e que, além disso, essa marca adquiriu distintividade extrínseca ou secondary meaning, através do uso. O Tribunal relega para a questão B a análise da excepção do secondary meaning e começa aqui por apreciar o carácter distintivo da marca à luz do motivo absoluto de recusa previsto no artigo 209.º n.º 1 – c) do CPI. 17. Para resolver a controvérsia, o Tribunal leva em conta os seguintes princípios interpretativos que resultam da jurisprudência do TJUE e do Tribunal Geral, mencionada pela recorrente e/ou citada na sentença recorrida: § Uma marca constituída por um neologismo composto por elementos, cada um dos quais descreve as características dos produtos ou serviços em relação aos quais o registo é pedido, é ela própria descritiva das características desses produtos ou serviços, excepto de houver um afastamento perceptível entre o neologismo e a simples adição dos elementos que o constituem, o que pressupõe que, devido ao caracter inabitual da combinação em relação aos referidos produtos ou serviços, o neologismo crie uma impressão suficientemente distanciada da que é produzida pela simples reunião das indicações trazidas pelos elementos que o constituem, de modo a prevalecer sobre a soma desses elementos – cf. C-265/00, parágrafo 43; § O caracter distintivo de uma marca deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou serviços para os quais foi pedido o respectivo registo e, por outro, relativamente à percepção dos meios interessados, constituídos pelos consumidores desses produtos ou serviços; para esse efeito o Tribunal deve levar em conta a presumível percepção dum consumidor médio da categoria de produtos ou serviços em causa, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido – cf. C-53/01 parágrafo 41; C- 363/99 parágrafo 34 e processos conexos C-468/01 e C-472/01 P, parágrafo 33; § O motivo de recusa aqui em causa prossegue um fim de interesse geral, que exige que esses sinais ou indicações possam ser livremente utilizados por todos, ou seja, o artigo 4.º n.º 1 – c) da Directiva 2015/2436 transposto para o artigo 209.º n.º 1 – c) do CPI tem por objectivo impedir que os referidos sinais ou indicações sejam reservados a uma única pessoa/empresa; § Este interesse geral implica que todos os sinais ou indicações que possam servir para designar características dos produtos ou serviços para os quais é requerido o registo sejam deixados à livre disposição de todas as empresas para que estas possam utilizá-los ao descrever as mesmas características dos seus próprios produtos; § Dai que, as marcas compostas exclusivamente por tais sinais ou indicações banais não possam ser objecto de registo, salvo através da aplicação do artigo 4.º n.° 4 da Directiva 2015/2436 (excepção designada por secondary meaning, que a seguir será explicada) – cf. C-363/99 parágrafos 54 a 56, 79 e 104 que interpreta o artigo 3.º n.º 1 - c) da Directiva 89/104/CEE, entretanto revogada pela Directiva 2008/95/EC que, por sua vez foi posteriormente revogada pela Directiva 2015/2436, atualmente em vigor, a qual consagra idêntica disposição no artigo 4.º n.º 1-c); § Uma marca é descritiva de uma característica do produto que assinala quando, segundo a percepção do consumidor médio daquele tipo de produtos é entendida como a designação da origem geográfica desses produtos ou da sua proveniência de uma determinada região, ainda que o mesmo termo possa ter um significado diverso; para esse efeito, por um lado, é legítimo tomar em consideração a reputação de uma região na produção de um determinado bem, por outro lado, o motivo absoluto de recusa descrito nos preceitos legais aqui em causa, não distingue entre as características essenciais ou acessórias, de um ponto de vista comercial, às quais se referem os componentes ou indicações da marca; a circunstância de a marca poder ter diferentes significados, não preclude a aplicação do motivo de recusa absoluto aqui em causa – cf. T-878/16 parágrafos 30 a 37. 18. À luz desta jurisprudência o Tribunal começa por levar em conta que o registo da marca aqui em crise foi pedido para assinalar carne, a saber, produtos da classe 29 da Classificação de Nice que incluem carne e produtos à base de carne (cf. facto provado 2 da sentença recorrida). Adicionalmente há que considerar que o consumidor médio de tais produtos é a população em geral, no mercado nacional, uma vez que se trata de uma marca nacional, não sendo um consumidor particularmente informado. Acresce que se apurou que o requerente é fornecido ou pretende vir a ser fornecido de “CARNE AROUQUESA”, objecto da denominação de origem protegida (PDO) n.º PT-0235 “CARNE AROUQUESA” (cf. parágrafo 13 supra/facto provado 4 da sentença recorrida). 19. Convém ainda levar em conta que, independentemente de saber se a palavra Penhalonga é ou não um neologismo, questão que não cabe aqui resolver, basta constatar, para o que aqui releva, que tal palavra é composta pela união das palavras Penha Longa, que designam uma unidade geográfica. Ora a reunião dessas duas palavras não constitui uma combinação inabitual nem produz, no consumidor médio, uma impressão diferente da designação geográfica em causa. O mesmo sucede com a palavra “Arouquês”, que também não produz no consumidor médio uma impressão diversa da que produz a palavra arouquense para designar os habitantes de Arouca. 20. Enfim, à luz da jurisprudência acima mencionada, importa saber se, com base no conjunto dos factos apurados, o Tribunal pode presumir (cf. artigo 351.º do Código Civil) que a região de Arouca tem, no espírito da generalidade do público consumidor relevante, reputação na produção da carne. A prova sobre este factor é escassa. A denominação de origem protegida (PDO) n.º PT-0235 “CARNE AROUQUESA” por si só, na falta de outros elementos de prova disponíveis nos autos, não é suficiente para levar o Tribunal a presumir que a reputação dessa região na produção de carne corresponde à impressão generalizada do consumidor médio de carne no mercado nacional de modo que a percepção do público relevante ligue a expressão “O Arouquês” à origem do produto e não do empresário. 21.Dito isto o caracter distintivo da marca é um requisito absolutamente essencial para que a mesma desempenhe a sua função jurídica básica que é permitir a identificação do produto e a sua diferenciação face aos produtos do mesmo género. Mas isso não significa que a marca tenha de ser nova ou ser uma invenção do seu titular. Basta que permita individualizar o produto e distingui-lo dos produtos concorrentes. Para isso, a marca deve ser minimamente arbitrária ou imaginativa, já que, o carácter distintivo de uma marca varia na razão directa da sua arbitrariedade. Porém, não são proibidas as marcas sugestivas ou expressivas, que aludem mais ou menos explicitamente ao produto assinalado. Ora afigura-se ser esse o caso da marca aqui em crise, cujo grau de arbitrariedade é muito reduzido (o que motivou a decisão do Tribunal a quo) mas que, no seu conjunto – Talho O Arouquês Penhalonga – possui uma capacidade distintiva residual que lhe permite beneficiar do registo, mesmo que dai resulte uma protecção ténue, limitada à pequena parcela de diversidade que incorpora. Neste contexto são insusceptíveis de apropriação pela recorrente os elementos banais como “talho” ou aqueles cujo uso se vulgarizou. Pelo que, embora este Tribunal, com base na ponderação que antecede, revogue a decisão recorrida e julgue ser de conceder o registo da marca, sublinha que o âmbito de protecção desta marca, pelo facto de ser uma marca fraca, será mais estreito no confronto com marcas potencialmente confundíveis – cf. Direito Industrial, Pedro Sousa e Silva, 2.ª Edição, Almedina, páginas 251 a 253. B. Secondary meaning 22. Adicionalmente, o recorrente invoca a excepção do secondary meaning. A este propósito, o secondary meaning constitui uma excepção ao motivo absoluto de recusa previsto no artigo 209.º n.º 1 – c) do CPI, sempre que, através do uso, uma marca composta por elementos banais, adquire distintividade extrínseca. O regime legal é idêntico, quer se prove o uso anterior ao registo, quer se prove que tal uso teve lugar posteriormente ao registo – cf. artigos 231.º n.º 2 e 259.º n.º 2 do CPI que transpõem o artigo 4.º n.º 4 da Directiva 2015/2436. No caso em análise, a recorrente teria de provar que o secondary meaning resultou do uso anterior ao registo aqui em crise. 23. Para saber se uma marca adquiriu secondary meaning o Tribunal leva em conta os seguintes critérios, que resultam uma jurisprudência constante do TJUE – cf. C- 353/03, parágrafos 26 a 31: § O carácter distintivo de uma marca pode ser adquirido em consequência do uso dessa marca enquanto parte de uma marca registada ou em consequência do uso de uma marca distinta, em conjugação com uma marca registada; § Em qualquer dos casos, basta que os meios interessados (o consumidor médio daquele tipo de produtos) tenha, em consequência desse uso, uma percepção efectiva do produto ou serviço designado unicamente pela marca cujo registo foi pedido, como sendo proveniente de uma empresa determinada; § Os elementos susceptíveis de demonstrar que a marca se tornou apta a identificar o produto ou serviço em causa devem ser apreciados globalmente; § Os elementos que podem ser tomados em consideração pelo Tribunal para fazer essa apreciação são, e.g., a quota de mercado detida pela marca, a intensidade, a área geográfica, a duração do uso dessa marca, a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover, a proporção dos meios interessados que identifica o produto ou o serviço como proveniente de uma empresa determinada graças à marca, as declarações das câmaras de comércio e de indústria ou de outras associações profissionais que revelem a duração ou intensidade da utilização do sinal. 24. Sucede que, nos presentes autos, o recorrente não logrou provar o uso do sinal aqui em crise, nem a intensidade e duração desse uso, à luz dos elementos enunciados no parágrafo anterior. Pelo que a situação não se enquadra na previsão dos artigos 209.º n.º 2 e 231.º n.º 2 do CPI. Motivo pelo qual improcede este segmento da argumentação do recorrente. C. Violação dos princípios da igualdade e da legalidade 25. Por fim, o recorrente alega a violação dos princípios da igualdade e da legalidade previstos, designadamente, no artigo 5.º n.º 2 do CPA e nos artigos 13.º n.º 2 e 266.º n.º 2 da CRP, pelo facto de o INPI ter concedido o registo de outras marcas que são descritivas. 26. A este propósito, embora este Tribunal tenha poderes para controlar a observância, pela administração, dos princípios da legalidade e da igualdade, importa sublinhar que não foi carreada para os autos prova sobre o registo das outras marcas a que alude o recorrente, em particular, sobre o conjunto das circunstâncias que levaram a considerar preenchidos os requisitos para a respectiva concessão, cuja reapreciação seria necessária para saber se foram violados os princípios da igualdade e da legalidade. 27. Com efeito, por um lado, a reapreciação da concessão de tais marcas não é objecto dos presentes autos, por outro lado, o mecanismo legalmente previsto para alcançar o objectivo pretendido pelo recorrente, é o da arguição, pelo interessado, da nulidade das marcas que não satisfaçam os requisitos para a sua concessão, como prevêem os artigos 259.º a 262.º do CPI. Pelo que, improcede este segmento da argumentação do recorrente. Em síntese 28. O artigo 209.º n.º 1 – c) do CPI não proíbe as marcas sugestivas ou expressivas, que aludem mais ou menos explicitamente ao produto assinalado. Ora afigura-se ser esse o caso da marca aqui em crise, cujo grau de arbitrariedade é muito reduzido, mas que, no seu conjunto – “Talho O Arouquês Penhalonga” – possui uma capacidade distintiva residual. Motivo pelo qual procede o presente recurso. 29. São, porém, insusceptíveis de apropriação pelo recorrente os elementos banais como “talho” ou aqueles cujo uso se vulgarizou. 30. O recorrente não logrou provar o uso do sinal aqui em crise previamente ao registo, nem a sua intensidade, requisitos exigidos pelos artigos 209.º n.º 2 e 231.º n.º 2 do CPI para que uma marca adquira distintividade através do uso ou secondary meaning. 31. O mecanismo legalmente previsto para impugnar a concessão das outras marcas a que alude o recorrente, é o da arguição, pelos interessados, da nulidade das marcas que não satisfaçam os requisitos para a sua concessão, como prevêem os artigos 259.º a 262.º do CPI, o que não foi feito nos presentes autos. Decisão Acordam as Juízes desta secção em julgar procedente o recurso e, em conformidade: I. Revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que concede ao recorrente o registo da marca nacional n.º 681575, “Talho o Arouquês Penhalonga”. II. Condenar em custas o recorrente, por ter sido quem tirou proveito do processo, não havendo vencimento na acção (cf. artigo 527.º n.º 1 do CPC e 43.º n.º 5 do CPI). III. Ordenar, após trânsito e baixa dos autos, o cumprimento do disposto no artigo 46.º do CPI. Lisboa, 22 de Março de 2023 Paula Pott Eleonora Viegas Ana Mónica Pavão |