Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
55/22.7PHOER.L1-5
Relator: RUI COELHO
Descritores: CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
ACTOS SEXUAIS COM ADOLESCENTES
ACTO SEXUAL DE RELEVO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDO E PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: (da responsabilidade do relator):
I - Existe manifesta contradição entre factos provados e não provados, quando nos primeiros se diz que o Arguido agiu movido pelo impulso da sua líbido e nos segundos se dá por não provado que o Arguido agiu com o propósito de satisfazer os seus desejos sexuais.
II - Pratica o crime de actos sexuais com adolescentes, p. e p. art.º 173.º/1 do Código Penal o Arguido de 51 anos que, na sua loja, movido pelo impulso da sua líbido, coloca a sua mão nas nádegas de menor de 14 anos, deixando-a ali por breves instantes, encaminha-a para a arrecadação e ali coloca a sua mão sobre as costas da menor e a deixa deslizar até lhe tocar na zona das nádegas, deixando a sua mão ali repousar por alguns segundos.
III - Quando a vítima é uma menor de 14 anos, que fica exposta à investida de um homem de 51 anos que a acaricia pelas costas até às nádegas, onde deixa ficar a mão, estamos perante um acto sexual de relevo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Desembargadores da 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal de Oeiras – J2 do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto supra, o Tribunal julga a acusação improcedente por não provada e decide, em consequência:
Parte criminal
A) Absolver o arguido AA da prática em autoria material, e na forma consumada, de um crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punido nos termos do artigo 173º nº 1 do Código Penal
B) Custas na parte criminal pelo assistente, as quais se fixam em 2 ucs.
Parte Cível
C) Julgar totalmente improcedente, por não provado o pedido de indemnização civil deduzido por BB e, consequentemente absolver o arguido AA do pedido.
D) Custas pelo assistente BB, atento o seu decaimento. – art.º 527 do CPC, aplicável ex vi art.º 4.º do CPP.»
- do recurso do Ministério Público -
Inconformado, recorreu o Ministério Público formulando as seguintes conclusões:
« 1. AA vinha acusado nos presentes autos pela prática na pessoa de CC de um crime de atos sexuais com adolescentes, previsto e punível pelo artigo 173º, 1, do Código Penal.
2. Realizado julgamento, foi o arguido absolvido, tendo o tribunal para tanto concluído que faltava descrito na acusação o elemento típico subjetivo relativo ao abuso da inexperiência, o que se mostrava e mostra insuscetível de ser colmatado, mesmo que com recurso aos institutos da alteração substancial ou não substancial dos factos dos artigos 359º e 358º do Código de Processo Penal, atenta a doutrina do AFJ n.º 1/2015 do Supremo Tribunal de Justiça. Não se discorda.
3. Na sequência de tal omissão por si verificada, concluiu, porém, também o tribunal a quo que não havia sido feita prova de todos os demais elementos subjetivos e da consciência da ilicitude dos factos objetivos que considerou provados.
Assim, deu como não provado, para o que ora releva:
«d) Ao tocar nas nádegas da menor CC, então com 14 anos de idade, por duas vezes, dando-lhe uma palmada no rabo, deslizando a sua mão das ancas até às nádegas, deixando a sua mão repousar sobre o rabo da menor durante alguns segundos agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que CC era uma adolescente de 14 anos, sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da personalidade dessa menor, e que punha em causa o normal e seu desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual.
e) Em todo o circunstancialismo descrito, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento é censurado por lei como crime», concluindo o tribunal a quo que “No que concerne à factualidade não provada referida na acusação, a mesma não encontrou correspondência com a prova produzida”.
4. Com tal asserção refletiu o tribunal a quo na sentença um erro de julgamento, nos termos do artigo 412º, 3, do Código de Processo Penal, porquanto resultou efetivamente do julgamento a prova dos elementos subjetivos correspondentes aos factos d) e e) dados como não provados, (com exceção da palmada nas nádegas da ofendida) sendo tal prova a mesma que permitiu a afirmação pelo tribunal recorrido da verificação de todos os factos que deu como provados, e que impunha assim a conclusão de “provado”.
5. Os factos em apreço [d) e e) dos factos não provados] enquadram-se no âmbito da subjetividade do agente, concretamente o conhecimento e vontade do mesmo em atuar nos termos em que se deu como provado nos pontos 1 a 11 dos factos provados, e, bem assim, o seu conhecimento da ilicitude da conduta.
6. Não poderia, in casu, o tribunal deixar de dar como provado também, por naturalisticamente ligado ao comportamento objetivável, o correspondente facto subjetivo, ou seja, que o arguido só assim atuou porque representou e quis comportar-se dessa forma. E não poderia o tribunal deixar de o fazer, porquanto também não foram dados como provados, ou sequer alegados, factos suscetíveis de enquadrar uma qualquer inimputabilidade ao arguido, ou que comprovassem que o mesmo tivesse por qualquer forma limitado no seu processo de formação da vontade.
7. Ao decidir como decidiu, desconsiderou o tribunal recorrido, para os pontos d) e e) em apreço, o depoimento de CC como prova dos factos de índole subjetiva da conduta objetiva apurada nos autos e vertida nos pontos 1 a 11 dos factos provados.
8. Não só devia, como podia o tribunal a quo tê-los dado como provados precisamente com base na mesma prova que justificou a prova dos factos objetivos, vertidos nos pontos 1 a 11 dos factos provados, coadjuvado com as regras da experiência, nos termos do artigo 127º do Código de Processo Penal, ou seja, com base, desde logo e de forma decisiva no depoimento de CC, ofendida nos autos, cujo depoimento se encontra gravado no citius com o ficheiro 20230508123122_4672694_2871363, tendo aquela prestado depoimento na sessão de julgamento no dia 08.05.2023, entre 12 horas e 31 minutos e as 12 horas e 59 minutos, cfr. ata de julgamento, durante o qual descreveu todo o comportamento objetivo vertido na decisão da matéria de facto, o qual deverá ser relevado por isso na sua globalidade porquanto está em causa todo o elemento subjetivo associado a todo o comportamento objetivo do arguido, e não apenas considerados excertos ou concretas passagens do mesmo.
9. Face ao exposto, entendemos que os factos d) e e) da matéria de facto não provada, deverão transitar para os factos provados com a seguinte redação:
11.A - Ao tocar nas nádegas da menor CC, então com 14 anos de idade, por duas vezes, deslizando a sua mão até às nádegas, deixando a sua mão repousar sobre o rabo da menor durante alguns segundos agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que CC era uma adolescente de 14 anos, sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da personalidade dessa menor, e que punha em causa o normal e seu desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual.
11.B - Em todo o circunstancialismo descrito, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento é censurado por lei como crime
10. Ainda que se entenda que não se verifica um erro de julgamento, sempre a decisão do tribunal se enquadrará no âmbito do erro notório da apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, 2, do Código de Processo Penal.
11. O erro notório na apreciação da prova (como aliás os demais vícios a que alude o artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal) tem de resultar expressamente do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência.
12. Embora a este erro se refira habitualmente em termos positivos, ou seja, darem-se como provados factos inconciliáveis entre si, havendo tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrário ou mesmo contraditórios, tal erro, segundo cremos, verificar-se-á também quando se dão como não provados factos que naturalisticamente não podem deixar de ser dados como provados, porque umbilicalmente ligados a todos os outros que foram dados como provados.
13. E não poderia o tribunal deixar de o fazer também, porquanto não foram dados como provados, ou sequer alegados, factos suscetíveis de enquadrar uma qualquer inimputabilidade ao arguido ou qualquer limitação exterior na formação da sua vontade.
14. Não tendo sido sequer alegado qualquer facto deste jaez, ditam as regras da experiência e do normal acontecer da vida, que o arguido estava no pleno uso das suas faculdades mentais e em controlo das suas emoções e ação, pelo que, necessariamente, a ação do arguido resultou exclusivamente da sua vontade de atuar nos termos descritos na sentença, e nada justifica que não se dessem como provados tais factos.
15. Ao dar como não provados aqueles factos d) e e) incorreu o tribunal em manifesto erro notório na apreciação da prova, pelo que, a proceder a impugnação a que procedemos, deverá a sentença ser corrigida no sentido de fazer passar a constar aqueles factos como provados nos termos acima descritos, permanecendo apenas como não provado o facto atinente à alegada palmada nas nádegas da ofendida, uma vez que o respetivo facto objetivo foi dado como não provado.
16. Procedendo a impugnação da matéria de facto nos temos acima descritos, temos que o quadro factual subsistente, se não integra o crime inicialmente imputado ao arguido, integra o crime de importunação sexual, previsto e punível pelo artigo 170º do Código Penal, nos termos do qual «Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».
17. O constrangimento dar-se-á, como se deu, com a mera ação física do toque que viole a liberdade sexual da vítima na sua aceção negativa, isto é, de não querer ser importunada, mantendo incólume a sua esfera íntima. Surge-nos, assim, a noção de constrangimento como a atuação contra a vontade da vítima que, sem o seu consentimento, vê invadido o seu espaço de liberdade sexual com um comportamento não desejado e que lhe foi imposto suportar.
18. Percorrendo toda a matéria de facto provada (corrigida nos termos por que acima se pugna) o comportamento do arguido enquadra-se na previsão da norma em apreço: o arguido, aproveitou-se de estar a sós com a ofendida, menor com 14 anos de idade, determinou-se a tocar-lhe em duas ocasiões numa zona sexualizada do corpo, as nádegas, o que logrou concretizar, invadindo o espaço de liberdade sexual da vítima, praticando sobre o corpo desta atos de natureza sexual, sem que esta tivesse oportunidade de o evitar, daqui resultando a imposição dessa comportamento, e assim o constrangimento da mesma.
19. Conforme resulta(rá) dos factos provados, concretamente dos pontos 4) a 11.B) (da matéria de facto corrigida nos termos por que acima se pugna), todo o comportamento do arguido revela uma decisão unilateral de sobre a menor satisfazer as suas intenções libidinosas, e assim de impor àquela o desejado ato de natureza sexual, isto é, de constrangê-la ao contacto sexual, constrangimento esse de que foi reflexo a reação inicial da mesma ao afastar-se do arguido quando do primeiro contacto, e no abandono do local quando do segundo avanço por parte do arguido, o que a deixou assustada.
20. Integrando a nova factualidade (resultante da inexistência de um elemento típico do crime de atos sexuais com adolescentes, previsto e punível pelo artigo 173º, 1, do Código Penal originariamente imputado ao arguido) o crime de importunação sexual, não poderá o arguido deixar de ser condenado pela prática deste novo crime.
21. Face ao disposto no artigo 431º do Código de Processo Penal, tendemos para o entendimento de que em casos como presente o Tribunal da Relação está em condições de decidir dando inclusivamente cumprimento ao disposto no artigo 358º, 1 e 3, do Código de Processo Penal. Certo é que a questão não tem reunido consenso, cfr. v.g Acórdão do TRE, datado de 19.12.2019, processo n.º 219/18.8GCSLV.E1, pelo que não divergiremos in casu deste último entendimento.
22. Assim, porque o crime de importunação sexual é diverso daquele que era imputado ao arguido na acusação pública, impondo-se o cumprimento do estatuído no artigo 358º, 1 e 3, do Código de Processo Penal, tendo em conta a necessária alteração da qualificação jurídica dos factos que consubstanciam a prática, não de um crime de ato sexual com adolescente, como era assacado ao arguido, nos termos do artigo 173, nº 1 do Código Penal, mas antes, de um crime de importunação sexual, previsto e punível pelo artigo 170º, 1, do Código Penal, deverão os autos ser remetidos a este tribunal de 1ª instância para que se proceda a tal comunicação, prosseguindo os autos com a elaboração de nova sentença, com a configuração da condenação do arguido pelo mencionado crime de importunação sexual, sem prejuízo do que possa resultar exclusivamente da defesa apresentada pelo arguido e, bem assim, consequentemente, a condenação do arguido no pedido de indemnização civil deduzido.»
Finaliza o Ministério Público pedindo que seja decidida a «revogação parcial da sentença recorrida, e, assim, i.considerados como provados os factos d) e e) dos factos não provados, seja por erro de julgamento, seja por erro notório na apreciação da prova, nos termos acima descritos;
ii. seja qualificado o novo quadro factual resultante da impugnação a que se ora procede como crime de importunação sexual, previsto e punível pelo artigo 170º, 1, do Código Penal, e consequentemente,
iii. se determine a baixa dos presentes autos à primeira instância, para cumprimento do previsto no artigo 358º, 1, e 3, do Código de Processo Penal, atenta a alteração da qualificação jurídica ora operada, determinando-se ainda o prosseguimento dos autos com a elaboração de nova sentença, com a configuração da condenação do arguido pelo mencionado crime de importunação sexual, sem prejuízo do que possa resultar exclusivamente da defesa apresentada pelo arguido, e bem assim, e consequentemente a condenação do arguido no pedido de indemnização civil deduzido. »
- do recurso da Assistente-
Igualmente inconformada, recorreu a Assistente formulando as seguintes conclusões:
«1-O presente recurso coloca em crise a sentença que absolveu o arguido da prática de um crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punido nos termos do artigo 173º, n.º 1 do Código Penal.
2- O dissentimento com a referida sentença, prende-se com a existência de manifesta prova cabal e suficiente para, sem qualquer dúvida, condenar o arguido pelo indicado crime.
3- Deste modo, passemos a analisar e a apontar com o firme apoio nos elementos probatórios carreados para os autos e a fundamentação jurídica, a razão da nossa discordância.
4- Dá-se por reproduzido para todos os efeitos legais, o teor da sentença proferida com relevância para os factos dados como não provados.
5- Na douta sentença ficou assente que “a conjugação dos elementos probatórios, à luz dos princípios da experiência comum e da razoabilidade inerente ao acontecer dos factos permitem concluir, sem margem para dúvidas, que o arguido praticou os factos nos termos supra descritos, permitindo credibilizar, sem qualquer margem de dúvidas, a versão dos factos que foi relatada pela jovem.”
6- Na douta sentença, também, foi dado como assente que se verifica os dois primeiros elementos constitutivos do tipo de crime em causa e supra referido.
7- Todavia, Não se concorda com o facto dado como não provado.
8- O Tribunal a quo apenas não deu como provado a verificação de factos concretos que permitam concluir pela inexperiência ou imaturidade da Jovem CC e também o referido nexo de causalidade entre o abuso da inexperiência e a conduta típica prevista no tipo legal de crime.
9- Mas, tal convicção não esta devidamente fundamentada na douta sentença, e foram desvalorizados factos e posição de direito relevantes.
10- A prova documental junta aos autos e a produzida em sede de audiência foi bastante e suficiente para comprovar que a assistente menina, que à altura tinha apenas 14 anos é inocente e vulnerável.
11- Ficou assente por todo o depoimento testemunhal da irmã da menor, da menor e do próprio arguido, que o arguido abusou da inexperiência e da vulnerabilidade da menor com o único e claro intuito de se aproveitar sexualmente da mesma.
12- Resulta da prova produzida e da própria imagem de menina ainda hoje, decorridos quase dois anos da pratica dos factos, que não tem experiência sexual e qualquer arte da sedução .
13- Certo ficou que, o arguido aproveitou a inocência e a vulnerabilidade da menor, tendo designadamente usado a sua posição económica privilegiada e superior com vista atingir os seus fins o abuso sexual de uma menina de 14 anos inocente e orfã de mãe. Situação que o arguido teve o cuidado de se inteirar, tal como relatado pela menor, pela sua irmã e pelo arguido, da vida da menina.
14- Foi ainda produzido que, a conduta do arguido afectou o livre desenvolvimento da personalidade da menor, o que o pai e irmã da menor teve oportunidade de levar aos autos, Tendo o pai dado a notícia nos autos que a menor desde a data em causa nunca mais foi a mesma e que levou a intervenção técnica especializada no ..., em Lisboa.
15- O certo é que, o arguido com a sua atuação de dadiva de bens, doces e promessas de mais, como engodo, com esquemas e promessas falsas e aliciantes se aproveitou da inexperiência de vida da menina. O arguido ao se ter aproveitando do meio social desfavorecido e da falta de controlo parental, aproveitou-se da inexperiência de vida da menina para a colocar na situação de abuso.
16- Com a “lábia” de um homem mais velho com grande experiência de vida, muito provavelmente com um passado, o arguido conhecendo de forma ampla o mundo feminino e familiar da menor aproveitou-se de toda essa inexperiência, carência económica, com a apetência para se fazer passar por quem não era, para fazer vingar os seus intentos.
17- Aliás, a menor sentiu-se envergonhada, enxovalhada e vilipendiada quando soube que o arguido tinha se feito passar por um homem bondoso, como decorre de todas as declarações, designadamente da menor.
18- Certo é que, o arguido se aproveitou da maior vulnerabilidade,da autonomia da menor CC para com ela se relacionar em ato de índole sexual.
19- E mais, pode ser que a idade entre os 14 anos e os 16 anos não seja um fator exclusivo para determinar a condição de inexperiência da jovem, mas é um fator preponderante para essa determinação, mas a mais no caso em concreto. Apenas 14 anos, acabados de fazer.
20- Certo ficou que, o arguido, abusou da vulnerabilidade da menina, pela sua idade e outras circunstâncias para auferir beneficio próprio, abusou da situação da menor, pela sua idade e as circunstâncias, que esta não pode evitar.
21- A menor e a sua familia são carenciadas. Não há duvida que, a pobreza é causa da vulnerabilidade da meno, tal convicção devia ter sido tida em conta na apreciação de direito.
22- Pelo que consideramos, que os referidos factos foram incorrectamente julgados como não provado.
23- A Meritíssima Juíza a quo devia ter entendido, que o depoimento da Assistente e o testemunhos, juntamente com a prova documental carreada nos autos, eram suficientes para condenar o arguido, pelo crime de actos sexuais com adolescente, quase uma criança(14 anos).
24- Na sentença recorrida, não foi feita uma rigorosa e judiciosa aplicação do Direito e apreciação de toda a prova. Vislumbra-se na decisão recorrida incorrecta valoração.
25- Por isso, a Meritíssima Juíza a quo devia ter entendido, que o depoimento da menor, das testemunhas, do arguido, a prova documental carreada nos autos e feita rigorosa aplicação do direito, eram suficientes para condenar o arguido, pela prática do crime de Actos Sexuais com Adolescente.
26- Devendo ser condenado o arguido pelo crimes de que vinha acusado, com todas as consequência dai decorrentes.
27- Salvo melhor opinião, A prova docuemntal carreada para os autos , a prova testemunhal , depoimentos, produzida em sede de audiência e a precisa e correta aplicação do direito foi bastante e suficiente para comprovar que o arguido praticou os factos e o crime que lhe é imputado, um crime de Actos Sexuais com adolescente.»
Finaliza a Assistente defendendo que «deverá o presente recurso merecer provimento e ser considerado procedente, e em consequência, de harmonia com os fundamentos e as conclusões expostas, ser revogado a Sentença que Absolveu o Arguido e substituída por um outro que condene o arguido da prática de um crime de Actos Sexuais com Adolescente.»
- da resposta -
Notificado para tanto, o Arguido não respondeu aos recursos.
Respondeu o Ministério Público ao recurso da Assistente, reiterando os termos do seu próprio recurso.
Admitido o recurso, foi determinada a sua subida imediata, nos autos, e com efeito suspensivo.
Neste Tribunal da Relação de Lisboa foram os autos ao Ministério Público que, convocando tudo o que foi alegado nas motivações de recurso e aditando ainda um novo olhar sobre a fundamentação da sentença recorrida, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto.
Cumprido o disposto no art.º 417.º/2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada resposta ao parecer.
Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência.
Cumpre decidir.
OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do art.º 412.º do Código de Processo Penal, e de acordo com a jurisprudência há muito assente, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação por si apresentada. Não obstante, «É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito» [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência 7/95, Supremo Tribunal de Justiça, in D.R., I-A, de 28.12.1995]
Desta forma, tendo presentes tais conclusões, são as seguintes as questões a decidir:
- Existe contradição entre os factos provados e os não provados?
- Existe erro manifesto na apreciação da prova, que justifique diferente resposta à matéria de facto?
- Deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o Arguido?
- Qual o crime praticado.
DA SENTENÇA RECORRIDA
Da sentença recorrida consta a seguinte matéria de facto provada e não provada:
« A) Factos provados
Com relevância para a boa decisão da causa, apurou-se designadamente que:
1. O arguido nasceu a ...-...-1970 .
2. O arguido explorou o ..., sito na ....
3. No dia ...-...-2022, pelas 20:00, CC, nascida em ...-...-2007, naquela data com 14 anos de idade, entrou no ... para comprar gomas, estando o arguido no seu interior.
4. Ao ver a menor entrar nesse estabelecimento, movido pelo impulso da sua líbido, o arguido decidiu abordar CC e praticar actos de cariz sexual com a mesma.
5. Então, em concretização desse propósito, o arguido começou por colocar a sua mão nas nádegas da menor, deixando-a ali por breves instantes.
6. De seguida, CC afastou-se do arguido, evitando o toque do mesmo, e foi à procura das gomas que a levaram àquela loja.
7. O arguido foi no encalce da menor, dentro do estabelecimento, e assim que os outros clientes que lá se encontravam saíram do minimercado, o arguido disse a CC que lhe iria oferecer um sumo e outras coisas que pretendesse, para levar para a sua irmã DD, que morava em ... e era cliente daquele estabelecimento.
8. Então, o arguido disse à menor para o seguir para a arrecadação do minimercado onde guardava os produtos que lhe iria oferecer, o que a CC acedeu, seguindo o arguido até à arrecadação do estabelecimento.
9. Na arrecadação do minimercado, o arguido disse à menor para escolher o que quisesse levar, enquanto colocava a sua mão esquerda sobre as costas da menor.
10. De seguida, o arguido deslizou a sua mão, das costas da menor até lhe tocar na zona das nádegas, deixando a sua mão ali repousar por alguns segundos.
11. Assustada com o que estava a suceder, a menor saiu do minimercado a correr, deixando o arguido para trás dentro daquele estabelecimento.
12. Do CRC do arguido nada consta.
13. O arguido é licenciado em ….
14. O arguido encontra-se desempregado.
15. O arguido encontra-se inscrito no centro de emprego.
16. O arguido não aufere quaisquer rendimentos.
17. O arguido é casado.
18. O arguido tem três filhos, sendo dois ainda menores.
19. O arguido vive em casa própria.
20. O arguido é proprietário de um veículo automóvel, de marca ….
21. O arguido não tem dívidas.
22. Em virtude dos factos descritos, CC sentiu medo, vergonha e nervosismo.
B) Factos não provados
Para a boa decisão da causa, não se apurou designadamente que:
a) No circunstancialismo referido em 5.º o arguido deu uma palmada no rabo à menor.
b) Ao entrarem na arrecadação, o arguido baixou os estores do minimercado para ficarem mais resguardado e protegidos de olhares exteriores.
c) No circunstancialismo referido em 10.º, o arguido deslizou a sua mão, da anca da menor até lhe tocar na zona das nádegas.
d) Ao tocar nas nádegas da menor CC, então com 14 anos de idade, por duas vezes, dando-lhe uma palmada no rabo, deslizando a sua mão das ancas até às nádegas, deixando a sua mão repousar sobre o rabo da menor durante alguns segundos agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que CC era uma adolescente de 14 anos, sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da personalidade dessa menor, e que punha em causa o normal e seu desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual.
e) Em todo o circunstancialismo descrito, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento é censurado por lei como crime.
f) O demandado/arguido pôs em causa a saúde, o bem-estar, a honra e bom nome da menor e da sua família,
g) O que tem trazido sofrimento emocional e perturbação psíquica à menor.
h) A menor tem medo de tudo e de todos.
i) Tendo-se vindo a manifestar nesta menor um sentimento de desconfiança para com todos,
j) E de vergonha para com quem a rodeia, pois entende designadamente que a sua reputação e prestígio estão postos em causa,
k) O que lhe provoca, também, ansiedade, desgosto, humilhação e desilusão.»
FUNDAMENTAÇÃO
- da contradição entre os factos provados e os não provados
Quanto aos vícios da decisão com reflexo na determinação dos factos provados (impugnação em sentido estrito), e que correspondem à insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova, são os mesmos de conhecimento oficioso. Deverão resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, sem recurso a quaisquer provas documentadas, limitando-se a atuação do Tribunal de recurso à sua verificação na sentença e, não podendo saná-los, à determinação do reenvio, total ou parcial, do processo para novo julgamento (art.º 426.º, n.º 1 do C. Processo Penal).
Apela o Ministério Público no seu recurso a uma contradição entre a matéria assente dos actos praticados pelo Arguido e a falta de prova de que o mesmo agiu com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que CC era uma adolescente de 14 anos, que sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da personalidade dessa menor, e que punha em causa o normal e seu desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual.
Compulsados os factos, temos que concluir existir tal manifesta contradição. Como conjugar estas duas realidades?
[provado que]
4. Ao ver a menor entrar nesse estabelecimento, movido pelo impulso da sua líbido, o arguido decidiu abordar CC e praticar actos de cariz sexual com a mesma.
5. Então, em concretização desse propósito, o arguido começou por colocar a sua mão nas nádegas da menor, deixando-a ali por breves instantes.
[não provado]
d) Ao tocar nas nádegas da menor CC, então com 14 anos de idade, por duas vezes, dando-lhe uma palmada no rabo, deslizando a sua mão das ancas até às nádegas, deixando a sua mão repousar sobre o rabo da menor durante alguns segundos agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais,
Como pode o Arguido ser movido pela sua líbido e em concretização desse propósito mas, simultaneamente, não se provar que agiu com o concretizado propósito de satisfazer os seus desejos sexuais. A contradição é manifesta e surge porque tal facto (vd. facto n.º 12 da acusação) reporta-se aos dois momentos de acção do Arguido, que ocorreram sucessivamente, ao abrigo da mesma resolução (cfr. facto n.º 3 da acusação).
Ora, a sentença dá como não provado o facto (do n.º 12), o que se repercute nos dois momentos, em toda a acção. Porém, impunha-se decompô-lo, isolando a parte correspondente àquele movimento não provado, mas mantendo-o relativamente aos demais movimentos provados. Só assim se evita uma contradição entre a descrição objectiva dos factos (na qual foi logo incluído a satisfação da líbido) e a parte subjectiva, contida naquele artigo final.
Porém, como resulta do demais alegado na motivação dos recursos, a questão não se fica por aqui, avançando para o domínio da valoração da prova. E desde já se adianta que, igualmente por força da valoração da prova, se impõe uma intervenção no domínio da decisão de facto.
- do erro manifesto na apreciação da prova
Em sede de recurso, pode o Tribunal da Relação reapreciar a matéria de facto por uma de duas vias.
Por um lado, como consequência da apreciação dos vícios previstos no art.º 410.º/2 do Código de Processo Penal, ou seja, com um âmbito mais restrito. Neste domínio, o Tribunal deverá verificar a ocorrência de tais vícios a partir do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum. Constatada a ocorrência de um dos apontados vícios, cumpre ao Tribunal de recurso corrigir a decisão de facto em conformidade, ou remeter o processo à primeira instância para proceder a tal reparação caso não esteja ao seu alcance, desta forma alcançando o fim do recurso. Já abordámos tal possibilidade encontrando uma contradição e adiante veremos da possibilidade de a reparar em conformidade com o próximo passo.
Com efeito, foi o Tribunal da Relação de Lisboa chamado a pronunciar-se no âmbito de uma impugnação ampla da matéria de facto, feita nos termos do art.º 412.º/3, 4 e 6 do Código de Processo Penal, caso em que a apreciação versa a prova produzida em audiência, dentro dos limites fornecidos pelo recorrente.
Neste caso, o recurso não corresponde a um segundo julgamento para produzir uma nova resposta sobre a matéria de facto, com audição das gravações do julgamento da primeira instância e reavaliação da prova pré-constituída, mas sim um mero remédio correctivo para ultrapassar eventuais erros ou incorreções da decisão recorrida. Tais erros emergirão como resultado de uma deficiente apreciação da prova e terão sempre de corresponder aos concretos pontos de facto identificados no recurso.
Tanto assim é que são reconhecidas limitações ao “segundo” julgamento que ao Tribunal de recurso assiste, com base na prova documentada [vd. Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 26.10.2021, Desembargador Manuel Advínculo Sequeira, ECLI:PT:TRL:2021:510.19.6S5LSB.L1.5.DD «Como é sabido, o recurso sobre a matéria de facto não equivale a um segundo julgamento, pois é apenas uma possibilidade de remédio para apreciação em que claramente se haja errado.
- As declarações são ainda indissociáveis da atitude e postura de quem as presta, olhares, trejeitos, hesitações, pausas e demais reacções comportamentais às diversas perguntas e questões abordadas, isoladas ou entre si combinadas, bem como a regras de experiência e senso comuns à luz da normalidade dos comportamentos humanas e nunca se poderá ainda perder de vista a circunstância de, por princípio, ter aquela observação levado em devida conta a apreciação comunitária e o exame individual de todos os intervenientes no caso, perante o tribunal e durante a audiência, com todas as vantagens atinentes e intrínsecas à imediação, desta resultando, sem qualquer tipo de reserva, factores impossíveis de controlar após o respectivo encerramento.
- Toda a sensibilidade que ali desfila, individual, mas também geral, tem enorme importância no sentenciamento justo e é impossível apartá-lo da resposta que o tribunal irá dar ao caso concreto, em nome da comunidade pelo que só a imediação, a par da oralidade, garante o processo e decisão justos, princípios adquiridos com segurança, vai para mais de um século.
- Tudo para concluir ser de primordial importância saber-se que na concreta fixação da verdade do caso influem elementos determinantes que escapam por natureza a apreciação posterior.»]
Por tudo isto, perante esta forma de impugnação, cumpre ao Tribunal da Relação analisar os factos questionados, verificar se têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e avaliar e comparar a prova indicada na dita fundamentação, testando a sua consistência e coerência. Apenas no caso de tal sustentação soçobrar perante este exame deverá o Tribunal considerar que outra decisão deveria ter sido tomada pelo Tribunal recorrido e, consequentemente, intervir na respectiva correcção [cfr. Acs. STJ de 14.03.2007, Conselheiro Santos Cabral - ECLI:PT:STJ:2007:07P21.5C; de 23.05.2007, Conselheiro Henriques Gaspar - ECLI:PT:STJ:2007:07P1498.95; de 29.10.2008, Conselheiro Souto de Moura - ECLI:PT:STJ:2008:07P1016.19; e de 20.11.2008, Conselheiro Santos Carvalho - ECLI:PT:STJ:2008:08P3269.6B].
Consequentemente, o recurso de impugnação ampla merece especiais imposições fixadas na lei, a saber, no art.º 412.º/3 do Código de Processo Penal: «a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas.»
Impõe-se, então, ao Recorrente que indique os factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados bem como os meios de prova e respectiva interpretação, avaliação, que imponham decisão diversa daquela produzida em primeira instância.
Caso o Recorrente entenda existirem provas que devam ser renovadas terá que os indicar especificadamente e expor as razões que justifiquem que a dita renovação evitará o reenvio do processo tal como resulta do art.º 430.º do Código de Processo Penal.
Neste domínio da indicação da prova produzida, caso tenha sido sujeita a gravação, exige-se ao Recorrente a referência ao que tiver sido consignado na acta, devendo o recorrente apontar as passagens das gravações em que fundamenta a sua pretensão recursiva. Não lhe bastará remeter para a totalidade de um ou de vários depoimentos, mas sim indicar as concretas passagens que devem ser ouvidas ou visualizadas no Tribunal da Relação de Lisboa (art.º 412.º/4 e 6 do Código de Processo Penal) – cfr. Acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 3/2012, in DR, 1.ª de 18.04 2012 «Visando o recurso a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com reapreciação da prova gravada, basta, para efeitos do disposto no artigo 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP, a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas, na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações».
Aqui chegados, cumpre expressar a conclusão que se impõe no que toca à impugnação ampla e sua apreciação. O Tribunal de recurso só poderá alterar a decisão se as provas indicadas obrigarem a uma decisão diversa da proferida. Caso tais provas não imponham essa decisão diversa, mas apenas a permitam, paralelamente àquela que foi a decisão da primeira instância, deverá ser esta última a prevalecer, não havendo lugar a qualquer correcção da decisão recorrida, desde que se mostre devidamente fundamentada e, face às regras da experiência comum, couber dentro de uma das possíveis soluções (vd., Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.2021, Desembargador Jorge Gonçalves - ECLI:PT:TRL:2021:477.20.8PDAMD.L1.5.A4).
Perante o princípio da livre apreciação da prova tal como consagrado no art.º 127.º do Código de Processo Penal, permite-se ao julgador recorrer às regras da experiência e sua convicção do julgador, desde que logre justificá-la assegurando a respectiva compreensão e sindicância. Assim, não será a convicção pessoal de cada um dos intervenientes processuais que irá sobrepor-se à convicção do Tribunal, caso contrário, nunca seria possível alcançar uma decisão final. Pelo exposto, o Tribunal de recurso apenas poderá intervir de forma correctiva perante a invocação fundamentada de um erro de apreciação da prova, que venha a concluir ter existido.
Cumpridos que foram os requisitos da impugnação, a leitura da fundamentação de facto da decisão recorrida surpreende logo pela forma como revela que o Tribunal extraiu conclusões divergentes das mesmas declarações.
Atente-se no seguinte. O Tribunal a quo ficou convencido da ocorrência dos factos com o depoimento da menor que avalia como credível e coerente, contrastando com as declarações do Arguido, as duas únicas pessoas presentes aquando do decurso da acção.
Retirou do «Depoimento de CC, ofendida em causa nos autos, prestou um depoimento sincero e genuíno, atenta a forma como foi respondendo às questões que lhe foram sendo colocadas, pese embora o melindre dos factos em apreciação. Relatou os factos em apreciação de forma coerente, detalhada e rigorosa, nunca vacilando nas suas respostas, apesar da sua tenra idade, não se tendo denotado no seu discurso qualquer intenção de prejudicar o arguido, mas tão só descrever os factos tais como os mesmos sucederam. Descreveu de forma emotiva e circunstanciada no tempo e no espaço, a forma como se deslocou ao minimercado explorado pelo arguido e aí o encontrou; elencou com precisão os gestos efectuados pelo arguido sobre o seu corpo, tocando-a em duas ocasiões distintas nas suas nádegas, contra a sua vontade; o medo e o receio que sentiu pelo comportamento do arguido e que a fizeram sair do estabelecimento comercial a correr, em direcção a casa da sua irmã. Referiu, ainda que, antes de sair do estabelecimento comercial, atirou para a zona da caixa o valor dos produtos que pretendia adquirir e atirou uma pedra em direcção aos vidros do estabelecimento, partindo-os. Por fim, mencionou que quando chegou a casa de sua irmã, vinha tão nervosa que não lhe conseguiu contar o sucedido, sentindo vergonha de relatar tais factos na presença do seu cunhado.»
Por seu turno, desvalorizou as «Declarações do arguido, o qual negou a prática dos factos ilícitos em apreço. Admitiu, todavia, que conhecia a jovem CC e ser sabedor da sua idade, pelo facto de a mesma frequentar o seu estabelecimento comercial, quer sozinha, quer acompanhada pela sua irmã DD. Referiu que frequentemente oferece produtos e bens alimentares cujo prazo de validade se encontrem perto do fim da sua validade, a alguns clientes, o que sucedeu com a referida DD. Esclareceu que no dia dos factos, a jovem CC dirigiu-se ao seu estabelecimento e, quando se encontravam sozinhos no seu interior, ofereceu-lhe produtos alimentares (gelatinas e queijos). Negou que em momento algum, tivesse colocado as suas mãos nas nádegas da jovem e que apenas lhe tocou nas costas como forma de a encaminhar para a arrecadação, local onde se encontravam os referidos produtos. Nesse local, a jovem não mostrou interesse por qualquer dos produtos que ali estivessem e foi-se embora. Ao longo da prestação das suas declarações, o arguido apresentou uma postura marcadamente tensa e nervosa, com um discurso previamente preparado, sendo manifesto que cada palavra era cautelosamente pensada, antes de ser proferida.»
As demais testemunhas não presenciaram os factos, pelo que o seu depoimento não relevou para a decisão que deixou como não provada a matéria objecto de impugnação. Continuou a sentença:
«Da concatenação dos mencionados meios de prova resulta que o arguido e a ofendida apresentam versões diametralmente opostas quanto aos factos em análise. Todavia, não temos quaisquer dúvidas em atribuir toda a credibilidade à versão dos factos que nos foi relatada pela jovem CC, em detrimento da versão desculpabilizante que nos foi apresentada pelo arguido. Veja-se, desde logo, que a jovem CC, sem que ninguém o tivesse referido, assumiu ter atirado uma pedra em direcção aos vidros do minimercado, partindo-os, no momento em que saiu do seu interior, dado o seu estado de nervosismo. Por outro lado, pese embora as demais testemunhas arroladas não tenham presenciado os factos em concreto, não deixaram de atestar que a jovem CC se apresentou, nos momentos seguintes, muito nervosa e envergonhada, não conseguindo descrever os factos praticados pelo arguido na presença do seu cunhado. Ora, os comportamentos posteriores apresentados pela vítima, apesar de não revelarem os factos praticados pelo arguido, conferem credibilidade à versão que nos é trazida por CC, pois não é crível que a menor se apresentasse um quadro de tão grande nervosismo se o arguido se tivesse limitado a oferecer-lhe produtos alimentares, tal como é por este alegado.
A este propósito, não podemos deixar de consignar o que só a imediação o permite: o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, os pormenores acessórios, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual, a interpretação dos olhares e as pausas que, quer o arguido, quer a ofendida apresentaram. Todos estes elementos foram atendidos e ponderados, na apreciação da versão dos factos apresentadas e no convencimento do relato da vítima em detrimento do prestado pelo arguido.
A conjugação dos elementos probatórios, acima explicitados, à luz dos princípios da experiência comum e da razoabilidade inerente ao acontecer dos factos permitem concluir, sem margem para dúvidas, que o arguido praticou os factos nos termos supra descritos, permitindo credibilizar, sem qualquer margem de dúvidas, a versão dos factos que nos foi relatada pela jovem.»
Relativamente aos factos não provados, encontramos apenas um singelo «No que concerne à factualidade não provada referida na acusação, a mesma não encontrou correspondência com a prova produzida.»
A leitura dos factos provados não deixa muito espaço para sustentar que ficou por demonstrar que o Arguido agiu com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, ou que, sabendo que CC era uma adolescente de 14 anos, também não sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da sua personalidade e que punha em causa o normal desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual.
Mais adiante, na fundamentação de direito, contudo, encontramos mais umas pistas para a decisão de facto. Inicia-se a discussão com um «Aqui chegados resta-nos averiguar se o arguido praticou tais actos com abuso da inexperiência da vítima.»
Salvo o devido respeito, depois da resposta dada quanto aos factos não provados, aqui apenas caberia a constatação de que não houve tal abuso. Porém, é neste ponto que a sentença justifica o entendimento do Tribunal para, a priori, ter dado tal matéria por não provada.
A matéria em causa não é demonstrável sem que o Tribunal se socorra da aplicação das regras da experiência comum. Aplicação, saliente-se, aos factos concretos, às pessoas efectivamente sujeitas ao escrutínio do julgador, ao Arguido e à Assistente, sua vítima. Os juízos académicos e jurisprudenciais expostos pelo Tribunal a quo não são directamente aplicáveis ao caso concreto.
Desde logo, em momento algum a menor deu o seu consentimento para a prática dos actos, pelo que não cabe questionar a sua capacidade, a sua experiência, para avaliar a determinação do Arguido.
Ficou provado, e bem, conforme resulta da avaliação dos depoimentos com a qual se concorda, que a Assistente, com 14, entrou na loja do Arguido, com 51 anos, para comprar gomas. Movido pelo impulso da sua líbido, o arguido colocou a sua mão nas nádegas da menor, deixando-a ali por breves instantes. Não satisfeito, o Arguido, depois da Assistente se ter afastado, ofereceu-lhe um sumo e outras coisas que pretendesse, para levar para a sua irmã e encaminhou-a para a arrecadação onde colocou a sua mão esquerda sobre as costas da menor e a deixou deslizar até lhe tocar na zona das nádegas, deixando a sua mão ali repousar por alguns segundos.
A Assistente, assustada, logrou afastar-se.
A leitura desta descrição, que emerge das declarações da Assistente e da valoração que, como vimos acima, é correcta e revela a credibilidade depositada na vítima, permite alcançar a conclusão que ficou arredada da decisão do Tribunal a quo.
A forma como a menor se comporta é, desde logo, reveladora da sua ingenuidade e inexperiência que, por seu turno, conferem aos actos do Arguido um manifesto carácter de aproveitamento dessa mesma ingenuidade e inexperiência. A forma como o Arguido encaminha a Assistente para a arrecadação traduz um claro propósito de aproveitamento da sua fragilidade, só exequível por estar perante uma criança, e os actos praticados, um claro propósito de procura de satisfação sexual.
Assim, com base na descrição dos factos produzida pela Assistente, conclui-se existir erro na valoração da prova.
- da reparação do erro
O Ministério Público, no fim das suas conclusões, formula a pretensão de ver o processo reenviado para nova decisão. Mas a assistente termina com o pedido de substituição da decisão recorrida por outra que altere a matéria de facto e condene o Arguido pela prática do crime pelo qual vem acusado.
Como acima mencionámos, apenas haverá lugar a reenvio caso o Tribunal de recurso não logre superar o erro, recorrendo aos elementos disponíveis. Resulta claramente da fundamentação já produzida que a disponibilidade das declarações da assistente permite concluir de forma diversa e fundamentar a pretendida alteração dos factos provados e não provados.
Assim, em conformidade com o acima exposto, altera-se a decisão de facto, passando para os factos provados os seguintes:
11.a - Ao tocar nas nádegas da Assistente, por duas vezes, deslizando a sua mão até às nádegas, deixando-a ali repousar agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que CC era uma adolescente de 14 anos, sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da personalidade dessa menor, e que punha em causa o normal e seu desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual.
11.b - Em todo o circunstancialismo descrito, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento é censurado por lei como crime.
Por seu turno, nos factos não provados, apenas restará:
d) Ao dar uma palmada no rabo da Assistente e fazer deslizar a sua mão das ancas até às nádegas, agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais.
e) (…)
- da qualificação jurídica
Com este novo circunstancialismo, teremos que reapreciar a decisão quanto ao preenchimento, com a conduta do Arguido, do tipo imputado.
Encontra-se o Arguido acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punido nos termos do artigo 173.º n.º 1 do Código Penal.
Pratica este crime «Quem, sendo maior, praticar ato sexual de relevo com menor entre 14 e 16 anos, ou levar a que ele seja praticado por este com outrem, abusando da sua inexperiência».
No seu recurso, porém, o Ministério Público conclui que os factos praticados correspondem à prática de um crime distinto, menos gravoso, a saber, o crime de Importunação sexual (artigo 170.º do Código Penal), segundo o qual «Quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal».
A Assistente, por seu turno, mantém a pretensão de que o Arguido seja condenado pelo crime pelo qual se encontra acusado.
Atentemos, porém, aos factos provados.
O Arguido movido pelo impulso da sua líbido (o que confere, desde logo, um carácter sexual à sua actuação), colocou a sua mão nas nádegas da menor, deixando-a ali por breves instantes e, num segundo momento, colocou a sua mão esquerda sobre as costas da menor deixou-a deslizar até lhe tocar na zona das nádegas, deixando a sua mão ali repousar por alguns segundos. Estes actos, de cariz sexual, assumem o necessário relevo para efeitos da imputação.
Com efeito, como citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 02.02.2011, Desembargador Belmiro Andrade [ECLI:PT:TRC:2011:889.09.8.TAPBL.C1.98], de acordo com RUI DO CARMO (in O abuso Sexual de Menores - Uma conversa sobre justiça entre o direito e a psicologia, Almedina, 2002, pág. 35, citado também na decisão recorrida) «Do conceito de acto sexual de relevo está, assim excluída qualquer conotação moralista, desde logo porque é hoje claro que estes crimes protegem bens jurídicos pessoais e não uma qualquer concepção de moralidade sexual. É, pois, um acto de natureza, conteúdo ou significado sexual que contende, com importância, com a liberdade ou a autodeterminação sexual de quem o sofre ou pratica. Se nalguns casos a sua caracterização se torna clara (...), noutros exige uma cuidada ponderação da situação concreta. Mas estaria condenada ao fracasso qualquer tentativa de fazer uma listagem das condutas que integram a noção de acto sexual de relevo (...). Na análise de cada conduta ter-se-á de tomar em consideração o carácter objectivo do acto, a sua adequação social, o seu reflexo sobre a vítima - no fundo, verificar se foi ou não, na situação concreta, violado o bem jurídico protegido pela norma. Será indiferente a idade da vítima e o seu grau de desenvolvimento físico e psicológico? Serão indiferentes o ambiente social e os valores culturais do meio em que o menor esta inserido e em que os factos aconteceram? Serão indiferentes as concretas circunstâncias do caso? Qual o relevo a dar, nesta ponderação, à referência aos valores sociais e modos de comportamento estatisticamente dominantes? o fundo, precisamos de saber mais sobre o abuso sexual do que aquilo que diz a lei penal, para que sejamos capazes de a aplicar correctamente. Até para que, na análise de cada situação concreta, se percorra o correcto caminho, que consiste em partir dos factos para a sua caracterização jurídica, e se evite a tentação de interpretar os factos já à luz do rótulo (da expressão “interdita”] de abuso sexual». E, no mesmo sentido, SÉNIO ALVES (Crimes Sexuais, pág. 8): «O acariciar dos seios é um acto sexual? E se sim, é de relevo? (...) Numa noção pouco rigorosa (diria sociológica) de acto sexual têm cabimento actos como os supra referidas (o acariciar dos seios e de outras partes do corpo). São aquilo que vulgarmente se designa como preliminares da cópula e, por isso, são actos de natureza sexual ou, se se preferir, actos com fim sexual, pelo que o acto sexual de relevo é, assim, todo o comportamento destinado à libertação e satisfação dos impulsos sexuais (ainda que não comporte o envolvimento dos órgãos genitais de qualquer dos intervenientes) que ofende, em grau elevado, o sentimento de timidez e vergonha comum à generalidade das pessoas e a relevância ou irrelevância de um acto sexual só lhe pode ser atribuída pelo sentir geral da comunidade (...) que considerará relevante ou irrelevante um determinado acto sexual consoante ofenda, com gravidade ou não, o sentimento de vergonha e timidez (relacionado com o instinto sexual) da generalidade das pessoas».
Quando a vítima é uma menor de 14 anos, que fica exposta à investida de um homem de 51 anos que a acaricia pelas costas até às nádegas, onde deixa ficar a mão, não sobram dúvidas de que estamos perante um acto sexual de relevo.
Está provada a idade da vítima. Está provada a sua vulnerabilidade emergente da inexperiência. Tendo o Arguido agido dolosamente, com consciência da ilicitude do seu comportamento, encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime em apreço pelo que, praticou o Arguido o crime pelo qual vem acusado.
Não se acompanha, pois, a pretensão do recurso do Ministério Público no sentido de qualificar de forma diferente os factos provados, dando-se antes provimento à visão recursiva da Assistente.
- da pena
Na determinação da medida da pena há que atender ao critério estabelecido no art.º 71.º do Código Penal, segundo o qual «1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.»
Para proceder à determinação do quantum concreto da punição, em primeiro lugar, há que atender à culpa. Sendo o juízo de culpa uma ponderação valorativa do processo de formação da vontade do arguido, tendo como critério aquilo que uma pessoa (enquanto homem médio com características pessoais similares à condição do agente) colocada na posição daquele faria perante a mesma situação, não poderemos deixar de a considerar elevada no caso que nos ocupa.
No fundo, o juízo de culpa releva, necessariamente, da intuição do julgador, sendo este assessorado pelas regras da experiência que lhe permitem proceder à valoração nos termos descritos. E no caso vertente, o arguido deliberadamente violou normas que punem actos de conhecida gravidade, socialmente perniciosos, pondo em causa um dos mais preciosos bens da sociedade, as suas crianças, o seu futuro.
Encontrado o vector que limita o máximo concreto da pena aplicável, será ainda de ponderar: o grau de ilicitude dos factos, mediano atenta a forma de execução e suas repercussões, graves, face às consequências sofridas pela vítima; a intensidade do dolo, directo; as condições pessoais do arguido, suas habilitações literárias e situação económica; e a sua conduta anterior e posterior ao facto, sem reparos registados no seu Certificado de Registo Criminal – cfr. Ac. Supremo Tribunal de Justiça de 14.09.2006, Relator Juiz Conselheiro Santos Carvalho [ECLI:PT:STJ:2006:06P2681.A0] - «I - Numa concepção moderna, a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral, o que significa “que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto… alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada…” (Anabela Miranda Rodrigues, A determinação da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra Editora, p. 570).
II - “É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma «moldura» de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica” (mesma obra, pág. seguinte).
III - A prevenção especial, por seu lado, é encarada como a necessidade de socialização do agente, embora no sentido, modesto mas realista, de o preparar para no futuro não cometer outros crimes.
IV - “Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassáve1 de todas e quaisquer considerações preventivas…” (ainda a mesma obra, p. 575). “Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado” (p. 558).».
Entramos aqui nas chamadas razões de prevenção especial, aquelas dirigidas ao infractor, e as razões de prevenção geral, dirigidas à comunidade.
As primeiras traduzem-se em duas vertentes, caracterizadas como positiva e negativa. A positiva respeitando às expectativas de ressocialização do condenado, e a negativa resultando da necessidade de prevenção da reincidência.
As segundas traduzem a necessidade de apaziguamento da comunidade em geral, eliminando sentimentos de impunidade, e reforçando a mensagem de que existem consequências para a prática de condutas que são criminosas e, desta forma, assegurando ao cidadão comum que o Estado e as suas leis estão activamente a promover a segurança e a paz social.
O crime em apreço é punido com pena de prisão até 2 anos.
Seguindo estas indicações, julga-se adequada uma pena no meio da moldura penal disponível, ou seja, 1 ano de prisão.
Determinada que foi a medida concreta da pena, impõe-se aferir da possibilidade de suspender a execução de tal pena.
De acordo com o art.º 50.º do Código Penal, o Tribunal deverá suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Para tanto deverá ponderar a personalidade do agente, as suas condições de vida, a conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, daí retirando a necessidade da execução do encarceramento ou julgar que a ameaça de um período concreto de prisão bastará para alcançar a satisfação das necessidades de prevenção geral e de prevenção especial. O período de suspensão terá duração a fixar entre 1 e 5 anos.
A pedra de toque desta decisão será a avaliação e conclusão, pelo Tribunal, de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no que toca às necessidades de prevenção especial.
Para chegar a tal conclusão, ponderará ainda o decisor as diversas formas que a suspensão da execução poderá assumir. Assim, para assegurar que será alcançado tal desiderato, poderá a suspensão ser subordinada ao cumprimento de deveres, à observância de regras de conduta, ou ainda acompanhada de regime de prova.
Tais deveres impostos ao condenado deverão ser vocacionados à reparação do mal do crime, nomeadamente, “pagar dentro de certo prazo, no todo ou na parte que o tribunal considerar possível, a indemnização devida ao lesado” - (art.º 51.º /1 al. a) do Código Penal).
Já quanto ao regime de prova, deverá ser determinado se o mesmo se afigurar conveniente e adequado para promover a reintegração do condenado na sociedade, assentando num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social. Necessariamente, nos casos em que o condenado não tiver ainda completado, ao tempo do crime, 21 anos de idade o regime de prova é ordenado (art.º 53.º do Código Penal).
A decisão desta questão resultará da ponderação das circunstâncias da prática do crime e das condições pessoais do Arguido. Assim, quanto às primeiras, importa ter presente que o Arguido usou de uma disponibilidade conferida pela sua actividade na loja à qual a menor se deslocou que, actualmente, não tem pois está desempregado, o que diminui as exigências de prevenção especial. Inexistem circunstâncias que agravem tais necessidades de prevenção e exijam a prisão efectiva.
No que toca às condições pessoais, há que valorizar que o Arguido mantém inserção familiar.
A suspensão da execução da pena não é uma faculdade, um arbítrio do julgador, uma decisão meramente opinativa. Impõe-se sempre que se verifiquem as condições definidas e acima elencadas pelo que o Tribunal tem que ponderar da viabilidade da suspensão. A formulação do prognóstico terá que ser feita no momento da decisão, olhando para o Arguido tal como se encontra então, e perspectivar a sua evolução para o futuro
Ao olhar para os factos provados, percebe-se ser essa a situação do Arguido. Assim, afigura-se adequado propiciar-lhe a sujeição a tais mecanismos, incentivando-o a fazê-lo de forma empenhada, com a ameaça pendente de prisão se, durante o período da suspensão não acatar as obrigações que lhe forem impostas por um Plano Individual de Reinserção Social vocacionado para a ocupação do seu tempo, preferencialmente com actividade de natureza profissional remunerada. Dado o tempo já decorrido desde a prática dos factos, entende-se que o período de suspensão deverá coincidir com a pena fixada, ou seja, um ano.

DECISÃO
Nestes termos, e face ao exposto, decide o Tribunal da Relação de Lisboa julgar procedente o recurso da Assistente, e parcialmente procedente o recurso do Ministério Público e, em conformidade com o acima exposto:
1. Altera-se a decisão de facto, passando para os factos provados os seguintes:
«11.a - Ao tocar nas nádegas da Assistente, por duas vezes, deslizando a sua mão até às nádegas, deixando-a ali repousar agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais, bem sabendo que CC era uma adolescente de 14 anos, sabia que perturbava e prejudicava, de forma séria, o desenvolvimento da personalidade dessa menor, e que punha em causa o normal e seu desenvolvimento psicológico, afectivo e sexual.
11.b - Em todo o circunstancialismo descrito, o arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, pese embora soubesse que o seu comportamento é censurado por lei como crime.»
e para os factos não provados:
«d) Ao dar uma palmada no rabo da Assistente e fazer deslizar a sua mão das ancas até às nádegas, agiu o arguido com o propósito concretizado de satisfazer os seus desejos sexuais.
e) (…)».
2. Revoga-se a decisão de absolvição do Arguido e, consequentemente decide-se:
«Condenar o Arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, um crime de actos sexuais com adolescentes, previsto e punido nos termos do artigo 173.º nº 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.
Suspender a execução da pena de prisão pelo período da sua duração, mediante sujeição a Plano Individual de Reinserção Social vocacionado para a ocupação do seu tempo, preferencialmente com actividade de natureza profissional remunerada.»

Sem custas.
Lisboa, 23 de Maio de 2024
Rui Coelho
João Ferreira
Sara Marques