Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6599/08.6TDLSB.L3-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
ASSISTENTE
VENCIMENTO DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Em processo crime, o assistente/demandante, mesmo obtendo vencimento na lide, deve ser notificado nos termos do art.15, nº2, do RCP, para efetuar pagamento da taxa de justiça;
II. A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado (art.6º, nº1 do RCP), pago no momento em que é desencadeado o impulso processual, ou no momento previsto no art.15, nº2, do RCP, nos casos de dispensa do prévio pagamento, em que há um diferimento desse pagamento;
III. O facto de ter obtido vencimento na lide e não ter sido condenado nas custas, não releva para efeito daquele pagamento, apenas se refletindo na conta, onde constarão as custas de parte;
IV. Pode acontecer que a parte vencida não pague as custas da sua responsabilidade e não seja viável a sua execução, o que determinará prejuízo para quem obteve vencimento na lide, mas tendo presente a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, é mais justo que o custo do processo seja suportado por quem dele beneficiou do que pela comunidade. (Sumariado pelo relator).
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Iº 1. Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº6599/08.6TDLSB, da Comarca de Lisboa (Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 24), por acórdão transitado em julgado, além do mais, foram julgados procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos por C.CCE. Ldª, CCPCC e MR  e pela SCMD  , Lda.
Notificados da conta, delas reclamaram C. CCE. Ldª, CCPCC e MR  e SCMD, Lda., após resposta da Srª Contadora, tendo sido proferido o seguinte despacho, datado de 13 de dezembro de 2021:
“….
CCPCC, MR , C.CCE, Ldª E SCMD, Ldª, Assistentes e demandantes nos presentes autos, vieram reclamar da conta de custas elaborada, pela qual foram notificados para proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça em falta.
Alegam, em síntese, que o pedido foi totalmente procedente.
Foram elaboradas respostas pela Sra. Contadora, que aqui se dão por reproduzidas e que, em síntese, mantém a conta elaborada, porquanto é devido o pagamento integral da taxa de justiça, pela dedução do pedido de indemnização civil.
O Ministério Público emitiu parecer, no sentido da improcedência das reclamações apresentadas.
Cumpre decidir.
Com efeito, não havendo lugar à dispensa de pagamento prévio da taxa de justiça, cumpria aos demandantes aquando da dedução do pedido de indemnização civil, auto liquidarem a taxa de justiça devida.
O que não fizeram em valor correcto, motivo pelo qual foram notificados para proceder ao pagamento do remanescente em divida.
Tal pagamento não fica dispensado pela procedência, total ou parcial do pedido.
Na verdade, estabelece o Artigo 6° do Regulamento das Custas Processuais que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente. In casu, é devida com a dedução do pedido cível.
A procedência total ou parcial apenas implica que o valor pago a título de taxa de justiça inicial seja incluído nas custas de parte. E através de tal instrumento, a parte vencida proceda ao seu pagamento à parte que obteve tal ganho de causa total ou parcial (na proporção do decaimento); tal como se mostra estabelecido no Artigo 26 do mesmo diploma legal.
Em suma, ao demandante cabe liquidar a taxa de justiça no montante devido pelo valor do pedido deduzido. Ao demandando, caberá ressarci-lo, em custas de parte, do valor liquidado, total ou parcialmente. Tendo por referência o ganho de causa, total ou parcial.
Pelo exposto, indefere-se as reclamações à conta de custas apresentadas, mantendo-se a mesma nos precisos termos em que se mostra elaborada.
…”.
2. Deste despacho de 13 de dezembro de 2021, recorrem aqueles assistentes/demandantes, concluindo:
A) CCPCC, MR  e C.CCE, LDA:
1. Segundo o art. 15°, n° 1, alínea d) do DL n° 34/2008, de 26 de Fevereiro, o demandante, no pedido de indemnização cível em processo penal é dispensado do pagamento prévio da taxa de justiça, quando o respectivo valor seja igual ou superior a 20 UC's, o que é o caso nos presentes autos;
2. As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, para efectuar o pagamento no prazo de 10 dias, facto que não se verificou no presentes autos, o que determina a respectiva preclusão.
3. Sendo julgado integralmente procedente um pedido de indemnização cível, tendo as custas ficado a cargo do demandado, o demandante não suportará o pagamento de quaisquer custas — Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 08.04.2015 — Proc. 782/09.4TASNT-L1.3.
4. As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (art. 3°, n° 1 do RCP).
5. O regime do art. 6°, n° 7 do RCP, conjugado com o art. 530°, n° 7 do CPC, permite atender à complexidade dos autos e à conduta das partes, evitando que se atinjam montantes exorbitantes.
6. A matéria do pedido de indemnização cível nos presentes autos não apresentou qualquer complexidade.
7. Ainda que os demandantes tivessem de pagar taxa de justiça, em função da queda dos fundamentos apontados nos n°s. 1; 2; 3 e 4 destas conclusões, o pagamento da taxa de justiça por valores tão elevados aos demandantes, violam o princípio constitucional da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade, ex vi art. 18°, n° 2 da CRP.
8. Atentas as razões aduzidas e as presentes conclusões, cabe ao demandado o pagamento da totalidade das custas, de acordo com a respectiva condenação.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e os demandantes dispensados do pagamento total de custas.
B) SCMD  , Lda.:
1ª. A Assistente, ora Recorrente, formulou o pedido de indemnização cível em 01.06.2011, não tendo procedido ao pagamento de taxa de justiça – cfr. doc. de fls. dos autos.
2ª. Nessa data, vigorava a redação inicial do artigo 15º do Regulamento das Custas Processuais (RCP), dada pelo Decreto-Lei 34/2008, de 26 de fevereiro, com a Rectificação nº 22/2008, de 24 de Abril,
3ª. De modo que não havia dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça, que, todavia, passou a existir com a alteração dada pela Lei 7/2012, de 13 de fevereiro, ao artigo 15º do RCP, que, posteriormente, passou a vigorar.
4ª. Porém, tendo presente o artº 8º da Lei 7/2012, de 13 de fevereiro, a sua aplicação em nada afetou o pedido de indemnização cível formulado pela Assistente, aqui Recorrente.
5ª. E não tornou aplicável à Assistente, aqui Recorrente, a alínea d) do nº 1 do artº 15º do RCP na redação dada pela Lei 7/2012, de 13 de fevereiro, e, assim, o nº 2 do mesmo preceito do Regulamento das Custas Processuais.
6ª. Assim, o Arguido LM , pelo Acórdão de 28.02.2020, confirmado pelos Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa e do Supremo Tribunal de Justiça, foi condenado a pagar à Assistente, aqui Recorrente, uma indemnização no valor de € 715.483,79, a título de danos patrimoniais, a que acrescem juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, calculados a partir da data da notificação do pedido de indemnização cível atá integral pagamento, ou seja o valor correspondente ao pedido de indemnização cível formulado pelo dito requerimento de 01.06.2011, bem como foi, outrossim, condenado nas custas do pedido civil.
7ª. Em conformidade com o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.04.2015, in proc. 782/09.4TASNT-A-L1-3:
“1. ...
2. Conjugando o estatuído nos artigos 6°, n° 1, 13°, n° 1, 14°, n° 1, e 8°, todos do Regulamento das Custas Processuais, verifica-se que a dedução de pedido cível em processo penal não está sujeita ao prévio pagamento de taxa de justiça - razão pela qual a taxa de justiça, que se integra no conceito de custas, apenas é paga a final, nos termos fixados na decisão final.
3. Não existindo autoliquidação de taxa de justiça pela dedução de pedido de indemnização em processo penal, nunca ocorrerá alguma situação de dispensa do pagamento prévio de taxa de justiça e, nessa medida, também não deverá ter lugar a notificação prevista no número 2 do artigo 15° do Regulamento das Custas Processuais, a qual estaria sempre dependente do pressuposto de se verificar tal dispensa.
4. Sendo julgado integralmente procedente um pedido de indemnização civil, tendo as custas ficado integralmente a cargo dos demandados, o demandante não suportará, evidentemente, o pagamento de quaisquer custas.“
8ª. Ao assim não ter sido entendido, foram violadas, designadamente, as citadas disposições legais.
9ª. Deste modo, não havendo lugar à autoliquidação da taxa de justiça, deve, em consequência, ser revogado o despacho recorrido e substituído por Douto Acórdão que reconheça e determine que, no caso, não havia nem há lugar à autoliquidação da taxa de justiça.
3. Os recursos foram admitidos a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, após o que o Ministério Público respondeu, concluindo pelo seu não provimento.
4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr Procurador-geral Adjunto aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância e pronunciou-se pelo não provimento dos recursos.
5. Após os vistos legais, realizou-se a conferência.
6. O objeto dos recursos, tal como se mostram delimitados pelas respetivas conclusões, reconduz-se à questão de saber se os recorrentes estão obrigados a proceder ao pagamento da taxa de justiça, para que foram notificados nos termos do art.15, nº2, do RCP.
*
IIº 1. Em causa está a aplicação do nº2, do art.15, do RCP, na redação introduzida pela Lei nº7/2012, de 13Fev., com entrada em vigor em 29Mar.12 "2 – As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que suscetível de recurso, para efetuar o seu pagamento no prazo de 10 dias".
Em relação às razões que determinaram a introdução deste art.15, nº2, o parecer nº40/2011, da Procuradoria Geral da República (Diário da República, 2.ª série — Nº113 — 12 de junho de 2012), refere: "... Desconhecemos as razões que determinaram esta alteração, sendo que a exposição de motivos da Proposta de lei que esteve na base do diploma não as referenciam. Os debates parlamentares e os pareceres emitidos no decurso do procedimento legislativo também são omissos quanto a tais razões. Admitimos, no entanto, que a solução legislativa tenha que ver com a necessidade de se garantir e obter, com um maior grau de eficácia, o pagamento das taxas de justiça devidas pela utilização da máquina judiciária. No regime anterior à apontada alteração, podia suceder que o sujeito processual condenado nas custas, onde, como se disse, se deveriam incluir tanto a sua própria taxa de justiça, como a taxa relativa à outra parte (vencedora), que fora dispensada do seu pagamento prévio, não procedesse ao seu pagamento voluntário, havendo necessidade da sua cobrança coerciva, através do Ministério Público. Nesta situação poderia acontecer que não se conseguisse arrecadar qualquer importância por inexistência de bens penhoráveis do devedor/executado. O risco do não pagamento da taxa de justiça relativa à parte vencedora que fora dispensada do seu prévio pagamento, era assumido, em exclusivo, pela entidade pública credora das custas. De certa forma, deparamo-nos com uma situação que apresenta alguma semelhança com a que se descreve no preâmbulo do Decreto-Lei nº324/2003, a que já se aludiu, para justificar o abandono do sistema da restituição da taxa de justiça. Também na situação agora em apreço pode suceder que não se consiga, no final do processo arrecadar «qualquer quantia a título de taxa de justiça, bastando, para esse efeito, que a parte vencida não proceda a qualquer pagamento no decurso da ação e que não possua bens penhoráveis. Ora, sendo certo que o processo existiu, correu os seus termos e teve um custo efetivo, tal significa que foi a comunidade, globalmente considerada, quem o suportou, em detrimento de quem motivou o recurso ao tribunal». Não obstante a efetiva prestação do serviço público de justiça, sucede, nesta situação, que nem a parte que dele beneficiou o paga, nem o pagamento se consegue obter do sujeito processual vencido e, enquanto tal, condenado nas custas. Agora, nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do RCP, a parte dispensada do seu prévio pagamento, ainda que obtenha ganho de causa, passa a ter de liquidar a taxa de justiça que, nos termos legais, corresponda à ação, procedimento ou incidente, assim se manifestando, em toda a sua plenitude, a regra, já enunciada, da não gratuitidade da atividade judiciária, segundo a qual, «as custas correspondem às despesas ou encargos judiciais causados com a obtenção em juízo, seja qual for o processo, da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctica».
No caso, tendo os recorrentes beneficiado da prestação efetiva de um serviço público, não têm razão para se eximir ao pagamento da prestação pecuniária exigida pelo Estado aos utentes do serviço judiciário, já que beneficiaram, apenas, do adiamento do respetivo pagamento.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, como prevê art.6, nº1 do RCP, pago no momento em que é desencadeado o impulso processual, ou no momento previsto no art.15, nº2, do RCP, nos casos de dispensa do prévio pagamento, em que há um diferimento desse pagamento.
É certo que, no caso, os recorrentes obtiveram vencimento na lide e não foram condenados nas custas, mas essa é questão que se refletirá na conta, onde constarão as custas de parte.
Pode acontecer que a parte vencida não pague as custas da sua responsabilidade e não seja viável a sua execução, o que determinará prejuízo para quem obteve vencimento na lide, mas tendo presente a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, é mais justo que o custo do processo seja suportado por quem dele beneficiou do que pela comunidade.
Os pedidos em causa foram formulados antes da alteração introduzida ao citado nº2, do art.15, do RCP, pela Lei nº7/2012, contudo, o Ac. nº5/16, do STJ (DR-54 SÉRIE I de 2016-03-17), fixou a seguinte jurisprudência, em relação à qual não temos razões para discordar “A parte dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização civil que, na vigência do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26.02, tenha sido deduzido no processo penal e que se encontrar pendente à data da entrada em vigor da Lei n.º 7/2012, de 13.02, deve, independentemente de condenação em custas, ser notificada, a final, para proceder, no prazo de dez dias, ao pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 15.º, número 2, do referido Regulamento, na redação dada pela citada Lei n.º 7/2012, de 13.02, aplicável por força do disposto no artigo 8.º, número 1, deste diploma”.
Alegam que não foram dispensados do pagamento, tendo pago o devido na altura, mas o montante das custas só é determinado face à decisão de mérito, razão por que à dispensa de pagamento prévio deve ser equiparada o pagamento parcial do devido, efetuado pelos recorrentes.
Diz um dos recorrentes que os montantes exigidos são exorbitantes, permitindo o nº7, do art.6, do RCP, a dispensa do seu pagamento, questão não suscitada perante o tribunal recorrido, sendo por isso questão nova que não pode ser apreciada por este tribunal de recurso.
De qualquer modo, face à jurisprudência fixada pelo STJ no Ac. nº1/22 (Diário da República n.º 1/2022, Série I de 2022-01-03) “A preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a que se reporta o n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, tem lugar com o trânsito em julgado da decisão final do processo”, já não podem pedir essa dispensa.
Tendo sido arbitrada aos recorrentes C.CCE. , CCPCC” e MR  indemnização superior a um milhão e meio de euros, é manifesto, ao contrário do alegado, que a exigência do pagamento de taxa de justiça de cerca de quinze mil euros não viola o princípio constitucional da proibição do excesso, na vertente da proporcionalidade, ex vi art. 18°, n° 2 da CRP.
Em conclusão, o despacho recorrido não merece qualquer censura.
*
IIIº DECISÃO:
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, em conferência, em negar provimento aos recursos dos demandantes C.CCE., CCPCC, MR  e SCMD  , Lda.
Condena-se cada um dos recorrentes em três UCs de taxa de justiça.

Lisboa, 5 de abril de 2022
Vieira Lamim
Artur Vargues