Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FERREIRA MARQUES | ||
Descritores: | RETRIBUIÇÃO TRABALHO SUPLEMENTAR EXECUÇÃO DE SENTENÇA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 04/20/2005 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
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Sumário: | Só nos casos em que no momento da formulação do pedido ou da prolação da sentença não haja elementos para fixar o objecto ou a quantidade do pedido, pode aplicar-se a norma do nº 2 do art. 661º do CPC, ou seja, relegar para execução de sentença a liquidação de um crédito. A remissão para execução de sentença não pode fazer-se em razão da falta de prova dos factos, mas tão somente por inexistência de factos provados, por estes não serem conhecidos ou estarem em evolução no momento em que foi instaurada a acção ou em que foi proferida a decisão que dirimiu a matéria de facto contravertida. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO (M), residente..., em Lisboa, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Nordigal – Indústria de Transformação Alimentar, S.A., com sede na Zona Industrial do Casal do Marco, Rua Eugénio dos Santos, Lote 96/97, Casal do Marco, Seixal, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe: a) A quantia de € 90.143,74 a título de comissões devidas desde 1996 até à data da propositura da acção; b) A importância de € 15.109,16 referente ao subsídio de férias e subsídio de Natal acrescido da parte variável da retribuição desde 1996 até à data da propositura da acção; c) O montante de € 38.262,48, a título de trabalho suplementar prestado desde 1996 até à data da propositura da acção; d) A quantia de € 14.603,36, a título de trabalho prestado aos fins de semana desde 1996 até à data da propositura da acção; e) A importância de € 47.492,00 referente aos quilómetros por esta efectuados ao serviço da Ré desde 1996 até à data da propositura da acção; f) A quantia de € 35.000,00, a título de danos não patrimoniais; g) O montante de € 591,86, a titulo de despesas médicas e medicamentosas; h) O valor de €. 38.718,78, a título de juros legais vencidos até à data da propositura da acção, e nos vincendos, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento. Alegou para tanto e em síntese, o seguinte: Foi admitida ao serviço da Ré, em 5/9/1996, para lhe prestar a sua actividade de técnica de vendas, sob as suas ordens, direcção e fiscalização. Como contrapartida da sua actividade foi acordado entre as partes que a A. receberia um ordenado base fixo, no valor líquido de 150.000$00/€ 748,20, acrescido das comissões sobre as vendas por si realizadas, sujeito a actualização anual. A Ré estipulou que parte da aludida quantia fixa seria processada no recibo de vencimento da A. e o remanescente seria titulado por meio de uma folha de quilómetros fictícia, o que tem vindo a suceder. A Ré não lhe pagou qualquer comissão relativa às vendas que promoveu junto dos clientes da empresa. Por imposição da Ré, tem prestado a esta, em média, por dia, pelo menos mais duas horas de trabalho para além do seu horário normal de trabalho, sem que a R. lhe tenha pago qualquer retribuição relativa a trabalho suplementar. Também por imposição da Ré, trabalhou para aquela em 81 fins de semana, sem que tivesse auferido a correspondente remuneração por trabalho extraordinário ou gozado qualquer descanso compensatório. A Ré nunca lhe pagou o valor correspondente aos verdadeiros quilómetros que tem vindo a efectuar aquando das deslocações ao serviço da empresa, no total de 153.600 quilómetros. Ao longo dos anos, foi submetida a uma excessiva carga de trabalho, tendo mesmo havido anos em que não gozou férias, o que lhe causou danos não patrimoniais e patrimoniais. A Ré contestou, por excepção e por impugnação. Por excepção, arguiu a prescrição dos créditos relativos a trabalho suplementar, por à data da citação da Ré – em 15/1/2004 - se encontrarem vencidos há mais de cinco anos. Por impugnação, negou a totalidade dos direitos invocados pela A.. Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido, tendo pedido a condenação da A. como litigante de má fé. A A. respondeu à matéria da excepção, concluindo pela sua improcedência. Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar à A.: a) Comissões, no valor de 1% do volume das vendas facturadas pela R., respeitantes a produtos transformados sob a forma de marcas comerciais, ou a granel (refeições, e componentes de refeição, refrigerados ou ultracongelados), resultantes de promoção efectuada pela A., desde a data da sua entrada ao serviço até à data da propositura da acção, a liquidar oportunamente; b) Retribuição pelo trabalho suplementar prestado pela A. desde 15/1/1999 até à data da propositura da acção, na realização de campanhas de promoção dos produtos da Ré nos hipermercados em fins de semana, e na realização de feiras nos dias 1 a 5 de Maio de 1999, 31 de Março a 03 de Abril de 2000 e 21 a 24 de Abril de 2002, das 09h às 20h, a liquidar oportunamente; c) Juros de mora, sobre as quantias referidas em a) e b), à taxa legal sucessivamente vigente, contados desde a data do vencimento de cada uma dessas quantias, até integral pagamento. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da referida sentença para esta Relação, tendo sintetizado as suas alegações nas seguintes conclusões: (...) Admitido o recurso, na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. A questão fulcral que se suscita neste recurso consiste em saber se a sentença recorrida podia relegar para execução de sentença a liquidação das quantias reclamadas a título de comissões e a título de retribuição por trabalho suplementar. II. FUNDAMENTOS DE FACTO (...) III. FUNDAMENTOS DE DIREITO Como dissemos atrás, a questão fulcral que se suscita neste recurso consiste em saber se a sentença recorrida podia relegar para execução de sentença a liquidação das quantias reclamadas a título de comissões e a título de retribuição por trabalho suplementar. A A. pediu que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 90.143,74 a título de comissões vencidas desde 1996 até à data da propositura da acção, bem como a quantia de € 52.865,84, a título de retribuição por trabalho suplementar prestado. Alegou para tanto: a) Que foi admitida ao serviço da Ré em 5/9/1996, e por conta e sob a direcção desta exerceu, desde essa data, as funções de técnica de vendas; b) Que nos contratos de trabalho que celebrou com a Ré ficou estabelecido que receberia, a título de comissão, 1% do volume de vendas dos produtos transformados, cuja venda tenha promovido; c) Que, desde Setembro de 1996 até Outubro de 2003, promoveu vendas, cujos valores discriminou no artigo 31º da sua petição inicial. Estes foram os factos que a A. invocou como fundamento (causa de pedir) do direito à retribuição reclamada a título de comissões. Cabia-lhe, pois, o ónus de provar esses factos para ver reconhecido esse direito (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil). A apelante, contudo, em relação a estes fundamentos de facto conseguiu apenas provar o seguinte: 1) Que foi admitida ao serviço da Ré, em 5/9/1996, e que, desde essa data, exerceu por conta e sob a direcção desta as funções de técnica de vendas; 2) Que nos contratos de trabalho que celebrou com a Ré ficou estabelecido que receberia, a título de comissão, 1% do volume de vendas dos produtos transformados, cuja venda tenha promovido; 3) Que lhe competia, primeiro sozinha e depois juntamente com o Director Comercial (a partir de Novembro de 2002) e com a prospectora de vendas (V) (a partir de Junho de 2003) promover os produtos comercializados e os serviços prestados pela Ré junto das feiras gastronómicas e outros eventos semelhantes, atender reclamações referentes aos produtos comercializados e aos serviços prestados e dar a conhecer os produtos e os serviços perante os novos clientes; 4) Que, quando iniciou as suas funções, em 1996, começou por ser responsável pelo acompanhamento directo de cerca de meia dúzia de clientes da Ré; 5) Que com o decorrer do tempo e a evolução do volume de negócios da Ré o número de clientes desta aumentou, sendo a A. responsável pelos contactos com algumas dezenas de clientes. 6) Que a realização das campanhas de promoção dos produtos da Ré nos hipermercados é efectuada em fins de semana, por questões de marketing, na medida em que estes locais têm maior afluência de público nesses dias. 7) Que a A. costumava acompanhar a realização dessas promoções 8) Que a A. participou também na realização de várias feiras, designadamente a “Alimentária”, “Horexpo” e “Socieventos”, nas quais eram promovidas as já mencionadas marcas de produtos da Ré. Perante esta matéria de facto, o Mmo juiz a quo concluiu: “Atendendo às funções atribuídas e à actividade desempenhada pela A. (cfr. nºs 31 a 34, 40 a 43), esta certamente promoveu vendas de produtos enquadráveis nesta categoria. Porém, não foi possível apurar quais as vendas concretamente facturadas pela Ré, respeitantes a produtos transformados sob a forma de marcas comerciais, ou a granel (refeições, e componentes de refeição, refrigerados ou ultracongelados), resultantes de promoção efectuada pela A.. Assim, terá de se relegar para momento posterior a liquidação do que é devido pela R. à A. a título de comissões (art.º 661º n.º 2 do Código de Processo Civil)”. Alega a apelante que o Mmo juiz a quo não podia relegar para execução de sentença a liquidação da retribuição devida, a título de comissões, uma vez que os elementos de facto em falta, já se tinham verificado no momento da propositura da acção, só não surgindo na decisão que fixou a matéria de facto provada por não ter sido cumprido pela autora o ónus da prova dos factos constitutivos do direito às comissões que reclama. Desde já, se adianta que a apelante tem toda a razão. Na verdade, só nos casos em que, no momento da formulação do pedido ou da prolação da sentença, não haja elementos para fixar o objecto ou a quantidade do pedido, pode aplicar-se a norma do n.º 2 do art. 661º do CPC, ou seja, relegar-se para execução de sentença a liquidação de um crédito. A remissão para execução de sentença não pode fazer-se em razão da falta de prova dos factos, mas tão somente por inexistência de factos provados, por estes não serem conhecidos ou por estarem em evolução no momento em que foi instaurada a acção ou na data em que foi proferida a decisão que dirimiu a matéria de facto controvertida. Repare-se que o referido preceito refere como fundamento para o non liquet quantitativo, apenas a “falta de elementos”, e não a falta de prova de elementos, pelo que só deve relegar-se a liquidação do quantitativo da condenação para execução de sentença, quando estamos perante uma falta de elementos de factos a provar e não quando estamos perante o fracasso da prova produzida sobre esses factos. De modo algum se poderá considerar que a ratio legis do art. 661º, n.º 2 do CPC permite defender teleologicamente uma repetição da realização da instância probatória quanto a factos já produzidos e conhecidos em juízo, favoráveis a uma das partes, e que esta não conseguiu fazer vencer na acção declarativa. A liquidação em execução de sentença não admite a renovação da prova que não se logrou produzir naquela sede. Não é legítimo, por isso, o recurso a tal figura quando o quantum se não determinou devido ao fracasso da prova (Ac. da RP de 12/6/00, in www.dgsi.pt). Consentir-se no apuramento do crédito e do respectivo montante em execução de sentença, por fracasso da prova na acção declarativa, quando todos os elementos de facto constitutivos do direito já se verificavam e eram conhecidos da autora e foram por esta alegados, no momento da propositura da acção, seria o mesmo que conceder-lhe uma segunda oportunidade para provar os factos que não conseguiu provar na fase declarativa da acção, com total desrespeito pelos princípios gerais da repartição do ónus da prova, bem como das regras que estabelecem os momentos e lugares próprios para as diferentes fases processuais e definem os objectivos de cada uma dessas fases (Acs. do STJ, de 17/1/95, BMJ 443º, 395; de 13/1/00, Sumários, 37º-34; de 24/2/00, Sumários, 38º-45). As comissões, como se sabe, constituem uma modalidade de retribuição variável que se traduz na atribuição ao trabalhador de uma parte, normalmente definida em percentagem, do valor das transacções por ele realizadas, em nome e proveito da entidade patronal, ou em que tenha tido intervenção mediadora. A natureza retributiva da comissão não oferece quaisquer dúvidas. É uma componente da contrapartida do trabalho, com o duplo significado de participação e incentivo: visa proporcionar a retribuição ao resultado da prestação e, simultaneamente, estimular o trabalhador a um desempenho mais diligente e empenhado das funções atribuídas com a promessa de um ganho proporcional à utilidade obtida para o empregador. A conexão entre a atribuição patrimonial assim efectuada e a quantidade e qualidade do trabalho é perfeitamente irrecusável. Mas para ver reconhecido o direito às comissões reclamadas, o A. tinha que provar (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil), tal como alegou na sua petição inicial que, desde Setembro de 1996 até Outubro de 2003, promoveu vendas, tendo a empresa com essas vendas facturado os valores que discriminou no artigo 31º da sua petição inicial, pois não há comissões sem vendas. Como as suas comissões correspondiam a 1% do volume de vendas dos produtos transformados, o A., para fazer funcionar esta percentagem, tinha que provar os valores das vendas que promoveu, valores esses que alegou no artigo 31º da petição inicial. Como não conseguiu provar os valores das vendas que promoveu, nem os que alegou no artigo 31º da petição inicial, nem quaisquer outros, a sua pretensão tem necessariamente que improceder. Ao afirmar, como afirmou, que a A. “certamente promoveu vendas (...)”; que “não foi possível apurar quais as vendas concretamente facturadas (...) resultantes da promoção efectuada pela A.” e ao relegar para execução de sentença a liquidação da quantia reclamada a título comissões, por não se mostrarem provados todos os elementos de facto constitutivos do direito invocado, quando todos esses elementos já tinham ocorrido, eram conhecidos da autora e foram por ela alegados no momento da propositura da acção, o Mmo juiz a quo acabou por conceder-lhe uma segunda oportunidade para provar os factos que alegou, mas não conseguiu provar na acção declarativa que instaurou. Ora, isso, como dissemos atrás, configura uma flagrante violação dos princípios gerais de repartição do ónus da prova e das regras que estabelecem os momentos e lugares próprios para as diferentes fases processuais e os objectivos definidos pela lei para cada uma dessas fases. Baseando-se nos n.ºs 31 a 34, 40 a 43 da matéria de facto provada, o Sr. juiz afirma que a A. “certamente promoveu vendas (...)”, mas se se analisar bem essa matéria de facto, a mesma não permite extrair essa ilação. Quer isto dizer que a A. nem sequer conseguiu provar que promoveu vendas efectivas O mesmo sucede, em parte, em relação à retribuição reclamada, a título de trabalho suplementar prestado. Para ver reconhecido o direito à retribuição que reclama, a título de trabalho suplementar prestado, a A. tinha o ónus de alegar e provar os factos constitutivos desse direito, (art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil), ou seja, tinha o ónus de alegar e de provar qual foi o seu horário normal de trabalho, desde a data da sua admissão ao serviço até à data da propositura da acção, quais os dias e as horas em que prestou trabalho fora desse horário; se esse trabalho lhe foi prévia e expressamente determinado pela sua entidade patronal ou se foi prestado com o seu conhecimento e consentimento [arts. 2º, n.º 1 e 7º, n.º 4 do DL 421/83, de 2/11 (LTS)]. Em relação a esta pretensão, a A. alegou que, por imposição da Ré, trabalhou em média, diariamente, mais duas horas para além do horário normal de trabalho que estava estipulado, horário diário esse que era das 9h às 18h, com uma hora de intervalo para almoço das 13 às 14 horas. Alegou ainda que, também por imposição da R., trabalhou para a R. durante muitos fins de semana, no total de 81 fins de semana. A A., no entanto, conseguiu apenas provar: a) que o seu horário de trabalho era das 9.00 às 18.00 horas, com intervalo de uma hora para almoço entre as 13.00 e as 14.00 horas; b) que, por vezes, permanecia na empresa para além do seu horário, para concluir o trabalho; c) que, por vezes, participava em reuniões com clientes fora das instalações da empresa, que terminavam para lá do seu horário de trabalho; d) que participava em campanhas (organizadas pela empresa) de promoção dos produtos da Ré em hipermercados que, por razões de marketing, eram efectuadas aos fins de semana, e na realização de várias feiras, designadamente a “Alimentária”, “Horexpo” e “Socieventos”, nas quais eram promovidas as já mencionadas marcas de produtos da Ré; e) e que, no âmbito destas actividades, trabalhou nos dias 1 a 5 de Maio de 1999, 31 de Março a 3 de Abril de 2000 e 21 a 24 de Abril de 2002, das 9 às 20.00 horas. Em termos concretos, a A. apenas conseguiu provar que trabalhou mais duas horas fora do seu horário normal de trabalho nos dias 3, 4 e 5 de Maio de 1999, em 31 de Março e 3 de Abril de 2000 e nos dias 22, 23 e 24 de Abril de 2002. E em relação a trabalho prestado aos fins de semana apenas conseguiu provar que trabalhou, das 9 às 20.00 horas, nos fins de semana de 1 e 2 de Maio de 1999; 1 e 2 de Abril de 2000 e no dia 21 de Abril (domingo) de 2002. Em relação ao demais trabalho suplementar alegado, nada de concreto se conseguiu apurar. A A. não só não conseguiu provar, tal como alegou, que, por imposição da Ré, trabalhou em média, diariamente, mais duas horas para além do horário normal de trabalho, como também não conseguiu provar, em termos concretos, se para além daqueles dias que atrás referimos, houve outros dias em que trabalhou fora do seu horário normal de trabalho e quantas horas trabalhou, nesses dias, fora desse horário. Em relação a trabalho prestado aos fins de semana, também nada mais e em concreto se conseguiu apurar. A A. não só não conseguiu provar que por imposição da R. trabalhou para a R. durante muitos mais fins de semana, no total de 81 fins de semana (tal como tinha alegado), como também não conseguiu provar se, para além dos fins de semana que atrás referimos trabalhou em mais alguns fins de semana. Portanto, também, nesta parte, o Mmo juiz a quo não procedeu correctamente. Em relação ao trabalho suplementar concretamente apurado, devia ter liquidado logo na sentença a retribuição que é devida pela prestação desse trabalho, levando em consideração a retribuição mensal que se encontrava provada, cujos componentes teve o cuidado de identificar e de integrar (a retribuição base + a média das quantias pagas a título de “ajudas de custo”), bem como os valores da retribuição horária dos anos de 1999, 2000 e 2002 que também teve o cuidado de calcular. Não podia relegar para execução de sentença a liquidação da retribuição devida por este trabalho, invocando a necessidade de se provar, primeiro, a parcela que é devida a título de comissões, uma vez que a A. não conseguiu provar na acção, na oportunidade que lhe foi concedida para o efeito, os elementos de facto constitutivos desse direito [cfr. quesito 15º da Base Instrutório (fls. 1703) e a resposta que lhe foi dada na decisão de fls. 2.035 a 2040]. Não tendo conseguido fazer essa prova nessa oportunidade, não lhe podia conceder nova oportunidade para o fazer. Em relação ao demais trabalho suplementar alegado, o Mmo juiz também não podia relegar para execução de sentença a liquidação da retribuição correspondente, com o fundamento que invocou, ou seja, em não se mostrarem provados todos os elementos de facto necessários à definição do direito e à determinação do montante devido, uma vez que todos esses elementos já tinham ocorrido, eram do conhecimento da autora e foram por ela alegados na sua petição inicial. Se não conseguiu provar todos esses elementos de facto no julgamento efectuado na acção declarativa sibi imputet, não permitindo a lei, nesta situação, que se lhe conceda uma segunda oportunidade para provar os elementos de facto que na primeira não conseguiu provar. Portanto, só o trabalho suplementar concretamente apurado nesta acção pode ser levado em consideração e só com base nos elementos retributivos concretamente apurados nesta acção (retribuição base + “ajudas de custo), deve determinar-se a retribuição devida pela prestação desse trabalho. Nestes termos, a retribuição horária a considerar para determinar a remuneração devida pelo trabalho suplementar concretamente apurado é o seguinte (nos termos da fórmula prevista no art. 29º do DL 874/76, de 28/12): Em 1999: [110.880$00 + 71.940$00 (ajudas de custo)] x 12 : 2080 = 1.054$73 / € 5,26; Em 2000: [114.350$00 + 77.755$00 (ajudas de custo)] x 12 : 2080 = 1.108$30 / € 5,53; Em 2001: [118.900$00 + 80.865$00] x 12 : 2080 = 1.152$49 / € 5,75; Em 2002: [€ 617,50 + € 419,48 (soma dos valores constantes no número 20 da matéria de facto, dividida por 14, que equivale ao valor invocado pela A. no art.º 18º da petição inicial)] x 12 : 2080 = € 5,98. A A. sustenta que tanto o trabalho suplementar prestado em dias úteis, como em dias de descanso deverá ser remunerado com o acréscimo de 100%, por força da cláusula 28ª da Convenção Colectiva de Trabalho celebrada entre a ARESP, de que a Ré é associada, e a FESHOT – Federação dos Sindicatos da Hotelaria e Turismo de Portugal e outros, publicada no BTE n.º 36, 1ª série, de 29/9/1998. A Ré repudiou a aplicabilidade de tal CCT, alegando que a ARESP subscreveu também uma outra convenção, com a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Escritório e Serviços, publicada no BTE n.º 3, de 22/1/1995. Vejamos: A cláusula 28ª do CCT invocado pela A. estipula, sem distinção, que a retribuição da hora suplementar será igual à retribuição horária efectiva, acrescida de 100%. Prevê, pois, em relação ao trabalho suplementar prestado em dia útil, um acréscimo retributivo superior ao estipulado pelo n.º 1 do art.º 7º do DL 421/83, de 2/12. O CCT invocado pela Ré contém norma igual à do CCT invocado pela A. (cláusula 18ª, n.º 2; cláusula 17ª n.º 2, na nova versão do CCT, publicada no BTE n.º 24, de 29.6.2004). Ambos os CCT foram alvo de portarias de extensão (publicadas, no que respeita ao CCT em que outorgou a FESHOT, no BTE n.º 1, de 2001; no que respeita ao CCT em que outorgou a FETESE, no BTE n.º 24. de 1995). Assim, independentemente de qual o CCT aplicável, o trabalho suplementar prestado pela A. beneficia de um acréscimo de 100% sobre a sua retribuição normal, por força das referidas portarias de extensão (art.º 29º do DL 519-C1/79, de 29.12). Como o trabalho suplementar (seja o prestado em dia útil, seja o prestado em dias feriados e em dias de descanso obrigatório e complementar) é todo remunerado da mesma forma, ou seja, com um acréscimo de 100%, para calcular a retribuição devida por esse trabalho, basta contabilizar as horas prestadas em cada ano, multiplicar a soma dessas horas pelo dobro da retribuição horária de cada um desses anos e depois somar os valores apurados. Nestes termos, como em 1999, o A. trabalhou mais duas horas fora do seu horário normal de trabalho em cada um dos dias 3, 4 e 5 de Maio de 1999, e prestou 10 horas de trabalho em cada um dos dias 1/5 (sábado e feriado) e 2/5 (domingo) de 1999, o mesmo tem direito a receber a importância € 273,52 [(6 + 20) x (5,26 x 2)], a título de retribuição por esse trabalho; como em 2000, trabalhou mais duas horas fora do seu horário normal de trabalho em cada um dos dias úteis de 31/3/2000 e 3/4/2000 e prestou 10 horas de trabalho em cada um dos dias do fim de semana de 1 e 2/4/2000, tem direito a receber a quantia de € 265,44 [(4 + 20) x (5,53 x 2)], a título de retribuição pelo trabalho suplementar prestado nesse ano; como em 2002, trabalhou mais duas horas fora do seu horário normal de trabalho em cada um dos dias úteis de 22, 23 e 24/42002 e prestou 10 horas de trabalho no dia 21/4 (domingo), tem direito a receber a importância de € 190,40, a título de retribuição pelo trabalho suplementar prestado nesse ano. Como se trata de prestações que configuram obrigações de prazo certo, cada uma das quantias atrás referidas vence juros de mora, à taxa legal, desde a data do respectivo vencimento até integral pagamento (arts. 570º, n.º 1, 804º, n.º 1, 805º, n.º 2, al. a), 806º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil). Finalmente, duas palavras sobre o descanso compensatório. Nas empresas com mais de 10 trabalhadores, a prestação de trabalho suplementar em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado confere aos trabalhadores o direito a um descanso compensatório remunerado, correspondente a 25% das horas de trabalho realizado, que se vence quando perfizer um número de horas igual ao período normal de trabalho diário e deve ser gozado nos 90 dias seguintes. Nos casos de prestação de trabalho em dia de descanso semanal obrigatório, o trabalhador tem direito a um dia de descanso compensatório remunerado, a gozar num dos 3 dias úteis seguintes (art. 9º, n.ºs 1, 2 e 3 da LTS). Em relação a esta matéria, a A. limitou-se a alegar e a provar que nunca gozou qualquer descanso compensatório. Não alegou nem provou se a empresa onde trabalha tem mais de 10 trabalhadores e sem esse elemento de facto não é possível saber se tem ou não direito a descanso compensatório pelo trabalho suplementar prestado em dias úteis, dias feriados e dias de descanso complementar. Já o mesmo não sucede em relação ao trabalho prestado nos dias de descanso obrigatório, em relação a cada um dos quais é sempre devido 1 de dia descanso compensatório remunerado, a gozar num dos três dias úteis seguintes. Assim, estando provado que o A. prestou trabalho nos dias 2/5/99, 2/4/2000 e 21/4/2002, dias de descanso semanal obrigatório , o mesmo tem direito a gozar o descanso compensatório remunerado correspondente a esses dias de trabalho, pois mantendo-se em vigor a relação contratual e sendo ainda possível cumprir a prestação não efectuada no tempo devido, verifica-se apenas uma situação de mora ou de atraso no cumprimento. E configurando (apenas) uma situação de mora, à A. é apenas legítimo reclamar a concessão do gozo dos dias de descanso compensatório em falta e a indemnização dos danos que comprovadamente tivesse sofrido pela não concessão atempada desses dias de descanso (art. 804º, n.º1 e 2 do Cód. Civil). Como não reclamou qualquer indemnização, nem alegou nem demonstrou a verificação de quaisquer danos determinados por essa mora, a Ré deve conceder-lhe o gozo de 3 dias de descanso compensatório remunerados em falta, por ter trabalhado nos dias 2/5/99, 2/4/2000 e 21/4/2002. Procedem, assim, parcialmente as conclusões do recurso. IV. DECISÃO Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se: 1. Revogar parcialmente a sentença recorrida na parte impugnada; 2. Condenar a Ré a pagar à A. a quantia de € 729,36, a título de retribuição pelo trabalho suplementar prestado, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento de cada uma das prestações que integram a referida quantia até integral pagamento, bem como conceder-lhe o gozo efectivo de 3 dias de descanso compensatório remunerado pelo trabalho suplementar prestado nos dias 2/5/99, 2/4/2000 e 21/4/2002; 3. Absolver a Ré dos demais pedidos formulados pela Ré, no que respeita a comissões e a retribuições por trabalho suplementar. As custas do recurso serão suportadas por ambas as partes na proporção em que decaíram. Lisboa, 20 de Abril de 2005 Ferreira Marques Maria João Romba Paula Sá Fernandes . |