Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13907/17.7T8LSB.L1-2
Relator: HIGINA CASTELO
Descritores: SEGURO DE GRUPO
TRABALHADOR
SEGURO DE VIDA
SEGURO DE INVALIDEZ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE (APELAÇÃO DA RÉ) IMPROCEDENTE (APELAÇÃO DO AUTOR)
Sumário: I. As rés celebraram entre si um contrato de seguro de grupo, no qual a primeira ré era seguradora e a segunda ré tomadora (pagadora do prémio), contrato que foi celebrado por conta dos participantes, os trabalhadores efetivos da ré tomadora, cobrindo riscos de morte e de incapacidade total permanente.
II. O autor, enquanto trabalhador da ré tomadora, aderiu ao contrato de seguro de grupo através do preenchimento de um formulário com os seus dados de identificação e questionário médico.
III. Alterando-se, durante a vida do contrato de seguro, o tipo de atestado médico necessário à prova do grau de incapacidade e não sendo a pessoa segura informada dessa alteração, não fica por esse facto (omissivo) com direito à indemnização se, em todo o caso, não estiver afetada do necessário grau de incapacidade.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os abaixo assinados juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
«AA», casado, reformado, com o NIF […] e domicílio em […], intentou a presente
AÇÃO COM PROCESSO DECLARATIVO COMUM contra
FIDELIDADE - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., NIPC 500918880, com sede Largo do Calhariz, 30, 1249-001 Lisboa, e
«BB», S.A. anteriormente denominada de «CC» SA, NIPC […], com sede em […].
Notificados da sentença proferida em 14/07/2023, dela recorreram o autor e a ré «BB»; a ré Fidelidade requereu a ampliação do objeto do recurso do autor.
O autor tinha intentado a presente ação contra a ré seguradora e a ré empregadora (e tomadora do seguro), pedindo que:
a) Seja reconhecido e declarado válido e eficaz, relativamente ao autor, o contrato de seguro de grupo, do Ramo Vida, titulado pela apólice n.º …39, apenas na versão em vigor à data de adesão do autor;
b) Sejam as rés seguradora e tomadora condenadas, solidariamente, no pagamento ao autor do valor contratado na apólice …39, resultante da sua incapacidade e que perfaz a quantia de capital de € 97.492,50 (noventa e sete mil, quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos) correspondente a 42 vezes o salário base à data do evento, a que acresce o valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que hoje se traduzem em 4% ao ano, contabilizados sobre aquela referida quantia de capital, desde a data de constituição em mora, 20/08/2014 e até seu efetivo e integral pagamento;
c) Subsidiariamente e no caso de ser permitido à ré seguradora condicionar o pagamento do capital seguro à obrigação de o autor se sujeitar a uma avaliação no âmbito do atestado multiusos, com a verificação de uma percentagem de incapacidade igual ou superior a 66,66%, sempre tal exigência constituiria abuso de direito e violação do princípio da boa fé, com consequente nulidade da obrigação, pelo que e igualmente, deverão as rés ser condenadas, solidariamente, no pagamento ao autor do valor contratado na apólice …39, resultante da sua incapacidade e que perfaz a quantia de capital de € 97.492,50 (noventa e sete mil, quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), correspondente a 42 vezes o salário base à data do evento, a que acresce valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que hoje se traduzem em 4% ao ano, contabilizados sobre aquela referida quantia de capital, desde a data de constituição em mora, 20/08/2014 e até seu efetivo e integral pagamento;
D) Em alternativa e na eventualidade de se entender aplicar ao autor as obrigações e exceções decorrentes da versão contratual de 2013, por ausência de violação da LCCG, de abuso de direito e de violação do princípio da boa fé, tendo em conta que o Autor não sofre de doença do foro psíquico e ou psiquiátrico, e considerando também a incorreta avaliação, em sede de atestado multiusos, da percentagem da sua incapacidade, deverão as rés ser condenadas, solidariamente, no pagamento ao autor do valor contratado na apólice …39, resultante da sua incapacidade, que perfaz a quantia de capital de € 97.492,50 (noventa e sete mil, quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), correspondente a 42 vezes o salário base à data do evento, a que acresce valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que hoje se traduzem em 4% ao ano, contabilizados sobre aquela referida quantia de capital, desde a data de constituição em mora, 20/08/2014 e até seu efetivo e integral pagamento.
As rés contestaram separadamente a ação, pugnando pela sua improcedência, tendo a ré empregadora excecionado também a sua ilegitimidade.
A exceção dilatória foi julgada improcedente em sede de despacho saneador.
O processo seguiu os regulares termos e, após julgamento, foi proferida sentença que condenou a ré empregadora (tomadora do seguro) a pagar ao autor a quantia de € 97.492,50, acrescida de juros civis à taxa legal, contados desde a citação e até integral e efetivo pagamento; e absolveu do pedido a ré seguradora.
O autor não se conformou e recorreu, concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«1. O contrato dos Autos não é um contrato a favor de terceiro, no qual o Segurado é um mero beneficiário, entendimento constante da douta Sentença recorrida e até contraditório com o que nela se observa propósito da responsabilidade do prémio recair sobre a Tomadora “Veja-se que o facto do A. nada pagar pela apólice (ou seja, trata-se de um seguro não contributivo), não implica que se deva entender que se trata simplesmente de uma oferta ou uma atitude puramente altruísta. Efetivamente, trata-se de uma regalia concedida pela R. aos seus trabalhadores com contrato definitivo e, como é consabido, as regalias complementares dadas aos trabalhadores, integram-se na relação contratual laboral e podem assumir para estes um fator tão ou mais importante que a própria remuneração em dinheiro, tanto na altura de aceitarem o emprego, como para se manterem no mesmo às ordens da mesma entidade patronal.”
2. O contrato dos Autos é sim um contrato de seguro de grupo, com uma estrutura triangular de adesão que se constitui em dois momentos, um primeiro no qual se dá expressão ao princípio da liberdade contratual, cabendo a Segurador e Tomador negociar e definir as suas cláusulas, e um outro que se consubstancia na adesão das Pessoas Seguras, instante a partir do qual o contrato passa, também, a regular os seus interesses e a impor-lhe direitos e obrigações.
3. Com o objetivo de salvaguardar os interesses da parte mais débil da relação contratual, foi introduzido no ordenamento jurídico português a denominada Lei das Cláusulas Contratuais Gerais e Diretiva sobre Cláusulas Abusivas, através do DL 446/85;
4. O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (DL 72/2008) não constitui um direito especial em relação ao regime das cláusulas contratuais gerais; Os DL 72/2008 e 446/85 constituem lei especial em relação ao regime geral dos contratos, devendo harmonizar-se entre si, tal como resulta até do artigo 3 daquele primeiro diploma.
5. No contrato de seguro dos Autos cabia ao Tomador, num primeiro momento e relativamente às alterações introduzidas em 2013, demonstrar ter comunicado ao Segurado as alterações nele introduzidas, o que não fez; sucede, contudo, que esta obrigação de comunicação e prova, constante do artigo 78 do DL 72/2008, não constitui a desresponsabilização da Seguradora do cumprimento de igual obrigação, como resulta do artigo 3 do mesmo diploma e dos artigos 5° e 6º do LCCG, confere-lhe, isso sim, um eventual direito de regresso sobre o Tomador, no caso deste não cumprir o mesmo dever de comunicação, nos termos do artigo 79 daquele DL 72/2008, contrariamente ao defendido na Sentença recorrida e em violação com estes diplomas.
6. Não é aceitável que quem determina o conteúdo das cláusulas esteja isento da obrigatoriedade da sua comunicação, em desrespeito da parte mais fraca, e com violação do princípio da boa-fé; para além disso a Seguradora recebe o prémio do seguro, pelo que, e enquanto beneficiário da remuneração, não pode estar isenta do dever de informar o Segurado. Não faz sentido o Legislador introduzir na ordem jurídica o DL 446/85 e, paralelamente, com o estabelecimento do regime jurídico do contrato de seguro, em vez de reforçar a proteção da parte mais débil da relação contratual fragiliza-a, ao isentar de responsabilidade de comunicação das suas cláusulas o parceiro dominante na relação contratual; e tanto não é assim que teve o cuidado de, na parte inicial no indicado regime jurídico, determinar, no seu artigo 3º, a aplicação ao diploma “…do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais,…”
7. Acresce que a ausência de prévia negociação entre os sujeitos dos contrato, como acontece nos contratos de adesão, cinge-se à formulação em vigor à data da adesão; não para subsequentes alterações, que exigem o consentimento dos Aderentes, nos termos do artigo 406º nº1 do Código Civil (Ac. STJ de 30.03.2017 – Proc. 426/12.3 TBBRG.G1.S1 (V/VIII);
8. A falta de comunicação ao Autor, tanto pela Tomadora, como pela Seguradora, das alterações contratuais de 2013, faz com que nenhuma delas se possa eximir da responsabilidade de o ressarcir pela ocorrência do risco sob cobertura, uma vez que, entre outras, têm de considerar-se excluídas do contrato as cláusulas, ou parte delas, que disponham diferentemente da consignada na versão original de 1992, destacando-se, designadamente, as que respeitam à obrigação de apresentação de Atestado Multiuso, definição de invalidez total e permanente e exclusão das doenças do foro psíquico ou psicológico;
9. Responsabilização da Seguradora que opera independentemente de se estar perante um contrato contributivo ou não contributivo, diferenciação de regime que não se alcança do DL 72/2008; nos seguros não contributivos, onde se pode apreender um maior distanciamento entre a Seguradora e os Segurados, a verdade é que não é possível afirmar-se que, neste últimos, se modifica o conteúdo dos direitos e deveres laterais ou acessórios que recaem sobre a Seguradora, para além de que o não pagamento do prémio pelo Segurado satisfaz, por regra, um interesse do Tomador.
10. A cláusula constante do ponto 2 do artigo 2º das Condições Especiais do contrato dos Autos (versão 1992), relativa ao reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura se encontra incapaz, implica um desproporcionado desequilíbrio entre os sujeitos do contrato, ficando o Segurado nas mãos da Seguradora relativamente à avaliação do seu estado; pelo que é nula, por abusiva e proibida, uma vez que violadora do princípio da boa fé e, por isso, deverá ter-se por excluída do contrato.
11. Conforme resulta da Sentença recorrida, a exigência Atestado Multiuso, como meio indispensável ao cumprimento de uma prestação a que a Seguradora está obrigada, constitui violação do princípio da boa fé, uma vez que traduz o uso abusivo de um instrumento legal que é concebido pelo Estado para uma finalidade específica, na linha do imperativo constante do art. 71º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa; porque abusiva esta exigência nula é ou são as cláusulas, ou parte delas, que impliquem a obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiuso.
12. Não fosse nula a exigência de Atestado Médico Multiuso, por violação da boa fé, sempre e igualmente o seria por abuso de direito, atendendo a que o Atestado Multiuso não avalia o incapacitado relativamente ao exercício da sua profissão, tal como também é dito na Sentença em crise.
13. Ou seja, e ainda que assistisse razão à Seguradora de pugnar pela não exclusão das cláusulas que obrigam os Segurados à apresentação de Atestado Multiuso, sempre a sua exigência era inválida por aplicação dos institutos da boa fé e do abuso de direito e, por isso mesmo, esta nulidade é-lhe oponível.
14. A Perícia do INML ao Autor determinou que não sofria de doenças de foro psiquiátrico e psicológico e que no foro neurológico sofria de distúrbio crónico do sono que e por analogia, ao abrigo da Tabela Nacional de Incapacidades (TNI) Cap. X nº 1 grau III (0,16-0,30) foi atribuído o valor de IPP de trinta por cento.
15. No Relatório Final da Perícia, ignora-se, sem explicações, a incapacidade atribuída ao Autor na perícia neurológica, realizada a 27.05.2019 e mediante um diferente enquadramento dessa mesma patologia, igualmente por analogia, por aplicação do Cap. III 2.2 da TNI, é atribuída ao Autor uma IPP de dezanove porcento, atendendo à banda de incapacidade prevista naquele ponto (0,00-0,19), com natural diminuição da percentagem da sua incapacidade.
16. A atuação dos Srs. Peritos é reveladora da discricionariedade da Perícia, que ignora as conclusões da Perícia médica de Neurologia e lança mão, sem qualquer justificação, de um critério, também ele por analogia, com determinação de uma IPP menor; assim como igualmente é revelador da fragilidade da aplicação de critérios por analogia e da inexatidão e falta de rigor dos seus resultados, logo da percentagem de incapacidade determinada (inexatidão tanto maior quanto se possibilita a aplicação, por analogia, de mais do que uma hipótese de enquadramento, com percentagens de incapacidade diferenciadas);
17. Na fixação da percentagem da Incapacidade Permanente Parcial do Autor em 53,74%, constante da Perícia dos Autos, os Srs. Peritos, contrariamente ao que lhe determina o nº 1 das Instruções Gerais do Anexo 1 da TNI, não atentaram à redução da sua capacidade de ganho, designadamente não avaliaram se o Autor tinha ou não ficado incapacitado para exercer a sua profissão com um grau de desvalorização igual ou superior a 2/3, nos termos do disposto, quer das Condições Especiais da Cobertura de Invalidez por Doença Tipo B, do contrato de 1992, quer nos termos do artigo 1º das Condições Gerais e artigo 3 nº 1 alínea b) das Condições Particulares do contrato reformulado em 2013; assim se constata ao verificar-se que, por um lado, fixa-se-lhe uma incapacidade permanente parcial de 53,74% e, em sede de Prestação de Esclarecimento, admitem que o Autor, no ano em que foi reformado, “…estaria incapaz para o exercício da sua profissão de fogueiro”.
18. O Autor ao apresentar uma limitação funcional, que o incapacita de exercer a sua profissão, de forma absoluta, tal como resulta da Prestação de Esclarecimento da Perícia, essa mesma limitação, necessariamente, corresponde a um grau de desvalorização de 100% (é um facto evidente que e por isso mesmo nem sequer carece de comprovação); os Sr. Peritos não dizem que o Autor apresenta um grau de desvalorização de 53,76% para o exercício da sua profissão, assim como, igualmente, não afirmam que o Autor estaria parcialmente incapaz para o exercício da sua profissão de fogueiro, dizem, isso sim, que ele estaria incapaz para o exercício da sua profissão.
19. A incapacidade atribuída, em sede de Perícia, ao Autor, no valor de 5,3,74%, para além da aleatoriedade resultante a aplicação de tabelas por analogia, nada tem a ver com a sua incapacidade para o exercício da profissão, nem com a correspondente desvalorização, tal como impõe e resulta do contrato de seguro dos Autos e da própria TNI.
20. O Autor fez prova de que: · No ano de 2014, foi reformado pelo ISS, por invalidez relativa, nos termos do DL 187/2007, incapacidade que o impede, no exercício da sua profissão, de auferir mais de um terço da correspondente ao seu exercício normal; · Foi trabalhador efetivo da «BB» («CC») até à data em que foi reformado por invalidez relativa; · À data da sua reforma, auferia a remuneração mensal de €2.321,25; · Reclamou da Ré Seguradora o pagamento de capital do Seguro, tendo-lhe feito entrega da documentação que lhe indicaram necessária; na sequência da receção dos indicados documentos a Fidelidade apenas lhe exigiu a apresentação de Atestado Médico de Incapacidade de Multiusos; · A seguradora não indicou qualquer médico para reconhecer a sua invalidez relativa, nem convocou o Autor para ser examinado por um médico seu;
21. Por imperativo legal (DL187/2007) está demonstrado que a incapacidade relativa que foi atribuída ao Autor pela ISS corresponde à incapacidade para o exercício da sua profissão, isto é, não poder auferir na sua profissão mais de um terço da remuneração correspondente ao seu exercício normal.
22. Pela prova produzida nos Autos e pelas regras da experiência, não pode deixar de concluir-se que o Autor, atendendo à sua idade e ao facto de ter exercido, ininterruptamente, as mesmas funções de fogueiro, ao longo de mais de 30 anos, se encontrava impedido de exercer a sua atividade profissional que lhe assegurasse capacidade de ganho superior a um terço.
23. Atendendo à nulidade da comprovação, por médico indicado pela Seguradora, do estado de saúde do Autor, à nulidade da exigência de Atestado Multiuso e à determinação da Perícia dos Autos de que se encontrava incapaz para o exercício da sua profissão de fogueiro, recaía sobre a Fidelidade, conjuntamente com a «BB», a obrigação de o indemnizar no valor de €97.492,50, acrescida de juros de mora calculado à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.
24. Ainda que se considere não ser a Fidelidade responsável pelo pagamento da quantia de capital prevista no contrato, esta responsabilidade recairia, sempre, sobre a «BB», uma vez que e pese embora se esteja perante um contrato de seguro de grupo, com uma estrutura triangular, com maior ou menor linha de base, a verdade é que a «BB» não fez prova de que tenha informado o Autor sobre as alterações contratuais de 2013, pelo que se têm que considerar excluídas do contrato, mantendo-se a versão existente à data da adesão do Autor.
25. Mantendo-se esta versão, atendendo à nulidade da comprovação do estado de saúde do Autor, por médico indicado pela Seguradora, à nulidade da exigência de Atestado Multiuso e à determinação da Perícia dos Autos, que determina encontrar-se incapaz para o exercício da sua profissão de fogueiro, sempre recairia sobre a «BB» a obrigação de o indemnizar no valor de €97.492,50, acrescida de juros de mora calculado à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento, o que subsidiariamente se reclama.
26. A sentença dos Autos, salvo melhor opinião, faz uma errada qualificação do contrato de seguro, classificando-o como um contrato a favor de terceiro e não como contrato de seguro de grupo de estrutura triangular que é.
27. Para além disso, entender-se, como é o caso da sentença dos Autos, que as cláusulas resultantes da reformulação de 2013, não comunicadas ao Segurado quer pela Tomadora, quer pela Seguradora, continuam a ter validade no plano da relação entre esta última e o Autor, é violador do artigo 406 nº 1 do Código Civil, do princípio da boa fé, do instituto do abuso de direito e dos deveres de informação, cooperação e lealdade para com o Segurado, assentes nos artigos 5º e 6º do DL 446/85, que, igualmente, são e é violado(s), o mesmo sucedendo com o disposto no DL 72/2008, onde se prevê que ao regime jurídico do contrato de seguro aplica-se, também, o disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, sem que ali se faça qualquer ressalva ao contratos não contributivos, razão porque a Seguradora não pode ser excluída da obrigação de comunicar ao Segurado as alterações contratuais que ocorram após a sua adesão ao contrato.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso de Apelação ser recebido e julgado integralmente procedente, revogando-se a Sentença proferida e substituindo-a por Acórdão que acolha a pretensão do Apelante
A ré entidade empregadora também recorreu (além de ter respondido autonomamente ao recurso do autor), concluindo as suas alegações de recurso da seguinte forma:
«A. Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, no qual julga a ação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente condena a Recorrente «BB», S.A. a pagar ao Recorrido a quantia de 97.492,50 € (noventa e sete mil, quatrocentos e noventa e dois euros e cinquenta cêntimos), acrescida de juros civis à taxa legal.
B. Para o efeito, o Tribunal recorrido concluiu que a ação não poderá proceder quanto à Ré Fidelidade porque não cumpre as exigências contratuais acordadas, desde logo, um grau de incapacidade de pelo menos 66,6%.
C. Por sua vez, entendeu o Tribunal a quo, que não obstante não estarem cumpridas as exigências contratuais (compreendidas no contrato de seguro) para a atribuição da compensação em situação de incapacidade parcial permanente, a Recorrente é responsável pelo pagamento da referida compensação (42 vezes o salário base à data do evento), porque se vinculou àquele pagamento através do Manual da Empresa.
D. O objeto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando o pedido e a causa de pedir, esta não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença.
E. A causa de pedir consiste no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido, a pretensão por si deduzida em juízo.
F. No caso em concreto, a causa de pedir deriva do Contrato de Seguro de Grupo do Ramo Vida, celebrado entre a Companhia de Seguros e a Recorrente, no qual o Recorrido é beneficiário.
G. A configuração do pedido encontra-se na exclusiva disponibilidade do Autor, e é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.
H. Na presente ação, o Autor não configurou o seu pedido com base na relação contratual laboral, mas tão só no cumprimento pelas partes intervenientes dos requisitos do contrato de seguro de grupo, do Ramo Vida, titulado pela apólice n.º …39.
I. Foi celebrado um contrato de seguro entre a ora Recorrente e a Ré Fidelidade – Companhia De Seguros, S.A.
J. O que implicou que os riscos transferidos são o risco de morte e o risco de invalidez.
K. Com efeito, o contrato de seguro pode definir-se como aquele pelo qual uma das partes (a seguradora) mediante prestação certa e periódica que a outra se compromete a efetuar (tomador do seguro), se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, ao pagamento do valor pré-definido, no caso de se realizar determinado evento futuro e incerto.
L. O aqui Recorrido desempenhou a respetiva atividade profissional para a Recorrente, no período compreendido entre o dia 01 de Maio de 1993 a 22 de Julho de 2014.
M. Razão pela qual, na pendência da relação laboral, o Recorrido beneficiou e usufruiu de inúmeras contrapartidas e mecanismos de proteção social, nomeadamente, a Apólice de Seguro de Grupo do Ramo Vida, a qual incluiu a cobertura do risco de Invalidez Total e Permanente por Doença e que corresponde ao objeto da presente ação judicial.
N. A obrigação da aqui Recorrente, no âmbito do mencionado Contrato de Seguro de Grupo, sempre foi a de pagar, atempada e pontualmente, os prémios anuais de seguro, para que o mesmo se mantivesse vigente e que dele pudessem beneficiar os aderentes.
O. Razão pela qual, em momento algum, se pronunciou acerca da elegibilidade de qualquer pedido dos trabalhadores ou de tais pagamentos a este título.
P. Relativamente ao processo interno de tomada de conhecimento das condições gerais, especiais e particulares do Contrato de Seguro em causa, cumpre esclarecer que o Manual de Empresa em vigor, aquando da subscrição do Boletim de Participante pelo Recorrido, apenas continha informação genérica sobre o mencionado Contrato de Seguro.
Q. Não obstante a referida informação constante do Manual da Empresa não dispensava a consulta das condições constantes da competente Apólice junto da respetiva Companhia de Seguros.
R. Nesta medida, todo e qualquer conhecimento mais detalhado ou pormenorizado das condições do Contrato de Seguro em análise teria de ser solicitado pelo próprio trabalhador junto dos serviços da Companhia de Seguros ou da mediadora de seguros Empremédia.
S. Assim, na sequência das diligências do Recorrido., foi dado início pelo referido Trabalhador, junto da Ré Fidelidade – Companhia De Seguros, S.A. do competente processo de acionamento do Contrato de Seguro de Grupo do Ramo Vida em apreço.
T. Contudo, a Ré, Companhia de Seguros, veio a considerar que o Recorrido não satisfazia as condições contratadas no âmbito do Contrato de Seguro, uma vez que condiciona a atribuição da indemnização à circunstância deste apresentar um grau de incapacidade de pelo menos 66,6%,
U. Esta foi, no essencial, a matéria controvertida da presente ação, a que acresceu a discussão sobre o cumprimento do dever de comunicação e informação das alterações contratuais do ano de 2013, introduzidas ao contrato de seguro grupo ramo vida, ao qual aderiu o Recorrido. V. A perícia médico-legal do Instituto Nacional de Medicina Legal (INML), concluiu que o Recorrido apenas apresenta um grau de incapacidade de 53,80%.
W. Importa aqui referir que, a prova pericial resultante do exame efetuado pelo INML tem carácter científico, sem margem para discussão ou de carácter subjetivo.
X. Nesta conformidade, entendemos que a decisão não respeita o princípio da coerência lógica, pois que, atendendo aos fundamentos da decisão recorrida, deveria constar da matéria de facto dada como provada o coeficiente de incapacidade atribuído pela perícia acima referida.
Y. A sentença padece assim de uma nulidade, de acordo com a primeira parte, da alínea c), do n.º 1, do artigo 615.º do Código do Processo Civil.
Z. Deste modo, em princípio estaria afastada a responsabilidade (de uma ou outra ré ou de ambas as Rés) pelo pagamento do prémio de seguro reclamado, adveniente do tipo e natureza de incapacidade de que o Recorrido padece, uma vez que não se enquadra no âmbito da cobertura contratual.
AA. Por tudo o que foi dito, importa referir que a presente decisão é nula: a) De acordo com o artigo 615.º, n.º 1, e) do Código do Processo Civil, uma vez que se trata de uma condenação em objeto diverso do pedido; e b) De acordo com o artigo 615.º, n.º 1, d) do Código do Processo Civil uma vez que se trata de uma decisão-surpresa, pois o Tribunal a quo conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento.
BB. É o grau de incapacidade que se apurou em tribunal (53,80%) que deve ser ponderado para efeitos de subsunção ao sinistro previsto no contrato de seguro.
CC. Ora, em qualquer uma das versões do contrato de seguro (antes ou depois de 2013), o grau de incapacidade atingido é insuficiente para que o Recorrido possa beneficiar de uma indemnização da Seguradora.
DD. É, pois, manifesto, que a ação não pode deixar de improceder, quer no que concerne à Ré Seguradora, quer no que respeita à Recorrente.
EE. Neste sentido, veja-se a decisão já transitada em julgado – onde foram partes ambas as Rés - e que conduziu à absolvição de ambas do pedido: Processo n.º …6.8T8LSB, que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Lisboa ….
FF. É pedida a condenação solidária da Recorrente, mas só se pode compreender tal desiderato sob o ponto de vista jurídico para a eventualidade de se vir a concluir que o Recorrido não veria acolhida a sua pretensão por incumprimento da Recorrente dos seus deveres de informação.
GG. Note-se que, em qualquer caso que, no referido Contrato de Seguro de Grupo, não existe qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária da Recorrente, inexistindo, portanto, qualquer obrigação da mesma.
HH. Ainda neste sentido, veja-se a decisão já transitada em julgado – onde foram partes ambas as Rés - e que conduziu à absolvição da Ré «BB» pedido e à condenação da Ré Seguradora: Processo n.º …8.7T8CBR, que correu os seus termos no Juízo Central Cível de Coimbra ….
II. Ocorre que, como se explanou, o Recorrido não tem direito a indemnização, independentemente de tudo o mais revisto, simplesmente porque a doença que o acometeu não lhe confere um grau de incapacidade enquadrável no contrato de seguro.
JJ. A decisão-surpresa é a solução dada a uma questão que, embora possa ser previsível, não tenha sido configurada pela parte, sem que a mesma tivesse obrigação de a prever.
KK. Por sua vez existe excesso de pronúncia dado que, sem a prévia audição das partes, o Tribunal não pode conhecer do fundamento que utilizou na sua decisão.
LL. No caso concreto, existe excesso de pronúncia, uma vez que o objeto do processo nunca foi a relação laboral contratual estabelecida entre a Recorrente e o Recorrido.
MM. Tão pouco alguma vez foram discutidas as consequências laborais da Recorrente ter incluído no Manual do Colaborador as condições de ativação do seguro (ainda que genericamente).
NN. A discussão em torno do valor das disposições ínsitas no Manual da Empresa apenas se reconduziu ao plano das relações internas entre a Recorrente e a Seguradora, no sentido de se apurar quem é que estava onerada com os deveres de comunicação.
OO. Portanto, a condenação da Recorrente tendo por base o argumento de que esta garantiu esse pagamento ao seu Trabalhador, através do Manual da Empresa, na circunstância deste ter uma perda de rendimentos igual ou superior a dois terços em razão da incapacidade, consubstancia uma decisão-surpresa.
PP. Em nenhum momento a Recorrente teve a oportunidade de exercer o seu contraditório sobre este juízo feito pelo Tribunal a quo.
QQ. Tanto assim é que, na fundamentação de facto, o Tribunal a quo apenas valorou o depoimento das Testemunhas NN e MM na aceção do modo de cumprimento, pela Recorrida, dos deveres de informação das alterações relativas à não cobertura das doenças psicológicas/psiquiátricas, por exemplo.
RR. Através desta condenação, o Tribunal a quo trata a aludida indemnização como um crédito laboral, na medida em que não enquadra a responsabilidade pelo seu pagamento no âmbito do contrato de seguro (objeto do processo), mas à margem dessa relação.
SS. O Tribunal a quo condena a Recorrente ao pagamento desta indemnização à luz da relação laboral estabelecida entre as partes.
TT. Nessa conformidade, para obter esse resultado, o Recorrido devia ter interposto uma ação de reconhecimento de um crédito emergente de contrato de trabalho!
UU. Contudo, não foi esta a natureza de ação proposta pelo Autor/Recorrido, nem foi esta a configuração do seu pedido.
VV. Acresce ao superexposto que, o ponto 57 da matéria de facto provada refere que “O manual da empresa não constituía um documento com todas os detalhes, todas as condições do trabalho e dos benefícios vigentes e no que respeitava às particularidades do contrato de seguro”.
WW. Pelo que também não se compreende como é que o Tribunal a quo considera que a Recorrente se vinculou ao pagamento da aludida indemnização, através do Manual da empresa, mas em simultâneo, dá como provado que o mesmo continha disposições genéricas, incompletas e inacabadas (à contrário sensu) dos benefícios vigentes na Recorrente.
XX. Por tudo isto, deverá a presente ação improceder e consequentemente deve a Recorrente ser absolvida do pedido, tal como sucedeu com a Ré Fidelidade – Companhia de Seguros S.A. (por maioria de razão).
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deve ser julgado procedente por provado o recurso interposto pela ora Recorrente, revogando-se a douta Sentença Recorrida, assim se fazendo a acostumada justiça!»
A ré seguradora respondeu ao recurso do autor, pugnando pela sua improcedência e, sem conceder, pediu a ampliação do objeto do recurso, nos seguintes termos:
«Dispõe o artº 636, nº 2 do Código de Processo Civil que “pode ainda o recorrido, na sua alegação e a título subsidiário arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão sobre determinados pontos não impugnados pelo recorrente, prevendo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”
Ora, percorrida a douta sentença sob recurso, fácil é constatar que o Mmo. Juiz “a quo” considerou provado que o A., à data de 20 de agosto de 2014, ou seja, poucos meses após ter sido reformado antecipadamente pela Segurança Social (o que aconteceu a 11 de abril desse mesmo ano), era portador de uma incapacidade permanente parcial de 53,80%, avaliada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo tal o que consta de fls. 23 da douta sentença sob recurso.
Para chegar a essa conclusão sobre tal facto, que aí deu como inequivocamente provado, o Mmo juiz expendeu, nas páginas 10 a 23 da douta sentença, todas as considerações, argumentos e fundamentos necessários e adequados a uma análise crítica, objetiva, sustentada e conscienciosa, e por isso inatacável, da prova produzida…
… nomeadamente tendo explicado com rigor, por que motivos é que deu credibilidade à avaliação efetuada pelo Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses e não aos documentos e depoimentos de outras entidades e médicos que depuseram em juízo.
Acresce que o A. nas suas alegações de recurso não põe em causa a circunstância de o Mmo Juiz da causa ter considerado provado que o A., quando passou em 2014 à situação de invalidez, sofria de uma invalidez que, calculada de acordo com os requisitos para o efeito definidos na apólice de seguro era de 53,80%, e por consequência inferior ao limite mínimo (de 66%) aí previsto, que constitui condição “sine qua non” para que se constituísse na esfera jurídica da Ré ora recorrente, a obrigação de lhe entregar o capital contratado…
… pelo que, de seguida e na mesma a págs. 23 parágrafo 4º da douta sentença concluiu do seguinte modo: “ Assim, a presente ação não poderá proceder contra a Ré Fidelidade, porque não cumpre as exigências contratuais acordadas (apesar da não prova da exigência de doença psicológica ou psiquiátrica).”(sic)
Acontece porém que o Mmo Juiz “a quo”, apesar de ter dado tal facto como provado, não o incluiu no elenco dos factos provados, segundo a ordem prevista no artº 607, nº 4, 1ª parte, do Código de Processo Civil, ou seja, antes de enunciar os factos que considera não provados.
Ora, dispõe o nº 2 do artº 613, nº 2 do CPC que é lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidade e reformar a sentença nos termos dos artigos seguintes.
Nestes termos e também atento o disposto no artº 636, nº 2 já supra citado CPC, se requer seja aditado ao elenco dos factos provados, como facto 58, o seguinte: “Provado que quando o A. passou em 2014 à situação de invalidez, sofria de uma invalidez que, calculada de acordo com os requisitos para o efeito definidos na apólice de seguro era de 53,80%”.
Termos em que negando-se provimento ao recurso e mantendo-se a douta decisão recorrida, mas nela se introduzindo a alteração supra referida relativa à inclusão de um novo facto provado nº 58 com a formulação acabada de referir, se fará a costumada JUSTIÇA!»
Foram colhidos os vistos e nada obsta ao conhecimento do mérito.
Objeto do recurso
Sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o âmbito da apelação (artigos 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
Tendo em conta o teor daquelas, colocam-se as seguintes questões:
a) A sentença é nula por omissão de pronúncia?
b) A matéria de facto deve ser alterada?
c) As coberturas e condições de acesso à indemnização foram alteradas sem que disso fosse dado conhecimento ao autor, sendo por causa dessa alteração que a indemnização foi negada?
d) O autor cumpre as condições anunciadas pela ré empregadora, através de manual de comunicação interna, para a atribuição da indemnização?
II. Fundamentação de facto
Estão provados os seguintes factos, que correspondem aos listados na sentença recorrida, com aditamento do facto 58 (cf. justificado em III.1.):
1. A ré Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A., na qualidade de seguradora, e a ré «BB», S.A., na qualidade de tomadora, celebraram entre si um contrato de seguro de grupo, do ramo vida, titulado pela apólice n.º …39.
2. Convencionaram as outorgantes que o contrato tinha o seu início a 01/01/1992 e que as pessoas seguras eram os trabalhadores pertencentes ao quadro de efetivos da ré «CC», que nele seriam integrados a partir da data de subscrição do boletim de participante.
3. O contrato de seguro ramo vida titulado pela apólice n.º …39 ainda se mantém em vigor à data de entrada da presente ação em juízo, sendo a ré «BB» quem assumiu, desde sempre, a obrigação de pagamento dos prémios deste contrato.
4. O autor, a 30 de abril de 1983, celebrou com a ré, então designada «CC», um contrato subordinado de trabalho e integrou o seu quadro de efetivos a partir de 1 de maio de 1983, tendo-se mantido seu trabalhador até 22 de julho de 2014.
5. No dia 17 do mês de fevereiro de 1992, o autor subscreveu, por indicação da «CC», um boletim de participante, relativo à sua integração no contrato de seguro ramo vida, constante da indicada apólice …39, emitido pela ré Fidelidade, com início de vigência, relativamente ao Autor, a 01/01/1992, tal como consta do indicado boletim.
6. Sem que lhe(s) tivesse sido dada cópia do contrato de seguro, ou transmitida qualquer explicação do seu teor, nomeadamente quanto às cláusulas que regulavam a atribuição de uma compensação em caso de morte e de invalidez e correspondentes requisitos necessários a que os segurados garantissem o recebimento do capital previsto na invalidez.
7. Subscreveu o autor o indicado boletim, tal como seus colegas de trabalho, convicto(s) que se tratava de um seguro semelhante ao que até então tinha estado em vigor na empresa.
8. Aquando da adesão do autor ao contrato de seguro, encontrava-se difundido, pela generalidade dos trabalhadores da então «CC», que e em resultado do mesmo, no caso de morte ou incapacidade, total e permanente, de um trabalhador, o próprio ou seus herdeiros, ou beneficiários, teriam direito a receber um valor monetário.
9. Conhecimento transmitido por informação escrita, distribuída pela «CC» a todos os seus trabalhadores do quadro de efetivos, como era o caso do autor, através do Manual de Gestão, edição de 11/04/1991.
10. O manual que regulava, ao tempo, como regula ainda hoje, as relações laborais constituídas entre a ré «CC» e os seus trabalhadores subordinados, onde se inclui o autor, nomeadamente nas matérias relativas a: Recrutamento; Formação Profissional e Desenvolvimento; Direitos, Deveres e Garantias; Prestação e Suspensão de Trabalho; Remunerações; Cessação do Contrato de Trabalho; Disciplina; Benefícios Sociais; Saúde e Prevenção de Acidentes; Seguros.
11. Este manual e edição estava em vigor à data da subscrição do suprarreferido Boletim de Participante, uma vez que desde a sua emissão e até à data da indicada subscrição, 05/02/1992, nenhum outro, em sua substituição, tinha sido redigido e entregue pela «CC» aos seus trabalhadores e ou representantes institucionais.
12. Aí consta, entre o mais: “Uma Pessoa Segura, na situação de Incapacidade Total é reconhecida como sendo atingida de uma Invalidez Total e Permanente, desde que se verifiquem, simultaneamente as três condições: A sua incapacidade total se mantenha sem interrupção por um período de, pelo menos, seis meses, a contar do dia em que foi constatada pelo médico da companhia de seguros que contratou a cobertura; este período mínimo de seis meses poderá ser alargado para dois anos se a incapacidade é resultante de alienação mental, ou perturbações psíquica. O carácter permanente desta incapacidade deve ser atestado por um certificado médico aceite pelo médico da Companhia de Seguros que contratou a cobertura. Este certificado deve precisar nomeadamente que não é de esperar da continuação do tratamento médico em curso melhoria do estado de saúde da Pessoa Segura. Pelo facto da sua incapacidade total e permanente a Pessoa Segura é atingida de uma diminuição de rendimento igual ou superior a dois terços.”
13. Constando ainda que, no caso de incapacidade total permanente ou morte, tal seguro conferia o direito a receber uma compensação igual a um capital seguro.
14. E ainda que, essa compensação corresponderia a 42 vezes o salário base à data do evento, com um mínimo de 5.500.000$00.
15. O autor, tal como os seus colegas de trabalho, não participou, nem foi convidado a participar, por qualquer uma das rés, na discussão e redação das cláusulas do contrato de seguro titulado pela apólice …39, cuja cópia também nunca lhe foi facultada, anteriormente ao sinistro, designadamente por Fidelidade e ou «CC».
16. O autor não participou, nem foi convidado a participar na discussão e na redação de respetivas e eventuais cláusulas adicionais, atas adicionais, ou quaisquer outras alterações contratuais, anteriores, ou posteriores à subscrição do referido boletim de participante.
17. Cuja existência e conteúdo, quer prévia à sua confirmação, quer posterior à sua outorga, nenhuma das rés lhe deu a conhecer ou facultou cópias, ao longo de todo o período em que foi trabalhador da ré «BB», então «CC».
18. O Autor e colegas de trabalho limitaram-se a subscrever o referido boletim de participante, nos termos que constam de fls. 34/35.
19. Em meados de 2014, o autor passou a sentir diminuição de mobilidade a nível das articulações, dos seus joelhos e também na sua coluna vertebral, alvo de duas intervenções cirúrgicas (1999 e 2000).
20. Com a sintomatologia e diagnósticos constantes das Informações Clínicas da […] de 04/02/2009, 25/03/2009, 12/05/2009 e 23/10/2013, e do Dr. […] (fls. 58), constantes dos autos dos autos.
21. Sofria também o autor, pelo menos desde 2014, de doença neurológica.
22. Consequência de ter, ininterruptamente, trabalhado em regime de turnos por mais de 30 anos.
23. Circunstância que fez com que progressivamente fossem diminuindo os seus períodos de sono.
24. O autor passou a ter perda de concentração, dificuldade de atenção e memória e também dificuldade de interação com os outros.
25. Tendo-se tornado também mais agressivo, introvertido, mal-humorado e intolerante.
26. Alterações que se refletiram igualmente no seu comportamento sexual.
27. A sua médica Drª […], médica neurologista, diagnosticou-lhe insónia maligna causada por alteração do ritmo circadiano, devido à atividade laboral, perturbação cujas consequências são irreversíveis.
28. O autor requereu, junto da Segurança Social, a sua reforma por invalidez.
29. No mês de julho desse ano de 2014, o Instituto da Segurança Social IP – Centro Nacional de Pensões, por ofício datado de 10/07/2014, notificou o Autor de que o seu requerimento de pensão tinha sido deferido e que se encontrava reformado por Invalidez Relativa.
30. Após ter rececionado a indicada comunicação, o autor contactou os serviços administrativos da ré «BB» para que lhe indicassem os procedimentos necessários ao recebimento do capital seguro, no âmbito do contrato de seguro titulado pela Apólice …39.
31. À semelhança do que e até aí era usual tais serviços fazerem relativamente a colegas seus de trabalho, anteriormente aposentados por invalidez.
32. No seguimento dos contactos estabelecidos e para que fosse remetida à primeira ré, o autor entregou nos serviços administrativos da «CC» a documentação que lhe indicaram necessária ao recebimento da compensação do seguro cópias de: Comunicação da atribuição de Pensão de Invalidez; Relatório do Médico Assistente, Dr. […], elaborado em impresso próprio facultado pela Ré Seguradora, de avaliação de incapacidade; Relatório de Eletroencefalograma de 27/01/2014; Relatório de Neurocirurgia de 11 de Janeiro de 2013; Relatório de Ortopedia de 23 de outubro de 2013.
33. Por carta datada de 20 de agosto de 2014 a ré Fidelidade deu nota ao autor da receção dos elementos que deram origem ao processo e onde se incluem os relatórios supramencionados e apenas lhe dá nota da “necessidade de nos ser remetida adicionalmente a seguinte documentação: Atestado Médico de Incapacidade de Multiusos do Autor (a obter junto do Delegado de Saúde, da área de residência da Pessoa Segura)” com a solicitação que a sua remessa ocorresse no prazo de 180 dias, sob pena de encerramento administrativo do processo.
34. Nunca e até então, havia sido comunicada ao autor, por nenhuma das rés que também nunca lhe deram a conhecer que a exigência do referido Atestado Multiusos tinha previsão, ou tinha passado a ter previsão, numa das cláusulas da Apólice, supra indicada, quer por inclusão na sua redação original, quer numa qualquer subsequente alteração, nomeadamente expressa em cláusulas e ou atas adicionais, ou nova redação do contrato.
35. Versão que o autor apenas dela tomou conhecimento por intermédio da então sua mandatária, no início do ano de 2016 e que lhe foi enviada pela ré, em comunicação escrita datada de 21 de janeiro de 2016.
36. O autor foi sujeito a uma comissão de verificação das incapacidades permanentes.
37. Que deu origem à atribuição pelo ISS da pensão por invalidez relativa.
38. O que fez por diagnóstico da sua situação clínica e consequente avaliação de que a sua debilidade implicava uma Incapacidade Permanente, com consequente impossibilidade de auferir, no exercício da sua profissão, mais de 1/3 da remuneração que lhe era correspondente.
39. As “Notícias «CC»”, cuja cópia consta de fls. 39-41, dos autos, foram distribuídas pela segunda ré aos seus trabalhadores.
40. O autor solicitou junto dos Serviços do Ministério da Saúde, no final do ano de 2014, a passagem do dito Atestado Multiusos.
41. A 04/11/2014 foi-lhe determinado, de acordo com a TNI constante do Anexo I do DL 352/2007 de 23 de outubro, o grau de incapacidade de 24% e passado Atestado Médico de Incapacidade Multiuso em conformidade.
42. Por não concordar com a percentagem que lhe tinha sido atribuída de 24%, requereu nova avaliação.
43. A 14/01/2015, foi-lhe o Atestado Multiusos, pelo qual é-lhe fixado um grau de incapacidade de 42%, e que remete à ré Seguradora.
44. Por escrito de 21 de janeiro de 2016, a Fidelidade comunica ao autor que não procederá ao pagamento da indemnização solicitada, nos termos que constam de fls. 76.
45. Nestas diligências e troca de correspondência, tomou o autor conhecimento que a ré seguradora, para além do Atestado Multiusos, passou também a excluir, do contrato de seguro, sinistros de invalidez decorrentes de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico.
46. O autor não sofre de qualquer doença do foro psicológico ou psiquiátrico.
47. Sofre de doença do foro neurológico.
48. Doença que o incapacita para o trabalho, assim como o incapacitava à data da sua aposentação.
49. O autor nasceu a 15/11/1956 e tinha 56 anos à data da sua aposentação.
50. Auferia à data uma remuneração mensal, paga pela segunda ré, sua entidade patronal, de € 2.321,25.
51. A seguradora não indicou qualquer médico para reconhecer a afetação do autor a uma invalidez relativa, nem convocou o autor para ser examinado por um médico seu.
52. A Comissão de Verificação de Incapacidades Permanentes, considerou o autor com incapacidade permanente que o impede de auferir na sua profissão mais de um terço da sua remuneração normal.
53. A ré Fidelidade também condiciona a atribuição de tal indemnização à circunstância de, para a sua invalidez e para aquela incapacidade de 66,66% não tenha concorrido doença do foro psicológico e ou psiquiátrico, limitação ou exclusão que, igualmente, nunca foi comunicada e explicada ao Autor e demais colegas de trabalho, que a desconheciam.
54. Nunca anteriormente até à participação da ocorrência do sinistro o autor solicitou à ré Fidelidade, que lhe fosse facultado um exemplar das condições contratuais integrante da apólice, nem quaisquer esclarecimentos sobre o conteúdo das mesmas, nomeadamente, do respeitante às definições e âmbito das coberturas da mesma apólice, suas limitações e exclusões.
55. Em 31 de janeiro de 2013, as rés acordaram que os termos e coberturas do seguro se regeriam de acordo com as cláusulas gerais e particulares, que se encontram de fls. 107 a 124 dos autos.
56. A celebração do Contrato de Seguro de Grupo Ramo Vida entre as rés não resultou de qualquer compromisso ou obrigação previamente assumida pela ré «BB», nem existiu qualquer negociação prévia no âmbito de eventual Instrumento de Regulamentação Coletiva do Trabalho.
57. O manual da empresa não constituía um documento com todos os detalhes, todas as condições do trabalho e dos benefícios vigentes e no que respeitava às particularidades do contrato de seguro.
58. À data de 20/08/2014, o autor padecia de patologias geradoras de uma incapacidade parcial permanente de 53,74%. [Aditado cf. III.1. infra]
III. Apreciação do mérito do recurso
Não obstante a extensão dos autos e as várias questões nele discutidas e as outras tantas suscitadas nos recursos, veremos que tudo se resume a muito pouco, pois o autor, no momento relevante da incapacidade permanente, não reunia as condições de atribuição da indemnização, nem perante as condições gerais da apólice em 1992, nem após as alterações de 2013, o que torna irrelevante tudo o mais que se discutiu.
Vejamos por partes.
1. Da omissão do resultado da perícia judicial na matéria de facto
O autor (recorrente) não impugnou a decisão sobre a matéria de facto.
A ré empregadora (recorrente) não impugnou de modo expresso e com invocação das normas processuais destinadas ao efeito (artigo 640.º do CPC) a decisão sobre a matéria de facto. No entanto, sinalizou a omissão na matéria de facto do coeficiente de incapacidade permanente atribuído pelo INML, na perícia realizada nos autos (53,80%). Enquadrou essa omissão como uma nulidade da sentença nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC (v. n.ºs 43 a 46 das alegações de recurso e alíneas v) a y) das conclusões).
A ré seguradora, por seu turno, respondendo ao recurso interposto pelo autor, requereu a ampliação do objeto do recurso ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 636.º do CPC, impugnando justamente a omissão na matéria de facto da «incapacidade permanente parcial de 53,80%, avaliada de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo tal o que consta de fls. 23 da douta sentença sob recurso. Para chegar a essa conclusão sobre tal facto, que aí deu como inequivocamente provado, o Mmo juiz expendeu, nas páginas 10 a 23 da douta sentença, todas as considerações, argumentos e fundamentos necessários e adequados a uma análise crítica, objetiva, sustentada e conscienciosa, e por isso inatacável, da prova produzida… … nomeadamente tendo explicado com rigor, por que motivos é que deu credibilidade à avaliação efetuada pelo Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses e não aos documentos e depoimentos de outras entidades e médicos que depuseram em juízo».
Apreciando e decidindo.
O grau de incapacidade do autor é pressuposto do direito que pretende fazer valer e objeto da ação. Leiam-se os artigos 80.º a 84.º da p.i. O autor tinha sido reformado com uma incapacidade de 66,66%; em 04/11/2014 foi-lhe determinado, de acordo com a TNI, o grau de incapacidade de 24% e passado Atestado Médico de Incapacidade Multiuso; requereu nova avaliação e, em 14/01/2015, foi-lhe emitido novo Atestado Multiusos, com grau de incapacidade de 42%; em 21/01/2016, a Fidelidade comunicou ao autor que não procederia ao pagamento da indemnização solicitada, invocando que o autor padecia de patologia psíquica e tinha um grau de invalidez inferior ao estipulado nas Condições da Apólice, ou seja 66,66%.
Era tema de prova: «D) Saber, nomeadamente, se o Autor ficou com perda definitiva da capacidade de ganho superior a 2/3 (dois terços), ou não, em virtude das doenças ou patologias que sofria quando apresentou o seu processo de reforma junto da Segurança Social, com base nas quais se reformou por invalidez».
Foi realizada perícia judicial que propôs, à data de 20/08/2014, uma incapacidade permanente parcial de 53,74%.
O relatório pericial afigura-se-nos clara e exaustivamente fundamentado, não tendo razões para não aceitar que, em 20/08/2014, o autor padecia de uma incapacidade permanente parcial de 53,74%, não mais, nem menos.
À perita foram, ainda, pedidos esclarecimentos, tendo afirmado não lhe terem sido fornecidos elementos relativos à reforma pela Segurança Social, que lhe permitissem confirmar a data e o grau da incapacidade. Apenas foi informada pelo autor que este se reformou em 11/04/2014, a seu pedido.
A sentença contém vários factos sobre o grau de incapacidade do autor, e aprecia juridicamente a questão, não sendo omissa sobre a matéria. Afasta-se, como tal, a imputada nulidade.
O grau de incapacidade resultante da perícia judicial deve ser consignado, não porque a omissão desse dado constitua uma nulidade, mas na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto feita pela ré seguradora ao abrigo da ampliação do objeto do recurso.
Pelo exposto adita-se o seguinte facto:
58. À data de 20/08/2014, o autor padecia de patologias geradoras de uma incapacidade parcial permanente de 53,74%.
2. Da relação contratual sub judice; do mérito dos recursos
A causa de pedir radica num contrato de seguro a que o autor aderiu como pessoa segura. Importa, antes de mais, perceber a relação contratual em causa e as atribuições dos seus intervenientes.
A ré seguradora e a ré empregadora do autor celebraram entre si um contrato de seguro de grupo, do ramo vida, com início em 01/01/1992, no qual a primeira figura como seguradora e a segunda como tomadora, destinando-se (esse contrato de seguro) a ter como pessoas seguras os trabalhadores efetivos da tomadora, desde que subscrevessem o boletim de participante (factos 1 e 2).
O autor, à data trabalhador efetivo da ré empregadora, subscreveu o boletim de participante em 17/02/1992, permitindo que passasse à qualidade de pessoa segura no contrato de seguro celebrado entre a sua entidade empregadora e a ré seguradora.
O designado “boletim de participante” assinado pelo autor, foi junto aos autos como doc. 3 com a p.i.. Neste doc. 3 observam-se dois formulários preenchidos. Um formulário mod. 010302 em papel timbrado da ré seguradora, intitulado «Ramo vida – Seguro de grupo, Boletim de participante», com os seguintes campos destinados ao preenchimento pelos trabalhadores da tomadora: n.º de funcionário, nome, morada, profissão, data de nascimento, sexo, beneficiário em caso de morte, vencimento, datas de nascimento do cônjuge e filhos e questionário de saúde. E, no mesmo doc. 3 com a p.i., consta, ainda, o formulário mod. 030303 em papel timbrado da ré seguradora, intitulado «Ramo doença – Seguro de grupo», com campos essencialmente idênticos para preenchimento pelos trabalhadores da tomadora.
Ambos os formulários foram preenchidos com os dados de identificação do autor e demais campos referidos.
O pagamento dos prémios era da responsabilidade da ré tomadora, a entidade empregadora do autor, como consta das condições particulares do seguro, subscritas pelas partes no contrato de seguro: a seguradora e a tomadora, ambas rés nesta ação.
O contrato de seguro celebrado entre as rés (seguradora e tomadora), com a adesão do autor, passou a abrangê-lo na qualidade de pessoa segura (e beneficiário, no caso de incapacidade).
O contrato dos autos reconduz-se simultaneamente a várias subespécies do contrato de seguro, sendo, a um só tempo, um contrato de seguro por conta de outrem, um contrato de seguro de grupo, não contributivo, e um contrato de seguro de vida.
Para todas estas categorias encontramos normas especiais na Lei do Contrato de Seguro (LCS), constante do DL 72/2008, de 16 de abril, que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro.
Contrato de seguro por conta de outrem porque há um segurado diferente do tomador do seguro. O seguro por conta de outrem «é o seguro em que há, ou se admite que haja, pelo menos um segurado – ou cossegurado – distinto da pessoa do tomador. Ou seja, é um seguro que conta, no mínimo, com três intervenientes: o segurador, o tomador do seguro e o terceiro-segurado» (Margarida Lima Rego, «O seguro por conta de outrem em Portugal, Angola e Moçambique», in  Estudos em Homenagem a Miguel Galvão Teles, II, Almedina 2012, pp. 747-765 (749)). Este tipo de contrato de seguro está expressamente previsto no artigo 48.º da LCS.
Seguro de grupo porque se trata de um contrato de seguro, subscrito pelo tomador por conta dos participantes, que são terceiros-segurados, ligados ao tomador por um vínculo distinto do de segurar, cobrindo riscos homogéneos de todos os terceiros-segurados.
A LCS (que aqui se invoca, não porque vigorasse à data, mas para percebermos o conceito de seguro de grupo que incorporou) destina um capítulo aos que designa como seguros de grupo, mas abrangendo nesse capítulo modelos contratuais distintos, e contendo, entre as normas que destina aos designados seguros de grupo, umas que apenas se aplicam a uma das modalidades e outras, à outra. Podemos dizer que em todos os chamados seguros de grupo há um conjunto de segurados ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar e são cobertos riscos homogéneos mas separados de todos esses segurados.
Dentro desta noção, cabem os seguintes e díspares modelos:
- Contratos de seguro completos, em que o tomador (contraparte do segurador no contrato) é responsável pelo pagamento do prémio e celebra o contrato de seguro por conta de terceiros segurados, cobrindo o segurador desde logo um risco existente e obrigando-se, também desde logo, a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do sinistro. Estão nestes casos os contratos de seguro profissional celebrados pela Ordem dos Advogados a favor de todos os advogados ou os contratos de seguro de acidentes de trabalho celebrados pelos empregadores por conta dos seus empregados; e,
- Contratos-quadros nos quais o segurador e o outro subscritor estabelecem as cláusulas a que se subordinarão os futuros contratos de seguro formados por adesão dos participantes, que inclusivamente se encarregarão do pagamento do prémio (sobre o contrato-quadro em geral, Maria Raquel de Almeida Graça Silva Guimarães, O contrato-quadro no âmbito da utilização de meios de pagamento electrónicos, Coimbra, Coimbra Editora, 2011, maxime pp. 59-168).
Visualizando os vários modelos de contratos que a lei inclui sob o chapéu «seguros de grupo», Margarida Lima Rego distingue os seguros de grupo em sentido estrito, celebrados por conta dos participantes que são terceiros-segurados, dentro do universo mais amplo dos seguros coletivos em que os participantes podem ser tomadores. A Autora reserva a designação «contrato de seguro de grupo», em sentido estrito, para «(i) um contrato; (ii) um contrato de seguro; (iii) cujo tomador é o subscritor; (iv) celebrado por conta dos participantes: estes são terceiros-segurados; (v) ligados ao subscritor por um vínculo distinto do de segurar; (vi) cobrindo cumulativamente (vii) riscos homogéneos de todos os terceiros-segurados; (viii) com perfeita separabilidade e (ix) sem uma correlação positiva forte entre os riscos dos terceiros-segurados» (e justifica extensamente cada um dos pontos da definição) – Margarida Lima Rego, Contrato de seguro e terceiros, Estudo de direito civil, Coimbra Editora, 2010, p. 809, sendo igualmente útil na matéria o texto da mesma autora, «Seguros coletivos e de grupo», in Temas de direito dos seguros: a propósito da nova lei do contrato de seguro, Almedina, 2012.
Os seguros de grupo em sentido próprio constituem o núcleo do universo mais amplo dos seguros coletivos. Estes partilham das cinco últimas características dos primeiros, mas não partilham da quarta e podem não partilhar das três primeiras. Entre os seguros coletivos que não são seguros de grupo em sentido estrito, contam-se os contratos-quadros seguidos da celebração de contratos individuais de seguro. Nestes o subscritor celebra com o segurador um contrato-quadro, que não é um contrato de seguro, mas um contrato preliminar, independente daqueles cuja celebração irá possibilitar. Pode limitar-se a definir os parâmetros dentro dos quais os participantes poderão em seguida celebrar os respetivos contratos de seguro ou conferir ao subscritor poderes de cobrança (Margarida Lima Rego, Contrato de seguro e terceiros, cit., p. 815).
As leis que se sucederam sobre a matéria não nos permitem uma visão imediata destas categorias que a doutrina identifica a partir de situações sociais recorrentes, apenas se reportando a «seguros de grupo», sendo certo que contêm normas que se aplicam (umas, também, e outras, exclusivamente), a seguros coletivos que não são seguros de grupo em sentido estrito, nomeadamente porque não são contratos de seguro, mas meros contratos-quadros que apenas com a adesão das futuras eventuais pessoas seguras poderão vir a ter as notas de um contrato de seguro.
No caso dos autos, o contrato celebrado entre as rés foi um contrato de seguro de grupo em sentido estrito, que tem como pessoas seguras os trabalhadores efetivos da ré que, perante a relação de seguro, são terceiros. A adesão dos participantes não se reconduz a contratos de seguro, dessa adesão não emergem para as pessoas seguras os deveres típicos dos tomadores, desde logo o de pagamento da contraprestação (o chamado prémio de seguro). A adesão dos trabalhadores da ré, através do preenchimento do chamado boletim de participante, destina-se à identificação da pessoa segura e dos beneficiários.
Sendo a responsabilidade pelo pagamento sempre da tomadora, trata-se, portanto, de um seguro de grupo não contributivo, na terminologia da LCS (v. artigos 77.º, 80.º, n.º 3, 83.º, n.º 1, da LCS), e que já vinha do DL 176/95, de 26 de julho (v.g., artigos 1.º, al. h), 4.º, n.º 3, deste último).
Tratando-se também de um seguro de vida, a pessoa segura que não seja beneficiária tem ainda de dar o seu consentimento para a cobertura do risco, salvo quando o contrato resulta do cumprimento de disposição legal ou de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho (n.º 3 do artigo 43.º da LCS). Também por esta razão teria de haver uma adesão das pessoas seguras, trabalhadores da ré empregadora.
O contrato de seguro dos autos foi celebrado antes da LCS vigente, num ordenamento em que as exigências de informação não tinham a premência que atualmente têm. Em todo o caso, pelos parâmetros atuais, nada a apontar à atuação das rés. O contrato de seguro celebrado entre as rés e no qual o autor participou como pessoa segura era um seguro de grupo não contributivo, não abrangido portanto pelas normas dos artigos 86.º a 90.º da LCS e seus especiais deveres de informação aos aderentes.
Aquando da participação do autor, o mesmo dispunha de informações adequadas e suficientes sobre o contrato de seguro ao qual estava a aderir na qualidade de pessoa segura. Está provado nos factos 7 a 9 e 11 a 13 que o autor subscreveu o boletim de participação no seguro convicto de que se tratava de um seguro semelhante ao que até então tinha estado em vigor na empresa; que, aquando da adesão do autor ao contrato de seguro, encontrava-se difundido, pela generalidade dos trabalhadores da então «CC», que, no caso de morte ou incapacidade, total e permanente, de um trabalhador, o próprio ou seus herdeiros, ou beneficiários, teriam direito a receber um valor monetário; que esse conhecimento era transmitido por informação escrita, distribuída pela «CC» a todos os seus trabalhadores do quadro de efetivos, como era o caso do autor, através do Manual de Gestão, edição de 11/04/1991; que esse manual e edição estava em vigor à data da subscrição do suprarreferido boletim de participante; que dele consta que “Uma Pessoa Segura, na situação de Incapacidade Total é reconhecida como sendo atingida de uma Invalidez Total e Permanente, desde que se verifiquem, simultaneamente as três condições: A sua incapacidade total se mantenha sem interrupção por um período de, pelo menos, seis meses, a contar do dia em que foi constatada pelo médico da companhia de seguros que contratou a cobertura; este período mínimo de seis meses poderá ser alargado para dois anos se a incapacidade é resultante de alienação mental, ou perturbações psíquica. O carácter permanente desta incapacidade deve ser atestado por um certificado médico aceite pelo médico da Companhia de Seguros que contratou a cobertura. Este certificado deve precisar nomeadamente que não é de esperar da continuação do tratamento médico em curso melhoria do estado de saúde da Pessoa Segura. Pelo facto da sua incapacidade total e permanente a Pessoa Segura é atingida de uma diminuição de rendimento igual ou superior a dois terços”; constando ainda que, no caso de incapacidade total permanente ou morte, tal seguro conferia o direito a receber uma compensação igual a um capital seguro.
Destes factos resulta indubitável que o autor estava informado de que apenas beneficiaria de indemnização se a sua incapacidade fosse total e permanente, assim se considerando aquela que causasse à pessoa segura uma diminuição de rendimento igual ou superior a dois terços; assim como estava ciente de que tal incapacidade devia ser atestada por um certificado médico aceite pelo médico da Companhia de Seguros que contratou a cobertura.
Logo, o autor estava bem informado, desde a adesão, das características do contrato de seguro ao qual acedeu aderir na qualidade de pessoa segura, e das condições que tinham de se verificar para que pudesse beneficiar da indemnização.
Essas condições, vigentes na data da adesão, mantiveram-se inalteradas e não se mostram verificadas.
A principal condição de atribuição da indemnização era a incapacidade total e permanente da pessoa segura, entendendo-se como tal a que gera uma diminuição de rendimento igual ou superior a dois terços. O autor não demonstrou tal grau de incapacidade: apesar de ter sido reformado com uma incapacidade de 66,66% (factos 38 e 52), nos exames exigidos pela seguradora com vista à emissão de atestado multiusos foi-lhe atribuída, em 04/11/2014, incapacidade de 24% e, em 14/01/2015, um grau de incapacidade de 42% (factos 41 a 43); na perícia médica realizada no processo, foi-lhe fixada 53,74% de incapacidade (facto 58). O grau de desvalorização exigido para o funcionamento do seguro era de 2/3 ou mais, quer em 1992, quer em 2013.
Das «condições gerais do seguro de vida grupo temporário anual renovável» juntas aos autos com a contestação da ré seguradora (artigo 8.º, n.º 2.2. c)2) consta que é obrigação da pessoa segura, em caso de invalidez, entregar à seguradora «atestado médico de incapacidade multiuso».
Não resultam dos factos as condições gerais à data. No entanto, ainda que na altura não existisse uma referência contratual expressa ao «atestado médico de incapacidade multiuso (AMIM)», na medida em que a lei que o criou é posterior, não se pode afastar o direito da seguradora de determinar o grau de incapacidade por prestadores da sua confiança ou de exigir a sua determinação por serviço oficial. Foi o que a seguradora fez, exigindo o atestado multiusos. Não se conformando, a pessoa segura pode recorrer a tribunal, como fez. Realizada perícia judicial no âmbito deste processo, a mesma também não lhe foi favorável.
Acresce que, o autor sabia desde o início, por força do chamado manual da empresa, que «o carácter permanente desta incapacidade deve ser atestado por um certificado médico aceite pelo médico da Companhia de Seguros que contratou a cobertura» - facto 12.
Também por esta via, a seguradora tinha o direito de dizer que apenas aceitaria o chamado «atestado médico de incapacidade multiuso (AMIM)», que é um atestado oficial regulado pelo DL 202/96, de 23 de outubro (alterado pelo DL 174/97, DL 291/2009, Lei 80/2021, DL 1/2022 e DL 15/2024) – factos 12 e 33.
Nos termos do disposto no artigo 78.º do LCS, compete ao tomador do seguro fornecer e provar que forneceu as seguintes informações às pessoas seguras: coberturas contratadas e suas exclusões, obrigações e direitos em caso de sinistro, alterações ao contrato, regime de designação e alteração do beneficiário.
Quando o autor aderiu ao seguro, subscrevendo, no dia 17 do mês de fevereiro de 1992, o boletim de participante, relativo à sua integração no contrato de seguro ramo vida, constante da indicada apólice …39, emitido pela ré Fidelidade, com início de vigência, relativamente ao Autor, a 01/01/1992, tal como consta do indicado boletim (facto 5), o autor apôs a sua assinatura após as menções: «A PESSOA SEGURA DECLARA QUE TOMOU CONHECIMENTO: 1 – Das Condições deste Seguro de Grupo (….).
Apesar de, como está provado em 6., não lhe ter sido dada cópia do contrato de seguro, ou transmitida qualquer explicação do seu teor, o autor tomou conhecimento dessas condições, e, como está provado em 54, nunca pediu esclarecimentos à seguradora, nem alegou tê-los pedido à tomadora.
Mesmo admitindo que nas condições gerais iniciais não havia referência ao AMIM (ulteriormente criado) e que, quando as condições gerais passaram a ter essa referência, a tomadora não informou o autor, daí não resulta que este tenha o direito de beneficiar da indemnização, não estando afetado com o grau de incapacidade exigida para o efeito (desde sempre igual ou superior a 2/3).
Em suma, não se verificam os pressupostos ou condições contratuais (constantes do contrato de seguro celebrado entre as rés e no qual o autor é pessoa segura) necessárias à atribuição da compensação em situação de incapacidade parcial permanente (Incapacidade igual ou superior a 2/3), pelo que inexiste fundamento para a condenação de qualquer das rés.

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação do autor e procedente a apelação da ré «BB», S.A., absolvendo-a do pedido.
Custas pelo autor.

Lisboa, 23/05/2024
Higina Castelo
Paulo Fernandes da Silva
Orlando Nascimento