Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
752/22.7T8SCR.L1-6
Relator: VERA ANTUNES
Descritores: DIVISÃO DE COISA COMUM
HERANÇA INDIVISA
FORMA DE PROCESSO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I Para que a herança indivisa, comproprietária, seja parte no processo de divisão de coisa comum, devidamente representada por todos os herdeiros, exigem-se ainda outros dois pressupostos para que se possa falar na adequação da acção de divisão de coisa comum e afastar assim a verificação de erro na forma de processo:
- Conhecer-se os comproprietários;
- Conhecer-se a extensão do seu direito.
II – Sendo uma das RR. apenas herdeira de uma comproprietária, cuja herança não se mostra partilhada, não pode atribuir-se-lhe a qualidade de comproprietária nem fixar as quotas de todos os comproprietários, simultaneamente herdeiros, sem que se efectue primeiro a partilha (acresce estar ainda em causa a possível inoficiosidade da doação pela qual os restantes herdeiros se haviam tornado comproprietários); verifica-se assim o erro na forma de processo.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
M... intentou a presente acção de divisão de coisa comum, pedindo que seja declarada a extinção da compropriedade entre a A. e os RR. sobre o prédio urbano, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o n.º … da freguesia de …, seguindo-se os termos previstos nos arts. 925.º e segs. do Código de Processo Civil contra:
- E...;
- J...e mulher, R..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos;
- S...e marido, V..., casados sob o regime da comunhão de adquiridos;
Alegou para tanto que a Autora é comproprietária do seguinte prédio:
- prédio urbano, terreno destinado a construção, localizado ao …, da freguesia de …, Concelho de …, com a área de 950 m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santa Cruz sob o nº. ….
O prédio encontra-se em compropriedade, na proporção de ¼, para cada um dos seguintes titulares:
- ¼ para a Autora, M...;
- ¼ para o Réu, E...;
- ¼ para o Réu, J...; e
- ¼ para MF....
A titular, MF..., é mãe da Autora e dos Réus, E..., J... e S....
Acontece que, MF..., faleceu em 20 de Julho de 2020, no estado de viúva, tendo deixado como únicos herdeiros os quatro filhos: M..., E..., J... e S..., Autora e Réus.
Assim, a quota parte do prédio que pertencia a MF..., na proporção de ¼, encontra-se em comum e sem determinação de parte ou direito a favor da Autora e Réus, pertencendo à herança indivisa de MF..., uma vez que os herdeiros não realizaram qualquer partilha.
O que significa que, a Autora e os Réus E... e J..., são titulares de ¼ do prédio supra identificado, a que acresce 1/16 avos da herança da falecida MF...(1/4 + 1/16), correspondendo o direito de cada um dos referidos titulares a 5/16 avos do prédio.
Já, por seu turno, o direito da Ré, S..., corresponde 1/16 avos do prédio, sendo esta a sua quota parte.
No identificado prédio a Autora edificou a expensas suas uma habitação, inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo …, que constitui uma benfeitoria urbana.
Igualmente, os Réus E... e J..., edificaram, cada um, também a expensas suas, as respectivas habitações.
As partes não chegam à acordo quanto à divisão amigável do prédio e a Autora pretende fazer cessar a indivisão.
Entende a Autora que o prédio em causa poderá ser parcialmente fraccionado e adjudicada, pelo menos uma parcela a cada um dos comproprietários que têm habitações no prédio para satisfação das respectivas quotas.
Quanto ao direito da Ré S..., deverá ser satisfeito em dinheiro.
Sendo possível, no entendimento da Autora, a divisão, pelo menos parcial, em substância do prédio urbano.
Caso não seja viável, de todo, a divisão do prédio urbano, deverá prosseguir para a respetiva avaliação com vista a posterior adjudicação ou venda, pois a Autora pretende pôr termo à indivisão, direito que lhe assiste nos termos do art.º 1412.º, do Código Civil.
*
Citados os RR., o R. E... contestou, admitindo a existência do prédio e a situação de compropriedade, alegando porém que o requerido ora contestante edificou, há mais de 30 anos, uma construção urbana, destinada a habitação com a área aproximada de 190 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2855º, prédio esse destinado à sua habitação própria e permanente, sendo o requerido quem suporta todas as contribuições e impostos do referido imóvel.
Não é verdade que as partes não tenham chegado a acordo, uma vez que nunca a A. se dirigiu ao Requerido para falarem de divisões da herança ou qualquer assunto relacionado com compropriedade, sendo certo que ao aqui Requerido não lhe convém manter-se na indivisão.
O R. não sabe se o prédio em apreço é divisível, porque dada a sua área, a sua natureza e a orografia, pode ou não ser fracionado em parcelas com áreas muito superiores à da unidade de cultura que vigora atualmente na Região Autónoma da Madeira e economicamente mais viáveis.
Sem prescindir, a Mãe da Requerente e dos Requeridos outorgou um contrato de doação no dia 19 de setembro de 2013 pelo qual à Requerente e ao Requerido, entre outros foi-lhes doado por conta da quota disponível o direito de propriedade de uma quota ideal de um prédio urbano – terreno destinado a construção – com a área de 950m2 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … freguesia de Gaula.
Este R. deduziu ainda Reconvenção, nos seguintes termos:
A doação efetuada pela sua Mãe foi com o objetivo de reconhecer que o aqui Requerido era já dono e legítimo possuidor da parcela de terreno onde há mais de 30 anos havia já edificado a sua casa.
O Requerido sempre esteve no domínio do seu prédio urbano, usufruindo-o, habitando-o, pagando as respetivas contribuições e impostos, fazendo obras de conservação e manutenção, limpando, abrindo e fechando janelas, entrando na posse naquela proporção, mesmo anterior à data da celebração do contrato de doação.
Que o tem possuído conforme demarcação do terreno, praticando todos os atos referentes ao direito de propriedade, correspondente à proporção da sua quota, gozando todas as utilidades e tirando todos os proveitos, nele praticando todos os atos materiais inerentes, à vista de todos e sem oposição de ninguém, sendo, portanto, uma posse pública, pacífica, pública e de boa fé, com o conhecimento da generalidade das pessoas, sem oposição ou intromissão de quem quer que seja. E sem interrupção, portanto sobre uma forma pública, pacífica e contínua.
Pelo que à falta de título, já adquiriu o respetivo direito de propriedade por usucapião, causa esta de adquirir que como é óbvio não pode comprovar por meios extrajudiciais normais e que invoca para todos os efeitos a usucapião.
O Requerido aceita que seja efetuada uma perícia ao prédio.
Sendo comproprietário do imóvel, não obstante o valor patrimonial tributário, discorda do valor atribuído nesta ação.
Termina efectuando o seguinte Pedido Reconvencional:
a) Determinar-se a divisibilidade do prédio dada a sua área, configuração e orografia, com os consequentes quinhões – cfr. artigos 925.º, 929.º n.º 1 do CPC;
b) Reconhecer-se o direito de propriedade do aqui Requerido, já que o adquiriu por usucapião, sob o prédio urbano, destinado a habitação com a área aproximada de 190 m2, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2855º.
c) Reconhecer-se o direito pertencente à herança ilíquida e indivisa aos sucessores da falecida MF…, já que ao Requerido foi-lhe deferido pela comunhão hereditária uma quota parte do supra identificado imóvel.
*
Os RR. J..., e mulher, R... contestaram aceitando a existência do direito de compropriedade do prédio e quotas referidas pela A. na p.i.; mais referiram que no terreno estão edificadas as três habitações de A. e 1º e 2ºs RR., pelo que os aqui Réus têm todo o interesse na divisão do prédio urbano objeto desta acção, nomeadamente com a constituição duma propriedade horizontal que abranja as três construções aí existentes, habitações próprias de cada um destes, em conformidade com o uso e utilização individual, que sempre lhes foi conferido, legalizando as mesmas, bem como a titularidade dos respetivos direitos de propriedade.
*
Igualmente contestaram os RR. S... e V..., alegando em primeiro lugar a ineptidão da petição inicial, alegando ocorrer na petição inicial da A. uma clara contradição entre o pedido formulado e a causa de pedir pela própria invocada.
Com efeito, a A. pede seja declarada “a extinção da compropriedade entre a A. e os RR. sobre o prédio urbano” e nos artigos 2º a 7º da mesma petição inicial invoca, em sede de causa de pedir, que a herança de MF... se encontra indivisa e em comunhão hereditária.
Tal pedido só pode operar na compropriedade - de modo a fazer cessar a indivisão correspondente (cfr. arts. 1403º, 1412º, 1413º do Código Civil e 925º do CPC) – e a dita causa pedir demanda, de forma lógica, um pedido no sentido da partilha da herança indivisa e em comunhão hereditária (cfr. art.º 2101º/1 e 2102º do CC e 1097º/1 do CPC).
Assim, a petição inicial da A. é inepta, sendo nulo todo o processo, nos termos do disposto no art.º 186º/1 e 2 – al. b) do CPC, do que os contestantes se prevalecem para todos os efeitos.
Sem prescindir, invocam ainda o erro na forma de processo porquanto lida a p.i. alega a A. que a A. e dos demais RR. são, afinal e na totalidade, titulares cada de uma quota de 5/6 do prédio e os ora contestantes de uma quota de 1/16 do imóvel.
Ora, a herança de MF... não foi partilhada e mantem-se, portanto, indivisa e em comunhão hereditária e na qual se integra a quota parte de 1/4 do prédio e a forma de processo aplicável à partilha de tal acervo hereditário é o processo especial de inventário.
Finalmente, contestam por impugnação, em súmula: reiterando o que afirmaram a propósito das invocadas excepções; não são as restantes partes titulares da invocada quota total (5/6) do prédio, porque a sua diferente natureza jurídica a tanto impede.
Invocam ainda a inoficiosidade da doação feita em vida por MF..., o que determina a redução injuntiva de tais doações, donde, em face de tal possibilidade nem as invocadas quotas de 1/4 A. e dos demais RR. se consolidaram de forma definitiva.
Por outro lado, a divisão do prédio em lotes destinados à construção urbana constitui uma verdadeira e própria “operação de loteamento”, sujeita a prévio procedimento administrativo de licença administrativa da atribuição do Município de …, através da respetiva Câmara Municipal; com estes autos, a A. pretende, em rigor e com essa alegação, furtar-se à observância daquele regime jurídico, de natureza imperativa e de interesse público, numa situação de clara fraude à lei, o que não lhe pode ser permitido nestes autos.
*
Após a apresentação das Contestações foi proferido Despacho a determinar que os autos sigam a tramitação, subsequente à contestação, da ação declarativa com forma de processo comum e ordenou-se a notificação da A. para apresentar réplica, para se pronunciar sobre as matérias de exceção articuladas nas contestações, além da resposta à matéria de reconvenção.
*
A A, veio responder ao convite formulando, alegando o seguinte:
Quanto à contestação de E..., em síntese, que não põe a A. em causa a propriedade das benfeitorias urbanas existentes no prédio em causa mas que a questão se coloca quanto ao solo onde se encontram implantadas as benfeitorias, que está em regime de compropriedade e que importa dividir e adjudicar.
A Autora desconhece a data em que foi construído o prédio do Autor; não há dúvidas que o referido Réu, a Autora e o Réu J... estão no domínio das benfeitorias urbanas que cada um edificou, usufruindo-as, pagando as respectivas contribuições e impostos, fazendo as obras de conservação e manutenção, limpando, abrindo e fechando janelas, motivo pelo qual, urge proceder à respectiva divisão do prédio constituído em compropriedade, para que cada um dos comproprietários possa inteirar-se de uma parcela de terreno onde edificaram as benfeitorias urbanas, passando a constituir prédios autónomos.
Quanto à contestação de S... e marido:
A causa de pedir da Autora é a compropriedade do prédio e o pedido é a extinção da compropriedade, verificando-se que ¼ do prédio pertence a uma herança, daí que tenha sido requerida a acção também contra todos os herdeiros da falecida, que são partes legítimas.
O pedido e a causa de pedir são totalmente inteligíveis, não havendo qualquer contradição, nem são cumuladas causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
A Autora não quis partilhar os bens da herança deixada por óbito da sua mãe, mas apenas fazer cessar a compropriedade do prédio que tem em regime de compropriedade.
Não havendo, assim, também qualquer erro na forma de processo, sendo a acção de divisão de coisa comum a acção indicada a pôr termo à indivisão.
O prédio objecto da presente acção de divisão de coisa comum é um prédio urbano, terreno destinado a construção, que não faz parte de qualquer Alvará de Loteamento, tendo resultado de uma desanexação, conforme resulta do registo predial, não havendo qualquer fraude à lei, mas o recurso à via judicial para divisão em substância do prédio objecto dos presentes autos, caso seja possível, entendendo a Autora que é possível.
*
Foi proferido novo Despacho a ordenar a notificação da A. para juntar aos autos a escritura de doação feita por MF... e esclarecer se, por óbito desta, foi já partilhada a ¼ parte que ela reservou para si, bem como se está na posse das licenças administrativas necessárias ao fracionamento do prédio e, na afirmativa, juntá-las aos autos; foi ainda convidada a A. a fazer intervir a Sofinloc – Instituição Financeira de Crédito, S.A., por existir uma penhora registada sobre a parte (1/4) do réu J... Figueira de Jesus.
*
A A. veio esclarecer que a escritura de doação feita por MF... mostra-se já junta aos autos; que por óbito de MF... não foi partilhada ¼ da parte que ela reservou para si, motivo pelo qual a requerente requereu a acção também contra todos os herdeiros de MF...; não existem licenças administrativas para fraccionamento do prédio, porque o mesmo exige a intervenção de todos os comproprietários o que nunca foi possível, daí a presente acção; ainda a este respeito, a requerente entende que, poderia ser solicitado à Câmara Municipal de Santa Cruz a legalização das construções existentes, com divisão do prédio ou constituição de propriedade horizontal e adjudicação de cada fracção ao respectivo titular.
*
Chamada a Sofinloc, não interveio nos autos.
*
Foi proferida Sentença em 27/11/2023 com o seguinte teor:
“Requerimento com a ref.ª 5470123:
Convidada para o efeito, veio a requerente prestar diversos esclarecimentos.
Para o que nos interessa, reconheceu que “por óbito de MF... não foi partilhada ¼ da parte que ela reservou para si, motivo pelo qual a requerente requereu a ação também contra todos os herdeiros de MF...”.
Na sua contestação, S... e consorte, afloraram a questão de uma das partes a dividir ser parte de herança ilíquida, invocando erro na forma do processo.
A requerente aceita, na petição e na resposta dada, que uma das partes a dividir pertence a herança.
O tribunal está em posição de decidir questão formal, que porá termo à causa.
Tendo sido exercido o contraditório.
Ora, para uma questão semelhante, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 1100/11.7TBABT.E1.S1, relatado por ÁLVARO RODRIGUES e datado de 30-01-2013, disponível no site da DGSI, que a ação de divisão de coisa comum não é a adequada.
No sumário desse aresto escreve-se que:
“I - Tanto a jurisprudência, como a mais abalizada doutrina da especialidade, apontam decisivamente no sentido de que só se pode dividir os bens da herança de que se seja proprietário, ou seja, que tenham sido atribuídos aos herdeiros em partilha previamente realizada.
II - A ratio de tal solução é muito simples: é que, até à partilha, os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.
III - É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário-divisório) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é herança e que preencherão aquelas quotas.
Por isso, assim se ponderou no aresto deste Supremo Tribunal, de 04-02-1997 supra citado: «A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai obre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará».
IV - O Ilustre Professor de Coimbra, Doutor Rabindranath Capelo de Sousa assim ensina nas sua Lições de Direito das Sucessões: «Nos casos em que haja lugar à partilha da herança, segundo a opinião dominante, o domínio e posse sobre os bens em concreto da herança só se efectivam após a partilha, uma vez que até aí a herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário» (Lições de Direito das Sucessões, pg. 185).
V - Por sua vez, outro Professor de Coimbra, o Doutor Pereira Coelho, assim escreveu na sua obra de Direito das Sucessões: «Não se trata uma vulgar compropriedade entendida como participação na propriedade de bens concretos e determinados. Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada» (Pereira Coelho, Direito das Sucessões, 2ª ed. 1966-1967)”.
Na sua fundamentação, o Acórdão citado menciona outro Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-1987, de que foi Relator, o Exmº Conselheiro Almeida Ribeiro assim sumariado:
“I - Os herdeiros, por meio de acção de divisão de coisa comum, só podem dividir os bens da herança de que já sejam proprietários, isto é, que lhes tenham já sido atribuídos em partilha previamente realizada.
II - A existência ou inexistência de partilha previa é pois, um facto que tem imperiosamente de ser apurado pelas instâncias quando aquela acção tenha por objecto bens da herança”.
Bem como o Acórdão do STJ de 4-02-1997, relatado pelo Exmº Conselheiro Silva Paixão, assim sumariado na parte que ora interessa:
II - A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará.
III - Os herdeiros do comproprietário não podem usar de acção de divisão de coisa comum (nem podem nela ser demandados), sem que, previamente, se tenham habilitado e procedido à partilha”.
Nessa medida, como defende PIRES DE SOUSA, “não se tratando de coisa comum de que sejam comproprietários, não podem os herdeiros instaurar (ou ver instaurada contra eles, acrescentamos nós) ação de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança.
Só após a atribuição dos bens em partilha é que os herdeiros podem recorrer à ação de divisão de coisa comum.
Dito de outro modo, os herdeiros do comproprietário não podem instaurar acção (mesma ressalva) de divisão de coisa comum sem que, previamente, tenham procedido à partilha. Só após a individualização de um direito de propriedade sobre uma quota do prédio é que se torna viável a divisão de coisa comum”.
A ratio de tal solução é muito simples.
É que até à partilha os co-herdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fração da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota.
É pela partilha (extrajudicial ou judicial e, neste caso, através do processo de inventário-divisório) que serão adjudicados os bens dessa universalidade que é herança e que preencherão aquelas quotas.
Conforme resulta dos autos, o prédio identificado no requerimento inicial pertence a vários titulares ou comproprietários, sendo um deles herança indivisa, devidamente representada pelos seus herdeiros, todos partes nesta ação. Na causa decidida pelo Acórdão acima descrito, eram duas das quotas partes que pertenciam a heranças, havendo outras que pertenciam a pessoas.
Partilhados os bens, a benefício de inventário ou extrajudicialmente (nesta modalidade só se houver consenso de todos), então as quotas hereditárias serão, em concreto, preenchidas e, só então, os herdeiros serão proprietários dos bens que integrarem as respetivas quotas ou quinhões.
Os herdeiros são titulares de um direito indivisível, enquanto se não fizer a partilha. Até à partilha tal direito recai, assim, sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados dela. Logo, não pode atribuir-se ao co-herdeiro, antes da partilha, a qualidade de proprietário de qualquer bem da herança.
Pelo exposto, há que reconhecer à contestante razão no sentido de que só após a atribuição dos bens em partilha é que os herdeiros podem recorrer à ação de divisão de coisa comum.
Sendo o processo competente para aquela ação prévia o de inventário.
“O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados”, dispõe o art.º 193.º, n.º 1, do CPC.
Trata-se de nulidade (art.º 196.º).
E uma vez que a herança indivisa é comproprietária do prédio dividendo ab initio, não podem aproveitar-se quaisquer atos processuais efetuados, nem o requerimento inicial.
O que torna a instância originariamente impossível, por falta de objeto.
Pelo exposto, julgo verificado o erro na forma de processo, que importa o não aproveitamento de qualquer ato praticado nos autos, assim absolvendo os requeridos da instância, nos termos do art.º 278.º, alínea b), do CPC.
Custas pela requerente, nos termos do art.º 527.º, n.º 1, do CPC – fixando-se o valor da causa em € 28.998,55, equivalente ao valor patrimonial tributário do prédio, conforme os artigos 299.º, n.º 1, 302.º, n.º 2, e 306.º do CPC.”
*
Inconformada com esta Sentença dela veio recorrer a A., formulando as seguintes Conclusões:
“I – A requerente é comproprietária de um prédio urbano, terreno destinado a construção, localizado ao …, da freguesia de …, Concelho de …, com a área de 950 m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo …, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o nº. …;
II - O identificado prédio encontra-se em compropriedade, na proporção de ¼, para cada um dos seguintes titulares:
- ¼ para a Requerente, M...;
- ¼ para o requerido, E...;
- ¼ para o requerido, J...; e
- ¼ para herança indivisa de MF..., do qual são herdeiros a requerente e requeridos anteriormente identificados e ainda a requerida S....
III – A requerente não pretende permanecer na indivisão, não havendo convenção para que o prédio se conserve indiviso, não sendo obrigada a permanecer na indivisão;
IV – ¼ do prédio pertence à herança indivisa de MF..., estando esta herança devidamente representada por todos os seus co-herdeiros, nos termos do artigo 2091º do C. Civil;
V – A requerente, ora Apelante, requereu a acção de divisão de coisa comum como comproprietária em nome próprio de ¼ do prédio objecto da acção, arrogando-se, nesta medida proprietária (comproprietária);
VI – o Tribunal “a quo” julgou procedente a excepção dilatória inominada de erro na forma de processo invocada pela Apelada S... e absolveu os requeridos da instância.
VII – Entendendo o Tribunal “a quo” que a Apelante só podia recorrer à acção de coisa comum após a partilha dos bens da herança de MF..., posição com a qual a Apelante não concorda, daí o presente recurso;
VIII – A questão a apreciar no presente recurso é se o prédio objecto da presente acção, adquirido em compropriedade, pertencendo uma das quotas a dividir a uma herança, se só após a realização de inventário pode ser requerida a divisão pelo comproprietário, entendendo a Apelante que não;
IX – A Apelante assume a posição de comproprietária e co-herdeira da herança indivisa, no entando não se confundem as qualidades;
X – Sendo a herança indivisa comproprietária do prédio objecto da presente acção, na proporção de ¼ em comum com a Apelante, a acção de divisão de coisa comum pode ser intentada contra todos os consortes, incluindo a herança indivisa, representada por todos os herdeiros, nos termos do artigo 2091º nº. 1 do Código Civil, que nela farão valer o direito em nome da herança e não em nome próprio;
XI – Estão na acção os comproprietários do imóvel, todos os consortes e a sua promoção não depende da instauração do processo de inventário para partilha dos bens por óbito de MF..., onde se inclui o prédio objecto dos autos;
XII – Se a Apelante fosse apenas herdeira, que não é a situação em apreço, efectivamente, entende-se que não poderia recorrer à acção de divisão de coisa comum, porquanto ainda não era comproprietária;
XIII – Sendo a Apelante, além de herdeira, igualmente comproprietária e na acção já se encontram os restantes herdeiros (representando a totalidade da herança de MF...) nada impede a Apelante de querer cessar a indivisão sem antes partilhar a sua quota hereditária, requerendo a acção especial de divisão de coisa comum, como aconteceu;
XIV – Neste sentido veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 22 e Março de 2021, em que é relatora, a Exmª Desembargadora, Ana Paula Amorim, do Tribunal da Relação de Évora, de 12/07/2017, em que é Relator, o Exmº. Desembargador Canela Brás, que podem ser consultados em www.dgsi.pt.
XV - A sentença violou por erro de interpretação o disposto nos artigos 1403º, 1412º e 2091, todos do Código civil e artigo 912º e segs do CPC
Pelo que, deverá ser dado provimento ao presente recurso e em consequência revogada a sentença recorrida e, em substituição, julgada a acção totalmente improcedente, com todas as legais consequências.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária justiça!”
*
Contra-alegou o R. E..., Concluindo:
“I - Bem andou o Tribunal a quo a julgar como julgou.
II - “… A ratio de tal solução é muito simples: é que, até à partilha, os coherdeiros de um património comum, adquirido por sucessão mortis-causa, não são donos dos bens que integram o acervo hereditário, nem mesmo em regime de compropriedade, pois apenas são titulares de um direito sobre a herança (acervo de direitos e obrigações) que incide sobre uma quota ou fracção da mesma para cada herdeiro, mas sem que se conheça quais os bens concretos que preenchem tal quota…”,
III - É pela partilha no processo especial de inventário, tal qual previsto nos arts. 1097º e ss. do CPC, e no qual intervenham os herdeiros já habilitados do de cujus.
IV - Como julgou o Supremo Tribunal “…A compropriedade pressupõe um direito de propriedade comum sobre uma coisa ou bem concreto e individualizado, ao invés do que sucede na contitularidade do direito à herança que recai obre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará…”.
V - Quando existe lugar à partilha da herança o domínio e posse sobre bens certos e determinados só se concretizam ou efetivam após a partilha.
VI - A herança constitui um património autónomo nada mais tendo os herdeiros do que o direito a uma quota parte do património hereditário.
VII - “… Pelo contrário, contitularidade do direito à herança significa tanto como um direito a uma parte ideal, não de cada um dos bens de que se compõe a herança, mas sim da própria herança em si mesma considerada» …”.
VIII - Como sabemos, “…. Os herdeiros, por meio de acção de divisão de coisa comum, só podem dividir os bens da herança de que já sejam proprietários, isto é, que lhes tenham já sido atribuídos em partilha previamente realizada…”.
IX - A sentença de que se recorre não padece de qualquer erro de julgamento da matéria de facto ou de Direito. Ao contrário, julgou bem o erro na forma do Processo, o que se habilita, tratando-se, pois, de uma nulidade.
X – Assim sendo, e em face a todo o exposto, a conclusão por nós alcançada é a de que o recurso de Apelação interposto pela Apelante deverá ser declarado improcedente.”
*
Colhidos os vistos cumpre decidir.
***
II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente.
Deste modo no caso concreto a questão a apreciar consiste em:
- Saber se na presente acção se verifica o erro na forma de processo.
***
III. Fundamentação de Facto.
Não tendo a Sentença proferida procedido à delimitação dos factos que importa considerar para a decisão da questão que aqui nos ocupa, entende-se, por facilidade de exposição, elaborar essa selecção, o que se faz nos termos e ao abrigo do disposto pelo art.º 662º, n.º 1, do Código de Processo Civil:
1) Está registada a aquisição da propriedade do prédio urbano, terreno destinado a construção, localizado ao Sítio do ..., da freguesia de ..., Concelho de ..., com a área total de 950m2, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ..., descrito na Conservatória do Registo Predial … sob o nº. … por compra a favor de MF... pela Ap. 4308 de 7/5/2010 e por doação da quota de 3/4 por parte desta a favor de E...; J... Figueira de Jesus e M... Figueira de Jesus, pela Ap. 1490 de 27/9/2013.
2) MF..., faleceu em 20 de Julho de 2020, no estado de viúva, tendo deixado como únicos herdeiros os quatro filhos: M..., E..., J... e S..., Autora e Réus.
3) MF... outorgou um contrato de doação no dia 19 de Setembro de 2013 pelo qual fez a doação a que alude a Ap. 1490 de 27/9/2013, por conta da quota disponível.
*
Os Factos Assentes fundamentaram-se na certidão do Registo Predial e certidão do Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros juntos com a p.i. e na certidão do Contrato de Doação junto com a contestação do R. E....
***
IV. Do Direito
Nos termos do art.º 1403.º do Código Civil, existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa, exercendo os comproprietários em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas – art.º 1405º do Código Civil.
Sendo vários os titulares do direito, o exercício conjunto do direito de propriedade está sujeito às regras e limitações previstas pelos artigos 1406º a 1411º do Código Civil.
Desta forma, sendo assim regulado e partilhado o exercício do direito, prevê a Lei no art.º 1412º, n.º1, do Código Civil que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se conserve indivisa.
Como ensinam Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Coimbra Editora, 1972, Vol. III, página 343 e 344, em anotação ao artigo citado, “(…) o direito de que trata o artigo 1412º é, no fundo, um direito de dissolução da compropriedade, que normalmente se opera mediante a divisão em substância da coisa, mas que também pode realizar-se através da partilha do seu valor (ou preço) (…) o direito potestativo do art.º 1412º distingue-se, entre todas as formas de dissolução da comunhão ou compropriedade, pelo facto de se dirigir contra todos os consortes e ter como fim prático a cessação da compropriedade (…) É exactamente para frisar a nota de que não se trata apenas de concretizar a quota do requerente na coisa comum, mas de dissolver a relação de compropriedade existente entre todos os consortes, que os tribunais italianos acentuam o carácter universal da acção de divisão da coisa comum (…) No processo terão que intervir todos os consortes, seja na posição de autores, seja na de réus “.
Estipula o art.º 1413º do Código Civil que:
“1. A divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei de processo.
2. A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação onerosa da coisa.”
Em consonância com esta disposição, encontra-se regulado nos artigos 925.º a 930.º do Código de Processo Civil o processo de divisão de coisa comum, aqui em causa.
Assim, não há dúvida que este processo tem como pressuposto a compropriedade sobre um bem (ou a comunhão de quaisquer outros direitos na medida em que lhe sejam aplicáveis as regras da compropriedade por força do art.º 1404.º do Código Civil) e como finalidade a efetivação do direito à divisão que o art.º 1412.º do Código Civil confere aos comproprietários nos casos de divisibilidade ou indivisibilidade material da coisa.
A acção de divisão de coisa comum é uma acção de natureza real porquanto visa a modificação subjetiva e objetiva do direito real complexo em que se traduz a compropriedade.
Nos termos do art.º 925º do Código de Processo Civil: “Todo aquele que pretenda pôr termo à indivisão de coisa comum requer, no confronto dos demais consortes, que, fixadas as respetivas quotas, se proceda à divisão em substância da coisa comum ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respetivo valor, quando a considere indivisível, indicando logo as provas.”
Posto que as partes na acção de divisão de coisa comum têm de ter a qualidade de comproprietários (para o que aqui interessa, deixando agora de lado os casos do art.º 1404º do Código Civil) tem sido discutido na doutrina e jurisprudência a possibilidade de uma dessas partes se tratar de uma herança indivisa.
Na herança os herdeiros não são titulares de um direito de propriedade comum sobre uma coisa, mas antes contitulares do direito à herança que recai sobre uma universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais deles o direito hereditário se concretizará; “(…) enquanto não se fizer a partilha, os herdeiros têm sobre os bens que constituem a herança indivisa um direito indivisível, recaindo tal direito sobre o conjunto da herança e não sobre bens certos e determinados desta(…) A contitularidade do direito à herança implica um direito a uma parte ideal desta considerada em si mesmo e não sobre um dos seus bens que a compõem” – conf. Luís Filipe Pires de Sousa, in Processos Especiais de Divisão de Cosa Comum e de Prestação de Contas, 2016, Almedina, pág. 19.
Nessa medida, não se tratando de coisa comum de que sejam comproprietários, não podem os herdeiros instaurar acção de divisão de coisa comum para dividir prédio que integre a herança, uma vez que só após a atribuição dos bens em partilha é que os herdeiros podem recorrer à acção de divisão de coisa comum.
Desta forma, é pacífico que a forma de dividir um prédio que integre uma herança é através do processo de inventário.
Posto isto, pode suceder que um dos comproprietários seja uma herança indivisa.
Nesse caso, acompanha-se a jurisprudência que entende que esta circunstância não obsta à instauração da acção de divisão de coisa comum, aplicando a doutrina defendida por Luís Filipe Pires de Sousa: “pode ocorrer que a herança indivisa seja, ela própria, comproprietária (a par de terceiros) de um imóvel” e, nesse caso “sendo interposta uma acção de divisão de coisa comum de tal imóvel por terceiro, antes da partilha, deverão ser demandados todos os herdeiros, os quais agirão como representantes da herança e não em nome próprio”.
Veja-se, por compilada nesse aresto, a Jurisprudência citada no Acórdão da Relação de Lisboa de 25/2/2021, proferido no Proc. n.º 20403/19.6T8SNT.L1-6, da qual se salienta a seguinte:
Já ao nível da jurisprudência, e servindo-nos dos muito úteis contributos/elementos que nos fornece o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 23/4/2020 (12), e como que na linha do entendimento de PIRES DE SOUSA  referido, já em 2002 decidiu este Tribunal da Relação de Lisboa e em Acórdão de 17-12-2002 (13) que “ I - Integrando um prédio o acervo da herança por partilhar, os co-herdeiros não são ainda seus proprietários ou comproprietários, logo, não se tratando de coisa comum, não é possível pôr termo à sua indivisão nos termos do art.º 1052º e ss do CPC. II - Mas no caso de a herança indivisa ser, ela própria, comproprietária (v.g. de metade indivisa de um prédio), tem legitimidade para intervir em tal acção de divisão de coisa comum desde que representada por todos os herdeiros (que agem como representantes e não em nome próprio).
Ou seja, verificando-se a situação aludida em segundo lugar e por este mesmo Tribunal da Relação apreciada em Acórdão de 17-12-2002, tal possibilita (no entender do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23/4/2020), que “sabendo-se quem são os comproprietários, mesmo que um ou mais tenham falecido, os seus herdeiros ocupam a posição desse comproprietário falecido, assumindo essa qualidade, mesmo que não se tenha efectuado a partilha”.
Mais claro - a propósito de situação que igualmente se aproxima da que integra o objecto da presente apelação  - a admitir  a acção de divisão de coisa comum quando é a herança indivisa, ela própria, comproprietária , mostra-se todavia o Acórdão igualmente proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa, em 17/5/2015 (14) , o qual, debruçando-se sobre decisão recorrida que igualmente com fundamento em erro na forma do processo declarou a anulação de todo o processo e absolveu os Requeridos da instância, veio a revogar esta última, concluindo no final que:
I. A acção de divisão de coisa comum, tendo como fim específico a dissolução da compropriedade, fundamenta-se na qualidade de comproprietário do requerente, ao qual assiste o direito de não continuar na situação de indivisão.
II. Conhecendo-se os comproprietários, independentemente do conteúdo do seu direito, não se encontra qualquer utilidade, prática ou jurídica, para que, previamente à divisão do imóvel, se proceda à partilha dos bens deixados pelos comproprietários falecidos.
III. Tendo os requerentes expresso a pretensão de pôr termo à indivisão do imóvel comum, confrontando os demais consortes, e tendo seguido os termos da acção de divisão de coisa comum, esta é a forma processual apropriada ao pedido formulado.
E, para concluir como concluiu, mostra-se no Acórdão de 17/5/2015 e por este tribunal proferido, doutamente elucidado/clarificado que: “(…)
Estando completo o universo dos comproprietários do imóvel a dividir, nada obsta, no âmbito da legitimidade, a que se proceda a essa operação, ainda que, por efeito das mortes de MJS… e Js..., não se tenha realizado a partilha dos respectivos bens. Tendo estes sido comproprietários, juntamente com a Apelante, os seus herdeiros sucederam na sua posição jurídica, assumindo a qualidade de comproprietários.
Determinados estes, e não estando obrigados a permanecer na indivisão, nenhum obstáculo legal existe à divisão judicial do imóvel.
Conhecendo-se os comproprietários, independentemente do conteúdo do seu direito, não se encontra qualquer utilidade, prática ou jurídica, para que, previamente à divisão do imóvel, se proceda à partilha dos bens deixados pelos comproprietários falecidos, onde se incluía a compropriedade do imóvel a dividir. Sabe-se a quem pertence o direito, por sucessão, e conhece-se também a sua extensão, não advindo qualquer interesse prático na exigência da partilha, por decesso dos primitivos comproprietários. A divisão da coisa comum, assim como a venda antecipada antes da partilha, não prejudica o direito patrimonial dos respectivos interessados.
Por outro lado, o pedido formulado na acção, de divisão de coisa comum, nomeadamente de um imóvel, baseado na pretensão de pôr fim à compropriedade, adequa-se perfeitamente à forma de processo especial de divisão de coisa comum, como resulta do disposto no art.º 925.º do CPC.
Face à adequação do pedido à forma de processo escolhida na petição inicial, não há erro na forma de processo, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida.
Na verdade, tendo os Apelantes expresso a pretensão de pôr termo à indivisão do imóvel comum, confrontando os demais consortes, e tendo seguido os termos da acção de divisão de coisa comum, esta é a forma processual apropriada ao pedido formulado, não se surpreendendo o erro na forma do processo.”
Feito este enquadramento, vejamos se no caso ocorre erro na forma de processo como se decidiu na Sentença proferida.
O erro na forma de processo, previsto pelo art.º 193º do Código de Processo Civil, consiste na utilização pelo autor de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão.
Para aferir da verificação deste vício é imprescindível que se analise o pedido e a causa de pedir que o sustenta.
Assim o refere o Conselheiro Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, págs. 398 e 399: “O erro na forma de processo consiste em ter o autor usado de uma forma processual inadequada para fazer valer a sua pretensão (…) É pela pretensão que se pretende fazer valer, e portanto, pelo pedido formulado, que se há-de aquilatar do acerto ou do erro do processo que se empregou...”; Mais adianta Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, Almedina, vol. I, pág. 247 que “…a forma de processo escolhida pelo autor deve ser a adequada à pretensão que deduz e deve determinar-se pelo pedido que é formulado e, adjuvantemente, pela causa de pedir”.
Concluindo-se que se verifica uma situação de erro na forma de processo, a consequência é a nulidade, tal como prevista no artigo 196.º do Código de Processo Civil, a ser conhecida pelo Juiz no despacho saneador – art.º 200º do Código de Processo Civil.
Revertendo ao caso concreto;
Sendo que à partida não repugna que a herança indivisa, comproprietária, seja parte no processo de divisão de coisa comum, devidamente representada por todos os herdeiros, da jurisprudência que supra se citou resultam ainda outros dois pressupostos para que se possa falar na adequação da acção de divisão de coisa comum e afastar assim a verificação de erro na forma de processo:
- Conhecer-se os comproprietários;
- Conhecer-se a extensão do seu direito.
Ora, são estes precisamente os pressupostos que falecem no caso concreto, à luz da p.i. apresentada e analisada a pretensão da Requerente, como não pode deixar de se fazer na análise do erro na forma de processo.
É que a A. não intentou a acção contra a herança indivisa de MF..., representada pelas partes na causa.
A A. intentou a presente acção contra os restantes herdeiros de MF…, sendo os três primeiros RR. igualmente comproprietários.
Mas a terceira R., S..., é apenas herdeira de MF….
No entanto, a A. vem dizer na p.i. que “O que significa que, a Autora e os Réus E... e J..., são titulares de ¼ do prédio supra identificado, a que acresce 1/16 avos da herança da falecida MF...(1/4 + 1/16), correspondendo o direito de cada um dos referidos titulares a 5/16 avos do prédio.
Já, por seu turno, o direito da Ré, S..., corresponde 1/16 avos do prédio, sendo esta a sua quota parte.”
Ora, não pode a A. atribuir a quota parte da propriedade do imóvel às partes nesta acção nos termos em que fez.
No caso dos autos e observada a pretensão da A., a fim de se apurar quem são efectivamente os comproprietários do imóvel (qualidade que a R. S... não tem, não sendo comproprietária de 1/6 do imóvel, mas apenas herdeira, juntamente com os seus irmãos, as restantes partes nestes autos, da comproprietária falecida MF…) bem como a extensão da sua quota parte na propriedade do imóvel (que neste momento para a A. e os dois primeiros RR. é apenas e tão somente de ¾ para todos e não de 5/16 avos para cada um como a A. afirma) é necessário que se proceda previamente à partilha da herança de MF….
Só após a partilha é que será possível conhecer a identidade de todos os comproprietários e a extensão das suas quotas, que pode ou não coincidir com o que a A. pretende e invoca na p.i.
Acresce que a extensão da sua quota parte pode ser relevante para se aferir da divisibilidade ou indivisibilidade do prédio em causa, para o que, aliás e como notam os RR. S...e V..., poderá a A. ter que demonstrar o cumprimento das exigências administrativas que ao caso sejam exigidas para o fraccionamento do imóvel, em caso de ser possível a divisão (vindo a A., aliás, em sede de esclarecimentos solicitados pelo Tribunal a referir: “…a requerente entende que, poderia ser solicitado à Câmara Municipal de … a legalização das construções existentes, com divisão do prédio ou constituição de propriedade horizontal e adjudicação de cada fracção ao respectivo titular…”.
Finalmente, atente-se ainda na invocação de inoficiosidade da herança efectuada pelos RR. S...e V..., questão que apenas em sede de Inventário cumpre apreciar e que pode efectivamente ter repercussões na titularidade do direito das restantes partes, uma vez que a quota parte (1/4) que arrogam caber-lhes lhes adveio de doação em vida de MF…, não tendo a R. S... sido contemplada.
Pelo exposto, impõe-se concluir que o Recurso improcede, mantendo-se a decisão proferida na 1ª Instância.
***
V. Das Custas.
As custas do Recurso são a cargo da Recorrente, nos termos do art.º 527º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
***
DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar improcedente o Recurso, mantendo-se a Sentença proferida.
Custas pela Recorrente.
*
Registe e notifique.

Lisboa, 09/05/2024
Vera Antunes
Nuno Luís Lopes Ribeiro
Teresa Soares