Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
138/09.9JELSB-B.L2-5
Relator: CARLOS ESPÍRITO SANTO
Descritores: PRAZO
EXTEMPORANEIDADE
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/25/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº De acordo com o art.113, nº12, do CPP, “… havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”;
IIº Este normativo pressupõe a efectivação da notificação e não a sua ausência;
IIIº Numa hipótese de pluralidade de arguidos e em que, pelo menos em relação a um deles, não é possível a notificação da acusação, o prazo para requerer a abertura de instrução, conta-se da efectivação da última notificação, não sendo legítima a expectativa de aproveitamento de prazo a contar do momento em que é dado conhecimento aos arguidos notificados de que o processo prosseguirá, ou da junção de requerimento a solicitar a separação processual por impossibilidade de notificação da acusação a co-arguido;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
Nos autos de inquérito supra ids., que correram termos pelo DCIAP, onde, entre outros, são arguidos J… , L... e S..., com os demais sinais dos autos, foi pelo Mmº JIC proferido despacho a rejeitar os requerimentos de abertura de instrução formulados pelos ora recorrentes por extemporaneidade dos mesmos.

Inconformados com o teor de tal despacho interpuseram aqueles arguidos os presentes recursos, pedindo a revogação daquele e a sua substituição por outra que aceite os requerimentos de abertura de instrução formulados pelos arguidos.
Apresentaram, para tal, as seguintes conclusões (idênticas em ambos os recursos):
1. Vigora hoje o regime de comunicação de prazos entre os arguidos, previsto no artigo 113° n°12 do C.P.P.
2. Existindo vários co-arguidos, em caso de impossibilidade de notificação da acusação a outros co-arguidos, deve ser dado conhecimento aos arguidos notificados, que o processo prosseguirá nos termos e para os efeitos do n°5 do art. 283° do C.P.P.
3. Ou, quanto muito, iniciar-se o prazo pela junção no processo do requerimento do MP a solicitar a separação processual por impossibilidade de notificação da acusação aos outros arguidos ou de despacho para cumprir o n° 5 do art. 283°.
4. O que aconteceu, quando o M°P° no processo admitiu a impossibilidade de notificação da acusação dos co-arguidos e quando o MM JIC determinou a separação processual.
5. Enviados os requerimentos de abertura de instrução por correio registado em 11.06.2010, estavam os arguidos em prazo de requerer a abertura de instrução, quer se considere o 1° ou 2° momento.
6. Outra interpretação que não esta, nomeadamente a seguida pelo douto despacho agora recorrido, e na rota das decisões dos tribunais superiores acima citadas, inquina as normas dos artigos 113° n°12, 277° n°3, 283° n°5 e 287° n°1 e n° 6 todos do C.P.P. de inconstitucionalidade material, por limitar de uma forma desproporcional e intolerável os direitos defesa do arguido e assim contender com as normas nos artigos 18° n°1 e 32°, n°1, ambos da C.R.P.
7. Por último, os arguidos requereram a abertura de instrução antes de transitar o despacho que determinou a cessação da conexão processual. Isto porque entenderam que o requerimento do MP que a licitou, configurava também um despacho a determinar o prosseguimento do processo.
8. A decisão do TCIC refere-se única e exclusivamente ao requerimento feito pelo DCIAP a solicitar cessação da conexão processual.
Violaram-se os artigos:
• Artigos 113°, 283° e 287° do CPP.
• Artigos 18° e 32° da C.R.P.

Respondeu o MP, pugnando pela improcedência dos recursos, tendo formulado as seguintes conclusões:
- A questão sujeita a apreciação desse Tribunal superior é a de saber qual o prazo para requerer a abertura da fase de instrução nas situações em que existe uma pluralidade de arguidos e em que, pelo menos relativamente a um deles, não é possível a sua notificação;
- Dispõe o artigo 287°, n°1, alínea a), do Código de Processo Penal, que a abertura da instrução pode ser requerida pelo arguido no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação;
- Nos termos do artigo 287°, n°6, é aplicável o disposto no n°12 do artigo 113°, de acordo com o qual, “havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”
- O artigo 113°, n°12, do Código de Processo Penal contempla, como bem referem os recorrentes, um regime de comunicabilidade de prazos entre os arguidos, mas em termos diversos daqueles por estes preconizados;
- Ao estabelecer que “o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”, a norma do artigo 113°, n°12, do Código de Processo Penal pressupõe a efectivação da notificação e que, por isso, se mostrem a correr concomitantemente diversos prazos processuais, os quais poderiam terminar em dias diversos;
- Tal conclusão é a única consentânea com a letra e espírito do artigo 113°, n°12, do Código de Processo Penal e com as regras da interpretação da lei, consagradas no artigo 9° do Código Civil, uma vez que o legislador foi claro ao expressar que o acto poderá ser praticado até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar, sendo por isso evidente que pressupôs e concretização de uma prévia notificação. Caso contrário, nunca o prazo poderia começar a correr;
- O que é tutelado pelo artigo 113º, n°12, do Código de Processo Penal é uma expectativa do arguido em beneficiar de um prazo mais alargado concedido a um co-arguido, de cuja existência se tenha podido certificar através da consulta do processo;
- Tal expectativa apenas existiria na esfera jurídica dos ora recorrentes caso as notificações do despacho de acusação aos demais arguidos tivessem sido logradas. Não o tendo sido, apenas é tutelável a expectativa em beneficiar do prazo concedido ao arguido notificado em último lugar;
- In casu os últimos arguidos a serem notificados foram os recorrentes, todos notificados na mesma data, em 31 de Março de 2010;
- Assim sendo, o prazo para requerer a abertura de instrução teve início em 01 de Abril de 2010 e terminou a 20 de Abril de 2010, pelo que, tendo os requerimentos de abertura de instrução sido remetidos por registo postal datado de 11 de Junho de 2010, há muito que se mostrava decorrido o prazo legal de 20 dias;
- Inexiste qualquer obrigatoriedade legal de notificar um arguido já notificado da acusação de que o processo prosseguirá nos termos do artigo 283°, n°5, in fine do Código de Processo Penal, sendo que não estamos perante qualquer lacuna que importe colmatar;
-Esta interpretação do artigo 113º, n°12, em conjugação com o artigo 287°, nos 1 e 6, ambos do Código de Processo Penal, não comporta qualquer inconstitucionalidade material, não havendo qualquer limitação (e muito menos desproporcional e intolerável) dos direitos de defesa dos arguidos;
- Nos presentes autos foram asseguradas aos arguidos/recorrentes todas as garantias de defesa, designadamente o direito a requerer a abertura da fase de instrução no prazo de 20 dias a contar de 31 de Março de 2010, sendo que se não o requereram oportunamente foi porque não o quiseram.

É o seguinte o teor do despacho recorrido, na parte que ora interessa:
Em obediência ao douto Acórdão do TRL, constante de fis. 4018 a 4028, importa proferir despacho relativamente aos requerimentos de abertura de instrução formulados em 14 de Junho de 2010.
Nos presentes autos, foi já deduzida acusação, em 12/03/2010, contra doze arguidos, dos quais, quatro aguardam os ulteriores trâmites processuais sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva e os restantes oito, residem em morada incerta no estrangeiro.
Compulsados os autos, verifica-se que os arguidos abaixo indicados foram regularmente notificados de tal acusação contra cada um, respectivamente deduzida, bem como de que dispunham do prazo de 20 dias para requererem a abertura de instrução, nas seguintes datas:
- O arguido S..., detido em 16/03/2009, tendo ficado sujeito á medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido em 17/03/09, foi notificado da acusação em 31/03/10 e o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10 (cfr. fls. 3259, 3260 e 3440); - O arguido J..., detido em 16/03/2009, tendo ficado sujeito á medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido em 17/03/09, foi notificado da acusação em 31/03/10 e o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10 (cfr. fis. 3262, 3263 e 3441); - O arguido L..., detido em 16/03/2009, tendo ficado sujeito á medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido em 17/03/09, foi notificado da acusação em 31/03/10 e o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10 (cfr. fls. 3261, 3263 e 3442), e - O arguido R…; detido em 04/03/2010, tendo ficado sujeito á medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido em 05/03/10, foi notificado da acusação bem como o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10 (cfr. fls. 3257 e 3258).
Mais foram notificados da acusação pública e, bem assim, da possibilidade de, querendo, requererem a abertura de instrução no prazo de vinte dias, todos os Ilustres Defensores nomeados aos restantes arguidos acusados e cuja notificação pessoal não foi possível efectivar, por carta registada expedida em 25/03/2010, presumindo-se tal notificação efectuada, no 3.° dia útil posterior ao do respectivo envio, que ocorreu no dia 29/03/2010 (cfr. fis. 3376 a 3383).
Resulta, assim, que a primeira notificação da acusação se operou em 16/03/2010 e a última, em 31/03/2010.
Em virtude de não ter sido requerida a abertura de instrução, em 25/05/2010, foi proferido despacho a ordenar a separação de processos relativamente aos arguidos sujeitos a medidas de coacção privativas da liberdade, a saber, S..., J…, L… e R… e a determinar a remessa dos autos para julgamento, por se ter reconhecido um interesse ponderoso e atendível de tais arguidos, nomeadamente no não prolongamento da medida de prisão preventiva e, bem assim, a conexão com os demais arguidos cujas tentativas de notificação se mostraram infrutíferas, poderem representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado e retardar excessivamente o julgamento dos arguidos já notificados e sujeitos a prisão preventiva.
Após a remessa do processo para julgamento, vieram os arguidos S..., J… e L…, a douto punho, requerer a abertura de instrução nos termos e com os fundamentos constantes dos requerimentos que ora fazem fls. 3720 e ss. e 3727 e ss.
Dispõe o n.° 1 do art.° 287.°, do CPP, que: “A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento”( sic).
Por outro lado, dispõe o n.° 12 do art.° 113.° do CPP que: “Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar” (sic).
Assim sendo e, tendo o prazo para abertura de instrução começado a correr após a última notificação operada, tal prazo, terminou no dia 20/04/2010 para todos os arguidos notificados, ainda que em datas distintas, podendo ainda, cada um deles, requerer a abertura de instrução até ao terceiro dia útil subsequente, ou seja, até ao dia 23/04/2010, nos termos do art.° 145.° do CPC ex vi do art.° 107.°-A do CPP.
Com efeito, não tendo sido possível proceder à notificação dos restantes arguidos acusados que, nem sequer foram formalmente constituídos arguidos, não se conhece qualquer outro prazo para requerer a abertura de instrução que tenha começado a correr e que possa aproveitar a todos os arguidos, uma vez que tal prazo se conta a partir da notificação da acusação ou do arquivamento, conforme dispõe o n.° 1 do art.° 287.° do CPP.
Destarte, os arguidos dispõem do seu prazo de vinte dias contados a partir da notificação da acusação para requererem a abertura de instrução, podendo aproveitar o prazo de co-arguidos, que tenham começado a correr posteriormente ao seu, não nos parecendo legitima a expectativa criada pelos arguidos ora requerentes, de se aproveitarem de um prazo que não existe porque nunca se iniciou e que os mesmos têm conhecimento que não se encontra a correr.
O que seria legitimo, era que os arguidos, atenta excepcional complexidade decretada nos autos e, dentro do prazo de que dispunham para requerer a abertura de instrução, requeressem, ao JIC, a prorrogação desse mesmo prazo, até ao limite máximo de 30 dias, conforme previsto no n.° 6 do art.° 107.°, do CPP.
Na actual legislação, não encontra qualquer suporte legal, o entendimento de que o prazo para requerer a abertura de instrução se reinicia com a notificação, aos arguidos, do despacho que determina a separação de processos.
É igualmente inexistente a norma que estatua uma nova notificação ao arguido para que o mesmo possa tomar conhecimento do início do prazo nos termos e para os efeitos consagrados no n.° 12, do art.° 113º, do CPP.
Idêntico entendimento se retira do Acórdão do STJ, de 19/05/2010, proferido em procedimento de “habeas corpus” no NUIPC 85/05.3JBLSB (que correu termos neste TClC), que se transcreve:
“deve procurar alcançar-se o verdadeiro sentido do estipulado no n°12 do art° 113.º do Código de Processo Penal (...) sem se afrontar nenhum dos basilares
princípios do direito penal e do direito processual penal. Considerar-se-á, entes de mais que o legislador nacional, naturalmente preocupado com a salvaguarda dos direitos de defesa do arguido (princípio das garantias de defesa), fez consignar, no n° 4° do art.° 307°, do CPP, prevenindo a hipótese da existência de notificações simultaneamente desencadeadas ou não, no seio das fases do curso processual expressamente previstas no CPP que são apenas as referidas nos art°s 287° n° 6 e 315° n° 1—, que “...a circunstância de ter sido requerida apenas por um dos arguidos não prejudica o dever da o juiz retirar da instrução as consequências legalmente impostas a todos os arguidos’. Solução, como se sabe, resultante da jurisprudência do acórdão do plenário das secções criminais do STJ de 1 9/09/1995, proferido no domínio do Proc. n° 41250 e publicado no DR no 242/97, Série 1-A, de 2 7/11/1997, que fixou o dever de se conhecer da situação de todos os arguidos que possam colher favor da instrução, mesmo que a não tenham requerido.
Bem se compreenderá, também, que, uma vez deduzida a acusação pelo Ministério Público, existindo um só ou mais que um arguido e não logrando obter-se a notificação pessoal ou por via postal registada de um qualquer» nem por isso deixará o processo de correr seus termos, antes “... prosseguindo (...) quando os procedimentos de notificação se tenham revelado ineficazes
‘como se estatui na segunda parte do actual n° 5 do artigo 283° do CP (redacção introduzida pela Lei n 59/98, de 25 de Agosto, diploma que suprimiu a notificação da acusação por editais no caso de o arguido não poder ter sido notificado por aquelas outras visa, de trato dito comum).
Concordantemente se prevê no n°3 do artigo 336° do CPP que “... se o processo tiver prosseguido nos termos da parte final do n 5 do artigo 283°, o arguido é notificado da acusação podendo requerer abertura de instrução no prazo a que se refere o artigo 287... Ora, não parece nada conforme à natureza específica do direito adjectivo — que se manifesta ao longo de diferentes e sucessivos ciclos processuais concatenados, cada um com a sua especificidade e orientados no sentido do desenvolvimento harmónico da investigação - que se intente retirar de uma sua disposição intercalar, uma interpretação tal que viesse a colidir com a referenciada coordenação de ciclos, atentando manifestamente, contra os princípios da preclusão, da estabilização e da celeridade processual, sabido que é, que o arguido, notificado do libelo acusatório, tanto na sua própria pessoa como por via do Ex.mo Mandatário, não requereu instrução, ao contrário de outros co-arguidos, podendo tê-lo feito, além de que esteve presente no debate instrutório, nada requerendo, nesse domínio, vindo a ser, depois notificado, em idênticos termos, da própria pronuncia, nada objectando até à interposição do requerimento de “habeas corpus “, tudo como consta do informado pelo Ex.mo juiz.
Beneficiar agora o peticionante da circunstância de ao co-arguido só recentemente notificado, assistir o elementar direito de requerer instrução, quando ele próprio, disso conscientemente prescindiu, equivaleria, naturalmente, a aceitar a subversão dos referenciados princípios de direito, por isso mesmo se nos afigurando ilegítima a deduzida pretensão, sem que daí advenha ofensa ou prejuízo palpável das garantias de defesa do requerente, sempre protegido pela extensão de direito individual consagrada no aludido n° 4 do artigo 307º do CPP.
Entendimento que vem sendo adoptado na jurisprudência, nomeadamente em sede de apreciação de nulidades processuais relativas ao acto da própria notificação dos arguidos, como sucedeu, v.g., nos Ac.s da Relação de Lisboa de 24.10.01, Rec. Nº 9495/2001, da Relação do Porto, de 3.07.2002, Rec. Nº 809/02 e da Relação de Évora, de … 2003, Rec. Nº 1988/2003, citados por Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código do Processo Penal” Dez 2007 (1ª edição), 828, em termos que evidenciam adesão intelectual, não se conhecendo, aliás, posições desconformes na doutrina.
Mutatis mutandis, não pode ser aqui outro o entendimento adoptado.
Para além do mais, verifica-se que o despacho que considerou decorrido o prazo legal para os arguidos requererem a abertura de instrução e determinou a remessa dos autos a julgamento, transitou em julgado em 16/06/2010, não tendo sido interposto, pelos arguidos, qualquer requerimento de recurso.
Assim, face ao supra exposto e, sem necessidade de mais considerações, tendo presente que os requerimentos de abertura de instrução apresentados pelos arguidos S..., J… e L…, foram remetidos aos autos, por correio registado em 11/06/2010, muito após o termo do prazo de que dispunham para o efeito, rejeito tais requerimentos por manifestamente extemporâneos — ex vi do disposto no art.° 287.° - 1 a) e 3, do CPP.
O Mmº juiz do 2º Juízo Criminal do Barreiro sustentou a decisão recorrida.
O Digno PGA junto deste Tribunal elaborou douto parecer no sentido da improcedência dos recursos.
Os recorrentes renovaram a sua motivação e respectivas conclusões de recurso.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
É o seguinte o objecto dos recursos, delimitados pelas conclusões: saber qual o momento a partir do qual se conta o prazo para se requerer a abertura de instrução nas situações em que existe uma pluralidade de arguidos e em que, pelo menos em relação a um deles, não é possível a notificação da acusação.
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Dispõe o n.° 1 do art.° 287.°, do C. P. Pen., que: “A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento”. E, acrescenta o nº 6 do cit. art. que “É aplicável o disposto no nº 12 do art. 113º”.
Por outro lado, estabelece o n.° 12 do art.° 113.° do C. P. Pen. que: “Nos casos expressamente previstos, havendo vários arguidos ou assistentes, quando o prazo para a prática de actos subsequentes à notificação termine em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos ou por cada um deles até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar”.
Deste último normativo resulta que existe um regime de comunicabilidade de prazos entre os arguidos.
A lei é clara relativamente à questão controvertida , pelo que a sua interpretação se nos afigura linear, quando refere expressamente que o acto pode ser praticado por todos ou cada um dos arguidos …até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar – cit art. 113º, 12.
Assim, a lei pressupõe necessariamente a existência de um prazo em curso, logo a efectivação da notificação da acusação a um ou mais arguidos. Neste caso, sendo concomitantes ou sucessivos diferentes prazos decorrentes de notificações em datas diversas, com terminus necessário em dias diferentes, o acto pode ser praticado por todos até ao prazo que começou a correr em último lugar rectius desde a última notificação do despacho de acusação ou de arquivamento verificado.
Deste modo, não tem qualquer fundamento legal a existência de uma qualquer expectativa por parte dos arguidos, como dos ora recorrentes, de se aproveitarem de um prazo que nunca se iniciou e de que alias tem conhecimento de que não se encontra a correr (a possibilidade consagrada no art. 113º, 12, C. P. Pen., pressupõe a efectivação da notificação e não a sua ausência), até porque nestes autos mais ninguém havia sido ainda constituído arguido.
O art. 113º, 12, C. P. Pen., ao conceder ao arguido um prazo mais alargado para requerer a instrução, amplia os seus direitos de defesa, pois se traduz num benefício para aquele que no regime regra não disporia, sendo certo que requerida que seja a instrução por apenas um dos arguidos, tal pode vir a favorecer os restantes, por força da imposição do conhecimento da situação destes – cfr. Ac. STJ, Plenário das Secções Criminais, de 19-9-95, publ. no DR, I-A, de 27-11-97 -.
Porém, antes de começar a correr um prazo por força de uma notificação posterior, o arguido apenas dispõe de uma expectativa, pelo que deve usar de pertinente cautela e prudência na condução do processo, designadamente, jogando pelo seguro, i. e., utilizando o referido prazo de 20 dias que lhe é facultado para requerer a abertura da instrução.
Não se olvida que a jurisprudência se encontra dividida quanto ao início da contagem do prazo para requerer a abertura da instrução em situações como a presente, como bem se ilustra através dos acórdãos citados tanto pelos recorrentes, como pelo MP e pelo Mmº. Juiz recorrido (para os quais remetemos), alguma da qual perfilha a tese expendida pelos aqui recorrentes.
Assim, há quem diversamente entenda que o prazo em questão se deve contar (em caso de impossibilidade de notificação da acusação a outros co-arguidos) desde o momento em que é dado conhecimento aos arguidos notificados, que o processo prosseguirá nos termos e para os efeitos do n°5 do art. 283° do C.P.P.; ou iniciar-se tal prazo aquando da junção no processo do requerimento do MP a solicitar a separação processual por impossibilidade de notificação da acusação aos outros arguidos ou de despacho para cumprir o n° 5 do art. 283°. Finalmente, há ainda quem defenda existir neste caso uma lacuna que importa preencher no sentido de que deve ser formulada a regra de que o arguido já notificado da acusação, na impossibilidade de notificar qualquer um dos restantes arguidos, deve também ser notificado de que o processo prosseguirá nos termos do art. 283º, 5, C. P. Pen. (v. Ac. desta Secção de 12-1-10, Proc. nº 40/06.JBLSB-F.L1 5 in www.dgsi.pt).
Com o respeito que obviamente nos merecem as posições que vêm de ser enunciadas, as mesmas não colhem, em nosso entender qualquer suporte legal, quer pelos motivos que acima expressámos, quer ainda porque as notificações que pressupõem não estão legalmente previstas. Por outro lado, o texto e o espírito da lei não deixam qualquer margem para dúvidas acerca do momento em que se inicia e termina o prazo para requerer abertura de instrução, mesmo no caso em que haja vários arguidos, notificados da acusação em momentos diferentes e mesmo que alguns o não tenham sido, exigindo sempre a efectivação de uma ou várias notificações para que aquele prazo se inicie, aproveitando-se o mais serôdio para contabilizar o início e o termo daquele, pelo que não vislumbramos também aqui qualquer lacuna que se imponha preencher (cfr. ainda, para além dos já cit., o Ac. RL, de 31-5-01, Proc. nº 0083149 in www.dgsi.pt).
Aqueloutras interpretações, a vingar, atentariam contra os princípios da preclusão, da estabilização e da celeridade processual, gerando uma incerteza jurídica incompatível com aqueles. Como muito bem se refere no despacho recorrido, “beneficiar agora o peticionante da circunstância de o co-arguido só recentemente notificado, assistir o elementar direito de requerer instrução, quando ele próprio, disso conscientemente prescindiu, equivaleria, naturalmente, a aceitar a subversão dos referenciados princípios de direito, por isso mesmo se nos afigurando ilegítima a deduzida pretensão, sem que daí advenha ofensa ou prejuízo palpável das garantias de defesa do requerente, sempre protegido pela extensão do direito individual consagrada no nº 4 do art. 307º, C. P. Pen.”
Ora, se o art. 113º, 12, conjugado com o art. 287º, 1 e 6, C. P. Pen., ampliam um direito do arguido, alargando o prazo (peremptório) que normalmente este dispõe para praticar o acto em causa, não enxergamos onde é que a interpretação supra realizada dos mencionados normativos pode contender com os direitos de defesa do arguido, cerceando-os e, assim, resultar inconstitucional por violação das normas dos arts. 18º, 1 e 32º, 1, C. R. Port.. Na verdade, estamos perante uma extensão de um direito e não ante uma restrição do mesmo.
No caso dos autos verifica-se que os recorrentes foram notificados da acusação, respectivamente:
- O arguido S..., em 31/03/10 e o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10;
- O arguido J..., em 31/03/10 e o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10;
- O arguido L..., em 31/03/10 e o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10 (cfr. fls. 3261, 3263 e 3442), e
- O arguido R…, em 05/03/10 e o seu Ilustre Mandatário em 16/03/10.
Foram também notificados da acusação pública e, bem assim, da possibilidade de, querendo, requererem a abertura de instrução no prazo de vinte dias, todos os Il. defensores nomeados aos restantes arguidos acusados e cuja notificação pessoal não foi possível efectivar, por carta registada expedida em 25/03/2010, presumindo-se tal notificação efectuada, no 3.° dia útil posterior ao do respectivo envio, que ocorreu no dia 29/03/2010.
Resulta, assim, que a primeira notificação da acusação se operou em 16/03/2010 e a última, em 31/03/2010.
Em virtude de não ter sido requerida a abertura de instrução, em 25/05/2010, foi proferido despacho a ordenar a separação de processos relativamente aos arguidos sujeitos a medidas de coacção privativas da liberdade, a saber, S..., J…, L… e R… e a determinar a remessa dos autos para julgamento, por se ter reconhecido um interesse ponderoso e atendível de tais arguidos, nomeadamente no não prolongamento da medida de prisão preventiva e, bem assim, a conexão com os demais arguidos cujas tentativas de notificação se mostraram infrutíferas, poderem representar um grave risco para a pretensão punitiva do Estado e retardar excessivamente o julgamento dos arguidos já notificados e sujeitos a prisão preventiva.
Decorrido o prazo de 20 dias concedido pelo art. 287º, 1, C. P. Pen., nenhum daqueles arguidos veio requerer a abertura de instrução, o mesmo sucedendo até ao termo do prazo que começou a correr após a última notificação realizada, que terminou em 20-4-10 para todos os arguidos notificados, entre os quais os recorrentes, sendo que ainda o poderiam ter feito até ao 3º dia útil subsequente, ou seja, até 23-4-10, ao abrigo do art. 145º, 6, C. P. Civ. ex vi do art. 107º-A, do C. P. Pen..
Ora, os arguidos recorrentes apenas vieram requerer a abertura de instrução, por via postal registada, em 11-6-10, pelo que há muito se encontrava precludido o prazo para o fazer, não sendo legal o entendimento de que o prazo para requerer a instrução, na impossibilidade de notificar a acusação a outros arguidos, se deve contar a partir do conhecimento pelos arguidos dos despachos referidos em 2. e 3. das conclusões do recurso, por carência de previsão legal para a notificação dos mesmos e por atentar contra aquilo que a lei expressamente estabelece a tal respeito, como acima se deixou exposto.
Acresce que até à data em que os recorrentes requereram a abertura de instrução ainda não tinham sequer sido constituídos arguidos nestes autos outros indivíduos para além dos recorrentes e do R… estes sim, devidamente notificados da acusação.
Assim sendo, bem andou o Mmº. Juiz requerido ao rejeitar por extemporâneos os mencionados requerimentos de abertura de instrução – art. 287º, 1, a) e 3) e 113º, 12, C. P. Pen. -, não se mostrando violados os arts. 113°, 12, 277º, 3, 283°, 5 e 287°, 1 e 6, do C. P. Pen. e 18° e 32° da C. R. Port..
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Pelo exposto:
Acordam, em conferência, os juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedentes os recursos interpostos, confirmando integralmente o despacho recorrido.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um deles em 3 UC,s.

Lisboa, 25 de Janeiro de 2011

Carlos Espírito Santo
Neto de Moura