Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5932/17.4T9AMD-A.L1-9
Relator: ANTERO LUÍS
Descritores: REGISTO DE VOZ E IMAGEM
FORMALIDADES
MEIOS DE PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Ao registo de voz e imagem previstos no artigo 6º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, aplicam-se as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal, na interpretação efectuada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de Fixação Jurisprudência nº 13/2009, de 1 de Outubro.

II. Assim, nos termos do artigo 188º, nº 7, do Código de Processo Penal, no registo de voz deve ser junta a transcrição, tal como nas escutas telefónicas e no registo de imagem deve ser junta ao processo por cópia ou fotografia as imagens (fotogramas) que o Ministério Público julga relevantes do conjunto das imagens obtidas, indicando, em simultâneo, qual a futura medida de coacção que pretende vir a promover.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I - Relatório
Nos autos de inquérito que correm termos nos serviços do Ministério Público do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, com o Nº 5932/17.4T9AMD, na sequência de promoção do Magistrado do Ministério Público, o Meritíssimo Juiz do Juízo de Instrução Criminal de Sintra, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, não autorizou a junção aos autos dos registos de imagem recolhidos, nos seguintes termos: (transcrição)
“Pretende o Ministério Público que seja determinada a junção aos autos das imagens dos suspeitos obtidas nos dias 02.05.2018 e 03.05.2018 [fls. 406 (4.)].
Nos termos do que dispõe o art. 6º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11.01, são aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no art.º 188º do Código de Processo Penal, sendo que, no caso, o Ministério Público não deu cumprimento ao estatuído no nº 7 do citado art. 188º. A este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça, através do Acórdão nº 13/2009, de 01.10.2009, fixou a seguinte jurisprudência: «Durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, elaborado nos termos do nº 7 do artigo 188º do Código de Processo Penal, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção, mas devendo o Ministério Público indicar nele a concreta medida que tenciona vir a promover.»
Neste termos, não tendo o Ministério Público indicado a concreta medida de coacção cuja aplicação tenciona vir a promover, e atento o disposto no art. 188º, nº 7 do Código de Processo Penal, conjugado com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos supra expostos, ex vi art. 6º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11.01, não admito a requerida junção aos autos dos registos de imagens.” (fim de transcrição)
***
Não se conformando com a referida decisão dela veio o Ministério Público interpor o presente recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões: (transcrição)

1. Tendo o Ministério Público promovido ao Mmº Juiz de Instrução Criminal, no âmbito de inquérito em que se investiga o crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº 1 do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro, e ao abrigo do disposto no art.º 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, a validação e junção aos autos de imagens recolhidas pela PSP em duas acções de vigilância (e juntas num só relatório de vigilância), realizadas nos dias 2 e 3 de Maio de 2018, o Mmº JIC, por despacho datado de 9 de Maio de 2018, tomou conhecimento dos registos, mas não admitiu a sua junção aos autos.
2. Refere-se no despacho recorrido que, nos termos do que dispõe o art.º 6º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, são aplicáveis aos registos obtidos, com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no art.º 188º do Código de Processo Penal, sendo que, no caso, o Ministério Público não deu cumprimento ao estatuído no nº 7 do citado art.º 188º, uma vez que não indicou a concreta medida de coacção cuja aplicação tenciona vir a promover.
3. Menciona-se ainda, a tal respeito, o Acórdão nº 13/2009, de 01/10/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, que fixou a seguinte jurisprudência: “Durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, elaborado nos termos do nº 7 do artigo 188º do Código de Processo Penal, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção, mas devendo o Ministério Público indicar nele a concreta medida que tenciona vir a promover.”.
4. Entende o Ministério Público que a invocada jurisprudência e o disposto no art.º 188º, nº 7 do CPP não devem ser tidos em conta na junção ou não de imagens dos suspeitos, recolhidas ao abrigo do disposto no art.º 6º da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro.
5. Contrariamente ao que resulta do entendimento do Mmº JIC vertido no despacho recorrido, nem todas as formalidades indicadas no art.º 188º do CPP são aplicáveis directamente ao regime do registo de imagem.
6. Por isso se refere, expressamente, no nº 3 do art.º 6º da Lei nº 5/2002, que as formalidades estabelecidas no art.º 188º do CPP são aplicáveis aos registos obtidos ao abrigo daquela Lei “com as necessárias adaptações”.
7. Se faz sentido considerar que o regime do registo de imagem deve obedecer às formalidades indicadas nos números 1, 3, 4 e 6 do art.º 188º do CPP, já não faz sentido defender a aplicação do disposto no número 7 do art.º 188º do CPP.
8. A formalidade estabelecida no nº 7 do art.º 188º do CPP alude à “transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção…”.
9. Ora, nem com “as necessárias adaptações” se consegue entender como é que se pode requerer a transcrição dos registos de imagem.
10. A imagem está junta a um relatório de vigilância, não é uma conversa telefónica que tenha de ser transcrita para valer como meio de prova (cfr. nº 9, alínea a) do art.º 188º do CPP).
11. Assim, e contrariamente ao decidido pelo Mmº JIC no despacho recorrido, validada a recolha e registo de determinadas imagens (como aconteceu nos presentes autos), devem as mesmas ser juntas aos autos (em apenso ou no processo principal).
12. A junção de tais registos aos autos, depois de validados, não deve depender de, previamente, o Ministério Público indicar a concreta medida de coacção que tenciona vir a promover.
13. Também as escutas telefónicas validadas judicialmente ficam juntas aos autos, quer através dos respectivos autos de intercepção, quer através dos suportes digitais que contém as gravações das conversações.
14. Aliás, contrariamente ao registo áudio de uma conversa telefónica, a imagem junta a um relatório de vigilância apenas tem o condão de ajudar a “visualizar” o que está escrito no relatório por quem descreveu o que observou em determinadas movimentações dos suspeitos.
15. Não admitir a junção aos autos dos registos de imagem, como determinado no despacho recorrido, apenas porque não foi indicada a concreta medida de coacção cuja aplicação se tenciona vir a promover, seria equivalente a não determinar a junção de todos os registos de conversas telefónicas sem a mesma indicação.
16. Perguntar-se-á o que acontece às imagens que foram validadas mas não mandadas juntar aos autos? Destroem-se?
17. É que as escutas telefónicas validadas, mesmo que não mandadas transcrever, ficam juntas ao processo.
18. Pelo que não se entende esta diferenciação efectuada no despacho judicial: para as escutas telefónicas, os registos são validados (desde que não configurem nenhuma das situações a que alude o nº 6 do art.º 188º do CPP) e ficam nos autos sem que o MP tenha indicado a concreta medida de coacção cuja aplicação tenciona vir a promover. Mas para as imagens, os seus registos só são juntos aos autos se o MP indicar a concreta medida de coacção cuja aplicação tenciona vir a promover.
19. Por todo o exposto, entende o Ministério Público que, ao não admitir a junção aos autos dos registos de imagem, o despacho “a quo” violou o disposto no art.º 188º, nº 7 do Código de Processo Penal e no art.º 6º, nº 3 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro. (fim de transcrição)
***
O recurso foi admitido como se alcança de fls. 31.
O Meritíssimo Juiz como se alcança de fls. 32 e verso deu cumprimento ao disposto no artigo 414º, nº 4 do Código de Processo Penal mantendo doutamente a decisão recorrida.
Nesta instância, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o douto parecer a fls. 37 a 39 concluindo pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
II - Fundamentação
1. É pacífica a jurisprudência do STJ[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso que ainda seja possível conhecer.
Da leitura das conclusões do recorrente a questão colocada a este Tribunal é saber se é admissível a junção aos autos dos registos de imagens nos exactos termos por si requeridos a qual indeferida pelo Meritíssimo Juiz de Instrução.
Adiantando a conclusão diremos não ter razão o recorrente.
O artigo 6º, nº 3, da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro estatui, no que respeita aos registos de voz e imagem são aplicáveis, “(…) com as necessárias adaptações, as formalidades previstas no artigo 188.º do Código de Processo Penal.”
Por sua vez o artigo 188º, nº 7 do Código de Processo Penal estabelece que durante o “(…) inquérito, o juiz determina, a requerimento do Ministério Público, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a aplicação de medidas de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência”.
A propósito do entendimento do preceito o Supremo Tribunal de Justiça, fixou Jurisprudência Obrigatória, através do acórdão nº 13/2009 de 1 de Outubro, nos seguintes termos: “Durante o inquérito, o juiz de instrução criminal pode determinar, a requerimento do Ministério Público, elaborado nos termos do nº 7 do artigo 188º do Código de Processo Penal, a transcrição e junção aos autos das conversações e comunicações indispensáveis para fundamentar a futura aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, não tendo aquele requerimento de ser cumulativo com a promoção para aplicação de uma medida de coacção, mas devendo o Ministério Público indicar nele a concreta medida que tenciona vir a promover.”
O Ministério Público entende que esta jurisprudência apenas se aplica às intercepções telefónicas e não aos registos de imagem, argumentando que a mesma seria incongruente porque não há transcrição de imagens.
Esta argumentação só pode ter na base um erro de percepção do que se pretende com o preceito em causa.
Desde logo o legislador não distingue o registo de voz do registo de imagem mas, apenas, em relação a ambos, entende que o procedimento do artigo 188º, nº 7 se aplica com as “necessárias adaptações”.
A expressão “necessárias adaptações”, nada mais quer significar que, no registo de voz se junta a transcrição, tal como nas escutas telefónicas e no registo de imagem se junta ao processo por cópia ou fotografia as imagens (fotogramas) que o Ministério Público julga relevantes do conjunto das imagens obtidas, indicando em simultâneo qual a futura medida de coacção que pretende vir a promover.
Não se trata pois, como parece argumentar o Ministério Público, ser impossível transcrever imagens. Nunca o Meritíssimo Juiz refere no seu despacho que as imagens tinham que ser transcritas.
O que se pretende com a norma, no que respeita à recolha de imagens, é que sejam juntas, sob solicitação do detentor da acção penal e conjugadas com a indicação da futura medida de coacção que pretende promover, as fotografias (fotogramas) retiradas do acervo de imagens recolhidas, as relevantes para o processo em termos de prova e futura aplicação de medida de coacção.
Este procedimento não é de todo irrelevante ou de menor importância. O mesmo é, pelo contrário, essencial para garantir um processo justo e equitativo e assegurar todas as garantias de defesa ao arguido.
Não podemos olvidar que o arguido tem o direito, ao momento do 1º interrogatório judicial para aplicação de uma medida de coacção, a conhecer as provas indiciárias em que o Ministério Público se baseia para a imputação dos factos e aplicação da respectiva medida (artigos 141º e 194º do Código de Processo Penal). Este direito apenas poderá ser exercido se o processo contiver em si todos os elementos relevantes, bem como se contiver a posição do detentor da acção penal sobre essa mesma recolha e o que pretende com a mesma.
Não se trata pois de destruir as imagens ou o que fazer com as imagens não juntas. Essas, tal como acontece com as intercepções ou registo de voz, ficam no processo desde que não se verifique nenhuma das circunstâncias do artigo 188º, nº 6 do Código de Processo Penal, de modo a permitir uma eventual utilização futura, nos termos do nº 9 do artigo.
Nada justifica, pois, afastar a Jurisprudência Obrigatória fixada pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça no referido acórdão nº 13/2009, a qual deve ser aplicada às imagens, com junção aos autos dos fotogramas relevantes e indicação da futura medida de coacção a promover, como doutamente decidido.
Em resumo, improcede o recurso do Ministério Público, confirmando-se o despacho recorrido.

III - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso do Ministério Público, confirmando-se a decisão recorrida.

Sem custas por não serem devidas (artigo 522º nº 1 do CPP).
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por nove páginas, foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2 do Cód. Proc. Penal)
Lisboa, 18 de Outubro de 2018.

Antero Luís
João Abrunhosa

[1]   Neste sentido e por todo, ac. do STJ de 20/09/2006 Proferido no Proc. Nº O6P2267.