Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4745/22.6T8ALM.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO A TERMO
CONVERSÃO DO NEGÓCIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Impugnação da matéria de facto – Nulidade da sentença – Contrato de trabalho temporário – Contrato de utilização de trabalho temporário – Articulação entre o contrato de trabalho temporário e o contrato de utilização de trabalho temporário – Condicionalismo a que devem obedecer esses contratos – Utilização abusiva de relações contratuais a termo – Conversão em contrato sem termo – Despedimento ilícito – Artigos 140º e 172.º a 182.º do Código do Trabalho – Artigo 5.º do Anexo à Directiva 1999/70/CE
(sumário da autoria da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Sentença recorrido
1. Por sentença de 7.2.2023 (referência citius 422906328), o 1.º Juízo do Trabalho de Almada, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), proferiu a seguinte decisão:
“Por tudo quanto se deixa exposto o Tribunal julga procedente a ação, declara nulas as cláusulas acessórias termo certo e incerto, apostas aos contratos celebrados, e em consequência:
a) Reconhece a existência, entre a autora e ré XX, de um contrato de trabalho por tempo indeterminado;
b) Condena a ré XX a reintegrar a autora no posto e local de trabalho que antes detinha;
c) Julga ilícito o despedimento da autora e, em consequência condena a ré XX  a pagar à autora a compensação que representa as retribuições que deixou de auferir desde 30/05/2022 até ao trânsito em julgado da presente sentença, às quais acrescem os juros legais desde a data da citação até efetivo e integral pagamento e descontados os valores que a autora tenha recebido a qualquer título, incluindo a título de subsídio de desemprego, em valor que se vier a apurar em liquidação de sentença;
d) Absolve a ré ZZ - Empresa de Trabalho Temporário, S.A. dos pedidos subsidiários deduzidos pela autora.
Custas a cargo da 1.ª ré.
Valor da ação: €5.000,01
Registe e notifique.”
Alegações do recorrente
2. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente/primeira ré veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 35505714 de 27.3.2023).
3. Nas suas alegações, vertidas nas conclusões, a recorrente impugna a decisão recorrida com base nos argumentos que o Tribunal a seguir sintetiza:
Nulidade da sentença
• A sentença recorrida é nula porque refere na fundamentação de direito que a autora tem direito à reintegração nos termos previstos no artigo 389.º n.º 1 – b) do Código do Trabalho (CT) mas na parte decisória ordena a reintegração da autora no posto de trabalho que detinha anteriormente como se fosse aplicável o Código do Trabalho de 2003, incorrendo assim no vício da oposição entre a decisão e os seus fundamentos, previsto no artigo 615.º n.º 1 – c) do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho (CPT);
Impugnação da matéria de facto
• O facto provado w) deve passar a ter a seguinte redacção:
“A reestruturação a que se alude em u), cuja implementação se iniciou no Verão de 2019, teve impacto na atividade da XX , que registou novamente um acréscimo, que se previa excecional e transitório, o que levou o 1.º R., em Janeiro de 2020, a recorrer ao trabalho temporário, tendo celebrado com a 2.ª R. um contrato de utilização de trabalho temporário a termo incerto, para o exercício das funções de gestor de sinistros na área de convenções”.
Meios de prova que fundamentam a discordância: depoimento da testemunha BB.
• O facto provado x) deve passar a ter a seguinte redacção:
“Em Janeiro de 2021, motivada pelo desconfinamento que, então, se registou em Portugal, na sequência da pandemia da Covid 19, a XX  registou um aumento de atividade na área a que a A. se encontrava afecta, em função da maior carga de sinistralidade automóvel então verificada, o que levou a R. a recorrer ao trabalho temporário”.
Meios de prova que fundamentam a discordância: depoimentos das testemunhas CC e BB.
• Os factos provados y) e z) devem passar a ter a seguinte redacção:
“De acordo com as previsões da XX, em Janeiro de 2022 iniciar-se-ia a implementação de uma plataforma de gestão de sinistros, denominada por YY, a qual, previsivelmente, acarretaria uma carga adicional de trabalho para a equipa de convenções, razão pela qual foi celebrado o CUTT referido em g) e h) supra;
Entre Janeiro e Maio de 2022, em data que não se logrou precisar, e após se terem detectado diversos erros no novo sistema, a XX  decidiu parar a sua implementação, sem que tivesse sido fixada uma data para se retomar a implementação da plataforma YY;”.
Meios de prova que fundamentam a discordância: depoimentos das testemunhas CC e BB.
• O facto provado aa) deve ser eliminado do elenco dos factos provados.
Meios de prova que fundamentam a discordância: depoimentos das testemunhas BB, DD e EE.
• O facto provado bb) deve passar a ter a seguinte redacção:
“Na sequência de uma reestruturação interna, denominada por projecto Terra, que se iniciou em 2021, foram alocados à equipa de convenções, em Maio / Junho de 2022 4 trabalhadores, designadamente FF, GG, HH e II, os quais mantinham contrato de trabalho sem termo com a XX  e que vinham prestando a sua actividade na área de gestão de sinistros da marca / unidade de negócio da WW, que foi extinta”.
Meios de prova que fundamentam a discordância: depoimentos das testemunhas CC e BB.
• O facto provado cc) deve passar a ter a seguinte redacção:
“Na equipa de convenções da área de sinistros automóveis exerceram funções ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário os trabalhadores JJ, KK, LL e MM”.
Fundamentos da discordância: tal matéria foi alegada no artigo 20 da petição inicial que foi impugnado no artigo 66 da contestação da primeira ré/recorrente, na qual esta clarificou que o NN não foi contratado pela recorrente, mas por outra empresa do grupo XX e para exercer funções num ramo diverso do automóvel.
• O facto provado dd) deve passar a ter a seguinte redacção:
“Alguns trabalhadores que prestaram trabalho para a XX ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário, em número não concretamente apurado, foram integrados nos quadros da XX, não tendo nenhum dos mesmos sido afecto à equipa de convenções, em que a A. vinha prestando trabalho”
Meios de prova que fundamentam a discordância: depoimentos das testemunhas CC e BB.
Erro de direito
• Os contratos de utilização celebrados entre as duas rés não são nulos pois cumprem as formalidades legais previstas nomeadamente no artigo 177.º n.º 1 – b) e n.º 2 do CT;
• A função permanente é diferente da necessidade permanente;
• À luz do disposto no artigo 177.º n.º 1 – b), n.º 2, n.º 5 e nº 6 do CT, apenas se poderia considerar existir um contrato sem termo se o contrato de utilização omitisse o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador; não sendo esse o caso, embora sem conceder, a recorrente defende que existiria quando muito insuficiência da indicação dos motivos, à qual se aplica o disposto no artigo 181.º n.ºs 2 do CT;
• A declaração sobre a caducidade do contrato de trabalho junta como documento 9 à petição inicial é da autoria da segunda ré pelo que não se repercute na esfera jurídica da primeira ré; assim, se se considerar que os contratos a termo e de utilização não reflectem a realidade, então o despedimento foi levado a cabo pela segunda ré e esse acto não se repercute na esfera jurídica da primeira ré;
• O Tribunal interpretou e aplicou erradamente o disposto nos seguintes preceitos do CT: artigo 140.º n.º 2 f), ex vi artigo 175.º; artigo 177.º n.º 1-b), n.ºs 2, 5 e 6; artigos 178.º n.ºs 2 e 3 e 181.º n.º 2.
Contra-alegações
4. A recorrida, autora (trabalhadora) contra-alegou (cf. referência citius 35601413 de 5.4.2023), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese:
• A sentença recorrida não enferma de nulidade pois o Tribunal a quo decidiu de acordo com o artigo 61.º do CPT;
• Deve manter-se a decisão sobre a matéria de facto;
• A contratação a termo como forma de ilidir a segurança no emprego contraria o disposto no artigo 53.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o artigo 1.º da Directiva 70/1999/CE;
• Impende sobre a entidade empregadora o ónus da prova de que existe realmente a situação que justifica a celebração do contrato a termo, de acordo com as disposições conjuntas dos artigos 140.º, 175.º, 177.º n.º 2 e 180.º do CT;
• A violação do disposto no artigo 177.º do CT pela recorrente gerou a nulidade da cláusula que fixou o termo no contrato de trabalho em crise;
• Motivo pelo qual o despedimento foi ilícito e deve manter-se a decisão recorrida.
5. A segunda ré, recorrida, não contra-alegou.
Parecer do Ministério Público
6. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 21158032 de 16.2.2024), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), pugnado pela improcedência do recurso e defendendo, em síntese:
• A invocada nulidade da sentença recorrida é um mero jogo de semântica;
• A apreciação dos meios de prova em crise teve lugar à luz do princípio da livre apreciação que foi correctamente aplicado;
• De acordo com uma jurisprudência reiterada a justificação para o apor ao contrato de trabalho uma cláusula sobre o seu termo assente em acréscimo excepcional de actividade, abrange apenas flutuações quantitativas de carácter anómalo, temporário e imprevisível e não qualquer oscilação do negócio;
• O vício que inquina o contrato de utilização do trabalho temporário é o mesmo que inquina o contrato de trabalho temporário;
• A invocação da cessação do contrato por caducidade, implicou o despedimento ilícito da trabalhadora, tal como julgou a sentença recorrida.
7. Foi observado o contraditório previsto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, não tendo as pares respondido ao parecer mencionado no parágrafo anterior.
Delimitação do âmbito do recurso
8. Têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões:
A. Nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão
B. Impugnação e alteração da decisão sobre a matéria de facto
C. Observância do condicionalismo a que devem obedecer os contratos de trabalho temporário e de utilização de trabalho temporário
Factos
9. Nota prévia: os factos provados e não provados serão a seguir agrupados, respectivamente, em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alínea pela qual foram enunciados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões. As alterações resultantes do presente recurso serão assinaladas infra.
10. Factos provados:
a) A autora foi contratada pela ré ZZ - Empresa de Trabalho Temporário, S.A. para prestar trabalho na XX, a partir de 2 de janeiro de 2019, até ao dia 1 de fevereiro de 2019, com renovação automática por iguais períodos, salvo oposição de qualquer dos contraentes.
b) Como fundamento para a contratação a termo, o contrato, na cláusula 8.2, refere o seguinte:
“O Contrato é celebrado ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º da Lei 7/2009, e tem fundamento: A contratação de acordo com a duração estipulada é determinada pela necessidade de fazer face a um acréscimo temporário da normal atividade da empresa utilizadora. Este acréscimo é motivado pela previsão de aumento de solicitações de serviços nas áreas de gestão de sinistros devido a uma migração existente da WW e XX.
Deste cenário de acréscimo resulta um aumento de volume de trabalho na área de sinistros automóveis, situação que obriga à contratação de trabalhadores temporários para desempenhar funções diferentes nestes serviços. Não obstante a previsão é de crescimento meramente transitório e temporário não tendo caráter definitivo pelo que não excede a vigência deste contrato.”.
c) Ao contrato referido em a) sucedeu-se novo contrato, o qual, nos termos da respetiva cláusula 8, teve início a 2 de janeiro de 2020, tendo sido celebrado com termo incerto.
d) Como fundamento para a contratação a termo, o contrato, na cláusula .2, refere o seguinte:
“O Contrato é celebrado ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º da Lei 7/2009, e tem fundamento: A contratação de acordo com a duração estipulada é determinada pela necessidade de fazer face a um acréscimo temporário da normal atividade da empresa utilizadora. Este acréscimo é motivado pela reestruturação da área operacional da companhia, nomeadamente nos Sinistros Auto. Deste cenário resulta um aumento de volume de trabalho na área de Sinistros IDS, situação que obriga à contratação de trabalhadores temporários para desempenhar funções inerentes a este serviço. Não obstante a previsão é de crescimento meramente transitório e temporário não tendo caráter definitivo pelo que não excede a vigência deste contrato.”;
e) Ao contrato referido em c) sucedeu-se novo contrato, o qual, nos termos da respetiva cláusula 8, teve início a 2 de janeiro de 2021, tendo sido celebrado com termo incerto.
f) Como fundamento para a contratação a termo, o contrato, na cláusula 7.2, refere o seguinte:
“O Contrato é celebrado ao abrigo da alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º da Lei 7/2009, e tem fundamento: A celebração do presente contrato é fundamentada na satisfação de uma necessidade temporária do Utilizador do Trabalho temporário (UTT), neste caso a fixada na alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º do Código do Trabalho, acréscimo excecional e temporário da atividade da empresa o qual se prende essencialmente com o aumento de atividade na área de Produção, para assegurar o normal funcionamento da área de Co-Seguro, verificando-se para tanto uma sobrecarga de trabalho a executar e neste sentido a necessidade de um reforço dos quadros de pessoal, implicando a necessidade de contratar temporariamente um trabalhador temporário para fazer face a esta necessidade, tendo em consideração que o UTT não tem nos seus quadros mão-de-obra disponível que faça face a tal incremento, em atenção à especificidade e à natureza do trabalho a realizar e, dado o caráter transitório e conjuntural dos serviços a executar. Pelas razões apresentadas, será imprescindível ter em consideração o atrás descrito, bem como a sua especificidade e duração condicionada e limitada temporalmente, não sendo possível estimar a duração da necessidade, nem do acréscimo ainda que pontual, não é assim possível definir com exatidão a sua duração, sendo a mesma, por tal, incerta.
g) Ao contrato referido em e) sucedeu-se novo contrato, o qual, nos termos da respetiva cláusula 8, teve início a 2 de janeiro de 2022, tendo sido celebrado com termo incerto;
h) Como fundamento para a contratação a termo, o contrato, na cláusula 7.2, refere o seguinte:
“ O Contrato é celebrado ao abrigo da alínea g) do n.º 2 do artigo 140.º da Lei 7/2009, e tem fundamento: A celebração do presente contrato é fundamental na satisfação de uma necessidade temporária do Utilizador de Trabalho temporário (UTT), especificamente a necessidade de execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, motivado pela implementação de uma nova plataforma de gestão de sinistros, o novo sistema YY (DC Claims) que vai substituir o atual sistema de gestão de sinistros auto, sendo necessária a migração dos dados de pessoal para apoio na gestão da migração da informação que – tendo em consideração que o UTT não tem nos seus quadros mão-de-obra disponível que faça face a esta necessidade e o caráter transitório e conjuntural dos serviços a executar -, acarreta a necessidade de contratar temporariamente um trabalhador temporário para fazer face a esta necessidade, por um período previsível de 12 (doze) meses, período findo o qual se estima que as necessidade temporárias associadas ao novo sistema DC Claims se atenuem, sem prejuízo de, face à imprevisibilidade associada à sua execução, poderem ser cessadas antecipadamente ou prorrogadas no tempo em função da atenuação das necessidades temporárias associadas ao sistema acima referido (DC Claims).”.
i) A autora, desde 2 de janeiro de 2019 até à cessação de funções, sempre trabalhou na área de convenções da XX, gestão de sinistros automóveis, sempre procedendo à gestão de sinistros automóveis, nomeadamente:
- Geria acidentes de viação ocorridos em Portugal;
- Tinha autonomia para decidir até ao valor de €10.000,00 por sinistro;
- Recebia as participações do acidente, analisava e efetuava o enquadramento do sinistro;
- Verificava se a apólice de seguro estava em vigor e quais as coberturas acordadas;
- Solicitava peritagem ao veículo segurado e quando necessário requeria averiguações ao acidente;
- Decidia com base no relatório a responsabilidade pelo acidente;
- Autorizava a reparação da viatura e aprovava os pagamentos;
- Quando a viatura não tinha reparação informava o segurado dos valores da indemnização, quando aceite emitia e aprovava o pagamento ao segurado.
j) A autora recebia mensalmente o montante de €1.148,11, a título de remuneração, e um subsídio mensal de refeição de €232,11.
k) A autora trabalhava 35 horas semanais e sete horas diárias de segunda a sexta-feira, descansando semanalmente ao sábado e ao domingo.
l) A 2.ª ré remeteu à autora, em 26 de abril de 2022, um documento que intitulou “acordo de revogação de contrato de trabalho”, por via do qual pretendia a revogação do contrato de trabalho (cf. documento de fls. 14 e ss, junto com a petição inicial sob o n.º 6), o qual a autora não aceitou.
m) Por mensagem de email, datada de 27 de abril de 2022, a autora respondeu à 2.ª ré, com conhecimento à 1.ª ré, nos seguintes termos: “Com o presente venho informá-los que não aceito o despedimento que me foi comunicado no dia 26 de abril de 2022.
Pois como sabem, trabalho para a XX Portugal Services, A.C.E., desde 2 de janeiro de 2019 e que o trabalho que venho desenvolvendo não cessou.” (cf. documento junto a fls 16, verso, junto com a petição inicial sob o n.º 8).
n) No dia 2 de maio de 2022, a ZZ - Empresa de Trabalho Temporário, S.A. comunicou à autora, por carta, a caducidade do contrato de trabalho a termo, informando que a caducidade iria então ocorrer no próprio dia 2 de maio de 2022 (cf. documento junto com a petição inicial com o n.º 5, a fls. 13, verso).
o) No dia 6 de maio de 2022 a autora deslocou-se às instalações da 1.ª ré, na companhia de OO, dirigente sindical.
p) OO foi recebido por PP e QQ, da área de recursos humanos da 1.ª ré, tendo estes comunicado que o contrato da autora havia caducado.
q) Na sequência da comunicação de 2 de maio de 2022 referida em n), a autora deixou de ter acesso aos instrumentos de trabalho que a XX havia colocado à sua disposição (computador);
r) No segundo semestre de 2018 ocorreu a migração entre sistemas informáticos nas marcas WW e XX.
s) Tal migração envolveu a adoção de novos métodos de trabalho, bem como a utilização de uma nova plataforma informática, reclamando a realização de testes de natureza técnica e a formação dos recursos humanos.
t) Tudo junto deu origem a um acréscimo de trabalho na área da gestão de sinistros automóveis em janeiro de 2019.
u) Em janeiro de 2020 ocorreu uma restruturação da área de sinistros XX, a qual envolveu a criação de uma equipa dedicada à aceitação de sinistros, assim como a implementação de um modelo de gestão de sinistros independente da respetiva marca;
v) Tal restruturação envolveu também a redistribuição de processos.
w) A quantidade de trabalho manteve-se, então, nos mesmos termos referidos em t);
x) A quantidade de trabalho referida em t) manteve-se em janeiro de 2021.
y) Em janeiro de 2022 a XX previu inicial a implementação de uma nova plataforma YY.
z) Em maio de 2022, a ré XX adiou a implementação referida em y) para o ano de 2023.
aa) Atualmente, o nível de trabalho na área da gestão dos sinistros automóveis mantém-se ao nível referido em t).
bb) O trabalho que vinha sendo realizado pela autora é atualmente realizado na 1.ª ré por trabalhador com contrato de trabalho por tempo indeterminado proveniente da WW que integrou os quadros da ré XX.
cc) Redacção alterada por via do presente recurso**:
Na equipa de convenções da área de sinistros automóveis da ré XX Portugal Services, A.C.E. exerceram funções, ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário, os trabalhadores JJ, KK, LL e MM.
[Redacção anterior, constante da sentença recorrida: Na ré XX exerceram funções ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário os trabalhadores JJ, KK, LL, MM e NN].
** Conforme fundamentação mencionada infra na apreciação da questão B.
dd) Alguns trabalhadores que prestaram trabalho para a XX ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário, em número não concretamente apurado, foram integrados nos quadros da XX.
ee) Na sequência da cessação do contrato de utilização de trabalho temporário a 2.ª ré pagou à autora o montante líquido de € 1.552,75, conforme recibo de remuneração junto com a contestação da 2.ª ré.
ff) A autora, entre maio de 2022 e setembro de 2022 recebeu, de subsídio de desemprego, o montante de € 3.753,34.
gg) Consta da declaração mensal de remunerações da autora (Autoridade Tributária) relativa a maio de 2022 os rendimentos brutos de €1.447,30, com retensão de IRS no valor de €82,00 e o valor de contribuições obrigatórias de €136,55, sendo a entidade declarante a ZZ - Empresa de Trabalho Temporário, S.A..
hh) Consta da declaração mensal de remunerações da autora (Autoridade Tributária) relativa a outubro de 2022 os rendimentos brutos de € 521,04, com o valor de contribuições obrigatórias de €50,60, sendo a entidade declarante a VV, Lda.
ii) Os elementos dos contratos celebrados pela autora foram sempre fornecidos pela 1.ª ré à 2.ª ré.
Facto aditado por via do presente recurso**:
jj) Foram celebrados entre a recorrente/primeira ré, enquanto utilizadora e a recorrida/segunda ré, enquanto cedente, quatro contratos de utilização de trabalho temporário para cedência do trabalho da recorrida/autora, constantes dos documentos 2, 4, 5 e 6 juntos à contestação da primeira ré/recorrente (com a referência citius 33672772 de 23.9.2022) e dos documentos 1 e 2 juntos à contestação da segunda ré/recorrida (com a referência citius 33735235 de 30.9.2022), cujo teor se dá por reproduzido.
** Conforme fundamentação mencionada infra na apreciação da questão B.
11. Factos não provados:
Não se provou, nomeadamente, que em janeiro de 2020, em janeiro de 2021 e em janeiro de 2022 se tenham verificado na XX  acréscimos de trabalho de natureza excepcional e temporária na área de gestão de sinistro[s] automóvel, para além do que se provou em t), w) e aa).
Quadro legal relevante
12. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Constituição da República Portuguesa ou CRP
Artigo 53.º
(Segurança no emprego)
É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.
Directiva 1999/70/CE – Anexo
Disposições para evitar os abusos (artigo 5.º)
1. Para evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo e sempre que não existam medidas legais equivalentes para a sua prevenção, os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais e de acordo com a lei, acordos colectivos ou práticas nacionais, e/ou os parceiros sociais deverão introduzir, de forma a que se tenham em conta as necessidades de sectores e/ou categorias de trabalhadores específicos, uma ou várias das seguintes medidas:
a) Razões objectivas que justifiquem a renovação dos supramencionados contratos ou relações laborais;
b) Duração máxima total dos sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo;
c) Número máximo de renovações dos contratos ou relações laborais a termo.
2. Os Estados-Membros, após consulta dos parceiros sociais, e/ou os parceiros sociais, deverão, sempre que tal seja necessário, definirem que condições os contratos de trabalho ou relações de trabalho a termo deverão ser considerados:
a) Como sucessivos;
b) Como celebrados sem termo.
Código do Trabalho
Artigo 140.º
Admissibilidade de contrato de trabalho a termo resolutivo
1 - O contrato de trabalho a termo resolutivo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades.
2 - Considera-se, nomeadamente, necessidade temporária da empresa:
a) Substituição directa ou indirecta de trabalhador ausente ou que, por qualquer motivo, se encontre temporariamente impedido de trabalhar;
b) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção de apreciação da licitude de despedimento;
c) Substituição directa ou indirecta de trabalhador em situação de licença sem retribuição;
d) Substituição de trabalhador a tempo completo que passe a prestar trabalho a tempo parcial por período determinado;
e) Actividade sazonal ou outra cujo ciclo anual de produção apresente irregularidades decorrentes da natureza estrutural do respectivo mercado, incluindo o abastecimento de matéria-prima;
f) Acréscimo excepcional de actividade da empresa;
g) Execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
h) Execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária, incluindo a execução, direcção ou fiscalização de trabalhos de construção civil, obras públicas, montagens e reparações industriais, em regime de empreitada ou em administração directa, bem como os respectivos projectos ou outra actividade complementar de controlo e acompanhamento.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 1, só pode ser celebrado contrato de trabalho a termo incerto em situação referida em qualquer das alíneas a) a c) ou e) a h) do número anterior.
4 - Além das situações previstas no n.º 1, pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para:
a) Lançamento de nova atividade de duração incerta, bem como início do funcionamento de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 250 trabalhadores, nos dois anos posteriores a qualquer um desses factos;
b) Contratação de trabalhador em situação de desemprego de muito longa duração.
5 - Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto em qualquer dos n.ºs 1 a 4.
Artigo 172.º
Conceitos específicos do regime de trabalho temporário
Considera-se:
a) Contrato de trabalho temporário o contrato de trabalho a termo celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar a sua actividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;
b) Contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária o contrato de trabalho por tempo indeterminado celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores, mantendo-se vinculado à empresa de trabalho temporário;
c) Contrato de utilização de trabalho temporário o contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores temporários.
Artigo 175.º
Admissibilidade de contrato de utilização de trabalho temporário
1 - O contrato de utilização de trabalho temporário só pode ser celebrado nas situações referidas nas alíneas a) a g) do n.º 2 do artigo 140.º e ainda nos seguintes casos:
a) Vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento;
b) Necessidade intermitente de mão-de-obra, determinada por flutuação da actividade durante dias ou partes de dia, desde que a utilização não ultrapasse semanalmente metade do período normal de trabalho maioritariamente praticado no utilizador;
c) Necessidade intermitente de prestação de apoio familiar directo, de natureza social, durante dias ou partes de dia;
d) Realização de projecto temporário, designadamente instalação ou reestruturação de empresa ou estabelecimento, montagem ou reparação industrial.
2 - Para efeito do disposto no número anterior, no que se refere à alínea f) do n.º 2 do artigo 140.º, considera-se acréscimo excepcional de actividade da empresa o que tenha duração até 12 meses.
3 - A duração do contrato de utilização não pode exceder o período estritamente necessário à satisfação da necessidade do utilizador a que se refere o n.º 1.
4 - Não é permitida a utilização de trabalhador temporário em posto de trabalho particularmente perigoso para a sua segurança ou saúde, salvo se for essa a sua qualificação profissional.
5 - Não é permitido celebrar contrato de utilização de trabalho temporário para satisfação de necessidades que foram asseguradas por trabalhador cujo contrato tenha cessado nos 12 meses anteriores por despedimento colectivo ou despedimento por extinção de posto de trabalho.
6 - Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao utilizador a violação do disposto no n.º 4.
Artigo 176.º
Justificação de contrato de utilização de trabalho temporário
1 - Cabe ao utilizador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de utilização de trabalho temporário.
2 - É nulo o contrato de utilização celebrado fora das situações a que se refere o n.º 1 do artigo anterior.
3 - No caso previsto no número anterior, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º.
Artigo 177.º
Forma e conteúdo de contrato de utilização de trabalho temporário
1 - O contrato de utilização de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter:
a) Identificação, assinaturas, domicílio ou sede das partes, os respectivos números de contribuintes e do regime geral da segurança social, bem como, quanto à empresa de trabalho temporário, o número e a data do alvará da respectiva licença;
b) Motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador;
c) Caracterização do posto de trabalho a preencher, dos respectivos riscos profissionais e, sendo caso disso, dos riscos elevados ou relativos a posto de trabalho particularmente perigoso, a qualificação profissional requerida, bem como a modalidade adoptada pelo utilizador para os serviços de segurança e saúde no trabalho e o respectivo contacto;
d) Local e período normal de trabalho;
e) Retribuição de trabalhador do utilizador que exerça as mesmas funções;
f) Pagamento devido pelo utilizador à empresa de trabalho temporário;
g) Início e duração, certa ou incerta, do contrato;
h) Data da celebração do contrato.
2 - Para efeitos da alínea b) do número anterior, a indicação do motivo justificativo deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
3 - O contrato de utilização de trabalho temporário deve ter em anexo cópia da apólice de seguro de acidentes de trabalho que englobe o trabalhador temporário e a actividade a exercer por este, sem o que o utilizador é solidariamente responsável pela reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho.
4 - (Revogado.)
5 - O contrato é nulo se não for celebrado por escrito ou não contiver qualquer uma das menções referidas nas alíneas do n.º 1.
6 - No caso previsto no número anterior, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º.
Artigo 178.º
Duração de contrato de utilização de trabalho temporário
1 - O contrato de utilização de trabalho temporário é celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto.
2 - A duração do contrato de utilização de trabalho temporário, incluindo renovações, não pode exceder a duração da causa justificativa nem o limite de dois anos, ou de seis ou 12 meses em caso de, respectivamente, vacatura de posto de trabalho quando já decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento ou acréscimo excepcional da actividade da empresa.
3 - Considera-se como um único contrato o que seja objecto de renovação.
4 - No caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização sem a celebração de contrato que o fundamente, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo.
Artigo 179.º
Proibição de contratos sucessivos
1 - No caso de se ter completado a duração máxima de contrato de utilização de trabalho temporário, é proibida a sucessão no mesmo posto de trabalho ou atividade profissional de trabalhador temporário ou de trabalhador contratado a termo, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto ou atividade, celebrado com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, antes de decorrer um período de tempo igual a um terço da duração do referido contrato, incluindo renovações.
2 - O disposto no número anterior não é aplicável nos seguintes casos:
a) Nova ausência do trabalhador substituído, quando o contrato de utilização tenha sido celebrado para sua substituição;
b) Acréscimo excepcional de necessidade de mão-de-obra em actividade sazonal.
3 - Considera-se sem termo o contrato celebrado entre o trabalhador e o utilizador em violação do disposto no n.º 1, contando para a antiguidade do trabalhador todo o tempo de trabalho prestado para o utilizador em cumprimento dos sucessivos contratos.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
Artigo 180.º
Admissibilidade de contrato de trabalho temporário
1 - O contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado a termo resolutivo, certo ou incerto, nas situações previstas para a celebração de contrato de utilização.
2 - É nulo o termo estipulado em violação do disposto no número anterior, considerando-se o trabalho efectuado em execução do contrato como prestado à empresa de trabalho temporário em regime de contrato de trabalho sem termo, e sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
3 - Caso a nulidade prevista no número anterior concorra com a nulidade do contrato de utilização de trabalho temporário, prevista no n.º 2 do artigo 176.º ou no n.º 5 do artigo 177.º, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º.
Artigo 181.º
Forma e conteúdo de contrato de trabalho temporário
1 - O contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita, é celebrado em dois exemplares e deve conter:
a) Identificação, assinaturas, domicílio ou sede das partes e número e data do alvará da licença da empresa de trabalho temporário;
b) Motivo que justifica a celebração do contrato, com menção concreta dos factos que o integram, tendo por base o motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador indicado no contrato de utilização de trabalho temporário, sem prejuízo do disposto nos artigos 412.º e 413.º, com as necessárias adaptações;
c) Actividade contratada;
d) Local e período normal de trabalho;
e) Retribuição;
f) Data de início do trabalho;
g) Termo do contrato;
h) Data da celebração.
2 - Na falta de documento escrito ou em caso de omissão ou insuficiência da indicação do motivo justificativo da celebração do contrato, considera-se que o trabalho é prestado à empresa de trabalho temporário em regime do contrato de trabalho sem termo, sendo aplicável o disposto no n.º 6 do artigo 173.º
3 - O contrato que não contenha a menção do seu termo considera-se celebrado pelo prazo de um mês, não sendo permitida a sua renovação.
4 - Um exemplar do contrato fica com o trabalhador.
5 - Constitui contraordenação grave, imputável à empresa de trabalho temporário, a violação do disposto nas alíneas a) a f) do n.º 1 ou no n.º 4.
Artigo 182.º
Duração de contrato de trabalho temporário
1 - A duração do contrato de trabalho temporário não pode exceder a do contrato de utilização.
2 - O contrato de trabalho temporário a termo certo não está sujeito ao limite de duração do n.º 2 do artigo 148.º e, enquanto se mantiver o motivo justificativo, pode ser renovado até quatro vezes.
3 - Não está sujeito ao limite de renovações referido no número anterior o contrato de trabalho temporário a termo certo celebrado para substituição de trabalhador ausente, sem que a sua ausência seja imputável ao empregador, nomeadamente nos casos de doença, acidente, licenças parentais e outras situações análogas.
4 - A duração do contrato de trabalho temporário a termo certo, incluindo renovações, não pode exceder dois anos, ou seis ou 12 meses quando aquele seja celebrado, respectivamente, em caso de vacatura de posto de trabalho quando decorra processo de recrutamento para o seu preenchimento ou de acréscimo excepcional de actividade da empresa.
5 - O contrato de trabalho temporário a termo incerto dura pelo tempo necessário à satisfação de necessidade temporária do utilizador, não podendo exceder os limites de duração referidos no número anterior.
6 - É aplicável ao cômputo dos limites referidos nos números anteriores o disposto no n.º 6 do artigo 148.º
7 - À caducidade do contrato de trabalho temporário é aplicável o disposto no artigo 344.º ou 345.º, consoante seja a termo certo ou incerto.
8 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, a duração de contratos de trabalho temporário sucessivos em diferentes utilizadores, celebrados com o mesmo empregador ou sociedade que com este se encontre em relação de domínio ou de grupo, ou mantenha estruturas organizativas comuns, não pode ser superior a quatro anos.
9 - Converte-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária o contrato de trabalho temporário que exceda o limite referido no número anterior.
Código de Processo do Trabalho ou CPT
Artigo 1.º
Âmbito e integração do diploma
1 - O processo do trabalho é regulado pelo presente Código.
2 - Nos casos omissos recorre-se sucessivamente:
a) À legislação processual comum, civil ou penal, que directamente os previna;
b) À regulamentação dos casos análogos previstos neste Código;
c) À regulamentação dos casos análogos previstos na legislação processual comum, civil ou penal;
d) Aos princípios gerais do direito processual do trabalho;
e) Aos princípios gerais do direito processual comum.
3 - As normas subsidiárias não se aplicam quando forem incompatíveis com a índole do processo regulado neste Código.
Artigo 87.º
Julgamento dos recursos
1 - O regime do julgamento dos recursos é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil que regulamentam o julgamento do recurso de apelação e de revista.
2 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, quando funcionar como tribunal de revista, o Supremo Tribunal de Justiça tem os poderes estabelecidos no Código de Processo Civil.
3 - Antes do julgamento dos recursos, o Ministério Público, não sendo patrono ou representante de qualquer das partes, tem vista no processo para, em 10 dias, emitir parecer sobre a decisão final a proferir, devendo observar-se, em igual prazo, o contraditório.
Código de Processo Civil ou CPC
Artigo 614.º
Retificação de erros materiais
1 - Se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexatidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz.
2 - Em caso de recurso, a retificação só pode ter lugar antes de ele subir, podendo as partes alegar perante o tribunal superior o que entendam de seu direito no tocante à retificação.
3 - Se nenhuma das partes recorrer, a retificação pode ter lugar a todo o tempo.
Artigo 615.º
Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Artigo 662.º
Modificabilidade da decisão de facto
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos n.ºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Código Civil
Artigo 374.º
(Autoria da letra e da assinatura)
1. A letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando esta declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras.
2. Se a parte contra quem o documento é apresentado impugnar a veracidade da letra ou da assinatura, ou declarar que não sabe se são verdadeiras, não lhe sendo elas imputadas, incumbe à parte que apresentar o documento a prova da sua veracidade.
Artigo 376.º
(Força probatória)
1. O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento.
2. Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante; mas a declaração é indivisível, nos termos prescritos para a prova por confissão.
3. Se o documento contiver notas marginais, palavras entrelinhadas, rasuras, emendas ou outros vícios externos, sem a devida ressalva, cabe ao julgador fixar livremente a medida em que esses vícios excluem ou reduzem a força probatória do documento.
Artigo 396.º
(Força probatória)
A força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
13. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos que serão mencionados infra na fundamentação:
Doutrina
António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Almedina
António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina
Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora Limitada
João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Almedina
Maria do Rosário Palma ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina
Jurisprudência
Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, C-494/17, disponível em curia.eu
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 7379/20.6T8LSB.L1-4, disponível em dgsi.pt
Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 1225/19.0T8PNF.P1, disponível em dgsi.pt
Apreciação do recurso
A. Nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão
14. A recorrente alega a nulidade da sentença pelo facto de os fundamentos (artigo 389.º n.º 1 – b) do CT) estarem em oposição com a decisão que, na alínea b) do dispositivo “Condena a ré XX a reintegrar a autora no posto e local de trabalho que antes detinha”.
15. Esta alegação convoca a aplicação do disposto no artigo 615.º n.º 1 c) do CPC ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT.
16. Por despacho de 18.12.2023, com a referência citius 431240407, o Tribunal a quo, ao admitir o recurso, apreciou a questão e decidiu que: “(...) inexiste qualquer nulidade, sendo que a decisão proferida foi-o à luz do disposto no artigo 389.º, n.º 1, alínea b), do Código do Trabalho, sendo este, como decorre da sentença, o referente normativo.”
17.A esse propósito, do texto da sentença recorrida resulta ser a seguinte a fundamentação aqui em crise: “Uma vez que a opção da trabalhadora foi a reintegração, tem a mesma o direito precisamente a esta (artigo 389º, n.º 1 alínea b), do Código do Trabalho).”.
18. No que releva para a presente decisão, o artigo 389.º n.º 1 – b) do CT estabelece que sendo o despedimento declarado ilícito o empregador é condenado: “Na reintegração do trabalhador no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade (...)”.
19. Do acima exposto resulta que não existe qualquer oposição entre a fundamentação e a decisão. O que se verifica é a inexactidão da condenação acima mencionada no parágrafo 14 que, nos termos do artigo 614.º n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPC, o Tribunal da Relação rectifica.
20. Assim, em conformidade com as disposições legais mencionadas no parágrafo anterior, o Tribunal da Relação rectifica a alínea b) do dispositivo da sentença recorrida, que passa a ter a seguinte redacção:
b) Condena a ré XX a reintegrar a autora no mesmo estabelecimento e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
21. Improcede no mais este segmento da argumentação da recorrente.
B. Impugnação e alteração da decisão sobre a matéria de facto
22. A recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto pedindo que os factos provados w), x), y), z), bb), cc), dd) passem a ter a redacção acima enunciada no parágrafo 3 e que seja eliminado do elenco dos factos provados o facto provado aa).
23. Para fundamentar a sua discordância indica os meios acima elencados no parágrafo 3, a saber, os depoimentos gravados das testemunhas aí mencionadas e a impugnação especificada de parte do facto provado cc).
24. A esse propósito, é a seguinte a fundamentação da convicção do Tribunal a quo, sobre o tema probatório impugnado, que consta da sentença recorrida:
“Que ocorreu um acréscimo de trabalho em janeiro de 2019, por força da migração de sistemas informáticos, na sequência do qual a autora foi contratada, também existe unanimidade na prova produzida. Com efeito, RR, empregado de seguros na XX , SS, gestora de sinistros na XX , BB, profissional de seguros na XX , estes expressamente, e demais testemunhas ouvidas, de modo genérico, confirmaram que efetivamente, em 2019, se verificou um acréscimo de trabalho na XX , decorrente da migração do sistema informático, associado à associação de novas marcas de seguros.
Porém, esse acréscimo manteve-se até à atualidade. É o próprio BB que o admite, mas também DD, gestora de sinistros na XX, e EE, profissional de seguros na XX.
Não decorre, pois, da prova produzida que tenham ocorrido níveis de trabalho acrescidos nos meses de janeiro dos anos de 2020, de 2021 e de 2022. Diversamente, o que se verificou foi que, desde 2019, o nível de trabalho na área da gestão de sinistros da 1.ª ré aumentou em janeiro de 2019, mantendo-se no mesmo nível até à atualidade.
(...)
O adiamento da nova plataforma em 2022 foi explicitado igualmente por BB e CC.
(...)
Note-se que, não obstante o motivo que formalmente consta do contrato de janeiro de 2022 para fundamentar o recurso ao trabalho temporário não se ter concretizado (a tal implementação de uma nova plataforma, projeto adiado para 2023), a verdade é que a quantidade de trabalho se manteve.
Verifica-se, portanto, em face da prova produzida, que a autora, desde que começou a trabalhar na 1.ª ré, sempre desempenhou as mesmas funções, com graus de intensidade de trabalho que se mantiveram equivalentes.”.
25. O Tribunal da Relação ouviu os depoimentos gravados das testemunhas indicadas pela recorrente, a saber, EE, BB, CC e DD (trabalhadores da recorrente). Adicionalmente, este Tribunal ouviu os depoimentos das restantes testemunhas, a saber, RR, SS e PP (trabalhadores da recorrente), OO (dirigente sindical) e JJ (que trabalhou para a recorrente mediante um contrato de trabalho temporário).
26. Os depoimentos das testemunhas indicadas no parágrafo 25 estão sujeitos ao princípio da livre apreciação do Tribunal, consagrado no artigo 396.º do Código Civil (CC).
27. Segundo o Tribunal julga perceber, com excepção do facto provado aa) que a recorrente defende que não se provou, a recorrente aceita que os restantes factos que aqui impugna se provaram ou se provaram em parte, mas, na sua óptica, os mesmos deveriam ter outra redacção.
28. Analisada, porém, a redacção proposta pela recorrente, enunciada no parágrafo 3, à luz dos depoimentos ouvidos e do teor dos restantes factos provados, não impugnados no presente recurso, afigura-se que a recorrente pretende que seja retirado dos factos provados o facto aa) e seja substituída a redacção dos factos provados w), x), y), z), bb) e dd) por factos diferentes, que se prendem com detalhes da gestão da sua empresa na sequência de uma fusão de empresas, o que não tem qualquer relevo para a decisão de mérito, pelos motivos a seguir explicados.
29. Com efeito, tendo em conta o modo como está configurada a presente acção, o tema probatório com relevo para a decisão de mérito prende-se essencialmente com a prova da verificação dos pressupostos previstos nos artigos 175.º, 178.º e 180.º do CT ou da sua violação. Nesse contexto, o que importa apurar é se os contratos de trabalho temporário em crise, celebrados com a autora/recorrida/trabalhadora e os contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre as rés, que com aqueles se articulam, tiveram por base um acréscimo de trabalho e, nesse caso, qual a duração desse acréscimo de trabalho, nomeadamente se o mesmo se mantinha à data da declaração de caducidade do contrato enviada à trabalhadora. Ora foi a esse tema probatório que o Tribunal a quo respondeu nos factos provados w, x), y) z) aa), bb) e dd), sem que a selecção dos factos relevantes e a resposta que lhes foi dada mereçam qualquer censura, pois no seu juízo autónomo, o Tribunal da Relação também ficou convicto da realidade de tais factos com base nos depoimentos das testemunhas EE, BB, CC, DD, RR, SS e PP (trabalhadores da recorrente) e JJ (que trabalhou para a recorrente mediante um contrato de trabalho temporário).
30. No que respeita ao facto provado cc), que incide sobre contratos celebrados com outros trabalhadores, o Tribunal começa por sublinhar que, pelos mesmos motivos indicados no parágrafo 28, tal facto é irrelevante para a decisão de mérito. Adicionalmente, não existe prova escrita que permita apurar a existência desse facto, o recorrente não indicou meios de prova que fundamentem a sua discordância e a apreciação da validade de tais contratos não é objecto dos presentes autos. Nesse contexto, o Tribunal julga que a exigência da forma escrita para a celebração de contratos de utilização de trabalho temporário e dos respectivos contratos de trabalho temporário com terceiros, é uma formalidade cuja falta não impede a prova da existência desses contratos, independentemente de saber se os mesmos são ou não válidos à luz do disposto nos artigos 177.º n.ºs 5 e 6 e 181 n.ºs 1 e 2 do CT, na medida em que a recorrente aceitou parcialmente esse facto alegado pela trabalhadora recorrida. Assim, nos presentes autos, a prova da existência de contratos de utilização de trabalho temporário de outros trabalhadores, resulta apenas da admissão parcial desse facto por acordo, feita pela recorrente na contestação, com os efeitos previstos no artigo 574.º do CPC, ex vi artigo 1.º n.º 2 – a) do CPT (cf. artigo 20 da petição inicial e artigo 66.º da contestação da recorrente, juntas, respectivamente, com as referências citius 32982741 e33672772).
31. Pelo que, procede nessa parte a argumentação da recorrente, sendo alterada a redacção do facto cc) como se segue, de modo a corresponder ao que foi admitido por acordo: na equipa de convenções da área de sinistros automóveis da ré XX Portugal Services, A.C.E., exerceram funções, ao abrigo de contratos de utilização de trabalho temporário, os trabalhadores JJ, KK, LL e MM.
32. Em conformidade com o acima exposto, procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que respeita ao facto provado cc) cuja redacção é alterada nos termos indicados no parágrafo 31 e improcede no mais este segmento da argumentação da recorrente.
33. Adicionalmente, ao abrigo do disposto nos artigos 662.º n.º 1 do CPC, ex vi artigo 87.º n.º 1 do CT, o Tribunal da Relação, oficiosamente, altera a decisão sobre a matéria de facto e adita ao elenco dos factos provados o seguinte facto:
jj) Foram celebrados entre a recorrente/primeira ré, enquanto utilizadora e a recorrida/segunda ré, enquanto cedente, quatro contratos de utilização de trabalho temporário para cedência do trabalho da recorrida/autora, constantes dos documentos 2, 4, 5 e 6 juntos à contestação da primeira ré/recorrente (com a referência citius 33672772 de 23.9.2022) e dos documentos 1 e 2 juntos à contestação da segunda ré/recorrida (com a referência citius 33735235 de 30.9.2022) cujo teor se dá por reproduzido.
34. Os documentos particulares mencionados no parágrafo anterior não se encontram manuscritos; as cópias dos documentos juntas aos autos pela primeira ré/recorrente, estão assinadas apenas pela recorrida/segunda ré; as cópias dos documentos juntas pela segunda ré /recorrida estão assinadas por ambas as rés; tais documentos foram reconhecidos por todas as partes nos respectivos articulados – cf. artigos 24, 35, 37 e 41 da contestação da primeira ré, junta com a referência citius 33672772 de 23.9.2022; artigo 4 da contestação da segunda ré, junta com a referência citius 33735235 de 30.9.2022; e artigos 30 e 31.º da petição inicial, junta com a referência citius 32982741 de 29.6.2022.
35. No que respeita à força probatória dos documentos particulares acima mencionados no parágrafo 33 o Tribunal acompanha a doutrina a seguir citada para fundar a sua convicção (cf. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora Limitada, páginas 512 a 525).
Quanto à força probatória formal:
“Não sendo provada pelo próprio documento particular, a autenticidade dele só pode ser aceite mediante reconhecimento tácito ou expresso da parte ou através de reconhecimento judicial.
A parte contra aquela o documento (particular) é oferecido e à qual é imputada a sua autoria (escrita e subscrição) pode, com efeito, tomar várias atitudes em face da imputação: nada dizer; reconhecer expressamente a autoria do documento; declarar que não sabe se a letra e a assinatura do documento lhe pertencem (impugnação por desconhecimento da autoria); afirmar que a letra e a assinatura do documento lhe não pertencem, sem todavia as arguir de falsas; afirmar que a letra e assinatura, não lhe pertencem, pretendem imitar (falsificar) as suas.
Em qualquer das duas primeiras hipóteses, a autenticidade do documento considera-se provada, nos termos do artigo 374.º, 1, do Código Civil (…)
Tratando-se de documento somente assinado (já não também manuscrito), a parte contra a qual é oferecido pode assumir, em relação à autoria da assinatura, as mesmas atitudes (…) E as consequências legais dessas atitudes, relativamente à assinatura, são também as mesmas.
Uma vez provada a autoria da assinatura, tem-se de igual modo por reconhecido o contexto do documento.
(…)
Em face da apresentação e imputação do documento apenas escrito, não assinado, as atitudes possíveis da parte contra a qual documento é oferecido são as mesmas (…) E as consequências delas decorrentes quanto à prova da autoria do escrito, também não diferem das que foram apontadas”
Quanto à força probatória material:
"Como provados – plenamente – apenas se consideram os factos que forem desfavoráveis ao declarante; quanto aos restantes, o documento é livremente apreciado pelo julgador (art.º 376.º, 2 do Com. Civil).
(…)
Com uma limitação, porém, assaz importante: o interessado que quiser aproveitar-se da parte do documento desfavorável ao signatário, aceitando assim o documento como idóneo ou verdadeiro, terá de aceitar também, por uma questão de coerência, a parte do documento favorável ao seu autor (…)."
36. Motivos pelos quais, o Tribunal ficou convicto da veracidade da celebração dos contratos de utilização de trabalho temporário, com base na força probatória formal dos documentos mencionados no parágrafo 33 (cf. artigo 374.º n.º 1 do CC), sem prejuízo da livre apreciação dos factos objecto das declarações deles constantes, uma vez que os motivos da celebração de tais contratos foram impugnados pela recorrida/autora na presente acção.
C. Observância do condicionalismo a que devem obedecer os contratos de trabalho temporário e de utilização de trabalho temporário
37. A recorrente defende que, contrariamente ao que julgou a sentença recorrida, os contratos de trabalho temporário e de utilização de trabalho temporário, aqui em crise, observaram o condicionalismo legal aplicável e por isso são válidos. Na óptica da recorrente, a sentença recorrida, ao declarar a nulidade dos contratos de trabalho temporário e de utilização, interpretou erradamente os artigos 140.º n.º 2 f), ex vi artigo 175.º), 177.º n.º 1-b), n.ºs 2, 5 e 6, 178.º n.ºs 2 e 3 e 181.º n.º 2, do CT. Além disso a recorrente defende que, tendo sido a declaração de caducidade do contrato de trabalho temporário enviada à trabalhadora pela segunda ré, o despedimento ilícito com base nessa declaração não lhe é imputável a si, mas à segunda ré que era a entidade empregadora.
38. Por seu lado, a recorrida/trabalhadora defende que deve manter-se a sentença recorrida que declarou nulos os contratos em causa, uma vez que, a sucessão de contratos de trabalho a termo não teve por base um acréscimo temporário de trabalho e, por isso, violou o disposto nos artigos 53.º da CRP e 1.º da Directiva 70/1999/CE.
39. Sendo este o problema colocado ao Tribunal da Relação, para o resolver este Tribunal começa por levar em conta os factos provados a seguir sintetizados com relevo para a solução [cf. factos provados a) a i), r) a x), y) a z) e aa) a bb) e dd)]:
• Entre as duas recorridas – a autora/trabalhadora e a segunda ré/empresa de trabalho temporário – foram celebrados sucessivamente quatro contratos de trabalho temporário, o primeiro dos quais em 2.2.2019, a termo resolutivo certo previsto para 1.2.2019, renovável; os restantes três, que se lhe seguiram, tiveram termo resolutivo incerto e foram celebrados, respectivamente, em 2.1.2020, 2.1.2021 e 2.1.2022;
• O motivo indicado nos três primeiros contratos de trabalho temporário, para justificar a respectiva celebração, foi o previsto no artigo 140.º n.º 2 – f) do CT, a saber, acréscimo excepcional da actividade da empresa utilizadora, a recorrente/primeira ré;
• O motivo indicado no quarto contrato de trabalho temporário, para justificar a sua celebração, foi o previsto no artigo 140.º n.º 2 – g) do CT, a saber execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro;
• A descrição dos factos concretos que integram os motivos invocados para a celebração de cada um dos contratos de trabalho temporário celebrados entre a trabalhadora e a segunda ré/empresa de trabalho temporário, foram, em síntese a migração do sistema das marcas WW e XX  (primeiro contrato), a restruturação operacional (segundo contrato), o aumento da actividade na área da produção e consequente necessidade de assegurar o funcionamento da área de co-seguro (terceiro contrato) e a implementação de uma plataforma de sinistros YY que acarretaria a necessidade de análise de informação e acréscimo de actividade;
• A recorrente/primeira ré/utilizadora, adiou posteriormente a implementação da plataforma de sinistros YY, indicada como motivo justificador do quarto contrato de trabalho temporário, para 2023;
• A recorrida/segunda ré/empresa de trabalho temporário pôs termo ao quarto contrato de trabalho temporário mediante declaração de caducidade de 2.5.2022 que enviou à autora;
• Dos motivos concretos indicados como justificação para a celebração dos contratos de trabalho temporário em causa, apurou-se que efectivamente ocorreu a migração indicada no primeiro contrato de trabalho temporário (a termo certo) e que dela resultou um acréscimo de trabalho; a restruturação operacional indicada no segundo contrato de trabalho temporário (a termo incerto) também ocorreu mas o volume de trabalho manteve-se inalterado desde o período de execução do primeiro contrato de trabalho temporário que o antecedeu, situação que se manteve desde então e mesmo depois de a segunda ré ter posto termo ao quarto contrato de trabalho temporário;
• Desde 2.1.2019 até 2.5.2022, ao abrigo dos quatro contratos de trabalho temporário, a trabalhadora/autora/ recorrida, exerceu sempre as mesmas funções na recorrente/primeira ré/utilizadora, como gestora de sinistros no ramo automóvel;
• Após o acréscimo de actividade ocorrido em 2019 a quantidade de trabalho na gestão de sinistros do ramo automóvel manteve-se inalterada até 2.5.2022, passando o trabalho da autora/recorrida, depois de a segunda ré ter posto termo ao contrato de trabalho temporário com ela celebrado, a ser realizado por um trabalhador da WW que integrou a XX;
• A primeira ré/recorrente integrou nos seus quadros outros trabalhadores que tinham trabalhado para ela ao abrigo de contratos de trabalho temporário.
40. Adicionalmente, o Tribunal leva em conta que a recorrida/segunda ré, na qualidade de empresa de trabalho temporário ou cedente, celebrou com a recorrente/primeira ré, na qualidade de empresa utilizadora, os quatro contratos de utilização de trabalho temporário constantes dos documentos mencionados no facto provado jj), para cujo teor o Tribunal remete: um em 2.1.2019, com termo resolutivo certo previsto para 1.2.2019 e renovável; outro em 2.1.2020, com termo resolutivo incerto; outro em 2.1.2021, com termo resolutivo incerto; e outro em 2.1.2022, com termo resolutivo incerto. Mediante esses contratos de utilização de trabalho temporário a segunda ré cedeu a trabalhadora/autora à recorrente, sucessivamente, tendo a autora exercido as mesmas funções na recorrente de 2.1.2019 a 2.5.2022 e sendo os motivos justificativos da celebração de tais contratos de utilização de trabalho temporário, idênticos aos indicados nos correspondentes contratos de trabalho temporário celebrados entre a trabalhadora e a segunda ré.
41. Os factos acima enunciados configuram uma situação de cedência de uma trabalhadora, a autora, decomposta pela lei em dois vínculos contratuais articulados entre si: o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a segunda ré, enquanto empresa cedente e a primeira ré enquanto empresa utilizadora (cf. artigos 172.º - c) e 175.º do CT) e o contrato de trabalho temporário, celebrado entre a trabalhadora/autora e a segunda ré/empresa cedente, que é um verdadeiro contrato de trabalho a termo resolutivo (cf. artigos 172.º - a) e 180.º do CT), sujeito a um regime idêntico ao do contrato a termo.
42. A articulação funcional entre estes dois contratos resulta do disposto no artigo 180.º n.º 1 do CT que estabelece que o contrato de trabalho temporário só pode ser celebrado nos casos em que é admissível o contrato de utilização, sendo esses casos os enumerados no artigo 175.º do CT. Por seu lado, nesta estrutura contratual complexa em que se traduz o regime do trabalho temporário, o contrato de utilização é um negócio comercial entre empresas, sujeito a determinados condicionalismos impostos pelas consequências que tem na situação laboral do trabalhador envolvido – cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, p. 216 a 217.
43. O aspecto central do trabalho temporário consiste, assim, na cisão da posição contratual do empregador: no caso em análise, a direcção e organização do trabalho pertencem ao utilizador/primeira ré; ao passo que a obrigação de pagar a remuneração, os encargos sociais e o exercício do poder disciplinar, pertencem à empresa cedente/segunda ré – cf. artigo 185.º do CT.
44. Neste contexto, contrariamente aquilo que parece defender a recorrente, quando os condicionalismos previstos para a celebração do contrato de trabalho temporário não são observados, nomeadamente, quando há omissão ou insuficiência dos motivos da sua celebração (cf. artigo artigo 177.º n.ºs 1-b), n.º 2 e n.º 6, aplicável ao contrato de trabalho temporário ex vi artigo 180.º n.º 1 do CT) o contrato de trabalho temporário passará a ligar o trabalhador à empresa utilizadora (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, p. 220). É isso que importa a seguir apreciar, ou seja, verificar se os contratos de trabalho temporário observaram o condicionalismo imposto para a celebração dos contratos de utilização, previsto no artigo 175.º do CT, como exige o artigo 180.º n.º 1 do CT.
45. Dos factos provados resulta, em suma, que nos sucessivos contratos de trabalho temporário e nos correspondentes contratos de utilização, que aqui estão em causa, os motivos justificativos para a sua celebração foram os seguintes: o acréscimo excepcional da actividade da primeira ré previsto no artigo 140.º n.º 2 – f) do CT foi indicada no primeiro, no segundo e no terceiro contratos de trabalho temporário e nos correspondentes primeiro, segundo e terceiro contratos de utilização; no quarto contrato de trabalho temporário e no correspondente contrato de utilização, o motivo justificativo invocado foi o previsto artigo 140.º n.º 2 – g) do CT, a saber, execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro. A esse propósito, tendo os três últimos contratos de trabalho temporário e os correspondentes contratos de utilização, sido celebrados a termo resolutivo incerto, o disposto no artigo 140.º n.º 2 do CT aplica-se por remissão do n.º 3 do mesmo preceito.
46. O regime previsto no artigo 140.º do CT é aplicável aos contratos de trabalho temporário a termo resolutivo certo (o primeiro) e incerto (os três últimos) aqui em análise, por força do artigo 182.º n.º 1 do CT que, por sua vez, remete para o prazo máximo de 12 meses de duração do contrato de utilização de trabalho temporário, quando motivado pelo acréscimo excepcional da actividade da empresa, previsto no artigo 178.º n.º 2 do CT.
47. Importa ainda levar em conta que a tipificação dos casos em que as partes podem apor um termo incerto ao contrato de trabalho, feita no artigo 140.º n.º 3 do CT é taxativa (cf. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Almedina, p. 101 e cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina, p. 198). Pelo que, remetendo o n.º 3 do artigo 140.º do CT para determinadas alíneas do n.º 2 do mesmo preceito, a mesma exigência é aplicável ao contrato de utilização de trabalho temporário celebrado a termo incerto, ao abrigo do disposto no artigo 178.º n.º 1 do CT.
48. Nesse contexto convém também sublinhar que o acréscimo excepcional da actividade da empresa utilizadora (recorrente/primeira ré) mencionado no artigo 140.º n.º 2 – f) do CT, em causa nos três primeiros contratos de trabalho temporário em análise, cobre apenas situações de acréscimo de actividade momentânea (cf. António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Almedina, p. 633). O que significa que, tal acréscimo de actividade não pode exceder 12 meses, como estabelece o artigo 178.º n.º 2 ex vi 182.º n.º 1 do CT. Ora no presente caso provou-se que o alegado acréscimo de actividade da recorrente excedeu 12 meses pois, embora os factos que integram o acréscimo excepcional de actividade da recorrente, descritos nos contratos, variem do primeiro para o segundo e depois para o terceiro contrato, o certo é que o motivo justificativo previsto no artigo 140.º n.º 2 – f) do CT, o acréscimo de actividade excepcional, se mantém o mesmo nesses três contratos. Pelo que, tendo-se tornado permanente o acréscimo de actividade que justificou a celebração sucessiva do segundo e terceiro contratos de trabalho temporário, existiu uma sucessão de contratos nulos – cf. artigos 180.º n.º 1 e 182.º n.º 5 do CT.
49. Adicionalmente, dependendo a admissibilidade do contrato de trabalho temporário da observância dos condicionalismos impostos pela lei para a celebração do contrato de utilização, como já foi acima explicado, afigura-se que a indicação do motivo justificativo do recurso ao trabalho temporário previsto no artigo 140.º n.º n.º 2 – g), feito no quarto contrato de trabalho temporário, não satisfaz as exigências previstas no artigo 177.º n.º 1 – b) e n.º 2 do CT, aplicável ao contrato de trabalho temporário por força do disposto no artigo 180.º do CT. Com efeito, a descrição da implementação da plataforma de sinistros YY, constante do quarto contrato de trabalho temporário é a seguinte:
“O Contrato é celebrado ao abrigo da alínea g), do n.º 2, Art.º 140 da Lei 7/2009 e tem fundamento: A celebração do presente contrato é fundamentada na satisfação de uma necessidade temporária do Utilizador de Trabalho Temporário (UTT), especialmente a necessidade de execução de uma tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro, motivado pela implementação de uma nova plataforma de gestão de sinistros, o novo sistema YY que vai substituir o actual sistema de sinistros auto, sendo necessária a migração dos dados do sistema antigo para o novo, bem como a análise da informação, que – tendo em consideração que o UTT não tem nos seus quadros mão-de-obra disponível que faça face a esta necessidade e o carácter transitório e conjuntural dos serviços a executar – acarreta a necessidade de contratar temporariamente um trabalhador temporário para fazer face a esta necessidade por um período previsível de 12 (doze) meses, período findo o qual se estima que as necessidades temporárias associadas ao novo sistema DC Claims se atenuem, sem prejuízo de, face à imprevisibilidade associada à sua execução, poderem ser cessadas antecipadamente ou prorrogadas no tempo em função da atenuação das necessidades temporárias associadas ao sistema acima referido (DC Claims)”.
50. Ora, ainda que o Tribunal admita que a implementação da referida plataforma é uma operação ocasional ou temporária, o certo é que a descrição constante do parágrafo anterior se limita a aludir genericamente à migração dos dados do sistema antigo para o novo, bem como à análise da informação, sem indicar porque motivo a execução dessas tarefas é de duração imprevisível, o que não permite verificar a adequação da justificação invocada para a aposição a esse contrato de um termo resolutivo incerto.
51. Nesse contexto, importa levar em conta que, tendo os factos que justificaram a celebração dos contratos de trabalho temporário aqui em causa, sido impugnados pela trabalhadora/autora, recai sobre a empregadora, a segunda ré, empresa de trabalho temporário, o ónus da prova desses factos justificativos, nos termos das disposições conjuntas dos artigos 140.º n.º 5, 177.º n.º 2 e 180.º do CT (cf. António Menezes Cordeiro, Direito do Trabalho, II, Almedina p. 636)
52. Ainda que os motivos da contratação a termo previstos no artigo 140.º do CT deixem de existir ou sejam adiados, como sucedeu com a implementação da plataforma de sinistros YY, indicada como motivo justificativo da celebração do quarto contrato de trabalho temporário [cf. facto provado z)] a lei exige a existência e a indicação formal dos motivos da contratação a termo no momento da celebração do contrato. Pelo que, é por referência ao momento da celebração do contrato que a descrição do motivo justificativo tem de observar os requisitos previstos no artigo 177.º n.º 2 do CT.
53. Feito este enquadramento, o Tribunal verifica que, por um lado, no que respeita ao motivo justificativo mencionado no artigo 140.º n.º 2 - f) do CT, a empregadora/segunda ré/empresa de trabalho temporário, não logrou provar que o acréscimo da actividade da recorrente/utilizadora foi momentâneo. Pelo contrário, apurou-se que o volume de trabalho na área da gestão da sinistralidade automóvel em que sempre exerceu funções a autora/trabalhadora, depois do acréscimo que motivou a celebração do primeiro contrato de trabalho temporário, se manteve igual até 2.5.2022, altura em que a segunda ré pôs termo ao quarto contrato de trabalho temporário que celebrara com a autora e, mesmo depois dessa data, o trabalho que a autora realizava na recorrente continuou a ser realizado por outro trabalhador, que passou a integrar a equipa onde trabalhava a autora [cf. factos provados w), z) e aa)].
54. Por outro lado, a descrição da implementação (pela recorrente/utilizadora), da plataforma de gestão de sinistros YY, motivo indicado para justificar a celebração do quarto contrato de trabalho temporário, ainda que se verificasse no momento da celebração do contrato, o que é suficiente, e que contenha a menção de que se trata de uma operação temporária ou ocasional, que implica migração de dados e análise de informação, não permite a verificação externa da adequação da justificação invocada para o termo resolutivo incerto aposto ao contrato. A esse propósito, o Tribunal acompanha a seguinte doutrina (cf. António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 21.º Edição, Almedina p. 201):
“É necessário, em suma, que a indicação requerida permita duas coisas: a verificação externa da conformidade da situação concreta com a tipologia do artigo 140.º; e a realidade e a adequação da própria justificação invocada face à duração estipulada para o contrato”.
55. Em consequência, afigura-se o que o primeiro contrato de trabalho temporário a termo certo foi regularmente celebrado uma vez que a segunda ré logrou provar o acréscimo de actividade da primeira ré resultante da migração do sistema das marcas WW e XX, descrito como motivo justificativo desse contrato [cf. facto provado t)]. Porém, no decurso da execução dos três contratos de trabalho temporário a termo resolutivo incerto, que se lhe sucederam, o desenvolvimento da relação contratual entre a autora/trabalhadora e a segunda ré/empresa de trabalho temporário, foi feito em violação do condicionalismo legal previsto nos artigos 180.º n.º 1 e 182.º n.º 5 do CT, pelos motivos acima indicados nos parágrafos 48 a 54. Nesse caso, o termo resolutivo estipulado nos três últimos contratos de trabalho temporário é nulo – cf. artigo 180.º n.º 2 do CT; nesse caso, os mesmos convertem-se num contrato sem termo celebrado entre a autora e a empresa de trabalho temporário/segunda ré (cf. artigo 180.º n.º 2 do CT) sem prejuízo do regime aplicável ao concurso de nulidades que será explicado infra.
56. Com efeito, os vícios dos segundo, terceiro e quarto contratos de trabalho temporário, apontados no parágrafo anterior, concorrem com os vícios dos segundo, terceiro e quarto contratos de utilização, que a seguir serão mencionados. É que, como decorre do acima exposto, também no que respeita aos quatro contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre ambas as rés e que se articulam com os contratos de trabalho temporário acima analisados, afigura-se que o segundo, o terceiro e o quarto desses contratos, se desenrolaram com desrespeito pelo condicionalismo previsto nos artigos 175.º n.ºs 1 e 2 e 179.º n.º 1- b) e n.º 2.º do CT, pelos mesmos motivos já enunciados nos parágrafos 48 a 54. Tendo o respeito por esse condicionalismo legal sido impugnado pela autora, impendia sobre a recorrente/utilizadora, o ónus da prova dos factos que justificaram a celebração dos segundo, terceiro e quarto contratos de utilização, prova essa que a recorrente não logrou fazer – cf. artigo 176.º n.º 1 do CT. Pelo que, afigura-se que os segundo, terceiro e quarto contratos de utilização mencionados no facto provado jj) são nulos, por terem sido celebrados fora das situações previstas no artigo 175.º n.º 1 do CT – cf. artigo 176.º n.º 2 do CT. Ora, nesse caso, a lei considera que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo – cf. artigo 176.º n.º 3 do CT.
57. Acresce que, os contratos de utilização no mesmo posto de trabalho ou actividade profissional, apurados nos autos, foram celebrados sucessivamente sem respeitarem o interregno previsto no artigo 179.º n.º 1 do CT, como resulta do facto provado i). Ou seja, o segundo, o terceiro e o quarto contratos de utilização foram celebrados sem que tivesse decorrido o período igual a um terço da duração do contrato anterior, incluindo renovações. Pelo que, nesse caso, nos termos do artigo 179.º n.º 3 do CT, o contrato de utilização converte-se num contrato sem termo, celebrado entre o trabalhador e o utilizador – cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 1225/19.0T8PNF.P1.
58. Ainda que assim não fosse, quod non, no caso em análise, tal como foi explicado nos parágrafos 55 e 56, concorrem as seguintes nulidades: a nulidade do termo aposto aos três últimos contratos de trabalho temporário, prevista no artigo 180.º n.º 1 do CT; e a nulidade dos três últimos contratos de utilização, prevista no artigo 176.º n.º 2 do CT. No caso de concorrerem tais vícios, o artigo 180. º n.º 3 do CT considera que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.
59. Ou seja, em qualquer dos casos acima enunciados nos parágrafos 57 e 58, o contrato ligará a trabalhadora/autora à recorrente/utilizadora, pelo que, nessa parte não merece censura a sentença recorrida.
60. Os preceitos legais do CT acima enunciados, ao preverem a conversão da relação contratual complexa aqui em causa, celebrada a termo resolutivo, num contrato sem termo que passa a ligar a trabalhadora à utilizadora, em primeiro lugar, asseguram a proporcionalidade entre os interesses que justificam a adopção do regime do trabalho temporário e o direito à segurança no emprego, previsto no artigo 53.º da CRP; em segundo lugar, resultam da transposição para o direito interno das disposições previstas no artigo 5.º do Anexo à Directiva 1999/70/CE, destinadas a evitar os abusos decorrentes da conclusão de sucessivos contratos de trabalho ou relações laborais a termo; e, em terceiro lugar, consagram uma medida de punição para essa utilização abusiva, como resulta da jurisprudência a seguir citada que interpreta o artigo 5.º n.º 1 do Anexo à Directiva 1999/70/CE (cf. acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, C-494/17, parágrafos 27, 28 e 40):
“27 Além disso, quando, como no caso em apreço, o direito da União não prevê sanções específicas para a hipótese de, não obstante, se verificarem abusos, incumbe às autoridades nacionais adotar medidas, que se devem revestir de caráter não só proporcionado mas também suficientemente eficaz e dissuasivo para garantir a plena eficácia das normas adotadas em aplicação do Acordo-Quadro (Acórdão de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.º 29 e jurisprudência referida).
28 Daqui resulta que, quando tenha havido um recurso abusivo a contratos ou a relações laborais a termo sucessivos, uma medida que apresente garantias efetivas e equivalentes de proteção dos trabalhadores deve poder ser aplicada para punir devidamente esse abuso e eliminar as consequências da violação do direito da União (Acórdãos de 3 de julho de 2014, Fiamingo e o., C‑362/13, C‑363/13 e C‑407/13, EU:C:2014:2044, n.º 64; de 26 de novembro de 2014, Mascolo e o., C‑22/13, C‑61/13 a C‑63/13 e C‑418/13, EU:C:2014:2401, n.º 79; e de 7 de março de 2018, Santoro, C‑494/16, EU:C:2018:166, n.º 31).
(...)
40 A este respeito, há que recordar que o Tribunal de Justiça considerou, em substância, que uma legislação que prevê uma norma imperativa segundo a qual, em caso de recurso abusivo a contratos de trabalho a termo, estes últimos se transformam em relação laboral por tempo indeterminado é suscetível de conter uma medida que pune efetivamente essa utilização abusiva (v., designadamente, Acórdão de 3 de julho de 2014, Fiamingo e o., C‑362/13, C‑363/13 e C‑407/13, EU:C:2014:2044, n.º 70 e jurisprudência referida) e, por isso, de respeitar as exigências recordadas nos n.ºs 27 e 28 do presente acórdão.”
61. Por fim, importa apreciar se a declaração de caducidade do contrato de trabalho temporário enviada pela segunda ré/ empresa de trabalho temporário à autora/trabalhadora, vincula a recorrente/utilizadora. A resposta a esta questão é negativa – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido por esta secção, no processo n.º 7379/20.6T8LSB.L1-4.
62. Porém, nem por isso deixa de existir despedimento ilícito imputável à recorrente. Com efeito, resulta dos factos provados o), p) e q) que a recorrente/utilizadora não permitiu que a autora/trabalhadora continuasse a aceder aos instrumentos de trabalho a partir de 2.5.2022, nem a desempenhar funções na empresa utilizadora, apesar de a autora aí se ter deslocado no dia 6.5.2022.
63. A actuação da recorrente resultante dos factos provados o), p) e q) configura um despedimento liminar levado a cabo pela própria recorrente. Ora, tendo-se o contrato convertido num contrato sem termo entre a trabalhadora e a utilizadora, como foi acima explicado, o despedimento liminar levado a cabo pela empresa utilizadora, aqui recorrente, enferma de um vício formal que o torna ilícito, por não ter sido precedido do processo legalmente previsto no artigo 381.º - c) do CT – cf. Maria do Rosário Palma ramalho, Tratado de Direito do trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, p. 1012.
64. Motivos pelos quais, embora por fundamentos que não coincidem totalmente com os mencionados na decisão recorrida, improcede o recurso e se mantém a sentença recorrida, sem prejuízo da alteração à matéria de facto mencionada na análise da questão B.
Em síntese
65. A sentença recorrida não enferma da nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 – c) do CPC, havendo apenas lugar à mera rectificação da alínea b) do dispositivo, ordenada ao abrigo do disposto no artigo 614.º n. º1 e 2 do CPC, tal como foi explicado na análise da questão A.
66. Procede parcialmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto no que respeita ao facto provado cc) cuja redacção é alterada nos termos indicados na análise da questão B.
67. Nos termos do artigo 662.º n.º 1 do CPC, o Tribunal da Relação adita oficiosamente aos factos provados o facto provado jj), com base na força probatória formal dos documentos particulares mencionados na análise da questão B (cf. artigo 374.º n.º 1 do CC).
68. No caso em análise, concorrem as seguintes nulidades: a nulidade do termo aposto aos três últimos contratos de trabalho temporário, celebrados entre a autora e a segunda ré – cf. artigo 180.º n.º 1 do CT; e a nulidade dos três últimos contratos de utilização celebrados entre a primeira ré e a segunda ré – cf. artigo 176.º n.º 2 do CT. Concorrendo tais vícios, o artigo 180. º n.º 3 do CT considera que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo.
69. Acresce que, os contratos de utilização no mesmo posto de trabalho ou actividade profissional, apurados nos autos, foram celebrados sucessivamente sem respeitarem o interregno previsto no artigo 179.º n.º 1 do CT e nesse caso, o contrato de utilização também se converte num contrato sem termo, celebrado entre o trabalhador e o utilizador, como prevê o artigo 179.º n.º 3 do CT.
70. A actuação da recorrente/utilizadora que não permitiu que a autora/trabalhadora continuasse a aceder aos instrumentos de trabalho a partir de 2.5.2022, nem a desempenhar funções na empresa utilizadora, apesar de a autora aí se ter deslocado no dia 6.5.2022, constitui um despedimento liminar, ilícito, por enfermar de vicio de forma; isto, uma vez que não foi precedido de processo disciplinar, como exige o artigo 381.º c) do CT.
71. Motivos pelos quais improcede o recurso e se mantém a sentença recorrida.
Decisão
Acordam as Juízes desta secção em:
I. Alterar a decisão sobre a matéria de facto nos termos acima mencionados no presente acórdão.
II. Rectificar a alínea b) do dispositivo da sentença recorrida que passa a ter a seguinte redacção: b) Condena a ré XX a reintegrar a autora no mesmo estabelecimento e sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
III. Julgar improcedente o recurso e manter a decisão recorrida sem prejuízo da rectificação mencionada em II que dela passa a fazer parte integrante.
IV. Condenar a recorrente nas custas do recurso – artigo 527.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 8 de Maio de 2023
Paula Pott
Manuela Fialho
Francisca Mendes