Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
305/17.1T8ALM-A.L1-6
Relator: GABRIELA DE FÁTIMA MARQUES
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO DO CRÉDITO
CÔNJUGE
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Assiste legitimidade processual ao co-executado, no âmbito do processo de reclamação de créditos que corre por apenso à execução, ainda que o crédito reclamado seja apenas devido pela co-executada, pois ainda que não lhe seja assacável a responsabilidade pelo crédito reclamado, certo é que o credor reclamante não se limita a invocar a existência de um crédito, sendo ainda pressuposto da sua reclamação a garantia real ( neste caso o privilégio imobiliário ) sobre um bem penhorado na execução e este bem pertence a ambos os executados.
II. É insofismável que a eventual impugnação por desconhecimento do crédito formulada pelo co-executado, a quem não é assacada a responsabilidade pelo pagamento da dívida pelo credor reclamante, não tem eficácia. Nem a ausência de impugnação constitui confissão, pois nenhuma relação creditícia ocorre entre o credor e este co-executado. Mas tal apreciação em nada contende com a legitimidade processual do co-executado.
III. Considerando que o bem penhorado sobre o qual o credor reclamante alega que possui privilégio imobiliário pertence a ambos os executados (bem comum do casal), assiste ao co-executado legitimidade ad causam, sendo a apreciação da impugnação deduzida uma questão de mérito desta mesma impugnação.
IV. Face à existência de articulado resposta à impugnação deduzida no âmbito da reclamação de créditos no processo executivo – artº 790º do CPC - tal resposta tem as consequências previstas no artº 587º nº 1, ou seja, na falta de impugnação dos novos factos, ocorre a confissão do reclamante desses factos. Vale isto dizer que alegando o co-executado a prescrição, competia ao ISS, IP alegar os factos extintivos ou impeditivos de tal exceção, e a falta de resposta determinará também neste caso o efeito cominatório do artº 574º nº 2 do CPC ex vide artº 587º do CPC.
V. Perante a arguição da prescrição dos créditos invocados como fundamento da reclamação, assentes tais créditos na certidão junta e nos seus precisos termos, competia ao credor reclamante alegar em resposta os factos que determinariam a eventual suspensão ou interrupção do prazo prescricional, sob pena de preclusão de tal defesa.
VI. Permitindo-se a reclamação de créditos de natureza fiscal no processo executivo cível, relativamente a este são também aplicáveis as regras previstas na legislação fiscal, nomeadamente em matéria de prescrição e o seu conhecimento oficioso.
VII. Face ao disposto no nº 2, do artº 1697º do CC não fica o cônjuge não executado ou não devedor titular de um qualquer crédito, quando por dívida da exclusiva responsabilidade do cônjuge executado haja respondido um bem comum, antes o efectivo credor é o património comum, questão que se resolverá em sede de partilha.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório:
C [ .., S.A.] intentou acção executiva para pagamento de quantia certa contra P  e  S…, juntando como título executivo, um contrato de Empréstimo com Hipoteca, subscrito por ambos os executados, e alegando incumprimento do mesmo. Na execução foi penhorado o bem imóvel dado como garantia.
Por apenso à execução veio o Instituto da Segurança Social, I. P., reclamar créditos relativos a contribuições para a segurança social, em dívida pela Executada S…, alegando, em suma, que a executada é contribuinte do reclamante e encontra-se enquadrada no regime dos trabalhadores independentes, uma vez que exerce actividade profissional sem sujeição a contrato de trabalho ou a contrato legalmente equiparado, estando sujeita ao pagamento de contribuições, nos termos das disposições constantes do artº 29º do Decreto-Lei nº 328/93 de 25 de Setembro, do Decreto-Lei nº 240/96 de 14 de Dezembro, do Decreto-Lei nº 159/01 de 18 de Maio, do Decreto-Lei nº 119/05 de 22 de Julho, dos artºs 56º, 57º e 59º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro e dos artigos 150º e seguintes do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro (com as sucessivas alterações introduzidas). Alega ainda que a executada não pagou ao reclamante as contribuições no valor de € 11.565,45, conforme certidão que junta. Mais refere que aos valores em dívida acrescem juros de mora vencidos e vincendos, por cada mês de calendário ou fracção, nos termos do disposto no artº 211º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, à taxa legal de: - 1% ao mês a partir de Abril de 1999 até 31 de Dezembro de 2010 (nº 1 do artº 3º do Dec. Lei nº 73/99, de 16 de Março); - 6,351% ao ano a partir de 1 de Janeiro de 2011 (Aviso nº 27831-F/2010 do IGTCP, IP, de 31 de Dezembro, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 31 de Dezembro de 2010); - 7,007% ao ano a partir de Janeiro de 2012 (Aviso nº 24866-A/2011 do IGTCP, IP, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 28 de Dezembro); - 6,112% ao ano a partir de 1 de Janeiro de 2013 (Aviso nº 17289/2012 do IGCP, E.P.E., publicado no Diário da República, 2ª Série, de 28 de Dezembro); - 5, 535 ao mês a partir de Janeiro de 2014 (Aviso nº 219/2014 do ICGP, E.P.E., publicado no Diário da República, 2ª Série, de 7 de Janeiro de 2014; - 5,476% ao ano aplicada em regime de juros simples a partir de Janeiro de 2015 (Aviso nº 130/2015, publicado no Diário da República, 2ª Série, nº 4, de 7 de Janeiro de 2015); Até efectivo e integral pagamento, contabilizando os juros vencidos até Setembro de 2017 em € 3.206,65. O reclamante refere que o crédito encontra-se garantido por privilégios mobiliário geral e imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo. Conclui pela admissão da reclamação de créditos e pela graduação dos mesmos no lugar que lhes competir, de acordo com os privilégios creditórios que o garantem.
Foi dado cumprimento ao disposto no artº 789º, nº 1, do NCPC, e a reclamação foi contestada pelo co-executado P…, o qual, em abono da sua oposição alega, em suma, que não intervém na qualidade de reclamado nestes autos, não possuindo, por tal, legitimidade passiva, mais alega que desde 25 de março de 2005 que se encontra divorciado da co-executada, pelo que as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento que, no caso concreto, ocorreu em 25/03/2004. Mais alega que não foi notificado da certidão e que sendo a execução movida contra um dos titulares do bem indiviso já penhorado, terá aplicação plena o Art.º 743.º do CPC não podendo ser penhorado o bem comum por uma dívida de um dos co-executado. Conclui pedindo que se extraiam as consequências referidas no artº 743º do NCPC.
Após notificação da certidão, por requerimento veio o co-executado P… reiterar o alegado e ainda arguir a prescrição de alguns dos montantes em dívida reclamados. Conclui como na contestação anterior.
A reclamante não respondeu (artº 790º do CPC).
Em sede de saneador decidiu-se pela improcedência da alegação do contestante, concluindo que quanto à prescrição ao requerente não assiste legitimidade na sua arguição, além de apresentar uma alegação genérica, não concretizando exactamente quais as prestações que se encontrariam prescritas, pelo que a alegação padece de ineptidão. Concluindo pelo indeferimento liminar da contestação por falta de legitimidade do seu apresentante.
Inconformado recorreu o credor contestante, concluindo que a Sentença Judicial recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que aprecie o alegado pelo recorrente nos seus requerimentos datados de 08/01/2018 e 05/03/2018, extraindo, nos ulteriores termos do processo executivo, as consequências impostas pelo Art.º 743.º do CPC, e conhecer da prescrição da dívida à Segurança Social. Apresenta para tanto as seguintes conclusões:
«1. A presente reclamação de créditos foi instaurada por apenso à execução sumária com o Processo n.º 305/17.1T8ALM, no âmbito da qual é exequente a C…, S.A. e executados S… e  P…;
2. E em cuja sede foi penhorada a fração autónoma designada pelas Letras AO, referente ao quinto andar E - habitação, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Avenida… Rua …, freguesia de Feijó, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º… e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo … propriedade dos executados;
3. O ISS, I.P. veio reclamar créditos relativos a contribuições para a segurança social, em dívida pela Executada Sónia Evaristo.
4. O reconhecimento do crédito do ISS, I.P., significa o pagamento do mesmo com o produto de uma eventual venda de um bem comum, pelo que o agora recorrente impugnou o crédito reclamado;
5. A decisão recorrida é no sentido da improcedência do alegado pelo agora alegante. Na nossa humilde opinião, andou mal a decisão recorrida;
I- Da Legitimidade Ativa/Interesse em Agir do Recorrente
6. Quando, no requerimento de 08/01/2018, se alegou que o Sr. P… não possui legitimidade passiva por não intervir na qualidade de reclamado, o recorrente expressou-se mal. O que, na realidade, queria dizer é que não é reclamado e, nessa medida, não é directamente visado pela reclamação;
7. O apelante tem legitimidade passiva por ter interesse direto em contradizer exprimindo-se o interesse em contradizer, pelo prejuízo que advenha da procedência da ação (Cfr. Art.º 30.º, n.º 1 - 2.ª Parte e n.º 2 - 2.ª Parte do CPC);
8. O Sr. P… é um dos executados na ação principal, pelo que, de um ponto de vista puramente literal (letra da lei) dir-se-á que também ele tem legitimidade para impugnar a reclamação de créditos, atento o disposto no Art.º 789.º do CPC dispõe, nos seus n.ºs 1 e 2 do CPC;
9. É neste sentido que as normas que constituem fundamento desta parte da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
10. Note-se que o Tribunal entendeu que o mesmo deveria ser notificado da mesma; Sem conceder,
11. Ainda que se entenda que o recorrente carece de legitimidade para impugnar a reclamação de créditos, como o argumento de que o mesmo não é o executado reclamado/devedor do crédito reclamado, é, no entanto, indiscutível que este tem interesse em agir, que «(…) consiste na necessidade e utilidade da demanda considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões invocadas e a sua verificação basta-se com a necessidade razoável do recurso à acção judicial.», - Cfr. Sumário do Ac. TRL de 21-11-2013 (Processo: 1303/12.7 TVLSB.L2-6; Relator: Ana de Azeredo Coelho);
12. Nessa medida, a sua pretensão deveria ter sido apreciada. A sua não apreciação pelo Tribunal a quo prejudica os interesses do recorrente que verá um bem comum (na parte lhe cabe) afeto ao pagamento de uma dívida da co-executada Sónia Evaristo;
II- Da Propriedade do Bem Penhorado
13. O Sr. P… e a Sr.ª S… divorciaram-se em 25 de Março de 2004, tendo a decisão que decretou a dissolução do casamento por divórcio transitado em julgado em 25/03/2004, - Cfr. Certidão da Decisão proferida em 25/03/2004, no processo de Divórcio por Mútuo Consentimento, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Almada sob o n.º … de 2004 (Doc. n.º 1 junto com esse requerimento, para o qual se remete).
14. Nos termos do Art.º 1688.º do Código Civil, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, o que, no caso concreto, ocorreu em 25/03/2004, em momento anterior à divida (Cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento de Reclamação de Créditos).
15. Qualquer crédito detido sobre a reclamada, relativamente a trabalho realizado como trabalhadora independente, terá ocorrido após o divórcio, não sendo, por isso, uma dívida comum a ambos os cônjuges, nem da responsabilidade do Sr. P…;
16. A reclamação de créditos foi apenas movida contra um dos titulares do bem indiviso penhorado;
17. Por aplicação do Art.º 743.º do CPC (Art.º 826.º do CPC de 1961), não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum, ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso;
18. Por aplicação o disposto no n.º 1 do Art.º 1408.º do Cód. Civil, «(…) o presente art. 826.º prescreve que a penhora, em caso de comunhão, não pode incidir sobre os bens que a integram: o que é penhorado não são essas coisas em concreto, mas si, e apenas, o direito que o executado tem a partilhar ou a dividir todo o património comum.» - Abílio Neto in Código de Processo Civil Anotado, 22.ª Edição Actualizada, Novembro 2009, pág.1282, Anot. 2 ao Art.º 826.º do CPC/61.
19. É neste sentido que as normas que constituem fundamento desta parte da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
20. A Sr.ª S… não se pronunciou nos autos do apenso de reclamação de créditos;
21. Ao entender-se que só a devedora/reclamada possui legitimidade para impugnar o crédito reclamado prejudica-se o co-executado que não possui quaisquer meios para obrigar aquela a cumprir as suas obrigações processuais;
22. A lei não pode tolerar essa situação se significar que os interesses do Sr. Paulo Gouveia ficam prejudicados; Por mero dever de patrocínio,
23. Atenta a graduação de créditos realizada (Cfr. Decisão recorrida), o pagamento a dívida reclamada neste apenso somente ocorrerá após a liquidação do crédito exequendo (garantido por hipoteca e penhora);
24. Na nossa humilde opinião, se assim for, o crédito da segurança social deverá ser pago com recurso ao remanescente do quinhão da executada S… no património comum, depois da liquidação da dívida graduada em primeiro lugar;
25. Ou seja, o seu pagamento far-se-á com recurso à importância que sobrar, para esta, após o pagamento da dívida exequenda da CGD e depois da divisão do remanescente, em partes iguais, do produto da venda do bem penhorado, por ambos os executados e nunca retirado da parte que cabe ao recorrente;
III- Da Prescrição do Crédito reclamado
26. O Tribunal recorrido decidiu nos seguintes termos quanto à prescrição invocada «(…) o requerente (…) apresenta uma alegação genérica, não concretizando exactamente quais as prestações que se encontrariam prescritas, pelo que a alegação padece de ineptidão.»;
27. A prescrição dos créditos por contribuições para a Segurança Social é de conhecimento oficioso;
28. Nesse sentido, o Ac. do TRP de 03/12/2013 (Proc. 6007/08.2TBMAI-A.P1; Relator: Rui Moreira), o Ac. do TRL de 09/11/2004 (Proc. 5743/2004-7; Relatora: Maria do Rosário Morgado) e o Ac. do TRE de 26/03/2015 (Proc. 6882/12.6TBSTB-A.E1; Relator: Sílvio Sousa);
29. Nessa medida, sobre o agora recorrente não recaía qualquer ónus de alegação e prova da prescrição da dívida, não lhe pudendo ser imputada a não concretização exata de quais as prestações que se encontrariam prescritas. Pelo que, essa não concretização não faz a sua alegação padecer de ineptidão. É neste sentido que as normas que constituem fundamento desta parte da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas.
30. Para além disso, considerando que as dívidas à Segurança Social prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos a contar da data em que existe a obrigação de pagamento (Cfr. Art.º 187.º, n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social) e que a primeira parcela em dívida data de Fevereiro de 2006, certamente que alguns dos montantes em dívida já prescreveram;
31. Todavia, o recorrente não conhece o processo de cobrança da dívida reclamada (incorrida pela Sr.ª Sónia Evaristo no estado de divorciada) - ou se tal processo existe! -, ignorando, por tal, se ocorreram causas de suspensão e/ou interrupção do prazo de prescrição (Vide n.ºs 2 e 3 do Art.º 187.º do diploma acima referido);
32. O Sr. P… não tem, inclusive, forma de obter essa informação junto do ISS, I.P., que só fornece essas informações ao próprio. Acresce que, os executados estão divorciados desde 25/03/2004, em momento anterior à divida (Cfr. Doc. n.º 1 junto com o requerimento de Reclamação de Créditos);
33. O Tribunal deveria ter notificado o ISS, I.P., para informar os autos da ocorrência de causas de suspensão e/ou interrupção do prazo, permitindo ao Tribunal decidir, conhecendo oficiosamente a alegada prescrição.
IV- Normas Jurídicas violadas
34. A Sentença Judicial recorrida violou os Art.ºs 30.º, n.º 1 - 2.ª Parte e n.º 2 - 2.ª Parte; 743º e 789.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, o Art.º 1908.º do Código Civil, o Art.º 175.º do C.P.P. Tributário e o Art.º 187.º, n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.».
Não foram apresentadas contra alegações.
O recurso foi admitido e colhidos os vistos cumpre decidir.
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Questões a decidir:
O objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do CPC), para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, ele é delimitado pelo conteúdo da decisão recorrida.
Importa assim, saber:
1ª Se o co-executado tem legitimidade para contestar o crédito reclamado, sendo este devido e reclamado apenas perante a co-executada;
2ª Se se verifica a prescrição de alguns dos créditos reclamados pela Segurança Social, bem como a possibilidade de o tribunal pode conhecer de tal exceção. 
3ª Se face ao divórcio dos executados é ou não de aplicar o previsto no artº 743º do CPC quanto ao imóvel comum penhorado. 
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II. Fundamentação:
Antes de mais, importa notar que o facto de o saneador-sentença não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão poderia determinar a nulidade de tal decisão (artigo 615º nº 1 alínea b) NCPC). Porém, tal nulidade pode ser suprida nesta instância de recurso, nos termos do disposto no artigo 662º nº 2 alínea c) NCPC (a contrario), pelo que os elementos fácticos relevantes para a decisão são as ocorrências processuais descritas no relatório que antecede, bem como os seguintes factos:
1. A exequente C… na execução nº 305/17.1T8ALM que move contra S… e  P…, junta instrumento Notarial, outorgado em dezoito de novembro de mil novecentos e noventa e nove, mediante o qual os Executados P… e cônjuge S… celebraram com a C…, S.A., ora Exequente, um contrato de Empréstimo com Hipoteca, a que corresponde o empréstimo nº PT 003501500045… – junto como documento nº 1 nos autos de execução e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido;
2. No âmbito do contrato de empréstimo referido, os Executados declararam receber a título de quantia mutuada o montante de 14.850.000$00, equivalente a € 74.071,49, de que se confessaram devedores e que se obrigaram a pagar à ora Exequente através de 300 prestações mensais e no prazo de 25 anos a contar da data do contrato, acrescido das taxas de juros então acordadas (inicialmente TAE de 5,772%) e nas demais condições igualmente estipuladas – cfr. documento nº1.
3. O empréstimo acima referido destinou-se a facultar recursos aos Executados para financiamento de aquisição de imóvel para habitação própria permanente e para garantia do bom cumprimento do empréstimo acima contratado, os Executados P… e cônjuge S… constituíram uma hipoteca sobre o bem imóvel adquirido, a saber: a fracção autónoma designada pelas letras “AO”, correspondente ao quinto andar E - habitação, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito em …, na Avenida … e Rua …, na freguesia de Feijó, concelho de Almada, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº …, da referida freguesia e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de Laranjeiro e Feijó, conforme melhor resulta da Certidão de Registo Predial – cf. doc. nº 2 junto com a execução cujo teor se dá por reproduzido;
4. A hipoteca constituída encontra-se registada a favor da Exequente a título definitivo sobre o imóvel acima descrito, através da inscrição correspondente à apresentação AP. 35 de 1999/09/10 – Hipoteca Voluntária, para garantia do capital mutuado de 14.850.000$00, equivalente a € 74.071,49, dos respetivos juros anuais contratualmente acordados até 9,544%, e, em caso de mora, acrescidos de sobretaxa de mora, a título de cláusula penal, bem como, das despesas emergentes do contrato celebrado, com o montante máximo assegurado de 21.477.852$00,equivalente a € 106.981,44 – cfr. documento nº 2.
5. Os Executados P… e S… não efetuaram o pagamento de todas as prestações mensais acima contratadas e designadamente vencidas desde 18 de abril de 2013 (confissão);
6. Em 26 de dezembro de 2016, a dívida relativa ao contrato de empréstimo ascendia ao montante global de € 51.327,00 (cinquenta e um mil trezentos e vinte e sete euros), sendo que: • a dívida de capital perfaz o montante de € 48.307,16; • os respetivos juros vencidos, contabilizados desde 18/04/2013 a 26/12/2016, perfazem o montante de € 2.342,44; e, • as comissões devidas ascendem ao montante de € 677,40 tudo conforme Nota de Débito nº 128818/2016, junta como documento nº 3 ( doc. e confissão);
7. No âmbito da execução, com data de 9/02/2017, foi penhorada a Fracção autónoma designada por "AO", referente ao quinto andar E- habitação, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito em …, na Avenida … e Rua …, freguesia de Feijó, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, pela Ap. 2482 de 2017/02/01, propriedade dos executados;
8. S… e P… divorciaram-se em 25 de Março de 2004, - Cfr. Certidão da Decisão proferida em 25/03/2004, no processo de Divórcio por Mútuo Consentimento, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Almada sob o n.º … de 2004, tendo transitado na mesma data (cf. certidão junta com a contestação);
9. O Instituto da Segurança Social, I. P. na reclamação apresentada juntou certidão do seguinte teor:« A Trabalhadora Independente S…, com sede na Avenida …, no Feijó, inscrito sob o nº … e NIF …é devedora de contribuições no montante de € 11.565,45 (onze mil, quinhentos e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), conforme a remuneração convencional e respectivo escalão, a que acrescem juros de mora no montante de € 3.206,65 (três mil, duzentos e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), calculados até Setembro de 2017, num total de € 14.772,10 (catorze mil, setecentos e setenta e dois euros e dez cêntimos), conforme consta da folha anexa que, com o número um faz parte desta certidão(…)
Mês de referência; Contribuição; Juros Vencidos e Total em dívida:
2006/02 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/03 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/04 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/05 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/06 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/07 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/08 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/09 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/10 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/11 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2006/12 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2007/01 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2007/02 - 120,08 € 33,34 € 153,42 €
2007/03 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/04 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/05 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/06 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/07 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/08 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/09 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/10 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/11 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2007/12 - 123,75 € 34,36 € 158,11 €
2008/03 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/04 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/05 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/06 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/07 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/08 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/09 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/10 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/11 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2008/12 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2009/01 - 126,73 € 35,19 € 161,92 €
2009/02 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/03 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/04 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/05 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/06 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/07 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/08 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/09 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/10 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/11 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2009/12 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/01 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/02 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/03 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/04 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/05 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/06 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/07 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/08 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/09 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/10 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/11 - 130,46 € 36,22 € 166,68 €
2010/12 - 159,72 € 44,35 € 204,07 €
2011/01 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/02 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/03 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/04 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/05 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/06 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/07 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/08 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/09 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/10 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/11 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2011/12 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/01 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/02 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/03 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/04 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/05 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/06 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/07 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/08 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/09 - 186,13 € 51,68 € 237,81 €
2012/10 - 186,13 € 50,60 € 236,73 €
2012/11 - 124,09 € 33,01 € 157,10 €
2012/12 - 124,09 € 32,28 € 156,37 €
11.565,45 € 3.206,65 Total € 14.772,10 €.»
10. A reclamação apresentada deu entrada no Tribunal a 21 de Setembro de 2017.
                                               *
III. O Direito:
Aferidos os factos a considerar haverá que abordar a primeira questão:
Da ilegitimidade do co-executado no âmbito da reclamação de um crédito relativo apenas à co-executada.
Na decisão recorrida o tribunal a quo entendeu que:«(…) Temos assim que ao co-executado P… não assiste legitimidade, como o próprio expressamente reconhece, para contestar a presente reclamação de créditos. Todavia, mesmo que lhe assistisse legitimidade, realça-se que ambos (S… E P…) são executados na execução principal, que o bem penhorado é pertença de ambos os executados e que o ISS, IP beneficia de privilégio imobiliário sobre os bens imóveis existentes no património do contribuinte à data da instauração do processo executivo. Daí que seria forçoso concluir pela improcedência da sua alegação. Por outro lado, e quanto à prescrição invocada, o requerente (a quem falta legitimidade, sublinhe-se) apresenta uma alegação genérica, não concretizando exactamente quais as prestações que se encontrariam prescritas, pelo que a alegação padece de ineptidão. É manifesto contudo que a contestação deve ser liminarmente indeferida por falta de legitimidade do seu apresentante, o que ora se declara.»
Nos termos do artº 789º, nº 2 do NCPC “as reclamações podem ser impugnadas pelo exequente e pelo executado no prazo de 15 dias a contar da respectiva notificação”, cabendo essa possibilidade de impugnação também aos restantes credores (artº 789º, nº 3 do NCPC).A impugnação pode ter por fundamento qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou impedem a sua existência (nº 4 do artº 789º do NCPC), nomeadamente a prescrição do direito, a dação em pagamento, a compensação, entre outros.
Acresce que face à impugnação de um crédito o credor reclamante pode responder – artº 790º do CPC.
Ora, independentemente da classificação que se dê à reclamação de créditos – seja uma ação autónoma, (“um processo declarativo de estrutura autónoma, mas funcionalmente subordinado ao processo executivo - cf. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, de 06/02/2005 in www.dgsi.pt., citando Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, pag. 258), seja um incidente da execução ou mesmo uma fase da instância executiva, não tendo autonomia processual própria, (cf. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 04/04/2017, no processo 1231/13.9 TBCVL-A.C1), haverá que decidir se o co-executado perde essa qualidade, ou seja se é parte ilegítima perante um credor reclamante quando está em causa um crédito que apenas respeita a outro co-executado.
A presente reclamação de créditos foi instaurada por apenso à execução sumária com o Processo n.º 305/17.1T8ALM, no âmbito da qual é exequente a C…, S.A. e executados S… e P…. No âmbito da execução e pelo pagamento solidário da dívida foi penhorada a fração autónoma designada pelas Letras AO, referente ao quinto andar E - habitação, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal sito na Avenida … e Rua …, freguesia de Feijó, descrito na 2.ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.º … e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, propriedade de ambos os executados.
Na fase de convocação dos credores o ISS, I.P. veio reclamar créditos relativos a contribuições para a segurança social, em dívida pela Executada S…
Como fundamento recursório conclui o recorrente que quando, no requerimento de 08/01/2018, se alegou que o Sr. P… não possui legitimidade passiva por não intervir na qualidade de reclamado, o recorrente expressou-se mal. O que, na realidade, queria dizer é que não é reclamado e, nessa medida, não é directamente visado pela reclamação. Mais refere que tem legitimidade passiva por ter interesse direto em contradizer exprimindo-se o interesse em contradizer, pelo prejuízo que advenha da procedência da ação (Cfr. Art.º 30.º, n.º 1 - 2.ª Parte e n.º 2 - 2.ª Parte do CPC), pelo que sendo um dos executados na ação principal dir-se-á que também ele tem legitimidade para impugnar a reclamação de créditos, tendo sido notificado para o efeito. Outrossim defende que é indiscutível que tem interesse em agir pois está em causa um bem comum (na parte que lhe cabe) afeto ao pagamento de uma dívida da co-executada S…
Entendemos que razão assiste ao apelante quanto à questão de lhe assistir legitimidade processual no âmbito do processo de reclamação de créditos que corre por apenso à execução onde figura como co-executado. E essa legitimidade ad causam advém-lhe da qualidade de executado, pois ainda que não lhe seja assacável a responsabilidade pelo crédito reclamado, certo é que o credor reclamante não se limita a invocar a existência de um crédito, sendo ainda pressuposto da sua reclamação a garantia real ( neste caso o privilégio imobiliário ) sobre um bem penhorado na execução e este bem pertence a ambos os executados. Ou seja, o co-executado impugnante tem interesse em contradizer a eventual garantia real invocada pelo credor reclamante, e nada obsta que impugne também o crédito, mas aferir se a sua impugnação quanto ao crédito é ou não eficaz já se prende com a questão de mérito e não como uma questão processual.
Nos termos dos arts. 788.º/1/3 e 8, 789.º/2 a 4 e 791.º/4 do CPC o processo de reclamação dos créditos e respetiva impugnação tem precisamente por objecto, não só a apreciação do crédito reclamado, mas também a respectiva garantia real – no caso a hipoteca invocada pela CGD e o privilégio imobiliário invocado pelo ISS, IP (v. Professor Lebre de Freitas, na sua obra “A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013”, 6ª edição, pág. 364). Logo, na reclamação de créditos o credor reclamante deduz dois pedidos em relação de prejudicialidade: que seja reconhecido o seu crédito e que seja graduado no pagamento do produto da venda em conformidade com a sua garantia real (cfr. Rui Pinto, in Manual da Execução e Despejo, págs.854 e 855).
Os pressupostos essenciais da reclamação são a titularidade de um direito de crédito com garantia real sobre os bens penhorados e a disponibilidade de um título de crédito (cfr. o art.788º, do CPC ).
Assim, no concurso de credores, há que assinalar duas fases distintas: a fase da verificação dos créditos e a fase posterior à verificação. A primeira fase apresenta os contornos nítidos duma acção declarativa, enquanto que a segunda tem feição executiva.
A reclamação de créditos apresenta a figura duma verdadeira acção de dívida proposta pelo reclamante.
O crédito reclamado pode ser impugnado com fundamento em qualquer das causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência, isto é a impugnação é livre, podendo ter por fundamento qualquer causa que extinga ou modifique a obrigação, nomeadamente, a nulidade desta, a prescrição, a simulação e a falsidade. Quer dizer, o impugnante pode alegar tudo o que poderia deduzir como defesa no processo de declaração (cfr. o art.735º).
Mas também relativamente à garantia real ou direito equiparado, o impugnante tanto pode impugnar os respectivos factos constitutivos, como pode excepcionar factos impeditivos, modificativos ou extintivos da mesma.
E em sede de sentença a proferir, tem o juiz de exercer uma dupla actividade: a de verificação e a de graduação. «No desenvolvimento da primeira, cumpre-lhe resolver as questões que tenham sido suscitadas nas impugnações, tanto as questões de facto da sua competência, como as de direito. No desenvolvimento da segunda, há-de graduar os créditos não impugnados e os créditos impugnados que tenha verificado, por julgar improcedentes as impugnações.» (cf. Ac. do STJ de 18/09/2018 in www.dgsi.pt/jstj).
Trata-se de uma sentença de simples apreciação positiva, mas que faz caso julgado material quando reconheça os créditos (cfr. Rui Pinto, ob.cit., págs.884, 886 e 887, onde vêm citados, nesse sentido, Castro Mendes, in Direito Processual Civi, III, pág.451, e Teixeira de Sousa, in A Acção Executiva, Singular, Comum e Especial, pág.350).
Sendo que, a parte cujo crédito foi impugnado mediante defesa por excepção, pode deduzir resposta à impugnação, nos termos do art.790º.
É insofismável que a eventual impugnação por desconhecimento do crédito formulada pelo co-executado, a quem não é assacada a responsabilidade pelo pagamento da dívida pelo credor reclamante, não tem eficácia. Nem a ausência de impugnação constitui confissão, pois nenhuma relação creditícia ocorre entre o credor e este co-executado. Mas tal apreciação em nada contende com a legitimidade processual do co-executado, sendo sim a apreciação ou efeito de uma impugnação relacionada com o crédito um dos binómios que preside à reclamação de créditos numa execução. Porém, já assiste interesse em contradizer por parte do co-executado face ao outro binómio, ou seja a garantia real invocada que se reflete na graduação dos créditos, não sendo indiferente ao executado saber de que forma se constitui tal garantia, pois no caso concreto o bem imóvel objecto da alegada garantia real invocada em sede de reclamação de créditos é também da propriedade do co-executado ora apelante.  
Dispõe o art. 30º do CPC que “1. O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3. Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
Como ensina Castro Mendes, a legitimidade substantiva assemelha-se às “condições subjetivas da titularidade do direito”, constituindo “uma figura diferente daquela que temos vindo estudando [a legitimidade processual]. Assim, se o tribunal conclui pela ilegitimidade, entra no mérito da causa (tal pessoa não tem o direito de anular o contrato; tal pessoa não é credora de perdas e danos; etc. …) e profere uma absolvição do pedido. Estamos em presença da legitimidade em sentido material. Saliente-se, porém, que é figura diversa daquela a que se referem os artigos 24º, 26º, 288º, 494º (do Código de Processo Civil de 1961) etc. …, e em que temos vindo falando – aquilo que designaremos sempre por legitimidade “tout court”, a legitimidade processual ou em sentido processual” (cf. Castro Mendes, Direito Processual Civil, Volume II, Faculdade de Direito de Lisboa, Lisboa, 1974, pp. 176, 177).
Na verdade, o tribunal a quo ao concluir que o co-executado não tinha legitimidade para impugnar o crédito, não teve em consideração que este mantinha interesse em contradizer face à garantia invocada, pois  a garantia real que fundamenta a reclamação é relativa a um bem deste co-executado, logo, o interesse em contradizer do mesmo verifica-se. Na verdade, na sentença de reclamação, como vimos, além do reconhecimento do crédito, também se gradua o mesmo, pelo que não será alheio ao interesse do co-executado essa mesma graduação quando esta incidirá sobre um bem comum aos executados.  Acresce que concluir que a impugnação apresentada seria improcedente é uma questão de mérito, ou neste caso de improcedência da impugnação e não de ilegitimidade.
Conclui-se assim que em face da lei portuguesa, promovida a execução por um certo credor, são chamados e admitidos a intervir os credores do executado que sejam titulares de direitos reais de garantia sobre o bem penhorado. E, como salienta Lebre de Freitas (in “A Ação Executiva depois da reforma da reforma”, 5ª ed., Coimbra Editora, págs. 302 e 303) uma vez que a penhora será, normalmente, seguida da transmissão dos direitos do executado, livres de todos os direitos reais de garantia que os limitam (artigo 824º, nº2 CC), os credores vêm ao processo, não tanto para fazerem valer os seus direitos de crédito e obterem pagamento, como para fazerem valer os seus direitos de garantia sobre os bens penhorados( Em igual sentido, cfr., Catarina Serra, “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito”, Coimbra Editora, págs. 88 a 95). Considerando que o bem penhorado sobre o qual o credor reclamante alega que possui privilégio imobiliário pertence a ambos os executados, assiste ao co-executado legitimidade ad causam, sendo a apreciação da impugnação deduzida uma questão de mérito desta mesma impugnação.
Afigura-se-nos assim que o co-executado é parte legítima, assistindo razão ao apelante e alterando a decisão recorrida, substituindo-a por outra que afirma que o co-executado tem legitimidade para deduzir a impugnação.
Posto isto importará apreciar a segunda questão.
O conhecimento pelo Tribunal da prescrição de alguns dos créditos reclamados pelo Instituto de Segurança Social
No âmbito da decisão recorrida o tribunal conclui quer pela ilegitimidade do co-executado, quer ainda pela ineptidão da impugnação quanto à exceção de prescrição alegada pelo mesmo, concluindo que «(…)apresenta uma alegação genérica, não concretizando exactamente quais as prestações que se encontrariam prescritas, pelo que a alegação padece de ineptidão.».
Nas conclusões de recurso alega o apelante que a prescrição dos créditos por contribuições para a Segurança Social é de conhecimento oficioso ( Nesse sentido, o Ac. do TRP de 03/12/2013 (Proc. 6007/08.2TBMAI-A.P1; Relator: Rui Moreira), o Ac. do TRL de 09/11/2004 (Proc. 5743/2004-7; Relatora: Maria do Rosário Morgado) e o Ac. do TRE de 26/03/2015 (Proc. 6882/12.6TBSTB-A.E1; Relator: Sílvio Sousa). Nessa medida, conclui que sobre o agora recorrente não recaía qualquer ónus de alegação e prova da prescrição da dívida, não lhe pudendo ser imputada a não concretização exata de quais as prestações que se encontrariam prescritas. Pelo que, essa não concretização não faz a sua alegação padecer de ineptidão. Para além disso, refere que considerando que as dívidas à Segurança Social prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos a contar da data em que existe a obrigação de pagamento (Cfr. Art.º 187.º, n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social) e que a primeira parcela em dívida data de Fevereiro de 2006, certamente que alguns dos montantes em dívida já prescreveram. Todavia, conclui  o recorrente que não conhece o processo de cobrança da dívida reclamada, ignorando, por tal, se ocorreram causas de suspensão e/ou interrupção do prazo de prescrição, concluindo que o  Tribunal deveria ter notificado o ISS, I.P., para informar os autos da ocorrência de causas de suspensão e/ou interrupção do prazo, permitindo ao Tribunal decidir, conhecendo oficiosamente a alegada prescrição. Face à notificação documento que serve de suporte à reclamação de créditos do ISS, IP, veio assim, arguir a prescrição desses créditos.
Nos termos do artº 790º do CPC a parte cujo crédito foi impugnado mediante defesa por exceção, pode deduzir resposta à impugnação. Tal preceito estabelece assim, ao contrário do previsto no processo comum, como regra, a existência de articulado resposta à impugnação deduzida no âmbito da reclamação de créditos no processo executivo.
Apodíctico se torna porém, que tal resposta tem as consequências previstas no artº 587º nº 1, ou seja, na falta de impugnação dos novos factos, ocorre a confissão do reclamante desses factos. Vale isto dizer que alegando o co-executado a prescrição, competia ao ISS, IP alegar os factos extintivos ou impeditivos de tal exceção, e a falta de resposta determinará também neste caso o efeito cominatório do artº 574º nº 2 do CPC ex vide artº 587º do CPC. Logo, perante tal exceção competia ao credor reclamante tomar posição quanto aos factos articulados pelo impugnante, dado o efeito preclusivo inerente ao previsto no artº 790º do CPC.
Donde, perante a arguição da prescrição dos créditos invocados como fundamento da reclamação, assentes tais créditos na certidão junta e nos seus precisos termos, competia ao credor reclamante alegar em resposta os factos que determinariam a eventual suspensão ou interrupção do prazo prescricional, sob pena de preclusão de tal defesa.
In casu a reclamante não apresentou resposta à impugnação apresentada, pelo que em nada releva o invocado pelo apelante quanto à eventual suspensão ou interrupção do prazo prescricional, sendo tal exceção apreciada tendo por base a certidão junta e que fundamenta a reclamação.
É sabido que o fundamento específico do instituto da prescrição reside na negligência do credor em exercer o seu direito durante um período de tempo razoável e em que seria legítimo presumir que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado. Razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas conduzem a que a inércia prolongada do titular do direito em exercitá-lo faça presumir que quis renunciar ao direito ou a que se considere que um tal direito já não merece tutela jurídica, libertando o devedor do cumprimento e de possíveis dificuldades probatórias que o decurso do tempo pode acarretar, bastando para tanto invocá-lo como meio de defesa (artigo 303º do Código Civil).
Não sendo de conhecimento oficioso, impõe-se a expressa invocação da prescrição por aquele que dela beneficia para esta ser eficaz (artigo 303º do Código Civil), o que significa que a obrigação do devedor persiste se a prescrição não for eficazmente invocada, mantendo-se, neste caso, vinculado ao seu cumprimento. Fica na disponibilidade do devedor renunciar ou não à prescrição depois de decorrido o respectivo prazo, isto é, escolher se quer cumprir ou não a sua prestação (artigo 302º do Código Civil). A co-executada devedora visada na reclamação do crédito em causa não exerceu o direito potestativo de excepcionar a prescrição de que era beneficiária. Porém, veio o co-executado suscitar a prescrição de parte dos créditos, pelo que poderíamos estar perante o disposto no artº 305º do CC normativo que permite aos credores e aos terceiros, com legítimo interesse na declaração da prescrição, invocá-la.
No entanto, só haveria que discutir a aplicabilidade de tais normativos se a prescrição em causa não fosse de conhecimento oficioso o que, tal como defende o apelante, se verifica in casu face à natureza do crédito invocado.
Senão vejamos.
O Instituto da Segurança Social, I. P. na reclamação apresentada juntou certidão do seguinte teor:« A Trabalhadora Independente Sónia Fátima Almeida Santos, com sede na Avenida …, no Feijó, inscrito sob o nº … e NIF …, é devedora de contribuições no montante de € 11.565,45 (onze mil, quinhentos e sessenta e cinco euros e quarenta e cinco cêntimos), conforme a remuneração convencional e respectivo escalão, a que acrescem juros de mora no montante de € 3.206,65 (três mil, duzentos e seis euros e sessenta e cinco cêntimos), calculados até Setembro de 2017, num total de € 14.772,10 (catorze mil, setecentos e setenta e dois euros e dez cêntimos), conforme consta da folha anexa que, com o número um faz parte desta certidão(…). Quanto aos valores devidos na certidão elenca-se o mês de referência, a contribuição devida e correspondente a esse mês, juros vencidos e, por fim total em dívida. Assim, são reclamadas contribuições relativas aos meses de fevereiro de 2006 a dezembro de 2012, concluindo por um total de valor das contribuições em Setembro de 2017 ( data da entrada da reclamação de créditos no Tribunal) de 11.565,45 €, e de juros vencidos de 3.206,65, num total de € 14.772,10 €.
O Decreto-Lei n.º 103/80, de 9 de Maio (artigo 14.º), estabelecia que as «contribuições e respectivos juros de mora prescrevem no prazo de dez anos». Por sua vez tal prazo manteve-se com a Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto (artigo 53.º), prevendo-se que as «contribuições prescrevem no prazo de 10 anos». A Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto (artigo 63.º), (início de vigência em 04.02.2001) introduziu um regime especial de prescrição dos créditos da Segurança Social derivados de cotizações e contribuições, nos seguintes termos:
«1 -A cobrança coerciva dos valores relativos às cotizações e às contribuições é efectuada através de processo executivo e de secção de processos da segurança social.
2 - A obrigação de pagamento das cotizações e das contribuições prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
3 - A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida».
A Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, manteve este regime no seu artigo 49.º. A Lei n.º 4/2007, manteve o mesmo regime no seu artigo 60.º.
O Código Contributivo dos sistemas previdenciais da Segurança Social estabelece o seguinte (artigo 187.º - início de vigência em 01 de Janeiro de 2011): «1 - A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respetivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida.
2 - O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.
3 - O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos no presente Código e na lei geral».
Tal como defende Jorge Lopes de Sousa ( in Sobre a prescrição da obrigação tributária, notas práticas, 2010, pp. 125/127) do regime jurídico em apreço resulta que «Este regime de prescrição de créditos da Segurança Social derivados de cotizações e contribuições regula apenas alguns dos pontos relativos à prescrição:
- o prazo que é (desde 04 de Fevereiro de 2001), de cinco anos, pelo que fica afastado o prazo subsidiário de oito anos para as obrigações tributárias previsto no art.º 48.º, n.º 1, da LGT.
- o início do prazo, que é a data em que a obrigação deveria ter sido cumprida;
- os factos interruptivos da prescrição, que são quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança coerciva, ficando, consequentemente, afastada a relevância interruptiva da reclamação, recurso hierárquico, da impugnação e do pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, que é atribuída pelo art.º 49.º, n.º 1, da LGT, à generalidade das obrigações tributárias.»
Nos termos do artº 175º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) “a prescrição ou duplicação da coleta serão conhecidas oficiosamente pelo juiz se o órgão da execução fiscal que anteriormente tenha intervindo o não tiver feito.”
Ora, tal como defende o impugnante/apelante resulta inequivocamente do normativo citado que o conhecimento da prescrição é oficioso. E mal se compreenderia que se permitisse a reclamação de créditos de natureza fiscal no processo executivo cível e que, ao mesmo tempo, não fossem aplicáveis as regras que para a cobrança de tais créditos, a legislação fiscal estabelece, nomeadamente, em matéria de prescrição.
Seguindo de perto o decidido no Acórdão da Relação de Guimarães, de 12/04/2018: «Com efeito, havendo um princípio que permite às instâncias fiscais, rectius, impõe, o conhecimento oficioso da prescrição, seria de difícil aceitação que já não o permitisse quando tais créditos são reclamados em processo civil, podendo prejudicar ilicitamente a situação do contribuinte (neste mesmo sentido, cfr o Acórdão da Relação do Porto de 03/12/2013, no processo 6007/08.2TBMAI-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).»
Deste modo, resulta que é passível de conhecimento oficioso a prescrição dos créditos da segurança social reclamados numa execução cível.
Vejamos então a dívida ora reclamada pelo ISS, IP, em concreto.
Como vimos as dívidas à Segurança Social prescrevem no prazo de cinco anos a contar desde a data em que a obrigação devia ser cumprida, interrompendo-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (artigos 60º nº 3 e 4 da Lei nº 4/2007, de 16 de janeiro, 49º da Lei nº 32/2002, de 20/12 e 187º da Lei nº 110/2009, de 16/09). Considerando que o prazo de prescrição de 5 anos foi introduzido pela Lei nº 17/2000, de 08/08, é aplicável a todos os créditos reclamados nos autos, pois datam, de fevereiro de 2006 a dezembro de 2012.
Mas mesmo que tal não ocorresse, conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24 de fevereiro de 2011, no processo nº 050/11, disponível no endereço www.dgsi.pt “em face da sucessão no tempo de diferentes prazos de prescrição, impõe-se convocar a regra estabelecida no nº 1 do art. 297º do CCivil, de acordo com a qual deverá aplicar-se o prazo mais curto, que se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para o prazo se completar.”
Como resulta dos factos provados a reclamante apresenta contribuições em dívida desde fevereiro de 2006 a dezembro de 2012, tendo apresentado a reclamação em Setembro de 2017, pelo que só nessa data é que se declara interrompido o prazo prescricional – cf. artº 323º do CC.
Como aludimos estão em causa dívidas à Segurança Social de fevereiro de 2006 a dezembro de 2012. O prazo de prescrição é de cinco anos a contar da data da exigibilidade da dívida. De onde resulta que as dívidas exigíveis de fevereiro de 2006 a agosto de 2012 mostram-se prescritas, quer quanto ao capital quer quanto aos juros. Logo, apenas são devidas e se consideram reconhecidas as dívidas à segurança social de setembro de 2012 a dezembro do mesmo ano, e respectivos juros.
Tendo assim, por base a certidão junta e o facto provado, apenas são devidas as seguintes contribuições e juros:
2012/09 - 186,13 € de capital correspondente à contribuição, juros de  51,68 €, no total de 237,81€
2012/10 - 186,13 € de capital correspondente à contribuição, juros de 50,60 €, no total de 236,73€
2012/11 - 124,09 € de capital correspondente à contribuição, juros de 33,01€, no total de 157,10 €2012/12 - 124,09 € de capital correspondente à contribuição, juros de 32,28 €, no total de 156,37 €
O que perfaz o total de 620,44€ a título de valor em dívida de contribuições não pagas e 167,57€ de juros vencidos, reduzindo-se assim o reconhecimento do crédito da recorrida a esse valor, a que acrescem os juros vincendos, alterando a sentença recorrida em conformidade.
Importa por fim, aferir da última questão, a saber:
Se face ao divórcio dos executados é ou não de aplicar o previsto no artº 743º do CPC quanto ao imóvel comum penhorado
Nas conclusões de recurso o apelante alega e junta certidão da dissolução do matrimónio com a co-executada, por divórcio datado de  25 de Março de 2004, tendo a decisão que decretou a dissolução do casamento por divórcio transitado em julgado em 25/03/2004 - Cfr. Certidão da Decisão proferida em 25/03/2004, no processo de Divórcio por Mútuo Consentimento, que correu termos na Conservatória do Registo Civil de Almada sob o n.º … de 2004.
Defende ainda que nos termos do Art.º 1688.º do Código Civil, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, o que, no caso concreto, ocorreu em 25/03/2004, em momento anterior à divida, sendo que a dívida reclamada, relativamente a trabalho realizado como trabalhadora independente, terá ocorrido após o divórcio, não sendo, por isso, uma dívida comum a ambos os cônjuges, nem da responsabilidade do co-executado. Conclui ainda que a reclamação de créditos foi apenas movida contra um dos titulares do bem indiviso penhorado e por aplicação do Art.º 743.º do CPC (Art.º 826.º do CPC de 1961), não podem ser penhorados os bens compreendidos no património comum, ou uma fração de qualquer deles, nem uma parte especificada do bem indiviso, sendo de aplicar as normas da compropriedade mormente o artº 1408.º do Cód. Civil. Mais refere que ao entender-se que só a devedora/reclamada possui legitimidade para impugnar o crédito reclamado prejudica-se o co-executado que não possui quaisquer meios para obrigar aquela a cumprir as suas obrigações processuais e atenta a graduação de créditos realizada, o pagamento a dívida reclamada neste apenso somente ocorrerá após a liquidação do crédito exequendo (garantido por hipoteca e penhora), entendendo o apelante que o crédito da segurança social deverá ser pago com recurso ao remanescente do quinhão da co-executada no património comum, depois da liquidação da dívida graduada em primeiro lugar, esta da responsabilidade de ambos.
É certo que na data da interposição da execução já o matrimónio dos executados se havia dissolvido por divórcio, porém, o bem objecto da penhora mantém-se comum, logo, é manifesto que as relações patrimoniais entre os cônjuges cessaram – artº 1688º do CC- mas até à partilha a natureza dos bens como comuns mantém-se como tal.
De harmonia com o disposto no artº 1697º do CC, na hipótese de as dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges terem sido pagas com bens próprios de um deles, este torna-se credor do outro pelo que haja satisfeito além do que lhe cumpria satisfazer. E prescreve o nº 2 do mesmo preceito que sempre que por dívidas da exclusiva responsabilidade de um só dos cônjuges tenham respondido bens comuns, é a respectiva importância levada a crédito do património comum no momento da partilha.
Quanto à ratio de tal preceito, referem Pires de Lima e Antunes Varela (In Código Civil Anotado, volume IV, pág. 320) que a lei teve em linha de conta, não apenas os interesses do cônjuge não-devedor, mas também os dos credores do património comum - património de afectação especial -, que tem de ser devidamente ressarcido daquilo em que for desfalcado, a fim de não ficarem prejudicados os interesses daqueles que têm, em relação a ele, direitos especiais. Mais dizendo que tais credores ficariam, realmente lesados na consistência prática dos seus direitos, se, em lugar dum crédito do património comum sobre o cônjuge indirectamente beneficiado com o pagamento, se concedesse directamente apenas um crédito ao outro cônjuge. Porém, porque a imediata exigibilidade do crédito do cônjuge sobrecarregado pode sempre ser fonte de dissensões ou desentendimentos conjugais, considerou o legislador como de todo conveniente que o referido crédito apenas se efective no momento da partilha dos bens do casal.
Logo, a compensação neste caso aparecerá no momento da liquidação e partilha. Daí que as razões da proibição da partilha dos bens comuns antes de cessarem as relações patrimoniais entre os cônjuges prendem-se com a ideia da protecção de um património comum especialmente afectado às necessidades da vida familiar. Têm a ver, além disso, com a própria natureza desse património comum, regulado pela lei como um património colectivo, tendo os cônjuges apenas direito a uma meação, em regra só concretizável após a dissolução do casamento.
Daí que faleça razão ao apelante quando defende o pagamento tendo por base o quinhão da co-executada, ou até a aplicação do previsto no artº 743º do CPC, pois não está em causa uma situação de compropriedade, mas sim de um património conjugal comum, e este manter-se-á até à partilha, não tendo o apelante manifestado que esta ocorreu ou que tenha sido requerida. Na verdade em relação à reclamante podíamos estar perante a aplicação do previsto no artº 740º do CPC, mas tal preceito já não é aplicável perante a exequente, pois a dívida exequenda é também da responsabilidade do co-executado e a penhora incidiu sobre o imóvel comum.
Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira ( in “Curso de Direito de Família”, Vol. I, Direito Matrimonial, pág. 507) ensinam que estando em causa bens comuns, estes” constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois titulares de um único direito sobre ela “. Trata-se, portanto, de um património que pertence em comum a várias pessoas, mas sem que, como ocorre já na compropriedade, cada titular se possa arrogar ser o dono de uma quota, antes em causa está uma propriedade colectiva cujos sujeitos são ambos os cônjuges, sem que seja correcto falar, enquanto existe a comunhão, numa divisão de quotas entre eles. Logo, “(o) direito à meação, de que cada um dos cônjuges é titular, só se torna exequível depois de finda a sociedade conjugal ou depois de cessarem as relações patrimoniais entre os cônjuges“ (Cfr. Prof. Antunes Varela, in Direito da Família págs. 373 e segs).
No mesmo sentido vão os ensinamentos de Pereira Coelho ao referir que "os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela", pelo que, sufragando também a doutrina do “património colectivo”, ou seja, aquele que "que pertence em comum a várias pessoas, mas sem ele se repartir entre elas por quotas ideais, como na compropriedade", acrescenta Pereira Coelho que enquanto esta última é uma comunhão por quotas “aquela é uma comunhão sem quotas”, sendo os vários titulares do património colectivo sujeitos de um único direito, e de um direito uno, “o qual não comporta divisão, mesmo ideal”. E, mais adiante explica ainda o mesmo autor que "não poderá admitir-se, mesmo na comunhão conjugal, que cada um dos cônjuges tem no seu direito à meação (como diz a lei), um verdadeiro direito de quota – uma quota, é certo, não feita para circular, para ser objecto de troca, mas que exprime a medida da divisão e que virá a realizar-se no momento da divisão, já existindo, porém, actualmente, como nomen iuris?" (In Curso de Direito da Família, 1981, pág. 466 e ss.).
Como se decidiu no Acórdão da Relação de Guimarães de 2/05/2016 ( in www.dgsi.pt/jtrg): « a propriedade colectiva dos cônjuges é, assim, uma comunhão una, indivisível, sem quotas ideais, como na compropriedade, não possuindo portanto cada um dos cônjuges uma quota-parte sobre cada um dos bens que fazem parte do património comum [património de afectação especial ], antes são ambos titulares de um único direito, que não suporta divisão, nem mesmo ideal.»
Tal ideia resulta ainda mais evidente pela eliminação no âmbito do processo civil da moratória forçada prevista anteriormente, sendo que perante a lei adjectiva actual os bens comuns podem de imediato ser objecto de penhora mesmo que apenas seja executado um dos cônjuges e ainda que para cobrança de dívida pela qual só ele seja responsável, restando tão só ao outro cônjuge requerer a separação de meações, então, caso não seja requerida a separação judicial de bens, forçoso é o prosseguimento da execução sobre o bem/direito comum penhorado, já que, não existindo separação, é o bem pertença do executado, por fazer parte do património autónomo comum de que são ambos os cônjuges titulares. Como se defende no Ac. deste Tribunal da Relação de Lisboa de 29/5/2014 ( in endereço da net aludido) ser-se titular da meação do património não significa que se seja titular de metade indivisa de cada um dos bens que, em concreto, integram o património comum do casal, o certo é que, como de resto decorre do n° 2, do art. 1697°, do Código Civil, não é sequer o cônjuge não executado titular de um qualquer crédito pela importância correspondente à sua meação nos bens utilizados para pagamento da dívida. Na verdade, perante o disposto no nº 2, do artº 1697º, do CC, pacífico é que não fica o cônjuge não executado ou sobrecarregado - e quando por dívida da exclusiva responsabilidade do cônjuge executado haja respondido um bem comum - titular de um qualquer crédito, antes o efectivo credor é o património comum.
Logo, como se explica no Ac. desta Relação aludido “Face à autonomia do património colectivo e sendo certo, portanto, que o pagamento das dívidas da responsabilidade exclusiva de um dos cônjuges pode vir a determinar a necessidade de se proceder a acertos ou compensações no plano das relações internas entre ambos, não é menos certo que, como decorre da parte final do n° 2 do citado art. 1697° do CCivil, a importância de tais dívidas é levada a crédito do património comum e só é exigível no momento da partilha dos bens do casal“.
Donde, não é de aplicar o artº 743º do CC, pois o bem penhorado não constitui um bem indiviso nos termos previsto em tal preceito.
De tudo o exposto, improcede a apelação nesta parte, mantendo-se a graduação do crédito do ISS,IP tendo por base a totalidade do bem penhorado e não apenas na parte relativa à meação da executada devedora.
                                               *
IV. Decisão:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo co-executado, revogando a decisão que considerou o mesmo parte ilegítima e ainda que reconheceu a totalidade do crédito da reclamante ISS,IP, e substituindo a mesma no sentido de:
-  Declarar o co-executado parte legítima;
- Declarar prescritos os créditos reclamados pelo ISS, IP relativos às contribuições de Fevereiro de 2006 a Agosto de 2012 e respectivos juros.
Mantendo no mais, a decisão recorrida.
Custas do recurso pela recorrida e recorrente, na proporção de 80%, 20%, respetivamente.
Registe e notifique.

Lisboa, 11 de Abril de 2019

Gabriela de Fátima Marques
Adeodato Brotas
Gilberto Jorge