Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO | ||
Descritores: | VIAGEM ORGANIZADA CUMPRIMENTO DEFEITUOSO RESPONSABILIDADE CIVIL DANO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 06/24/2008 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. As «viagens organizadas», que obtiveram uma maior difusão através dos denominados «pacotes turísticos», correspondem a um “produto” disponibilizado pelas agências de viagens, em que todas as prestações que compõem a viagem se encontram previstas, designadamente itinerários, horários, alojamento e meios de transporte, cabendo à agência a escolha dos prestadores dos serviços contemplados no programa, bem como a sua coordenação. Deste tipo de viagens se distinguem as chamadas «viagens por medida», que são organizadas pela agência, por iniciativa e a pedido do cliente, o qual normalmente apresenta um esboço daquilo que pretende para que a agência elabore um programa completo, onde sejam contempladas as suas pretensões. 2. As agências são responsáveis perante os seus clientes pelo pontual cumprimento das obrigações resultantes da venda de viagens turísticas. Quando se tratar de viagens organizadas, as agências (organizadoras e vendedoras) são solidariamente responsáveis perante os seus clientes, ainda que os serviços devam ser executados por terceiros. No domínio das restantes viagens turísticas, as agências respondem pela correcta emissão dos títulos de alojamento e de transporte e ainda pela escolha culposa dos prestadores de serviços, caso estes não tenham sido sugeridos pelo cliente. 3. Em caso de incumprimento ou cumprimento defeituoso do programa contratual, além de outros danos eventualmente sofridos, os lesados têm ainda direito a receber indemnização pelo chamado «dano das férias estragadas», decorrente da frustração de não se ter realizado a viagem tal como fora idealizada e programada, dano que assume particular relevância quando se trata de destinos longínquos e caros, a que se não volta com facilidade uma segunda vez. (MRM) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
1. J… e M…, A…, Ma… e N…, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma ordinária contra “T…, S.A”[1], pedindo a condenação da ré a pagar-lhes a quantia de € 14.999,81, a título de indemnização pelos danos sofridos, sendo € 13.999,81 a título de danos patrimoniais e € 1.000 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento. Para tanto, alegam terem adquirido junto da ré um "pacote turístico" com destino ao México, no qual despenderam o montante total de € 12.887,00 com partida de Lisboa a 2/8/2004 e regresso a Lisboa no dia 16/8/2004. Acontece que o voo com partida de Lisboa com destino a Cancun teve um atraso de duas horas sem que a ré lhes tivesse dado qualquer explicação e, uma vez chegados ao destino, foram informados que não havia qualquer marcação, em seu nome, na unidade hoteleira, referida no «pacote», pelo que, só após duas horas de conversação a partir dos respectivos telemóveis pessoais, foi possível instalar os autores no Hotel, depois de se ter constatado que afinal o "voucher" havia sido erradamente emitido em nome diferente, daquele em que tinha sido feita a reserva. Já na Riviera Maya, à chegada ao hotel O…, foram informados pelo responsável do hotel que, devido a "overbooking", não seria possível alojá-los, vendo-se forçados a regressar a Cancun, onde ficariam instalados no Hotel G….. De novo, em Cancun, foram confrontados com o facto de não terem alojamento naquele Hotel, pelo que foram transferidos para outra unidade hoteleira, de categoria inferior. No dia aprazado para o regresso, o voo foi adiado para o dia seguinte, tendo finalmente desembarcado em Lisboa, com 48 horas de atraso. 2. A acção foi contestada, tendo a ré deduzido incidente de intervenção acessória provocada de “M…, SA”, fundado na existência de direito sobre o interveniente, incidente que foi admitido. 3. A final, realizado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção improcedente absolveu a ré do pedido. 4. Inconformados, apelam os autores, os quais, em conclusão, dizem: 1 – A viagem comprada pelos apelantes inclui uma extensão. 2 - A semana extra dos apelantes foi a inicial, ou seja, a de 03.08.04 a 09.08.2004, pois a semana que consta no catálogo, a qual foi adquirida pelos ora recorrentes com base no mesmo, foi incumprida pela ora Apelada. 3 - O Tribunal a quo não deveria considerar a viagem in casu como sendo por medida, mas de viagem organizada. 7 - Os Estados-membros podem adoptar ou manter, no domínio regulado pela presente directiva, disposições mais rigorosas para defesa do consumidor. 5. Nas contra alegações, pugna-se pela manutenção da decisão recorrida. 6. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. 7. Está provado que:
- O 1° autor € 3.484; - A 2ª autora € 2.215; - Os 3° e 4° autores € 4.430; - A 5ª autora € 2.758 [alínea d), dos factos assentes].
- Partida de Lisboa a 2 de Agosto no voo ….com destino a Cancun, México; - De 2 de Agosto a 3 de Agosto – Hotel O…, Cancun; - De 3 de Agosto a 5 de Agosto – Hotel C…., Merida; - De 5 de Agosto a 7 de Agosto – Hotel D…, Campeche; - De 7 de Agosto a 9 de Agosto – Hotel E…, Valladolid; - De 9 de Agosto a 16 de Agosto – Hotel Oá….; - Regresso a Lisboa às 16.35 horas de 16 de Agosto [alínea E dos factos assentes].
8. Neste recurso importa, essencialmente, apreciar as seguintes questões:
- Saber se a viagem comprada pelos autores integra o conceito de «viagem organizada» ou, pelo contrário, o de «viagem por medida»;
- Saber se o tribunal português pode aplicar directamente a Directiva 90/314/CEE, do Conselho de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados.
- Saber se a ré pode ser responsabilizada pelos alegados danos sofridos pelos autores.
9. A questão da distinção entre «viagem organizada» e «viagem por medida».
Nas últimas décadas, assistiu-se ao crescimento do turismo de massas, o que, além do mais, provocou uma alteração radical no papel até então desempenhado pelas agências de viagens. De facto, da simples reserva de bilhetes nos diferentes meios de transporte à preparação de diversas viagens, todas idênticas, mediante um preço global e único, para todos os participantes, a agência de viagens – praticamente – deixou de ser mera intermediária entre o cliente e as companhias transportadoras, para surgir como «arquitecta» da viagem proposta ao cliente, a quem cabe aceitá-la, ou não, nos moldes predefinidos pela agência.
Perante o aumento das viagens turísticas[2], em particular das denominadas «viagens organizadas», bem como do número de situações conflituais que cada vez mais suscitavam a intervenção dos tribunais, o legislador comunitário sentiu necessidade de definir um conjunto de regras aplicável ao fenómeno. Foi assim aprovada a Directiva 90/314/CEE, do Conselho, de 13 de Junho de 1990, relativa às viagens organizadas, às férias organizadas e aos circuitos organizados.
Adiante-se que, como sublinha Miguel Miranda, O Contrato de Viagem Organizada, pag. 107 e ss., nos diferentes Estados-membros que adoptaram a Directiva não se formou consenso sobre a interpretação do art. 2º, da Directiva, acerca do conceito de viagem organizada, o que tem conduzido a diferentes entendimentos da doutrina, no quadro do direito interno, em cada Estado-membro.
As «viagens organizadas», que obtiveram uma maior difusão através dos denominados «pacotes turísticos», correspondem a um “produto” disponibilizado pelas agências de viagens, em que todas as prestações que compõem a viagem se encontram previstas, designadamente itinerários, horários, alojamento e meios de transporte, cabendo à agência a escolha dos prestadores dos serviços contemplados no programa, bem como a sua coordenação.
Nestas situações, a iniciativa do cliente desaparece, os seus desejos individuais não são tidos em conta, cabendo-lhe apenas decidir se a viagem-padrão, proposta pela agência, satisfaz, ou não, os seus interesses.
Deste tipo de viagens se distinguem as que são organizadas pela agência, por iniciativa e a pedido do cliente, o qual normalmente apresenta um esboço daquilo que pretende para que a agência elabore um programa completo, onde sejam contempladas as suas pretensões. Aqui, é o cliente que dita as regras à agência e espera desta a concretização detalhada da viagem que projecta realizar: são as chamadas «viagens por medida».
Em Portugal, o DL nº 198/93 não fazia referência expressa a este tipo de viagens, o que poderia levar a admitir que se encontravam abrangidas pelo seu art. 3º, nº1, sobretudo se tivéssemos em conta o nº3, do mesmo preceito, que delimitava negativamente o conceito de viagem organizada.[4] Com a aprovação do D.L. nº 209/97, de 13 de Agosto (posteriormente, alterado pelo D.L. nº 12/99, de 11 de Janeiro) é clara a opção legislativa no sentido de excluir do conceito de viagem organizada, aquela, cuja preparação depende essencialmente da proposta e iniciativa do cliente.
Vejamos, pois.
O regime legal aprovado pelo Decreto-Lei 209/97 distingue as «viagens organizadas» (art. 17º, nº2) das «viagens por medida» (art. 17º, nº3), distinção tanto mais importante, quanto se prevêem também distintos regimes de responsabilidade das agências, em caso de incumprimento (v. art. 39º).
No art. 17º, nº2, daquele DL define-se viagem organizada por referência a vários elementos: (a) combinação prévia de serviços; (b) contratação a um preço com tudo incluído; (c) período de duração mínima; (d) natureza dos serviços combinados.
Relativamente ao primeiro requisito, dir-se-á que no contrato de viagem organizada «a agência organizadora não só traça o itinerário da viagem, os horários e locais de partida e destino, como também escolhe os prestadores de serviços e faz as respectivas marcações de lugares de meios de transporte ou reservas nos empreendimentos hoteleiros, tudo promovendo com vista à organização da viagem».[5]
Exige-se ainda que «a combinação dos serviços» seja prévia, isto é, que o programa esteja concebido antes de ser divulgado ao público-alvo.
Outro dos elementos do conceito de «viagem organizada» consiste na existência de um «preço com tudo incluído», no sentido de que, através de um preço global, estipulado no programa da viagem, o cliente terá direito a utilizar todos os serviços ali contemplados.
A viagem organizada implica ainda a combinação de dois dos seguintes serviços: transporte, alojamento e outros serviços turísticos não subsidiários daqueles, desde que representem uma parte significativa da viagem.
A duração da viagem é outro dos elementos caracterizadores deste tipo de viagens, a qual deve, nos termos do art. 17º, nº2, exceder vinte e quatro horas.
Em resumo:
- Quando a proposta já exista e seja divulgada pela agência de viagens, limitando-se o cliente a aderir à mesma, estaremos perante uma viagem organizada, desde que se verifiquem os demais requisitos, aludidos no art. 17º, nº2, do DL 209/97[6].
- Quando a iniciativa parte do cliente, que apresenta à agência um projecto, por muito vago que seja, para que esta lhe organize uma viagem, segundo os seus desígnios, então, ainda que, em tudo o resto, a viagem seja idêntica à de um «pacote turístico» já existente, quer dizer, pré-elaborado pela agência organizadora, não estaremos perante uma viagem organizada, mas de uma viagem por medida.
A esta modalidade se refere o art. 17º, nº3, do mesmo diploma legal, onde se preceitua que são viagens por medida, as viagens turísticas preparadas a pedido do cliente para satisfação das solicitações por este definidas.
10. O caso concreto
À luz da noção dada pelo art. 1154º, do CC, decorre da matéria de facto apurada que os autores e a ré celebraram entre si um contrato de prestação de serviços[7], o qual se encontrava regulamentado, à data dos factos, pelo DL. nº 209/97, de 13 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo D.L. nº 12/99, de 11 de Janeiro.
Ora, considerando tudo o que deixamos exposto, não restam dúvidas de que a viagem turística, objecto do contrato celebrado entre as partes, à luz do regime legal definido no DL 209/97, não se enquadra no conceito de viagem organizada.
Na verdade, resulta da factualidade apurada que a agência “construiu” a viagem, a pedido dos autores, segundo as indicações e manifestações de vontade por eles definidas (cf. pontos 26 e 42, dos factos provados), viagem que apenas tinha em comum com as viagens divulgadas pelo operador turístico, “M…”, a viagem de avião e a estadia no Hotel Oá…., na Riviera Maya (cf. pontos 26 e 42, dos factos provados).[8]
Trata-se, pois de uma viagem por medida, segundo a definição constante do art. 17º, nº3, do DL 209/97, a tal não obstando, como vimos, a circunstância de os autores terem optado pela viagem de avião e pela estadia em uma unidade hoteleira, incluídos num dos programas de viagens divulgadas através do catálogo do operador turístico[9].
11. A questão da aplicação imediata da Directiva
11.1. Esta questão prende-se com a chamada teoria do efeito directo dos actos comunitários que, em princípio, não gozam de aplicabilidade directa, por serem actos de mera cooperação, isto é, formalmente têm os Estados como destinatários. Estão nesta situação, além de outros, os Tratados e as Directivas.[10]
Segundo aquela teoria, de construção jurisprudencial, quando um acto conferir direitos directamente aos particulares, ou impuser aos Estados obrigações em relação aos particulares, estes podem invocar esses direitos, perante os órgãos nacionais de aplicação do Direito, mesmo que os actos comunitários não tenham sido transpostos para o Direito interno, ou tenham sido indevidamente transpostos.
Contudo, a aplicabilidade directa na ordem interna dos referidos actos estaria, em todo o caso, dependente da verificação de certos requisitos, a saber: (a) a norma deve ser suficientemente clara e precisa; (b) deve apresentar um carácter incondicional; (c) deve estar apta a produzir os seus efeitos sem necessidade de qualquer disposição nacional ou comunitária que a complete.
Em princípio, no que toca às directivas, o problema da sua aplicabilidade imediata não se coloca já que quer o anterior art. 189º, quer o actual art. 249º, do Tratado, afirmam que a directiva só vincula o Estado membro destinatário e, mesmo assim, só quanto ao resultado a alcançar. Está assim consagrado que a directiva é, por natureza, de aplicação na ordem interna só após a sua transposição.
No entanto, perante a constatação de que, na ausência ou na insuficiência da transposição de directivas, os particulares ficavam impedidos de invocar direitos que aquelas lhes queriam conferir, o Tribunal de Justiça começou a admitir a invocação em juízo[11] de directivas que atribuíssem direitos aos particulares, como forma de sancionar os Estados, pelo seu incumprimento.
Esta possibilidade (de invocação pelos particulares) está porém condicionada à verificação de alguns requisitos: a directiva só terá efeito directo quando o Estado não proceda à sua transposição no prazo fixado, ou o faça de modo incorrecto ou quando seja o próprio Estado a invocar uma directiva, ainda não transposta. Exige-se, além disso, a observância, em concreto, dos requisitos gerais já atrás referidos.
11.2. Há ainda que clarificar uma questão que obriga a distinguir o efeito directo vertical, do efeito directo horizontal.
Nos casos em que a norma comunitária impõe apenas obrigações aos Estados, o particular apenas poderá invocar a disposição em causa perante os órgãos nacionais (de aplicação do Direito) em litígios que oponham os particulares a autoridades do Estado. É o que se chama efeito directo vertical.
Nos casos em que a disposição em causa, não obstante ser dirigida aos Estados, imponha também obrigações aos particulares, os respectivos direitos serão invocáveis inclusive entre privados. É o chamado efeito directo horizontal.
Ora, no que toca às directivas, como só podem ter como destinatários os Estados, e só a estes impõem obrigações, o seu efeito directo só pode ser vertical.[12]
11.3. É assim manifesta a falta de fundamento da pretensão dos recorrentes no sentido de ser aplicada directamente a directiva em causa (Directiva 90/314/CEE), uma vez que se está perante um litígio entre particulares e a directiva não goza do efeito directo horizontal.
Acresce que, no caso em apreço, não está sequer verificado um dos requisitos gerais de que a doutrina faz depender a imediata aplicação dos actos comunitários, o que afastaria – só por si – a imediata aplicação da Directiva.
Na verdade, as normas da Directiva, como já tivemos ocasião de afirmar, não são nem suficientemente claras nem precisas, com repercussões ao nível da sua transposição nos Estados que adoptaram a directiva, pois são diversas as noções adoptadas – nas legislações nacionais e na doutrina – para os conceitos de viagem organizada.
12. A questão da responsabilidade da ré pelos danos sofridos pelos autores
No que toca à responsabilidade civil da agência, nos casos de violação das obrigações decorrentes do contrato celebrado com os autores, importa ter presente as disposições do Código Civil, bem como as disposições que resultam do DL 209/97.
Há assim que relevar o disposto no art. art. 483º, do CC., nos termos do qual «aquele que violar ilicitamente o direito de outrem, ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação», bem como nos arts. 762º, 798º e 799º, do mesmo Código, sendo certo que, no âmbito da responsabilidade contratual, recai sobre o devedor a prova de que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
Por seu turno, estabelece o art. 39º, do Decreto-Lei 209/97, aplicável à generalidade dos contratos celebrados entre as agências de viagens e os seus clientes, que:
As agências são responsáveis perante os seus clientes pelo pontual cumprimento das obrigações resultantes da venda de viagens turísticas, sem prejuízo do disposto nos números seguintes (1).
Quando se tratar de viagens organizadas, as agências são responsáveis perante os seus clientes, ainda que os serviços devam ser executados por terceiros e sem prejuízo do direito de regresso e as agências organizadoras respondem solidariamente com as agências vendedoras (2 e 3).
No domínio das restantes viagens turísticas, as agências respondem pela correcta emissão dos títulos de alojamento e de transporte e ainda pela escolha culposa dos prestadores de serviços, caso estes não tenham sido sugeridos pelo cliente (5).
Quando as agências intervierem como meras intermediárias em vendas ou reservas de serviços avulsos solicitados pelo cliente, apenas serão responsáveis pela correcta emissão dos títulos de alojamento e de transporte (6).
Consideram-se clientes, para os efeitos previstos para o presente artigo, todos os beneficiários da prestação de serviços, ainda que não tenham sido partes no contrato (7)[13].
Note-se, antes de mais, que este preceito comporta um caso de responsabilidade objectiva (nº2), quando se trata de uma «viagem organizada», situação que in casu é de afastar, por – como já vimos – estarmos perante uma viagem turística «por medida» (situação contemplada no nº 5, deste artigo).
12.1. No caso sub judice, apurou-se que a execução da viagem foi marcada por alguns incidentes, a saber:
- Atraso de 2 horas, no voo, na viagem de ida;
- Atraso de 48 horas no voo, na viagem de regresso, devido a avaria do avião, o que obrigou os autores a pernoitar, mais uma noite em Cancun, num hotel de categoria inferior àquele em que tinham estado hospedados;
- Impossibilidade de estadia na Riviera Maya, desde o dia 9 até 16 de Agosto, como estava previsto, por o hotel se encontrar lotado, devido a «overbooking», forçando os autores a regressar a Cancun.
Atenta a factualidade provada, é contudo de afastar a responsabilidade da ré no que respeita a eventuais prejuízos decorrentes aos atrasos dos voos. Neste âmbito, quando muito, será responsável a transportadora, nos termos da Convenção de Varsóvia, de 12/10/1929[14], questão de que não cuida conhecer neste recurso, já que aquela não é parte nesta acção.
Tão pouco se provaram factos que permitam responsabilizar a ré no caso da exibição/aceitação do «voucher» à chegada ao hotel em Cancun (cf. al. J) e respostas aos qs 4º a 7º).
Resta, assim, reconhecer que apenas a impossibilidade de permanência na Riviera Maya consubstancia uma clara situação de cumprimento defeituoso do programa contratual.
Efectivamente, a ré estava obrigada a assegurar a estadia dos autores, durante determinado período, em determinado hotel, na região da Riviera Maya. Tal não veio a suceder, porque o hotel estava lotado, nas datas aprazadas, o que forçou os autores a regressar a Cancun, cidade que fica a cerca de 130 km da região.
Ora, a agência, até pelo carácter profissional da sua actividade, está obrigada a garantir a execução da viagem, nos precisos termos constantes do acordo firmado com os clientes, recaindo sobre a mesma a obrigação de seleccionar, com especial rigor e critérios de exigência, os prestadores de serviço a que recorre, para satisfação dos interesses dos seus clientes, pelo que, ao não garantir a estadia dos autores em Akumal, no período em causa, não cumpriu, nos seus precisos termos, a obrigação a que estava adstrita.
E, recaíndo sobre a ré a presunção de culpa, a que alude o art. 799º, presunção que não logrou elidir, não pode deixar de ser responsabilizada pelos danos sofridos pelos autores.
Note-se que a responsabilidade da ré resulta ainda da norma contida no nº 5, do art. 39º, do DL 209/97, onde se prescreve que, no domínio das restantes viagens turísticas, as agências respondem pela escolha culposa dos prestadores de serviços, caso estes não tenham sido sugeridos pelo cliente.
13. Os Danos
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art. 562°, do C.C.), sendo que a obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido, se não fosse a lesão (art. 563°, do C.C.).
Os autores pedem, a título de danos patrimoniais a condenação da ré a pagar-lhes € 13.999,81.
Dos factos provados, resulta que os autores, quando foram confrontados com a impossibilidade de ficar alojados em Akumal, realizaram telefonemas dos seus telemóveis pessoais para uma empresa local – a E…. – que lhes foi indicada pela ré, para tentar resolver o problema. Estamos, sem dúvida, perante um dano patrimonial, embora não tenha sido possível quantificá-lo, nesta acção.
Também se provou que os autores, em vez de ficar alojados em Akumal, foram forçados a regressar a Cancun, onde ficaram alojados em determinada unidade hoteleira.
Está, porém, por quantificar a diferença entre o custo despendido pelos autores com a viagem que contrataram com a ré e o montante que despenderiam, caso tivessem optado inicialmente pela estadia em Cancun, tal como – por deficiências de execução – veio a acontecer.
Impõe-se, pois, relegar para execução de sentença a fixação da indemnização devida, por danos patrimoniais.
Quanto aos danos não patrimoniais:
Na fixação da indemnização deve, como se sabe, atender-se aos danos morais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – art. 496º, n.º 1, do CC.
O seu montante será fixado equitativamente[15] pelo tribunal tendo em conta as circunstâncias referidas no art. 494º, do CC – art. 496º, n.º 3, do CC – ou seja, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
In casu, os autores pedem a condenação da ré a pagar-lhes € 1.000, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
A este respeito provou-se que os autores sofreram o desgaste físico e psicológico, decorrentes das deficiências de execução da viagem (cf. ponto 44, com referência aos pontos 11, 12, 13, 14, 31, 32, 33, 34) e que ficaram penalizados e angustiados por não terem conseguido visitar Akumal (na Riviera Maya), como era seu desejo. Trata-se neste último caso do chamado «dano das férias estragadas», decorrente da frustração de não se ter realizado a viagem tal como fora idealizada e programada (cf. pontos 42 e 43, dos factos provados), dano que assume particular relevância se tivermos em linha de conta que se trata de destinos longínquos e caros, a que se não volta com facilidade uma segunda vez.
Ora, atendendo ao disposto no art. 496º, do CC, entende-se por adequado atribuir aos autores a título de indemnização por danos morais, o montante peticionado.
14. Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em condenar a ré a pagar aos autores, a título de indemnização, por danos patrimoniais a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença e, a título de danos não patrimoniais a (peticionada) quantia de € 1.000,00 (mil euros).
Custas pela apelada.
Lisboa, 24 de Junho de 2008-10-20
Maria do Rosário Morgado Rosa Ribeiro Coelho Amélia Ribeiro _________________________________________________ |