Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA | ||
Descritores: | EXECUÇÃO TÍTULO EXECUTIVO INJUNÇÃO JUROS TAXA OPOSIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | - Na execução que tenha como título executivo injunção a que foi aposta fórmula executória, os juros que se hajam vencido desde o requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda deverão ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção. - Caberá ao executado, entendendo-o, opor-se à aplicação desses juros de mora na oposição à execução. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório «XX- Crédito, S.A.» veio propor a presente acção executiva para pagamento de quantia certa contra, B, dando à execução requerimento injuntivo no qual foi aposta a fórmula executória. Liquida a obrigação nos seguintes termos: a. € 5909,68 ( € 5756,68 a título de capital e €153,00 de taxa de justiça paga); b. € 1742,02 de juros moratórios contados sobre o valor do capital em dívida desde 02.11.2013, à taxa anual convencionada de 28.344%, acrescida de 5% desde 19.02.2014, até 14.04.2014; c. os juros moratórios que se vencerem a partir da data indicada na precedente alínea b. e até efectivo e integral pagamento, à taxa anual convencionada de 28.344%, acrescida de 5% ao ano (al. d) do artigo 13.º do Decreto- Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro); Conclui que o Executado é, assim, e até 14.04.2014, devedor de um total de € 7651,70. No requerimento de injunção e no espaço destinado à causa que deu origem à quantia peticionada, mostra-se inscrito «utilização de cartão de crédito». Não foi deduzida oposição à execução. * O executado notificado que foi da Conta Corrente Discriminativa da Execução veio reclamar da taxa de juro após a aposição da fórmula executória na injunção que entende não dever ser a dos juros contratuais mas a dos juros legais de 4%, por entender que os juros de mora respeitantes ao período entre a propositura do requerimento de injunção e a aposição da fórmula executória são juros de mora civis. Na sequência de tal requerimento é proferido em 21.10.2020, despacho cujo teor é o seguinte: «Reiterando anteriores requerimentos, veio o executado B, suscitar a questão da taxa de juro aplicável após a entrada do requerimento de injunção. Efectivamente, tal como resulta da injunção apresentada à execução, a taxa contratual aplicável era de 28,34%. Pretende o executado que a referida taxa não deve vigorar após a entrada em juízo da injunção. Foi exercido o contraditório. Quid iuris ? Como se sabe, um dos princípios básicos em sede de processo executivo corresponde à necessidade de ele se fundar num título executivo pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (cfr. artº 10º, nº 5, do C.P.Civil) e tal significa que, em princípio, a acção executiva não pode ir além daquilo que resulta directamente do título. E dizemos em princípio na medida em que a lei consagra um desvio a essa regra quando determina no artº 703º, nº 2, do mesmo diploma, que se consideram abrangidos pelo título executivo (apesar de o título não o incluir directa e expressamente) os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante e quando determina, nas disposições legais supra citadas, que a execução fundada em injunção também pode incluir (ainda que isso não conste do título) os juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória. Por outro lado, mas em termos conformes ao regime geral, resulta do artº 21º, nº 2, do Dec.-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, que a execução fundada em injunção tem como limites as importâncias a que se refere a alínea d) do artigo 13º. Ora, este determina que a notificação a efectuar ao requerido deve conter a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória. Significa isso, portanto, que, além da quantia pedida no requerimento de injunção e da taxa de justiça paga, a execução poderá ainda abranger os juros de mora desde a data da apresentação do requerimento, bem como juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória. Coloca-se, no entanto, a questão de saber se esses juros de mora são calculados à taxa legal ou à taxa que resultava do contrato que fundamentava o procedimento de injunção. No caso sub iudice, o título executivo é um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória; o título executivo não corresponde, portanto, aos contratos que haviam fundamentado aquele requerimento, mas sim ao próprio requerimento e, portanto, é com base no próprio requerimento de injunção que terão de ser definidos os juros. Quanto a este ponto, determina o artº 10º, nº 2, e) do Regime que o pedido a formular poderá incluir o valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas. Poder-se-á questionar se a referência a «outras quantias» poderá reportar-se a juros vincendos. Nesta sede, sufragamos a posição de Salvador da Costa que afirma: O terminus a quo do débito de juros de mora vincendos situa-se no momento da apresentação do requerimento de injunção na secretaria judicial ou na secretaria-geral de injunção, conforme os casos. A partir desse momento passam a ser contabilizados os juros de mora previstos na lei. A questão, no entanto, não tem relevância concreta porquanto mostra-se preenchido «a zeros». Não será por aqui, portanto, que se poderão ter por incluídos os juros vincendos contratuais no âmbito do título executivo. Acresce ainda que da exposição dos factos também não consta qualquer referência aos juros vincendos e à taxa aplicável. Com os fundamentos expostos, resta concluir que, por um lado, as quantias directamente abrangidas pelo título executivo são apenas as referenciadas no próprio (o que exclui quaisquer juros de mora a partir da data da apresentação do requerimento de injunção) e, por outro, que – não resultando directamente do título executivo – tais juros apenas poderão ser incluídos na execução na medida prevista pela lei (juros de mora civis desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória). Em conformidade, determina-se que a Srª AE proceda aos cálculos nos termos supra expostos. Notifique.» * Com o teor de tal decisão não se conforma a exequente que da mesma interpõe recurso alinhando as seguintes conclusões: « Conclusões: 1) O presente recurso incide sobre o douto despacho de fls… que ordenou à Senhora Agente de Execução que procedesse ao cálculo dos juros de mora na execução de acordo com a taxa de juros de mora civis desde a data da apresentação do requerimento de injunção, por entender, que além da quantia pedida no procedimento de injunção e da taxa de justiça paga, bem como juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória, a execução fundada nesse título apenas abrangerá os juros de mora, calculados à taxa de juros de mora civis desde a data da apresentação do requerimento, e não, como peticiona a Apelante os juros de mora calculados à taxa contratual de 28,34% até efectivo e integral pagamento. 2) Cuidar-se-á de demonstrar que o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 21º nº 2 e no artigo 13º nº 1, alínea d), do Regime aprovado pelo Decreto – Lei 269/98, de 1 de Setembro, violando expressamente o disposto nos artigos 559º, nº 2 e 806º, nº1 e nº 2, parte final ambos do Código Civil, e ainda do art.º 703º n.º 2 do C.P.C e art.º 102º § 3º do código comercial, sendo certo que, a interpretação constante do despacho recorrido dada aos citados preceitos do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, constitui ainda uma violação dos princípios do acesso ao direito e da segurança jurídica constitucionalmente consagrados! 3) O douto despacho sob recurso, assenta no entendimento de que face ao quadro normativo aplicável a este tipo de títulos executivos (Decreto-Lei 269/98, de 1/09, designadamente os artigos 10º, 13º e 21º e Código de Processo Civil), o procedimento de injunção ora dado à execução, relativamente à cobrança de juros moratórios, vencidos após a instauração do procedimento de injunção e bem assim vincendos até efectivo e integral pagamento, apenas abrange os calculados à taxa legal de 4% e não os calculados à taxa contratada de 28,34% peticionados pela Exequente, ora Apelante. 4) Em abono de tal entendimento, o Mmo Juiz a quo sustenta que “o título executivo não corresponde, portanto, aos contratos que haviam fundamentado aquele requerimento, mas sim ao próprio requerimento e, portanto, é com base no próprio requerimento de injunção que terão de ser definidos os juros.”, referindo ainda sufragar “a posição de Salvador da Costa”, por referência à obra A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 5ª edição, actualizada e ampliada, 2005, p. 191 e ss. que transcreve “O terminus a quo do débito de juros de mora vincendos situa-se no momento da apresentação do requerimento de injunção na secretaria judicial ou na secretaria-geral de injunção, conforme os casos. A partir desse momento passam a ser contabilizados os juros de mora previstos na lei.” 5) S.m.o., não só a lei aplicável não limita a aplicação aos juros de mora à taxa de juro legal, nem sequer é já esse em sede doutrinária, o entendimento reponderado de Salvador da Costa que assim se cita ”A alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º deste anexo, referente ao débito do requerido quanto a juros de mora, também nada expressa quanto à sua quantificação à taxa legal ou à taxa convencionada pelas partes. Assim, não resulta das referidas normas subsídio algum para a solução desta problemática, porque não se referem à taxa legal nem à taxa contratual dos juros moratórios. (…) Em suma, considerando o disposto no artigo 806.º, n.º 2, do Código Civil, nos casos em que as partes convencionarem uma taxa de juros moratórios superior à legal, é ela que releva para o efeito previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º deste anexo e no normativo em análise, ao que não obsta o facto de o título executivo constituído pelo requerimento de injunção com a fórmula executória não ser o contrato em que as partes convencionaram a taxa de juros de mora.” 6) Na génese do DL 269/98, de 1 de Setembro, está o DL 404/93 de 10 de Dezembro, sendo que com tal legislação, visou-se apenas agilizar os actos conducentes ao reconhecimento da existência de dívidas até determinado valor, limitando-se o legislador a intervir em matéria de natureza adjectiva, não tendo sido então criada qualquer limitação de ordem substantiva para esse tipo de procedimentos, designadamente quanto à imposição da taxa legal para cálculo de juros vincendos após instauração da injunção, em detrimento da taxa eventualmente contratada pelas partes. 7) Apesar de Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro ter ao longo de duas décadas sofrido inúmeras alterações, o certo é que o seu núcleo essencial (com origem no antecedente DL 404/93 de 10 de Dezembro) manteve-se intacto: a concretização do princípio constitucional do acesso à justiça, consagrado como direito fundamental no artigo 20.º da Constituição, que tem como vertente primordial a protecção eficaz e em tempo útil dos direitos dos cidadãos. 8) O artigo 21º, nº 2, do aludido Dec. Lei nº 269/98, de 01/09, dispõe que a execução fundada em injunção tem como limites as importâncias a que se refere a alínea d) do artigo 13º do mesmo diploma. 9) A alínea d) do n.º 1 do artigo 13º do DL 269/98, de 1/9 mantém a redação inicial (de 1998), tendo então o legislador de forma expressa cuidado de prever tão só e apenas que são devidos juros de mora desde a data de apresentação do requerimento, sem no entanto fazer qualquer restrição ou menção a que os mesmos se encontram limitados à taxa de juro legal! 10) Não resulta pois da letra da lei nada que possa apoiar o entendimento de que os juros moratórios devidos não sejam aqueles que resultam do acto ou contrato que fundamentou a injunção, quando exista estipulação nesse sentido (no caso em apreço a taxa de 28,34% que o próprio Apelado, repete-se, reconheceu ser a taxa contratada), mas apenas os juros legais e, dentro destes, os civis. 11) O que tem vindo a ser entendido, e bem, pela mais recente jurisprudência, designadamente por este Venerando Tribunal (Acórdão 15/09/2022, no Proc. 25937/10.5T2SNT.L1-2) como pelo Tribunal da Relação de Coimbra (Acórdãos de 15.01.2019, no Proc.230/15.0T8PBL-A.C1, de 04.06.2019, no Proc. 6160/18.7T8CBR-B.C1 e 10.09.2019 ou no Proc. 5038/15.0T8CBR.C1) é que os juros que se hajam vencido desde a instauração do requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda podem ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção! 12) Aliás, mesmo a admitir-se por mera hipótese de patrocínio e sem conceder, que apenas seriam devidos juros de mora vencidos, após a apresentação do procedimento de injunção, calculados à taxa legal, sempre seria a taxa de juro legal comercial a aplicar e não a civil, cfr art. 102º § 3º do código comercial, na redação dada pelo DL 262/83, de 16 de Junho, dado a Exequente, ora Apelante ser uma empresa comercial. Facto que o Tribunal a quo igualmente desprezou! 13) Da mesma forma que o título (procedimento de injunção a que foi aposta fórmula executória) é válido e bastante para o reconhecimento do valor de capital e juros vencidos devidos (por mera indicação dos respectivos montantes e taxa aplicada por parte do requerente), também o será para os juros de mora que se vençam a partir da instauração do procedimento, independentemente de a taxa ser de 28,34% ou de 9,50% ou 4%. 14) Não se afigura assim à Apelante que a celeridade na obtenção deste título executivo em concreto, apenas por se tratar de um procedimento simplificado tenha levado o legislador a limitar o cálculo dos juros devidos a partir da instauração do procedimento à taxa legal, pois doutra forma teria que consignar a necessidade de indagar e analisar o acto ou contrato que fundamentou a injunção para determinar a taxa de juros aplicável, e consequente necessidade de recorrer a elementos externos ao título para apurar os limites da execução. 15) É que, em caso de discordância com o pedido ou os fundamentos do mesmo, o regime do DL 269/98, de 1/9 prevê sempre a possibilidade de o requerido uma vez notificado do procedimento poder deduzir oposição, levando a tal apreciação jurisdicional, a qual pode igualmente ser suscitada já em sede de execução, por via dos competentes embargos - e não como o fez o Executado, por via de reclamação da Nota de honorários e despesas elaborada pela Sr. Agente de Execução! 16) Pelo que, existindo assim norma expressa e não limitativa (artigo 13º, alínea a)) no âmbito do regime aprovado pelo Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, quanto aos juros vencidos após instauração do procedimento de injunção e até efectivo pagamento, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu limitando-a à taxa legal civil e que, assim, resulta, num indeferimento parcial da execução. 17) Se é certo que toda a acção executiva tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva – cfr. artº. 10, nº 5, do Código de Processo Civil, não deixa igualmente de ser verdade que não existe qualquer limitação legal para a taxa a aplicar aos juros de mora devidos nos procedimentos de injunção a que foi aposta fórmula executória, por oposição aos demais títulos executivos, designadamente a sentença proferida na acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, prevista no mesmo DL 269/98, de 1/9. 18) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 21º nº 2 e no artigo 13º nº 1, alínea d), do Regime aprovado pelo Decreto – Lei 269/98, de 1 de Setembro, violando expressamente o disposto nos artigos 559º, nº 2 e 806º, nº1 e nº 2, parte final ambos do Código Civil e art.º 102º § 3º do código comercial, na redação dada pelo DL 262/83, de 16 de Junho, como a própria interpretação constante do despacho recorrido dada aos citados preceitos do Decreto-Lei 269/98, de 1 de Setembro, constitui ainda uma violação dos princípios do acesso ao direito e da segurança jurídica constitucionalmente consagrados. Termos em que se pugna pela revogação do despacho recorrido em tal segmento decisório, substituindo-o por outro que julgue improcedente o requerido pelo Executado, ora Apelado e determine a prossecução da ação executiva até efetivo e integral pagamento do montante ainda em dívida! Assim decidindo, Venerandos Desembargadores, uma vez mais se fará a já costumada e devida JUSTIÇA!» * Foram apresentadas contra-alegações, com as seguintes conclusões: «Conclusões: A – A decisão do tribunal “a quo”, de 21/10/2020, é acertado e inquestionável. B – O presente recurso deve-se a três equívocos: um erro sistemático do agente de execução, sempre reclamado; a reação da exequente à acção declarativa de responsabilidade que o executado se preparava para intentar e intentou; a má decisão do meritíssimo juiz “a quo” atual. C – O executado cancelou o cartão que usava, ficou com uma pequena dívida, que sempre procurou pagar, por acordo. D – Sem acordo nas negociações com a exequente, esperou que a exequente obtivesse um título. E – Não contestou a dívida exigida na injunção, pois nunca contestou dívidas, sempres as pagou. F – Foi o executado quem pediu a renovação da instância, pedido ao qual o agente de execução deu seguimento. G – Chegados ao tempo dos pagamentos, tornava-se necessário fixar as condições, que do título emanavam. H – Foi nesse sentido que o douto despacho de 21/10/2020 foi proferido, fixando a taxa civil, desde a apresentação do requerimento injuntivo, acrescida de 5 %, a partir da aposição da fórmula executória. I – A nota discriminativa reformulada pelo agente de execução foi, em 23/10/2020, comunicada ao exequente e ao executado e ao tribunal. J – A exequente ficou nessa data a conhecer o despacho e da nota não reclamou. K – Apenas o executado reclamou dessa e doutras que se seguiram, sem haver qualquer reclamação delas por parte da exequente. L – Só muito mais tarde, em 14/07/2022, é que a exequente reagiu, quando ameaçada pela ação declarativa de responsabilidade civil, pelas ilegais comunicações que fazia à Central de Responsabilidades de Crédito do Banco de Portugal, e já depois dessa caricata situação de ter sido o executado chamado a elaborar a conta. M – Nesta altura, o meritíssimo juiz “a quo” atual perdeu o norte, e contra todas os habituais procedimentos, não chamou o executado ao contraditório, considerou-o notificado com a comunicação entre mandatários. N – O nº 1, do artigo 195º do C.P.C. não é aplicável, pois a própria exequente reconhece que conhece o despacho do qual interpõe agora recurso, embora diga que só o conhece em maio de 2022, o que é inteiramente falso, já que, pelo menos desde que ele foi proferido que o conhece, desde 23/10/2020, com a reformulação da nota discriminativa, da qual não reclamou. O – O capital inicial utilizado pelo executado é pequeno, apenas € 5.768,88. P – A presente execução está finda e foram pagos € 14.032,97. Q – Destes valores, a exequente recebeu € 10.787,44. R – A exequente teve uma rendibilização nominal de 86,99%, sem quaisquer dispêndios. S – Ainda que se considerasse os valores escassíssimos da inflação para o período dos pagamentos, a exequente teve uma rendibilização real de 74,59 %. T – Essa rendibilização real é equivalente a uma taxa real de 8,29 %, muito mais alta que a própria taxa nominal a que tinha direito – 6,5 % (5,2 % - taxa real). U – Ainda que o título não comporte outra solução, a decisão do então juiz “a quo” é acertadíssima. A exequente está mais do que ressarcida do capital utilizado pelo executado. V – Outra solução seria extremamente absurda. W – Deve, por isso, ser mantida a decisão proferida pelo despacho de 21/10/2020, por adequadíssima às circunstâncias reais do caso concreto. Termos em que, mantendo-se a decisão recorrida, por acertada e bem fundamentada, inequívoca quanto ao que emerge do título executivo, que outra solução não comporta, sob pena de, absurdamente e usurariamente, se distorcer uma execução já finda e totalmente paga, por iniciativa do próprio executado, que sempre pagou as suas dívidas, se fará a habitual e verdadeira JUSTIÇA» * O recurso foi admitido em 1ª instância. * Foram colhidos os vistos legais. * 2. Objecto do Recurso Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões da alegação do recorrente, abrangendo apenas as questões aí contidas (artºs 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do CPC). No seguimento desta orientação, cumpre fixar o objecto do presente recurso. Constitui questão a decidir: -saber se na execução que tenha como título executivo injunção a que foi aposta fórmula executória, os juros que se hajam vencido desde o requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda, deverão ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção. * 3. Fundamentação de Facto Os factos a considerar são os constantes do relatório. 4.Fundamentação de Direito Decidiu-se em 1ª instância que na execução de injunção apenas podem considerar-se juros de mora vincendos à taxa de juro legal, ficando excluída eventual taxa de juros de mora contratual. Como resulta do preâmbulo do DL 404/93, de 10/12, que instituiu o regime da injunção, resulta que com a sua aprovação se pretendeu pôr em prática uma «providência que permite que o credor de uma prestação obtenha de uma forma célere e simplificada um título executivo (…) quando se consubstancie no cumprimento de uma obrigação pecuniária», e hoje, alteradas e ampliadas que foram as potencialidades desse mecanismo pelos DL 269/98, de 1/9, 32/2003, de 17/2, e 107/2005, de 1/7, mantêm-se essas características. O objectivo foi conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias, desde que, verificando-se a notificação do requerido, este não deduzisse oposição. E tal ideia, em função do DL 32/2003, de 17/2 (que transpôs a Directiva nº 2000/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho para a ordem jurídica interna), foi ampliada para qualquer valor da dívida (art 7º/1 do DL 32/2003 na redacção do DL 107/2005, de 1/7) relativamente às transacções comerciais (que o referido diploma legal, enquanto tal, definiu). Nestas condições, esse procedimento não é sujeito a qualquer prévia apreciação jurisdicional, sendo-lhe aposta uma fórmula executória pelo próprio secretário judicial do tribunal territorialmente competente. Pretendeu-se, assim, simplificar, desburocratizar e agilizar a cobrança de dívidas. Dispõe o art. 7º, do Dec.Lei nº 269/98, que «considera-se injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o art 1º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo DL nº 32/2003, de 17/2». Nos termos do art.9º, nº1, «o requerimento de injunção é apresentado, num único exemplar, na secretaria judicial», dispondo o nº2, que «as formas de apresentação do requerimento são aprovadas por Portaria do Ministro da Justiça». Nos termos do art 10º, nº1, al. e) no requerimento deve o requerente «formular o pedido, com discriminação do valor do capital, juros vencidos e outras quantias devidas», referindo ainda na al f) que deve «indicar a taxa de justiça paga». Por sua vez, o nº1, do art.12º, prevê que «no prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão». O art.13º, nº1, al. c) dispõe, sob a epígrafe «conteúdo e efeito das notificações», que «a notificação deve conter a indicação de que, na falta de pagamento ou de oposição dentro do prazo legal, será aposta formula executória ao requerimento, facultando-se ao requerente a possibilidade de intentar acção executiva», e na sua al. d), «a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça paga pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da formula executória». O art.21º, a propósito da execução fundada em injunção, dispõe que «a execução tem como limites as importâncias a que se refere a al. d) do art 13º», ou seja, a quantia pedida, a taxa de justiça paga pelo requerente, os juros de mora desde a data da apresentação do requerimento e os juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória. Ora, na interpretação da norma do art. 10º, nº1, al. e) tem vindo a ser aceite que a expressão, «outras quantias devidas», «reporta-se, por exemplo, a despesas administrativas relativas ao contrato que nele tenham sido convencionadas, e não, vg, a juros de mora vincendos». [1] Dúvidas não se suscitam que não pagando o requerido a quantia reclamada e vindo o processo a prosseguir em função de oposição à injunção, o tribunal deve condenar o requerido em juros de mora vencidos e vincendos após a apresentação do requerimento de injunção, o mesmo acontecendo, por maioria de razão, quando o requerido, não tendo pago, não se tenha oposto à injunção e, por isso, o procedimento se tenha transformado em título executivo mediante a aposição da fórmula executória. Chegamos, então, à questão suscitada na presente apelação: a que taxa deverão ser contados estes juros de mora vencidos e vincendos após a apresentação do requerimento de injunção. Entendeu-se em 1ª instância que, sendo o título executivo um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória, o mesmo não há-de corresponder, aos contratos que haviam fundamentado aquele requerimento, mas sim ao próprio requerimento e, portanto, é com base no próprio requerimento de injunção que terão de ser definidos os juros. Sustenta-se, assim, que o terminus a quo do débito de juros de mora vincendos situa-se no momento da apresentação do requerimento de injunção na secretaria judicial ou na secretaria-geral de injunção, conforme os casos. A partir desse momento passam a ser contabilizados os juros de mora previstos na lei. Refere, porém, que a questão, in casu, não tem relevância porquanto não se poderão ter por incluídos os juros vincendos contratuais no âmbito do título executivo porquanto da exposição dos factos não consta qualquer referência aos juros vincendos e a taxa aplicável. Com tais fundamentos conclui que as quantias directamente abrangidas pelo título executivo são apenas as referenciadas no próprio (o que exclui quaisquer juros de mora a partir da data da apresentação do requerimento de injunção) e, por outro, que – não resultando directamente do título executivo – tais juros apenas poderão ser incluídos na execução na medida prevista pela lei (juros de mora civis desde a data da apresentação do requerimento e juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória). Adianta-se desde já que não se concorda com tal entendimento. No que à liquidação da obrigação concerne, diga-se desde já, que a exequente liquida a quantia exequenda e faz referência à taxa contratual não se podendo esquecer que os juros são devidos por força do art.13º, nº1, al. d) do Dec.Lei nº 269/98. Conforme se escreveu no acórdão da Relação de Coimbra de 15.01.2019, «I -Na execução que tenha como título executivo injunção a que foi aposta fórmula executória, os juros que se hajam vencido desde o requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda deverão ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção. II - Não há quaisquer motivos para aplicar ao título executivo em referência o disposto no nº 2 do art 703º CPC, onde se limita o exequente aos «juros de mora à taxa legal», quando a disposição especial constante do art 13º/1 al d) do DL 269/98 de 1/9, se refere apenas aos «juros de mora», sem os referenciar à taxa legal. III - Se assim não fosse, muito provavelmente os credores de obrigações pecuniárias não estariam dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para alcançar um título executivo, pois o preço que pagariam pela brevidade com que o alcançariam resultaria absorvido pela perda de juros de mora contratuais a que se sentem com direito, resultado que desincentivaria a utilização do mecanismo em causa, com que o legislador pretende alcançar objectivos relevantes numa economia de escala como aquela em que vivemos.».[2] No mesmo sentido se pronunciou a Relação de Coimbra no acórdão proferido em 10.9.2019, processo 5038/15.0T8CBR.L1. Salvador da Costa, alterando posição anteriormente defendida, escreveu, em abono da mesma posição: “Questiona-se sobre se os referidos juros de mora são os legais ou os que tenham sido convencionados pelas partes para o atraso de cumprimento das obrigações pecuniárias em causa. A alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º deste anexo, que se refere aos juros de mora vencidos como elemento a considerar a título de pedido formulado pelo requerente, nada expressa sobre se essa referência é reportada à taxa legal ou à taxa convencionada pelo requerente e pelo requerido. A alínea d) do n.º 1 do artigo 13.º deste anexo, referente ao débito do requerido quanto a juros de mora, também nada expressa quanto à sua quantificação à taxa legal ou à taxa convencionada pelas partes. Assim, não resulta das referidas normas subsídio algum para a solução desta problemática, porque não se referem à taxa legal nem à taxa contratual dos juros moratórios. Mas decorre do n.º 2 do artigo 703.º do Código de Processo Civil que se consideram abrangidos pelo título executivo os juros de mora à taxa legal da obrigação dele constante. A referida questão tem de ser resolvida, ao que parece, à luz daquela norma do n.º 2 do artigo 703.º do Código de Processo Civil e dos preceitos da lei substantiva atinentes à mora em geral. O normativo do n.º 2 do artigo 703.º do Código de Processo Civil é uma norma supletiva que só rege os casos em que as partes não tenham clausulado, nos contratos derivantes das respetivas obrigações pecuniárias, a taxa de juros moratórios devidos no caso de atraso do seu cumprimento. Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 806.º do Código Civil, nas obrigações pecuniárias, a indemnização pelo atraso de cumprimento corresponde aos juros a contar do dia da constituição do devedor em mora, que são os legais, salvo se as partes houverem estipulado juro moratório diferente. Isso significa, por um lado, que se as partes estipularem para as obrigações pecuniárias reportadas indemnização pelo atraso de cumprimento envolvente de uma taxa de juro moratório superior à legal, é ela que releva para todos os efeitos, e, por outro lado, que na falta convenção das partes sobre a taxa de juros de mora devida pelo atraso de cumprimento das obrigações pecuniárias se aplica na espécie a taxa legal de juros, variável consoante a natureza da relação jurídica material controvertida ajuizada e a qualidade dos respetivos sujeitos. Nesse quadro de variabilidade da taxa legal de juros, temos a supletiva geral, a supletiva relativa aos juros comerciais e a supletiva especial de juros comerciais da titularidade de empresas comerciais. Em suma, considerando o disposto no artigo 806.º, n.º 2, do Código Civil, nos casos em que as partes convencionarem uma taxa de juros moratórios superior à legal, é ela que releva para o efeito previsto na alínea e) do n.º 2 do artigo 10.º deste anexo e no normativo em análise, ao que não obsta o facto de o título executivo constituído pelo requerimento de injunção com a fórmula executória não ser o contrato em que as partes convencionaram a taxa de juros de mora. A causa de pedir no procedimento de injunção é integrada pelas declarações negociais das partes, incluindo as relativas aos juros de mora, e pelos factos reveladores do incumprimento do contrato pelo devedor; na execução, por seu turno, a causa de pedir envolve a factualidade relativa à obrigação exequenda refletida no título executivo. E o título executivo, constituído pelo requerimento de injunção com a fórmula executória, constitui a síntese da pretérita dinâmica do procedimento de injunção, envolvendo o incumprimento do contrato na globalidade das suas cláusulas, incluindo a da vertente dos juros devidos ao credor pelo devedor no caso de incumprimento por este da obrigação pecuniária em causa. Em suma, as taxas de juros moratórios que relevam para os referidos efeitos são as convencionadas pelas partes nos contratos que servem de causa de pedir aos procedimentos de injunção, ou, na falta dessa convenção, as taxas de juros legais”.[3] De tudo o exposto resulta que nada na lei retira ao credor que tenha accionado a efectivação do seu crédito através do recurso à injunção a possibilidade de cobrar do devedor os juros de mora à taxa contratual que tiver sido estipulada, desde que os reclame e demonstre. In casu, conforme decorre do relatório supra, a apelante invocou no requerimento injuntivo a taxa de juro moratória convencional – sem que tivesse sido contrariada pelo devedor, que não apresentou oposição no prazo previsto para o efeito. E no requerimento executivo a exequente novamente alegou tal taxa, procedendo à liquidação dos juros moratórios vencidos e reclamando o pagamento dos vincendos, até efectivo e completo pagamento – mais uma vez sem apresentação de oposição por parte do executado, no prazo legalmente destinado para o efeito e previsto no art.857º, nº1, do CPCivil. Nestes termos e fundamentos, e sem necessidade de maiores considerações por despiciendas, se decide que a apelação terá de proceder. 5. Decisão Em face do exposto, acordam os juízes que compõem a 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar o presente recurso de apelação procedente e, consequentemente, decidem revogar a decisão recorrida e determinar, em sua substituição, que a responsabilidade do executado perante a exequente, no que respeita aos juros de mora, seja liquidada à taxa contratual indicada no requerimento executivo. As custas da apelação, são a cargo do apelado, que nela decaiu. * Registe e Notifique. Ana Paula Nunes Duarte Olivença Rui Pinheiro de Oliveira Teresa Prazeres Pais _______________________________________________________ [1] João Vasconcelos Raposo e Luís Batista Carvalho, «Injunções e Acções de Cobranças», 2012, pág.113 [2] Ac. Rel. Coimbra, de processo n.º 230/15.0T8PBL-A.C1, in www.dgsi.pt [3] A Injunção e as conexas acção e execução, 8.ª edição, 2021, Almedina, p.152 a 154 |