Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | EZAGÜY MARTINS | ||
Descritores: | FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES CONVENÇÃO SOBRE A COBRANÇA DE ALIMENTOS NO ESTRANGEIRO IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/13/2011 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | I – A intervenção, subsidiária, do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, tem como “pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no art.º 189º da O.T.M. II - Nada tendo tal pressuposto que ver com a demonstração do insucesso da tentativa de cobrança dos alimentos devidos através dos mecanismos previstos na Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956. III - A dar-se como provado residir o progenitor da menor na Suíça – o que não se verifica – com fundamento nas declarações prestadas pela mãe da menor anteriormente à prolação da decisão que determinou a intervenção do Fundo, e que foram valoradas nessa decisão, nunca uma tal ausência do pai da menor no estrangeiro seria caso de insubsistência de um dos pressupostos subjacentes à atribuição da prestação a cargo do Fundo de Garantia, nem estaria em qualquer caso verificada a impossibilidade superveniente da lide. IV - Também a hipotética permanência do pai da menor na Suíça não implicaria, por si só, a percepção pelo mesmo de rendimentos que permitam efectivar a cobrança dos alimentos que foi condenado a prestar. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação I – Por apenso aos autos de regulação do exercício do poder paternal relativo à menor “A”, nascida a 02/12/2001, filha de “B” e “C”, foi processado incidente de incumprimento na vertente alimentar, nele se decidindo: “a) julgar verificado o incidente de incumprimento nos termos em que foi suscitado, com o reconhecimento da falta do pagamento por parte do Requerido das prestações de alimentos no montante total de Euros 5.075,00 (cinco mil e setenta e cinco euros) até Janeiro de 2005 (inclusive); b) declarar a extinção da instância relativa ao incidente de incumprimento por impossibilidade superveniente da lide.”. E, na sequência do que requerido fora pela Curadora de Menores, no sentido da intervenção do Fundo de Garantia de Alimentos devidos a Menores, mais se decidiu fixar “em Euros 175,00 (cento e setenta e cinco euros) o valor a suportar pelo Fundo de Alimentos devidos a Menores constituído no âmbito do Ministério do Trabalho e da Solidariedade, valor que deverá ser remetido directamente à mãe da menor enquanto se se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e a falta de pagamento por parte do pai da menor, enquanto obrigado a alimentos, e subsistir a situação de menoridade desta.” Isto, assim, depois de se haver consignado que “A fatualidade assente fundamenta-se (…) nos documentos de fls. (…) 61 e 64 (…) deste processo, não se levantando qualquer dúvida ao Tribunal sobre a veracidade do conteúdo dos mesmos.”. E que “não se vislumbrou, no âmbito do incidente de incumprimento, qualquer possibilidade de pagamento, pela via coerciva, das prestações devidas pelo pai da menor.”. Tudo nos termos que de folhas 78 a 89 constam. Sendo que o “documento” de folhas 64 é nada mais nada menos que a “acta de declarações” prestadas pela mãe da menor, em 2003-07-03, nas quais aquela referiu que “A última notícia que teve do Requerido foi a que o mesmo teria viajado para a Suíça, com toda a sua família, onde iria requerer asilo político.”. Posteriormente a tais decisões, que não foram impugnadas, foram tendo lugar sucessivas renovações, “ao abrigo do art.º 3º da Lei 75/98, de 19/11, e 9º do Dec.-Lei 164/99, de 13-5”, da “manutenção dos pagamentos fixados, a cumprir pelo FGADN”. Até que, requerendo a mãe da menor, uma vez mais, em 2010-10-07, a renovação da “Fixação das prestações a pagar pelo fundo de garantia de alimentos devidos a menor”, nos termos que de folhas 200 se alcançam, foi proferido, em 2011-03-15, a folhas 209, despacho com o seguinte teor: “Compulsados os autos constata-se que a requerente informou que progenitor residia na Suíça (fls. 64). A cobrança de alimentos no estrangeiro, designadamente na Suíça, pode ser obtida, nos termos da Convenção sobre Cobrança de Alimentos no Estrangeiro, junto da Direcção-Geral da Administração da Justiça, que funciona como Autoridade Expedidora e Instituição Intermediária. Esta Convenção tem por objecto facilitar a uma pessoa que seja credora de alimentos e se encontre no território de uma das Partes Contratantes, a prestação de alimentos a que se julgue com direito em relação a outra (devedora), que esteja sob a jurisdição de outra Parte Contratante. Notifique.”. Ao qual correspondeu a progenitora da menor, em requerimento de 2011-04-05, a folhas 212, no qual, e designadamente, dá notícia de que “estive na Direcção Geral da administração da justiça, a propósito de se tentar com que a pensão de alimentos parta do progenitor “B”, que se encontra na Suiça. De facto é que já se passaram alguns anos, desde que eu declarei ao tribunal de Loures a ida do mesmo para o estrangeiro. Más com a demora das tomadas de decisões e o andamento do processo em si, a muito que não sei nada sobre o pai da menor, “A”. Desde a última vês que fiquei a saber, através de uma irmã do progenitor, que este tinha partido para a Suiça e denunciei ao tribunal, nunca mais tive novidades sobre o mesmo. De facto não sei se trabalha, não sei em que lugar da Suiça é que ele se encontra e se ainda lá permanece.”. Vindo a ser proferido, em 2011-04-11, a folhas 218, o seguinte despacho: “Uma vez que o progenitor dos menores reside na Suíça, a requerente deverá diligenciar pela cobrança dos alimentos junto da Direcção-Geral da Administração da Justiça. Termos em que julgo extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide (art° 287°, a., e), do CPC e art° 161°, da OTM), e ordeno o oportuno arquivamento dos autos.”. Inconformado, recorreu o M.º P.º, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: “1° - Por sentença, proferida em 13/1/2005, foi fixado o valor de € 175 a suportar pelo FGADM, valor que deverá ser remetido à progenitora da menor enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e a falta de pagamento por parte do pai da menor, enquanto obrigado a alimentos, e subsistir a situação de menoridade desta; 2° - O montante fixado pelo tribunal perdura enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até ao início do efectivo cumprimento da obrigação de alimentos pela pessoa judicialmente obrigada ou até que cesse a obrigação a que esta pessoa está obrigada; 3º - Ainda que o progenitor da menor estivesse na Suíça, realidade que se desconhece e que tão pouco se provou, tal circunstância não releva para fazer cessar a obrigação a cargo do FGADM; 4° - O despacho impugnado violou as disposições constantes do art.° 24.°, n.° 1, e 69.°, n.°s 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e os art.° 1.° e 3°, n.° 4, da Lei n.° 75/98, de 19/11, e art.° 3.°, n.° 1, e 9.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 164/99, de 13/5.”. Não houve contra-alegações. II- Corridos os vistos legais, cumpre decidir. Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objecto daquele – vd. art.ºs 684º, n.º 3, 690º, n.º 3, 660º, n.º 2 e 713º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil - é questão proposta à resolução deste Tribunal, a de saber se colhe o fundamento invocado no despacho recorrido para julgar finda a intervenção do Fundo de Garantia. * Com interesse, emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra, em sede de relatório. * Vejamos. 1. Como se alcança do disposto no art.º 1º da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro – que institui a garantia dos alimentos devidos a menores – trata-se de assegurar as prestações previstas no diploma, até ao efectivo cumprimento da obrigação de alimentos a menor residente em território nacional, “Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar” aqueles “não satisfizer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Decreto-lei n.º 314/78, de 27 de Outubro, e o alimentando não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre.”. Reiterando-se, no art.º 3º, n.º 1, alínea a), do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio – diploma que, nos termos do seu art.º 1º, “Regula a garantia de alimentos devidos a menores prevista na Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro” – um tal pressuposto de atribuição de “prestação de alimentos”. E estabelecendo-se, no art.º 3º, n.º 4, da referida Lei, como no art.º 9º, n.º 1, do também citado Dec.-Lei, o princípio de que “O montante fixado pelo tribunal mantém-se enquanto se verificarem as circunstâncias subjacentes à sua concessão e até que cesse a obrigação a que o devedor está obrigado” (sic). Nos termos do art.º 9º, n.º 4, do mesmo Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, “A pessoa que receber a prestação deve, no prazo de um ano a contar do pagamento da primeira prestação, renovar, perante o tribunal competente, a prova de que se mantêm os pressupostos subjacentes à sua atribuição.”. E de acordo com o n.º 5 do mesmo art.º, “Caso a renovação da prova não seja realizada, o tribunal notifica a pessoa que receber a prestação para a fazer no prazo de dez dias, sob pena de cessação desta.”. Já na pendência do incidente, foi publicado o Dec.-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho, que nada alterou no particular da renovação das prestações em causa, sem embargo de o seu art.º 16.º ter dado nova redacção ao art.º 3º do Decreto -Lei n.º 164/99, de 13 de Maio: “1 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2 — . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 — O conceito de agregado familiar, os rendimentos a considerar e a capitação de rendimentos, referidos no número anterior, são calculados nos termos do Decreto-Lei n.º 70/2010, de 16 de Junho. 4 — (Anterior n.º 3.)”. Por seu lado, a Convenção Sobre a Cobrança de Alimentos no Estrangeiro – concluída em Nova Iorque em 20 de Junho de 1956, e aprovada, para adesão, pelo art.º único do Dec.-Lei n.º 45942, de 28 de Setembro de 1964 – “tem por objecto facilitar a uma pessoa, designada aqui como credora, que se encontra no território de uma das Partes Contratantes, a prestação de alimentos a que se julgue com direito em relação a outra, designada aqui como devedora, que está sob a jurisdição de outra Parte Contratante, cfr. art.º 1º, n.º 1. 2. Como também refere J. P. Remédio Marques,[1] a intervenção, subsidiária, do Fundo tem como “pressuposto legitimador a não realização coactiva da prestação alimentícia já fixada através das formas previstas no art.º 189º da O.T.M.”. Assim “o Ministério Público ou a pessoa à guarda de quem o menor se encontre devem alegar e provar o exercício, sem sucesso ou só parcialmente sucedido, das vias pré-executivas, constantes do citado normativo, ou que esse exercício nem, tão-pouco, é possível na medida em que o devedor não aufere qualquer dos rendimentos aí mencionados. Não é preciso que o requerente mostre que, em execução especial por alimentos (art.º 1118º e segs. Do C.P.C.), não foi possível realizar coactivamente a prestação de alimentos.”. Tais instrumentos pré-executivos são a dedução das quantias em dívida no vencimento, ou no ordenado ou salário – consoante a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos for funcionário público, empregado ou assalariado – ou, tratando-se de pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, nessas prestações. O que, como é meridiano, nada tem que ver com a demonstração do insucesso da tentativa de cobrança dos alimentos devidos através dos morosos mecanismos previstos na sobredita Convenção. E que passam pela organização de todo um processo, a transmitir pela autoridade expedidora à instituição intermediária designada pelo Estado do devedor, cfr. art.ºs 2º a 6º. Posto o que, logo por isso, não poderia a eventual residência na Suíça do progenitor da menor, obstaculizar por si só, à requerida renovação de prova da manutenção dos pressupostos que subjazeram à deferida atribuição da prestação subsidiária em causa. 3. Mas, para além disso, ponto é que, como decorre do que se deixou consignado supra, diversamente do pretendido na decisão recorrida, nem se dá o caso de estar assente nos autos que “o progenitor da menor reside na Suíça”. Em parte alguma do processado se afirma a correspondente situação de fato. Sequer constando dos mesmos autos que – como também se pretendeu no despacho de 2011-03-15, antecedente do despacho recorrido – a mãe da menor haja informado “que o progenitor residia na Suíça”. O que, e mais exactamente, aquela referiu, nas declarações registadas a folhas 64, foi, recorda-se, que “A última notícia que teve do Requerido foi a que o mesmo teria viajado para a Suíça, com toda a sua família, onde iria requerer asilo político.”. Coisa diversa, como é óbvio – e desde logo pelo assim hipotético da viagem e da finalidade da mesma – da afirmação da realidade e actualidade da residência do pai da menor naquele país. Acrescendo ter a mãe da menor, notificada do mesmo despacho de 2011-03-15, vindo deixar bem claro que não sabe se o pai daquela trabalha, não sabe em que lugar da Suiça é que ele se encontra e se ainda lá permanece. 4. Finalmente, a estar provado residir o progenitor da menor na Suíça – o que como visto não se verifica – não seria caso de insubsistência de um dos pressupostos subjacentes à atribuição da prestação a cargo do Fundo de Garantia, nem estaria em qualquer caso verificada a impossibilidade superveniente da lide… 4.1. Considerando o teor do despacho imediatamente antecedente do ora recorrido, logo se alcança concluir-se neste “que o progenitor da menor reside na Suíça”, do teor das já referidas declarações da mãe da menor, registadas em acta, a folhas 64. Ora a correspondente assentada data de 2003-07-03. Sendo a decisão que fixou “o valor a suportar pelo Fundo de Alimentos devidos a Menores”, datada de 2005-01-13. E nela, com igualmente visto já, fundamentou-se a decisão quanto à matéria de fato – em particular no tocante a não serem “conhecidos ao pai do menor, quaisquer bens, rendimentos, pensões ou subsídios” (ponto n.º 4 da matéria de fato, a folhas 82) – também, nas referenciadas declarações. Tendo-se pois que a deverem-se tomar as declarações prestadas em 2003-07-03, com o sentido agora pretendido no despacho recorrido, então sempre se trataria – a residência do progenitor na Suíça – de circunstância já considerada na decisão que fixou a prestação a efectuar pelo Fundo de Garantia. Resultando por isso não equacionável, com base naquela, a insubsistência de qualquer dos pressupostos da determinada intervenção do Fundo. Para além de a hipotética permanência do pai da menor na Suíça não implicar, por si só, a percepção pelo mesmo de rendimentos que permitam efectivar a cobrança dos alimentos que foi condenado a prestar. 4.2. Igualmente, e nessa linha, se não verificando qualquer impossibilidade superveniente no tocante à renovação da prova da subsistência daqueles pressupostos. A “impossibilidade superveniente da lide”, causa de extinção da instância prevista no art.º 287º, alínea e), 1ª parte, do Código de Processo Civil, “dá-se quando, por fato ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo”.[2] Ora, como é bom de ver nenhum desses casos se verifica na situação hipoteseada nos autos. Do que se trata afinal, no despacho recorrido, é de – acarretando necessariamente o erro de julgamento na decisão que fixou o valor da prestação a efectuar pelo Fundo de Garantia – obstar à renovação da prova relativa à subsistência dos pressupostos de tal fixação, erigindo em impossibilidade superveniente da lide…circunstância presente e valorada aquando daquela primeira decisão. 5. Dir-se-á ainda que violando o disposto nos art.ºs 3º, n.º 4, da Lei n.º 75/98, de 19 de Novembro, e 9º, n.º 1 , do Dec.-Lei n.º 164/99, de 13 de Maio, a decisão recorrida afronta do mesmo passo o caso julgado formado pela anterior decisão determinante da intervenção do Fundo, fora dos casos previstos naqueles normativos. * Procedendo, nesta conformidade, as conclusões do Recorrente. * III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente, e revogam a decisão recorrida, devendo a 1ª instância apreciar – sem prejuízo de outras diligências probatórias ou esclarecimentos que porventura julgue necessários – a requerida renovação de prova da manutenção dos pressupostos subjacentes à atribuída prestação de alimentos a cargo do Estado. Sem custas. Lisboa, 13 de Outubro de 2011 Ezagüy Martins Maria José Mouro Maria Teresa Albuquerque ---------------------------------------------------------------------------------------- [1] In “Algumas notas sobre alimentos devidos a menores”, Coimbra Editora, 2000, págs. 222-223. [2] José Lebre de Freitas, João Redinha, Rui Pinto, in “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, pág. 512. |