Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8470/20.4T9LSB-A.L1-5
Relator: PAULO BARRETO
Descritores: NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO
ASSISTENTE
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL EM SEPARADO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I–O ponto IV do despacho de acusação não tem fundamento legal, na medida em que, quando foi deduzida a acusação, a recorrente já era assistente, e não lesada, pelo que não lhe seria aplicável o n.º 2, do art.º 77.º, do CPP. Muito menos o prazo de 30 dias (sempre seria de 20).


I–Se a assistente tivesse sido pessoalmente notificada do despacho de acusação nos termos daquele ponto IV, sempre poderia ficar com a convicção que seria de 30 dias o prazo para deduzir pedido de indemnização cível. E, em nome dos princípios da confiança, da boa-fé processual, da segurança jurídica e de um processo equitativo, admite-se que tal convicção teria que ser tida em conta. Por exemplo, podia a assistente, contando com tal prazo, se dirigir tardiamente ao Mandatário para apresentar eventual documentação subjacente ao pedido cível. Mas a verdade é que a assistente não foi pessoalmente notificada, pelo que não ficou com convicção nenhuma.


III–Vejamos as consequências da não notificação da acusação pública à assistente. Não consta do elenco das nulidades insanáveis – cfr. a contrario art.º 119.º, do CPP. Resta então uma nulidade sanável ou dependente de arguição, no caso a da al. c), do n.º 3, do art.º 120.º do CPP. Assim, tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. Não tendo sido arguida, considera-se sanada.

IV–Só o Mandatário da assistente foi notificado. Que é um profissional do foro, conhece a lei. Este destinatário não pode ter a expectativa e confiança jurídicas de um homem médio, leigo em leis. E, como tal, sabe perfeitamente que o pedido de indemnização cível deve ser deduzido na acusação particular, a apresentar no prazo de 10 dias após a notificação da acusação do MP (cfr. artigos 77.º, n.º 1 e 284.º, n.º 1, ambos do CPP).

(Sumário da responsabilidade do relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


No Juiz 12 do Juízo Local Criminal de Lisboa, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, foi proferido, em 16.01.2024, o seguinte despacho:

“ Do pedido de indemnização civil deduzido por AA a fls. 1128:
Compulsados os autos, a Demandante foi constituída na qualidade de Assistente por despacho proferido a 17 de Novembro de 2020.
A Assistente deduziu acusação particular em 22 de Março de 2023.
O Pedido de Indemnização Cível deu entrada nos autos a 14 de Abril de 2023.
Considerando que, aquando da notificação da acusação, já a assistente havia sido constituída para intervir nos autos nessa qualidade, o prazo para a dedução do pedido de indemnização civil pela assistente é o previsto no nº 1 do artigo 77º, ou seja, 10 dias, em conjugação com o disposto no artigo 284º, nº 1 ambos do Código de Processo Penal
Com efeito, se deduzir acusação, o assistente deve utilizar a peça acusatória para nela incluir o pedido de indemnização civil.
Se não deduzir acusação, pretendendo obter indemnização, terá de deduzir o pedido civil em requerimento autónomo, mas sempre dentro do prazo em que a acusação poderia ter sido deduzida.”1
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, não admito o pedido de indemnização civil apresentado pela Assistente AA, a fls. 1128, por ser extemporâneo.
Notifique.
Lisboa, ds.
1 acórdão do STJ, de 05.06.2003 in https://www.verbojuridico.net/j”
*

Inconformada, a assistente AA interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:
1.–Por despacho de fls, o Tribunal a quo não admitiu o pedido de indemnização civil apresentado pela Assistente, a fls. 1128, por ser extemporâneo (…)”
2.–Está em causa a admissibilidade, ou não, de dedução de Acusação Particular e Pedido de Indemnização Civil em dois articulados separados ou, exposto de outra maneira, a existência de normativo que proíba tal apresentação em dois articulados autónomos.
3.–Por outro lado importará verificar se efectivamente tal prazo para apresentação do Pedido de Indemnização Civil estava ainda ou não a correr.
4.–Ora, tal como resulta da consulta dos Autos, a Assistente apresentou a sua Acusação Particular (a 22 de Março de 2023) e Pedido de Indemnização Civil (a 20 de Abril de 2023) em articulados autónomos.
5.–A este propósito, importa ter em consideração os preceitos legais relativos às regras gerais sobre notificações (art. 113.º do CPP), sobre a formulação do pedido de indemnização civil (art. 77.º do CPP) e sobre a dedução de acusação particular (284.º do CPP).
6.–Da análise dos referidos preceitos resulta que efectivamente o prazo para dedução de acusação particular é de até 10 dias após a notificação da acusação (Art. 284.º nº1 - Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles”), assim como igualmente é admitido ao Assistente a dedução de Pedido de Indemnização Civil no mesmo prazo (Art. 77.º nº 1 - 1 - Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada).
7.–A Lei prevê a possibilidade de dedução do pedido na acusação ou, em requerimento articulado, no mesmo prazo que aquela, e ampliando tal prazo para 20 dias no caso de Lesados que não se hajam constituído assistentes (Art. 77.º nº 2 - O lesado que tiver manifestado o propósito de deduzir pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º, é notificado do despacho de acusação, ou, não o havendo, do despacho de pronúncia, se a ele houver lugar, para, querendo, deduzir o pedido, em requerimento articulado, no prazo de 20 dias.) não impondo que caso o faça em separado tenha de prescindir da Acusação Particular.
8.–Para conhecer da temporaneidade ou não do referido pedido, importa ter em consideração o momento da notificação da Assistente da acusação, sendo que a tal propósito encontramos no Artigo 113.º sob a epigrafe “Regras gerais sobre notificações” – em concreto no seu número 10 que “As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coacção e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.”
9.–Ora, resulta que o prazo para a prática de acto processual subsequente à notificação – in casu – da Acusação se contará sempre da data da Parte Interveniente (Assistente ou seu mandatário – mas sempre o último destes).
10.–É precisamente tal ressalva que o legislador imprime na parte final do referido preceito: (…) ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, (…), as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar”.
11.–Efectivamente, compulsados os Autos verifica-se que a Assistente não foi notificada da Acusação (até à presente data), ao contrário do que imporia o art. 113.º nº 10 CPP, pelo tendo em conta tal omissão o prazo para a prática do referido acto não teria ainda decorrido.
12.–Assim, o referido Pedido de Indemnização Civil ter-se-á de considerar como temporâneo, quando o faz, a 20 de Abril de 2023, pois está em causa a omissão da prática de acto que a Lei obriga e cuja sua falta, até à sanação, viabiliza – sme – a temporaneidade do Pedido.
13.–Relativamente à admissibilidade (ou não), da dedução em separado de Acusação Particular e de Pedido de Indemnização Civil (artigos 284.º e Artigo 77.º do CPP), e salvo o sempre devido respeito por melhor opinião, a Lei não obriga a que os referidos pedidos sejam deduzidos no mesmo articulado admitindo-se em alternativa “(…) o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada”.
14.–Ora, tendo em consideração o supra exposto relativamente à temporaneidade da dedução do pedido de indemnização civil por o prazo não ter, à data, terminado (vg. O Histórico dos Actos Processuais via Habilus.Citius e a falta de notificação da Assistente), importará – pois – saber que o Legislador quis proibir a apresentação autónoma de Pedido de Indemnização Civil.
15.–Se é certo que por uma questão de facilidade processual, em processos pouco complexos, pode a Constituição de Assistente, Acusação Particular e Pedido de Indemnização Civil seguir no mesmo articulado, igualmente será de aceitar, em processos mais demorados ou complexos, que tais requerimentos sejam apresentados autonomamente.
16.–A constituição de assistente pode ser requerida a todo o tempo, desde o início do inquérito, sendo que a apresentação do pedido de indemnização civil poderá ser apresentado em momento anterior à acusação sem que o mesmo seja posto em crise.
17.–De facto, a apresentação, ou não, em requerimentos autónomos não é proibida pela Lei penal nem a Lei sanciona tal apresentação autónoma apenas impondo a forma –“(…) em requerimento articulado(…)”, e o prazo “(…) no prazo em que esta [a acusação particular] deve ser formulada”.
18.–Efectivamente, pode tal pedido ser apresentado juntamente com a Acusação quando exista coincidência dos exactos mesmos factos, quer por facilidade de exposição quer por identidade de intervenientes.
19.–Mas havendo outras partes (demandados) que não figuram como arguidos, e cujos factos igualmente são distintos dos da acusação igualmente há de se aceitar que tal peça (em conjunto com os restantes demandados) possa ser elaborada em separado da acusação particular.
20.–Efectivamente a Lei não proíbe a apresentação em distintos articulados, como importará sublinhar e reter.
21.–A Lei não obriga – sob pena de rejeição – a sua apresentação em simultâneo (no mesmo requerimento nem estipula que sendo apresentado em requerimentos distintos, o primeiro ou o segundo a ser “carimbado” pela secretaria seja rejeitado.
22.–Não poderá, pois, o aplicador rejeitar uma das peças - Acusação Particular ou Pedido de Indemnização Civil, por uma ter dado entrada antes da outra, mas sempre antes da notificação da Assistente e, consequentemente, em prazo.”

A arguida BB veio apresentar resposta, sem apresentar conclusões, sustentando a improcedência do recurso.
*

O recurso foi admitido, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo.

Uma vez remetido a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido de que o Ministério Público carece de interesse em agir.

Foi cumprido disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP.

Proferido despacho liminar e colhidos os “vistos”, teve lugar a conferência.
*

II–Objecto do recurso
De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.
É o seguinte o fundamento do recurso: (i) deve ser revogado o despacho recorrido e a decisão deve ser alterada no sentido de se admitir o pedido de indemnização civil da recorrente.
*

III–Fundamentação
Os assistentes são sempre representados por advogados – art.º 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Quando apresentado pelo Ministério Público ou pelo assistente, o pedido é deduzido na acusação ou, em requerimento articulado, no prazo em que esta deve ser formulada – art.º 77.º, n.º 1, do CPP.

Até 10 dias após a notificação da acusação do Ministério Público, o assistente pode também deduzir acusação pelos factos acusados pelo Ministério Público, por parte deles ou por outros que não importem alteração substancial daqueles – art.º 284.º, n.º 1, do CPP.

As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar – art.º 113.º, n.º 10 do CPP.
Apesar de se reconhecer que não há unanimidade na jurisprudência, é nosso entendimento que desta última norma resulta a obrigatoriedade de notificar o assistente e o seu advogado da dedução da acusação pública. Não se consegue ir contra o argumento literal.

Não obstante, mesmo que assim se não entenda, resulta o seguinte da parte final do despacho de acusação pública:
“Nos termos do artigo 277.º, n.ºs 3 e 4, ex vi, artigo 283.º, n.º 5 e 6, ambos do Código de Processo Penal, comunique a acusação, notificando ainda os arguidos da possibilidade de requerer a instrução no prazo de vinte dias [art. 287º, nº 1, do mesmo diploma legal] aos:
I.–Arguidos, mediante carta, enviada via postal simples (artigo 283.º, n.º 6 e 113.º, n.º 1 alínea c) e n.º 3, ambos do Código de Processo Penal);
III.–Defensores e Advogados, por via postal registada; e
IV.–Assistente, por via postal simples (artigo 277.º, n.º 4, al. c) do CPP), sendo advertido que, no prazo de 30 dias, querendo, pode deduzir pedido de indemnização cível em requerimento articulado – artigos 68.º, n.º 1 alínea c) e 77.º, n.º 2 do CPP.”

No ponto IV foi ordenada a notificação pessoal da assistente. Que nunca foi efectuada, é certo.

Aliás, e relativamente ao Mandatário da assistente, também não houve notificação por via postal registada, mas sim pessoalmente, como se comprova do seguinte termo lavrado no processo: “Em 08-03-2023, notifiquei pessoalmente o Sr. CC, mandatário da assistente, do despacho final proferido no âmbito dos presentes autos, ao qual entreguei cópia do mesmo. De como a recebeu, de tudo disse ficar ciente e vai assinar.”.

Vejamos as consequências da não notificação da acusação pública à assistente.

Não consta do elenco das nulidades insanáveis – cfr. a contrario art.º 119.º, do CPP. Resta então uma nulidade sanável ou dependente de arguição, no caso a da al. c), do n.º 3, do art.º 120.º do CPP. Assim, tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito. Não tendo sido arguida, considera-se sanada.
Prosseguindo.
O ponto IV supra referido não tem fundamento legal, na medida em que, quando foi deduzida a acusação, a recorrente já era assistente, e não lesada, pelo que não lhe seria aplicável o n.º 2, do art.º 77.º, do CPP. Muito menos o prazo de 30 dias (sempre seria de 20).
Não obstante, se a assistente tivesse sido pessoalmente notificada do despacho de acusação nos termos daquele ponto IV, sempre poderia ficar com a convicção que seria de 30 dias o prazo para deduzir pedido de indemnização cível. E, em nome dos princípios da confiança, da boa-fé processual, da segurança jurídica e de um processo equitativo, admite-se que tal convicção teria que ser tida em conta. Por exemplo, podia a assistente, contando com tal prazo, se dirigir tardiamente ao Mandatário para apresentar eventual documentação subjacente ao pedido cível.
Mas a verdade é que a assistente não foi pessoalmente notificada, pelo que não ficou com convicção nenhuma.
Só o seu Mandatário foi notificado. Que é um profissional do foro, conhece a lei. Este destinatário não pode ter a expectativa e confiança jurídicas de um homem médio, leigo em leis. E, como tal, sabe perfeitamente que o pedido de indemnização cível deve ser deduzido na acusação particular, a apresentar no prazo de 10 dias após a notificação da acusação do MP (cfr. artigos 77.º, n.º 1 e 284.º, n.º 1, ambos do CPP).

Não se vislumbra, assim, a invocada temporaneidade de um pedido de indemnização cível deduzido, em requerimento autónomo, posterior à apresentação da acusação particular.
Improcede, sem mais, o recurso.
*

IV–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso, declarando-o totalmente improcedente.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.


Lisboa, 21 de Maio de 2024


Paulo Barreto
Sara Reis Marques
Luísa Oliveira Alvoeiro