Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PAULA NUNES DUARTE OLIVENÇA | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA INCAPACIDADE JUDICIÁRIA DEVER OFICIOSO DE SANAR A EXCEPÇÃO OMISSÃO DE DEVER | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 02/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
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Sumário: | 1. Não cumpre declarar extinta a instância por deserção - falta de impulso processual -, a acção na qual são notificadas duas das AA. para ao abrigo do princípio da cooperação, diligenciarem junto do representante legal da terceira A., declarada incapaz no decurso da mesma, para vir aos autos informar do seu interesse em prosseguir com a lide e, em caso afirmativo, para realizar as diligências necessárias designadamente constituindo mandatário (sendo o patrocínio obrigatório) e estas nada informam ou requerem; 2. A incapacidade judiciária, tratando-se de excepção dilatória (art.577º, al.c) do CPCivil), pode ser sanada a todo o tempo pela intervenção do representante legítimo do incapaz; 3. Incumbe ao juiz da causa diligenciar oficiosamente pelo suprimento da excepção da incapacidade judiciária em obediência ao disposto no art.28º do CPCivil; 4. A inobservância de um dever importa, em regra, uma sanção, v.g. a aplicação duma multa (artº 417º, nº 2, do CPCivil); o não exercício dum direito pode envolver a sua extinção ou, no âmbito processual, a sua preclusão. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam as Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. Relatório A, B., C, intentaram contra «D-Companhia de seguros, S.A.» e contra «E - Companhia de Seguros, S.A.», acção declarativa de condenação a seguir a forma de processo comum, pedindo a condenação destas no pagamento de € 840.000,00 a titulo de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido dos respectivos juros. Alegaram, em síntese, que no dia 28 de Abril de 2010, pelas 21.20 horas, na AI, junto ao Km 3,250, em …, ocorreu um acidente de viação, envolvendo o veiculo QN, no qual eram transportadas como passageiras, e o veiculo OH, do qual resultaram danos para cada uma delas pelos quais pretendem ser ressarcidas. * Devidamente citadas, as RR apresentaram contestação, impugnando os factos alegados, colocando em causa a dinâmica e causas do acidente e os danos, e mais arguindo a exceção da prescrição pedindo, a final, a improcedência da acção. * A 30 de Setembro de 2020 foi proferida decisão julgando procedente a exceção de prescrição invocada por ambas as RR. e, em consequência, absolvendo as RR. dos pedidos formulados pelas AA.. * Não se conformando com tal decisão, interpuseram as AA. recurso com fundamento na sua nulidade por ter conhecido da excepção da prescrição sem prévia convocação da audiência prévia ou assim não se entendendo, defendendo não ter decorrido o prazo de prescrição. * Por acórdão de 22.06.2021, decidiu este Tribunal da Relação de Lisboa anular a sentença recorrida, determinando a realização de audiência prévia ou a prolacção de despacho fundamentado, dispensando-a. * Em conformidade, no dia 15.02.2022, realizou-se audiência prévia no decurso da qual foi dado a conhecer pela mandatária das AA. que, relativamente à A. B, teria sido proferida por Tribunal Belga, sentença de maior acompanhado, ou equivalente, podendo estar em causa a capacidade desta para intervir por si só em juízo. * Nessa sequência e por tal motivo, o tribunal adiou a realização da diligência, até que se mostrasse sanada tal irregularidade, notificando para tanto as restantes AA., para que viessem juntar aos autos a respectiva sentença estrangeira, devidamente traduzida. * As AA. deram cumprimento ao decidido, requerendo a junção aos autos da sentença e respectiva tradução, por requerimento de 09.06.2022. * Tal sentença mostra-se junta aos autos, devidamente traduzida, da mesma constando que a A. B foi declarada «incompetente» para, entre outros actos, actuar em juízo como autora ou ré, devendo ser representada pela administradora da pessoa e bens aí nomeada e, com as restrições aí constantes. Ref. citius.12142900 * Nessa sequência, em 30.06.2022 foi prolatada a seguinte decisão: «Das sentenças cuja tradução foi junta pela Ilustre Advogada verifica-se que B (que tudo indica ser a A. B) foi declarada incapaz, entre outros actos, para actuar em juízo como autor ou como réu, tendo sido nomeada administradora da sua pessoa e bens a Srª Drª …, advogada com escritório em …, sendo que esta deve solicitar autorização especial ao Juiz de Paz (que no país onde reside a protegida B, é o órgão competente) para representação legal da pessoa protegida como demandante em processos e acções judiciais (cfr. págs. 6 e 7 do doc. 2 junto com o requerimento refª 12142900). Em face disso haverá que concluir pela caducidade do mandato conferido pela A. B à Sra Dra … (que mantém o mandato das restantes AA.). Por outro lado, e tendo em vista que as AA. A e C são familiares da A. B e que as mesmas têm interesse processual no prosseguimento da causa, determina-se a notificação das mesmas para, ao abrigo do princípio da cooperação, diligenciarem junto da nomeada administradora da pessoa e bens de B no sentido de a mesma manifestar a sua posição quanto ao interesse (ou não) da sua representada na manutenção desta lide e, em caso afirmativo, para realizar as diligências necessárias no âmbito do direito belga que viabilizem o prosseguimento da acção por parte da A. B, designadamente constituindo mandatário forense nesta acção, a qual nos termos legais carece de patrocínio por parte de advogado. Notifique.» * Devidamente notificadas daquele despacho, na pessoa do seu mandatário e por notificação com certificação do CITIUS de 07.06.2022, as AA. nada disseram. * Em face da tal conduta, em 24.10.2022, foi proferido o seguinte despacho, devidamente notificado às partes: «Aguardem os autos nos termos do artigo 281º do Código de Processo Civil.» * Nada sendo junto ou requerido, com data de 20.06.2023 foi decidido: « Encontrando-se os autos a aguardar impulso processual há mais de seis meses (cf. despacho de 36.06.2022 e notificação do mesmo), considero deserta a instância, nos termos do disposto no artigo 281.º n.ºs 1 e 4 do CPC. * Nos presentes autos em que são autores A, B e C e réus, D Companhia de Seguros e E Companhia de Seguros, declaro extinta a presente instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, al. c), do CPC. Custas pelos autores – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Valor da acção: €840.000,00 - artigos 306º, nºs 1 e 2, 296º, nº1, e 297º, nºs 1 e 2, do CPC. Registe e notifique.» * Com esta decisão não se conformando, as AA. A e C, do mesmo interpuseram recurso, concluindo como segue: «CONCLUSÕES 1.Vem o presente recurso interposto da sentença que decidiu julgar deserta a instância, nos termos do disposto no artigo 281.º n.ºs 1 e 4 do CPC. 2.No referido despacho que ora se impugna, vem referido: “Encontrando-se os autos a aguardar impulso processual há mais de seis meses (cf. despacho de 06.06.2022 e notificação do mesmo), considero deserta a instância, nos termos do disposto no artigo 281.º n.ºs 1 e 4 do CPC” 3.Referindo ainda o referido despacho de seguida: “Nos presentes autos em que são autores A, B e C e réus D Portugal, Companhia de Seguros e E Companhia de Seguros, declaro extinta a presente instância por deserção, ao abrigo do disposto no artigo 277.º, al. c), do CPC.” 4.As AA, foram efetivamente notificadas com o seguinte despacho datado de 28-10-2022 “aguardem os autos nos termos do artigo 281º do Código de Processo Civil”. 5.Como claramente resulta do preceito do artº 281º, nº 1 do CPC, a deserção da instância nela cominada, para que opere ope legis depende: c) Em primeiro lugar, do decurso de um prazo de seis meses sem impulso processual da parte sobre a qual impende o respetivo ónus; d) Que a falta desse impulso seja imputável a negligência ativa ou omissiva da parte assim onerada, em termos de poder concluir-se que a falta de tramitação processual seja imputável a um comportamento da parte dependente da sua vontade. 6.A “negligência das partes”, segundo a citada previsão legal, pressupõe, quanto a nós, uma efetiva omissão da diligência normal em face das circunstâncias do caso concreto, não podendo, assim, vingar uma qualquer responsabilidade automática/objetiva suscetível de abranger a mera paralisação. 7.Temos para nós, na esteira do entendimento consagrado nos Acs. R.L. de 09.09.2014 (Pº 211/09.3TBLNH-J.L1-7) e R.G. de 02.02.2015 (Pº 4178/12.1TBGDM.P1), que o tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas. 8.Salvo melhor opinião entendem as AA. que no despacho que julga deserta a instância, o julgador tem de apreciar se a falta de impulso processual se ficou a dever à negligência das partes, tendo, por isso, de valorar o comportamento processual das partes, por forma a poder concluir se a falta de impulso resulta, efetivamente, da negligência destas. 9.Para tanto, o julgador deverá ouvir as partes por forma a avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente das partes, bem como, e por força do princípio da cooperação, reforçado no novo CPC, alertar as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo decorrido que seja o prazo fixado na lei. 10.Na opinião das AA. na data em que foi proferida a Sentença recorrida, o processo não estava parado nem suspenso, nem a aguardar qualquer impulso processual por parte das aqui Recorrentes. 11.Faltava sim o Douto Tribunal dar cumprimento à realização da audiência prévia, o que aliás, tinha sido determinado em decisão de Tribunal Superior na sequência de recurso interposto mas que ainda não aconteceu. 12.Pedindo desculpas pela eventual repetição, é entendimento que as AA. corroboram constituem pressupostos da deserção da instância, não só que o processo esteja parado há mais de seis meses a aguardar o impulso processual da parte com ele onerada (pressuposto objetivo), mas também que a omissão desta se deva à respetiva negligência (pressuposto subjetivo) (art. 281.º, n.º 1, do CPC). 13.Face ao curto prazo (seis meses) que conduz à deserção da instância, aos deveres do juiz na condução do processo e ao princípio da cooperação, deverá o Tribunal proferir despacho, alertando as partes para as consequências gravosas que possam advir da sua inércia em impulsionar o processo (arts. 6.º e 7.º, ambos do CPC). 14.Ora 1 as AA. não foram alertadas para as consequências gravosas que podiam advir da sua inercia, tendo recebido apenas uma notificação onde era referido “aguardem os autos nos termos do artigo 281º do Código de Processo Civil” sem rigorosamente mais nada. 15.Mais, não existiu qualquer negligência por parte das AA. porquanto o que é alegado para o processo estar parado foi uma situação relacionada com uma A. que entretanto no decorrer do processo, devido a uma situação de saúde, foi declarada incapaz. 16.E que nessa sequência deixou de ser representada pelo mandatário das outras AA., e que quer o mandatário quer as restantes AA. desconhecem o paradeiro ou forma de contato com a A. em causa B (apesar da mera informação que foi dada pela anterior mandatária e junta aos autos). 17.Não se entendendo, isso sim o facto de não ter sido agendada e realizada a audiência prévia, sendo que aí até se poderia discutir a situação relativa as AA. e a situação em concreto da A. entretanto declarada incapaz e a sua representação. 18.Não existiu assim qualquer negligência porquanto a situação em causa nada tinha a ver com as AA. Recorrentes, mais, tendo ficado sem entender o que se pretendia com o teor do despacho de 28-10-22. 19.O processo se esteve parado foi pela não realização da audiência prévia, que não depende de qualquer impulso das partes mas sim da marcação por parte do Douto tribunal. 20.Estabelecendo o artigo 615.º, n.º 1, alínea b), ser nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, considerando que o despacho recorrido julgou extinta a instância considerando decorridos mais de seis meses sem que nada haja sido requerido ou os autos, por qual forma, impulsionados (...) – cf. CPC art. 277.º-c) e 281.º-1, sempre teria que ter esse despacho sido fundamentada no(s) ato(s) que o Tribunal a quo entendesse dever ter sido praticados pelas partes e cuja omissão fizesse concluir pela sua atuação negligente. 21.E, não enunciando qualquer ato que entendesse dever ter sido praticado pelas partes e não afirmando sequer que as partes tenham atuado de modo negligente, concluindo pelo julgamento da deserção da instância sem, como tal, ter sequer verificado ou afirmado que se verificassem todos os fundamentos de direito de que dependia tal decisão ao abrigo da norma invocada – o art.º 281.º, n.º 1, e 4 do CPC, deve ser julgado nulo o despacho recorrido por não especificar os fundamentos da decisão tomada. 22. Deve, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), do CPC, ser julgado nulo o despacho recorrido e julgado procedente o presente recurso também com tal motivação. 23.Atento ao disposto deverá a douta Sentença ser revogada e substituída por uma outra que mande prosseguir os autos. Nestes termos, nos melhores de direito aplicável e sempre com o mui douto Suprimento de V.Exas., deverá ser dado integral provimento ao presente recurso de apelação e em consonância, revogada a decisão recorrida, com as demais consequências legais, Como é, aliás, de inteira, JUSTIÇA !» * Pelas RR. foram apresentadas contra-alegações. Alinha a Ré «D – Companhia de Seguros, S.A.» as seguintes conclusões: «A. Não obstante terem sido devidamente notificadas do douto despacho de 30.06.2022, para que sanassem a incapacidade judiciária da A. B, nunca as AA. recorrentes lhe deram cumprimento, se pronunciaram sobre o seu teor ou requereram qualquer diligencia, remetendo-se ao silêncio, estado que apenas cessou com a interposição do presente recurso. B. Posto isto e perante o silêncio a que se remeteram, mesmo após notificadas de que corria o prazo de deserção, não pode pois deixar de se concluir pela total negligência das recorrentes na condução do processo, que não podia deixar de conduzir à extinção da instância por deserção, não merecendo por isso censura a douta decisão recorrida; C. Termos em que deverá ser julgado improcedente o recurso e confirmada a douta sentença recorrida, assim se fazendo a costumada, Justiça!» * Conclui a Ré «E-Companhia de Seguros, S.A.»: «1 - O Tribunal a quo em cumprimento da decisão proferida por esse douto Tribunal da Relação – 7ª Secção, agendou a realização de audiência prévia para o dia 15.02.2022. Contudo, a diligência foi adiada tendo presente que uma das AA – B – teria sido declarada incapaz (maior acompanhado) por um Tribunal de Paz Belga. 2 - No dia 06.07.2022, conforme referência CITIUS 153426020, foram as Recorrentes notificadas para diligenciarem junto da nomeada administradora da pessoa e bens de B no sentido de a mesma manifestar a sua posição quanto ao interesse (ou não) da sua representada na manutenção desta lide. 3 - Volvidos mais de três meses sem que nada tivesse sido dito ou requerido pelas Recorrentes, o douto Tribunal notificou-as do despacho, conforme referência CITIUS 154533680 através de Il. Mandatário, no dia 28.10.2022: “Aguardem os autos nos termos do artigo 281º do Código de Processo Civil.” 4 – O Tribunal a quo vislumbrando a total inércia das Recorrentes face aos despachos proferidos decidiu, a nosso ver bem, em julgar a ação deserta por negligência das partes. 5 – Encontrando-se as partes representadas por Il. Mandatário do despacho que sinalizou a deserção através de menção singela a disposição legal, nenhuma outra exigência poderá ser assacada ao douto Tribunal quanto ao alerta das partes para a eminente deserção da ação e suas consequências. 6 - Entre a data da notificação para diligenciarem em conformidade para sanarem a irregularidade com o patrocínio judiciário e a data da decisão final decorreram precisos 11 meses e entre a data da notificação do despacho que sinalizou a deserção e a decisão final decorreram precisos 8 meses sem que as Recorrentes nada dissessem ou requeressem. 7 – As Recorrentes durante o lapso temporal supra indicado nada vieram dizer quanto as diligencias que lhes foi ordenada tendo em vista o prosseguimento da ação de forma a suprir uma irregularidade processual que diretamente influenciava no normal andamento do processo. 8 - O impasse processual que obstava ao prosseguimento dos autos não podia ser oficiosamente ultrapassado pelo douto Tribunal a quo que sinalizou às Recorrentes a possível deserção da ação através do Il. Mandatário constituído nos autos. 9 - Impendia sobre as Recorrentes o ônus de dar impulso processual o que não fizeram no largo espaço temporal de quase 1 ano! Mesmo após terem sido notificadas do despacho que sinalizou a deserção nada fizeram para interromper o decurso do prazo. 10 - O Tribunal a quo cumpriu com todos os requisitos impostos para a aplicação do disposto no artigo 281.º, n.º 1 do CPC: (1) o Tribunal a quo por despacho impôs às Recorrentes que diligenciassem pela junção da declaração da representante da A. B; (2) as Recorrentes apesar de regularmente notificadas omitiram o acto, (3) o processo esteve parado devido essa omissão, pelo que sublinha-se tal omissão impedia o prosseguimento normal do processo (4) a referida omissão prolongou-se por mais de 6 meses, (5) o processo se manteve parado durante esse período de tempo, (6) a referida omissão é apenas imputada a parte por total negligência e (7) o Tribunal a quo sinalizou às Recorrentes, sublinha-se representadas por Il. Mandatário, as possíveis consequências ainda que por singela referência ao artigo 281.º n.º 1 do CPC. 11 - Não assiste razão às Recorrentes quando alegam que o Tribunal a quo deveria ter ouvido as partes ou ainda ter alertado as Recorrentes para as consequências gravosas que resultaria caso se mantivesse a inércia total como aliás ocorreu nos presentes autos. 12 – Não existe previsão legal que imponha ao Tribunal a quo que notifique as partes para se pronunciarem antes de proferir a decisão que julgue a ação deserta depois de já ter alertado as partes, através da notificação aos Ils. Mandatários, que aguardem os autos o decurso do prazo a que alude o artigo 281.º, n.º 1 do CPC. 13 – A continuação da audiência prévia ficou condicionada da regularização do patrocínio de uma das AA. que por sua vontade intentaram a ação em coligação. 14 - A ação intentada em coligação gerou um interesse solidário na marcha do processo, não fazendo sentido a pretensão das Recorrentes que o Tribunal a quo agendasse audiência prévia para se discutir essa problemática que apenas seria ultrapassado com as diligencias que as Recorrentes não providenciaram atempadamente. 15 - O interesse no prosseguimento dos autos cabia às Recorrentes que foram devidamente notificadas através de Il. Mandatário, mas que por negligência não diligenciaram como era seu dever providenciar pela sanação da irregularidade/insuficiência de patrocínio da A. B. Face ao exposto, requer-se à V. Ex.ª. S que seja mantida a decisão na íntegra que julgou a ação deserta por total negligência das partes por falta de impulso processual. Pelo que Vossas Excelências farão a costumada Justiça!» * O recurso foi admitido. Mostrando-se cumpridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. 2. Objecto do recurso O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões que funcionam, como instrumento de delimitação objectiva das questões de facto e de direito que o Tribunal de recurso está obrigado, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. arts. 635º, nº 4, 639º, nº 1, e 662º, nº 2, todos do CPCivil) e, não se impõe ao tribunal que aprecie todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões e é livre na interpretação e aplicação do direito (cf. art.º 5º, nº3 do mesmo Código). * No caso sob apreciação constitui única questão a decidir a de saber se poderia o tribunal a quo declarar a extinção da instância com fundamento em deserção, nos termos em que o fez. Para decidir cumpre apreciar se poderia o tribunal fazer recair sobre as AA. o ónus de diligenciar junto do representante legal da A. declarada incapaz no sentido de vir aos autos informar se pretende continuar com os autos e, em caso afirmativo, constituir mandatário cominando a sua inércia com a extinção da instância por deserção. * 3. Fundamentação de Facto As incidências fácticas e processuais a considerar são aquelas que constam do relatório. * 4. Fundamentação de Direito Assenta-se, desde já, que a questão que importa decidir encontra-se a montante daquela considerada nas alegações e nas contra-alegações recursivas. Com efeito, e conforme resulta da factualidade recolhida, no decurso dos autos sobreveio a incapacidade de um dos sujeitos processuais, a saber, a Autora, B. Nos autos ficou certificada a sua declaração de incapacidade para, além do mais, pleitear em juízo. A capacidade judiciária que consiste na susceptibilidade de estar por si em juízo tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos. Cfr. art.15º do CPCivil. Trata-se duma capacidade de exercício de direitos e deveres processuais. Define-se como a susceptibilidade de a pessoa, por si, pessoal e livremente, poder decidir sobre os seus interesses em juízo, em aspectos que vão para além da técnica jurídica. Nos casos de patrocínio judiciário obrigatório, verifica-se também um uma incapacidade de exercício, na medida em que a parte só pode estar em juízo representada pelo seu advogado. Esta representação, sendo processualmente técnica, está na dependência do representado quanto ao seu poder de disposição o que pressupõe, como é evidente, a sua capacidade judiciária. A capacidade judiciária é indissociável da capacidade jurídica enquanto capacidade de exercício de direitos. Não se pode ter personalidade e ser-se inteiramente desprovido de capacidade. Nem o contrário. O que pode é ser mais ou menos circunscrita a capacidade jurídica de alguém. No que à capacidade de exercício diz respeito ela constitui a idoneidade não só para o exercício de direitos ou cumprimento de obrigações mas também para os adquirir ou as assumir e para fazer tudo isto por acto próprio e exclusivo, sem recurso à intervenção de um representante legal ou dependendo do consentimento de terceiro. Se a capacidade de direitos não pode faltar de todo a um sujeito jurídico, já a incapacidade de exercício deve ser colmatada pelos meios legalmente previstos. E de outro modo não poderia ser já que os actos jurídicos que interessam ao incapaz não poderão deixar de ser praticados pelo facto deste não os poder praticar por si. Assim, a sua capacidade de direitos terá de ser exercitada, através do representante legalmente nomeado para o efeito, produzindo-se na esfera jurídica daquele os respectivos efeitos jurídicos. O incapaz fará, deste modo, valer os seus direitos em juízo por intermédio do seu representante. É definitivamente o caso dos menores e dos maiores acompanhados sujeitos a representação que só podem estar em juízo por intermédio dos seus representantes, excepto relativamente aos actos que possam exercer pessoal e livremente. Cfr. art.16º, nº1, do CPCivil. O art. 17.º do CPCivil, sob a epígrafe «Representação por curador especial ou provisório» prevê a representação judiciária do incapaz, quer através de representante geral nomeado pelo tribunal competente, quer através de curador ad litis, em caso de urgência dispondo o nº2, que logo que seja tanto no decurso do processo como na execução de sentença, pode o curador provisório praticar os mesmos actos que competiriam ao representante geral, cessando as suas funções logo que o representante nomeado ocupe o lugar dele no processo. O nº3, da citada disposição legal é claro quando refere que a nomeação de curador especial incumbe ao juiz da causa e que a nomeação incidental deverá ser promovida pelo Ministério Público, podendo ser requerida por qualquer parente sucessível quando o incapaz seja o autor. In casu, a causa estava em curso e a incapacidade sobreveio no seu decurso e, para além do mais, ao tribunal foram trazidos todos os elementos que lhe permitiam conhecer que à Autora até já havia sido nomeada representante legal e todos os dados respeitante ao mesmo. Com efeito, tal indicação resulta clara da cópia da sentença oportunamente junta aos autos, como aliás o tribunal a quo refere no seu despacho de 30.6.2022. O art.27º do CPCivil sob a epígrafe «Suprimento da Incapacidade Judiciária e da Irregularidade da Representação», dispõe no seu nº1, que a incapacidade judiciária e a irregularidade da representação são sanadas mediante a intervenção ou a citação do representante legítimo do incapaz. Dispõe o art.28º do CPCivil, sob a epígrafe «Iniciativa do Juiz no Suprimento»: «1 - Logo que se aperceba de algum dos vícios a que se refere o artigo anterior, deve o juiz, oficiosamente e a todo o tempo, providenciar pela regularização da instância. 2 - Incumbe ao juiz ordenar a citação do réu em quem o deva representar, ou, se a falta ou irregularidade respeitar ao autor, determinar a notificação de quem o deva representar na causa para, no prazo fixado, ratificar, querendo, no todo ou em parte, o processado anterior, suspendendo-se entretanto a instância.» Decorre desta disposição legal que logo que o juiz se aperceba da incapacidade judiciária ou irregularidade de representação deve providenciar pela regularização da instância. Conforme defendem António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa[1], «independentemente do circunstancialismo em que o juiz se confronte com a exceção dilatória de incapacidade judiciária , suscitada ou não por qualquer das partes, deve, segundo as circunstâncias, ordenar a citação do representante legal ou do curador do réu que tenha sido demandado isoladamente (art.28º, nº2), ordenar a notificação do representante legal ou do curador do autor ou convidar o autor a praticar os atos que se mostrem necessários para que sejam supridas outras irregularidades (art.6º, nº2).» (sublinhado nosso) E assim prosseguem, «As diligências tendentes a suprir a incapacidade judiciária devem ser promovidas pelo juiz logo que disso se aperceba. Tratando-se de vícios de incapacidade judiciária ou de irregularidade de representação que afectem o sujeito ativo da relação processual, o juiz deve decretar a suspensão da instância e determinar a notificação do respectivo representante para, dentro de certo prazo, ratificar o processado.» De tudo decorre que a incapacidade é sempre sanável bastando para tal, que por iniciativa da parte interessada ou da parte contrária ou do tribunal o representante do incapaz intervenha nos autos. A incapacidade judiciária, tratando-se de excepção dilatória (art.577º, al.c) do CPCivil), pode ser sanada a todo o tempo pela intervenção do representante legítimo. Em face deste circunstancialismo, é certo que a decisão que declarou «incompetente»[2] a A. B para estar por si só em juízo impõe a suspensão da instância todavia, estando em causa a excepção dilatória de incapacidade e, portanto, de conhecimento oficioso, impunha-se ao juiz que, diligenciasse oficiosamente pelo suprimento do vício junto do legal representante até porque dos autos constavam todos os elementos que o permitiam. O que nunca poderia ter feito era fazer recair tal ónus sobre as restantes Autoras e declarar extinta a instância por deserção em face da inércia destas. Anote-se, aliás, que nunca o vício que afectava a A. incapaz, in casu, seria susceptível de afectar as demais AA. porquanto não estamos perante qualquer situação de litisconsórcio necessário do lado activo. Mas outra ordem de argumentos se impõe. Nos presentes autos estamos em face de uma acção declarativa que visa a condenação das RR. a pagar a cada uma das AA. indemnização por danos advenientes de acidente de viação. Não existe qualquer litisconsórcio necessário activo razão pela qual, o interesse no prosseguimento da causa é autónomo para cada uma das autoras. Sendo assim, não se vislumbra a razão pela qual se impôs às AA. A e C qualquer ónus processual de impulsionar os autos, designadamente «diligenciarem junto da nomeada administradora da pessoa e bens de B no sentido de a mesma manifestar a sua posição quanto ao interesse (ou não) da sua representada na manutenção desta lide e, em caso afirmativo, para realizar as diligências necessárias no âmbito do direito belga que viabilizem o prosseguimento da acção por parte da A. B, designadamente constituindo mandatário forense nesta acção, a qual nos termos legais carece de patrocínio por parte de advogado.» Por outro lado veja-se, que as AA. foram notificadas para colaborar com o tribunal e, eventualmente, não colaborando, poderiam ser sancionadas com multa por falta de colaboração com o tribunal, nunca com a consequência processual de extinção da instância por deserção até porque, conforme se expôs, o ónus não lhes incumbia. Na verdade, os autos estavam a aguardar a colaboração das partes e não um impulso das mesmas, nunca tendo sido realmente advertidas que sem tal colaboração os autos não prosseguiriam. A inobservância dum dever importa, em regra, uma sanção, v.g. a aplicação duma multa (artº 417º, nº 2, do CPCivil); o não exercício dum direito pode envolver a sua extinção ou, no âmbito processual, a sua preclusão. A decisão recorrida não fez uso desta distinção e declarou extinta a instancia, por deserção, designadamente porque alegadamente as AA., não impulsionam o processo há mais de seis meses. Ora, a falta de impulso processual nestes termos justificará a aplicação de uma eventual sanção, mas não releva para efeitos de deserção da instância. Assim, e por tudo o exposto se considera que a decisão recorrida não pode manter-se, sendo imperativo revogá-la e ordenar que a 1ª instância encete as diligências que se lhe afigurem necessárias, designadamente, decretando a suspensão da instância e determinando para além do mais que se afigure pertinente, a notificação do respectivo representante da A. B para, dentro de prazo a fixar, vir aos autos informar se pretende continuar os termos da presente acção e, em caso afirmativo, constituir mandatário, devendo os autos seguir então, a sua normal tramitação. 5. Decisão Em face do exposto, acordam as juízes que compõem esta 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, julgar o recurso procedente por provado e, consequentemente, revogar, a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos nos termos decididos. Custas pelas apeladas. Registe e notifique. * Lisboa,8/2/2024 Ana Paula Nunes Duarte Olivença Maria Carlos Duarte do Vale Calheiros Teresa Prazeres Pais _______________________________________________________ [1] Cód. Proc. Civil. Anot., Vol.I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, pág.57 [2] Terminologia usada na sentença estrangeira |