Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1993/23.5T8PDL.L1-4
Relator: PAULA POTT
Descritores: HORÁRIO FLEXÍVEL
RESPONSABILIDADES FAMILIARES
COLISÃO DE DIREITOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Horário flexível de trabalhadora com responsabilidades familiares – Motivos de recusa – Colisão de direitos – Conflito de direitos – Artigos 56.º, 57.º e 212.º n.º 1 do Código do Trabalho – Artigo 335.º do Código Civil – Artigos 18.º, 61.º e 68.º da Constituição da República Portuguesa
(sumário da autoria da relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Apelação
Tribunal de origem: Juízo do Trabalho de Ponta Delgada – Tribunal Judicial da Comarca dos Açores
Recorrente/ré
AA…
Recorrida/autora
ZZ - Sociedade Unipessoal, Lda.…
Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Sentença recorrida
1. Por sentença de 3.1.2024 (referência citius 56235536), o Juízo do Trabalho de Ponta Delgada, Tribunal Judicial da Comarca dos Açores, (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), decidiu o seguinte:
“VI. Decisão:
Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção procedente, declarando a impossibilidade, da parte da Autora, ZZ - Sociedade Unipessoal, Lda., de atribuição do horário flexível requerido pela Ré, AA, com recusa justificada, da parte da Autora, de fixação deste horário por razões imperiosas de funcionamento da empresa.
Custas a cargo da Ré.”
Alegações da recorrente
2. Inconformada com a sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente (ré, trabalhadora), dela veio interpor o presente recurso (cf. referência citius 5559952 de 1.2.2024) cujo objecto delimita assim:
“Vem o presente recurso da douta sentença que, na procedência da acção, declarou que a apelada estava impossibilitada de conceder à apelante o horário flexível requerido.”
3. Na motivação, vertida nas conclusões, a recorrente impugna a decisão da primeira instância com base, em síntese, nos seguintes argumentos:
• Provou-se que oito funcionárias da recorrida estão afectas ao atendimento ao público sendo certo que todas as funcionárias do estabelecimento (em número de dez) podem, no âmbito das suas funções, assegurar o atendimento de clientes (cf. factos 17 e 35);
• Para além do incómodo decorrente de outras trabalhadoras se sentirem prejudicadas com eventual acréscimo de trabalho nocturno, não se provaram exigências imperiosas de funcionamento da empresa que justifiquem a recusa do horário flexível requerido pela apelante (cf. facto 48);
• O pedido da recorrente para lhe ser fixado horário flexível é conforme à lei e por isso, ainda que de forma mitigada devido à colisão de direitos, a recorrida deveria fixar à recorrente um horário flexível que resultasse da distribuição equitativa das necessidades de serviço e levasse em conta as necessidades familiares de cada uma das que o solicitaram;
• O pedido foi julgado improcedente não por ser desconforme à lei, mas porque o Tribunal a quo julgou não lhe competir fixar o horário às trabalhadoras da recorrida;
• Sendo possível à recorrente fixar horários flexíveis à recorrente e às outras quatro trabalhadoras que o solicitaram, a sentença impugnada violou o disposto no artigo 56.º do Código do Trabalho (CT);
• Motivos pelos quais a sentença recorrida deve ser revogada e proferido acórdão que julgue improcedente a acção e absolva a recorrente do pedido.
Contra-alegações da recorrida
4. A recorrida (autora, empregadora) contra-alegou (cf. referência citius 5616106 de 5.3.2024), pugnando pela improcedência do recurso, defendendo, em síntese:
• Tendo a recorrente requerido horário flexível e sendo intenção da recorrida recusá-lo, a recorrida deu disso conhecimento à recorrente e remeteu o processo para a CRITE (Comissão Regional para a Igualdade no Trabalho e no Emprego dos Açores) cujo parecer foi desfavorável à recusa; motivo pelo qual a recorrida instaurou a presente acção para reconhecimento da existência de motivo justificativo para essa recusa;
• Na óptica da recorrida, a obrigação de elaboração de um horário flexível que compatibilize, na medida do possível, os horários das outras quatro trabalhadoras da recorrida com direito a idêntica medida, é o motivo justificativo da recusa que decorre do disposto no artigo 335.º do Código Civil (CC), aplicável às situações de colisão de direitos, e não dos artigos 56.º e 57.º do CT;
• Assim, a aplicação do direito aos factos feita na sentença impugnada não merece censura;
• No que toca às alegações incidentes sobre a matéria de facto, na óptica da recorrida a recorrente não cumpriu as exigências previstas no artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC), devendo o recurso ser rejeitado.
Parecer do Ministério Público
5. O digno magistrado do Ministério Público junto ao Tribunal da Relação, emitiu parecer (cf. referência citius 21324141 de 5.4.2024), ao abrigo do disposto no artigo 87.º n.º 3 do Código de Processo do Trabalho (CPT), defendendo que o recurso merece provimento, em síntese, pelos seguintes fundamentos:
• Ficou provado que a recorrida tem 10 trabalhadoras no quadro, para prover às necessidades de funcionamento do estabelecimento, das 9 horas às 22 horas e que dessas 10 trabalhadoras, quatro solicitaram a atribuição de horário flexível ao abrigo do disposto nos artigos 56º e 57º do CT, tendo tal pedido sido deferido com alguns ajustes, às trabalhadoras BB e CC (cf. factos provados 6, 8, 32, 36, 50 e 51);
• Tendo em conta os horários e o número de trabalhadoras afectas ao estabelecimento da recorrida (cf. facto provado 17), não ficou demonstrado que a atribuição de horário flexível à recorrente comporte prejuízo para a recorrida, nomeadamente porque esta não provou a ocorrência de exigências imperiosas do seu funcionamento ou a impossibilidade de substituição da trabalhadora recorrente.
6. Foi observado o contraditório previsto no artigo 87.º n.º 3 do CPT, não tendo as partes respondido ao respondeu ao parecer.
Delimitação do âmbito do recurso
7. Antes de mais importa sublinhar que a recorrida (autora), na petição inicial (cf. referência citius 5325583, de 31.8.2023), formulou cumulativamente três pedidos, respectivamente com os números (i), (ii) e (iii). O Tribunal a quo, tendo apreciado as três questões suscitadas por cada um dos pedidos, julgou procedente a acção nos termos acima transcritos no parágrafo 1, com base na procedência do pedido (ii). O presente recurso, tal como foi delimitado no requerimento da recorrente acima transcrito no parágrafo 2 e nas conclusões sintetizadas no parágrafo 3, tem por objecto apenas a impugnação da decisão do Tribunal a quo que julgou procedente o pedido (ii) formulado pela recorrida na petição inicial. Os efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados – cf. artigo 635.º n.ºs 2, 4 e 5 do CPC. Acresce que, da leitura da sentença recorrida, não resulta que tenha ficado prejudicada a apreciação de nenhuma das questões objecto da acção, que determine a aplicação da regra da substituição prevista no artigo 665.º n.º 2 do CPC.
8. Feita esta clarificação, têm relevância para a decisão do recurso as seguintes questões:
Suscitada pela recorrida e de conhecimento oficioso
A. Admissibilidade do recurso
Suscitada pela recorrente
B. Existência de motivo justificativo para recusar o horário flexível
Factos
9. Nota: os factos provados e não provados, serão a seguir agrupados, respectivamente em dois parágrafos, antecedidos da numeração/alíneas, pelas quais foram designados na sentença recorrida, para facilitar a leitura e remissões.
10. Factos provados:
1. AA exerce funções no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização de ZZ - Sociedade Unipessoal, Lda.
2. Nos termos definidos no número anterior, e com a categoria profissional de ‘operadora especial’, a Ré, num estabelecimento de venda de ... explorado pela Autora, localizado em ..., exerce as seguintes tarefas: atendimento de clientes, venda dos produtos, registo no caixa e reposição de mercadorias.
3. Cumprindo um ‘horário a tempo parcial’, de 30 horas semanais.
4. Este estabelecimento comercial tem o seguinte horário de funcionamento: das 10:00 às 22:00 horas, de segunda-feira a domingo.
5. No funcionamento deste estabelecimento comercial da Autora:
a) a ‘manhã’ corresponde à abertura da loja, prolongando-se até às 17:00 horas;
b) a ‘tarde’ corresponde ao período intermédio, entre as 12:00 e as 20:00 horas;
c) a ‘noite’ corresponde ao período que se prolonga até ao fecho da loja, às 22:00 horas.
6. Por carta datada de ... de ... de 2021, recebida em ... seguinte, a Ré solicitou à Autora que lhe fosse fixado “um horário flexível”, com indicação, “para as horas de início e termo do período normal do trabalho diário” as “9H00 e 17H00”
7. Invocou, então, ser mãe de dois filhos, com 2 e 8 anos de idade: DD, nascido em ... de ... de 2019, e EE, nascida em ... de ... de 2013.
8. Mais solicitou que esta atribuição de “horário flexível” se prolongasse até o seu filho DD atingir os 12 anos de idade.
9. E instruiu o seu pedido com a entrega das ‘certidões de nascimento’ dos seus filhos e com declaração em como com ela vivem em ‘comunhão de mesa e habitação’.
10. Em resposta, a Autora comunicou à Ré a sua intenção de recusar este pedido.
11. Em ... de ... de 2021, dentro do prazo de cinco dias a partir da recepção da comunicação desta intenção da Autora de indeferimento do pedido, a Ré dirigiu à sua empregadora uma comunicação escrita com o seguinte teor:
“Nos termos do nº 2 do art.º 57º do CT, a recusa do pedido de horário flexível só é possível com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa ou na impossibilidade de substituir o trabalhador, se este for indispensável.
A mera inconveniência e o critério de equidade na distribuição dos horários (nocturnos e diurnos) não constitui fundamento para a recusa do horário flexível.
Por outro lado, as conclusões retiradas quanto às consequências de atribuição a mim de horário flexível não decorre dos demais horários, os quais sempre poderão ser adaptados no âmbito do poder de direcção da empresa.
Reitero, por isso, o meu pedido, lembrando que sempre existiu um horário de trabalho com início às 9H00”.
12. Então, a Autora solicitou à Comissão Regional para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CRITE) a emissão de parecer.
13. Com data de ... de ... de 2021, a CRITE emitiu parecer com o seguinte teor:
“6. Sem embargo da conclusão alcançada no processo em análise, enfatiza-se que, sendo concedido aos / às pais / mães trabalhadores com filhos menores de 12 anos um enquadramento legal de horários especiais, designadamente, através da possibilidade de solicitar horários que lhes permitam atender às responsabilidades familiares, ou através do direito a beneficiar do dever que impende sobre o empregador de lhes facilitar a conciliação da actividade profissional com a vida familiar, as entidades empregadoras deverão desenvolver métodos de organização dos tempos de trabalho que respeitem tais desígnios e que garantam o princípio da igualdade dos trabalhadores, tratando situações iguais de forma igual e situações diferentes de forma diferente.
7. Neste sentido, é necessário alertar para a necessidade da entidade empregadora, perante uma situação de colisão de direitos, nos termos previstos no art.º 335º do Código Civil (como são os casos em que várias (os trabalhadoras com filhos menores de 12 anos solicitam a prestação de trabalho em regime de horário flexível), para que todos produzam igualmente os seus efeitos, sem maior detrimento para qualquer das partes, distribua equitativamente por aqueles(as) trabalhadores(as) em situação idêntica o dever de assegurar o funcionamento do serviço ao qual estão afectos.
(…)
9. Face ao exposto, a CRITE-Açores emite parecer desfavorável à intenção de recusa da entidade empregadora ZZ - Sociedade Unipessoal, Lda. ao pedido formulado pela sua trabalhadora, AA, uma vez que não alegou, nem apresentou provas dos motivos devidamente justificados que demonstrassem a impossibilidade absoluta de concessão do horário requerido.
10. A CRITE-Açores recomenda à entidade empregadora que elabore o regime de horário flexível da trabalhadora com responsabilidades familiares, AA, de forma a poder conciliar o direito desta com o direito das/os de mais trabalhadores, de acordo com o nº 3 do artigo 56º, conjugado com a alínea b), do nº 2, do artigo 212º, ambos do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, de modo a permitir-lhe, como deve, a conciliação da actividade profissional com a vida familiar, tal como previsto no nº 3 do artigo 127º do mesmo diploma legal, promovendo assim o direito consagrado na alínea b) do nº 1 do artigo 59º da Constituição da República Portuguesa”.
14. Em ... de ... de 2021, após interpelação da Autora, a CRITE enviou a esta última uma comunicação escrita com o seguinte teor:
“Em resposta ao seu correio electrónico, datado de ... de ... de 2021, endereçado a esta Comissão Regional, e que mereceu toda a nossa melhor atenção, cumpre informar V. Exa. o seguinte:
Em caso de intenção de recusa do pedido de horário flexível formulado pela trabalhadora ou trabalhador, in casu, se for considerado pelos Comissários que a entidade empregadora não demonstrou suficientemente as exigências imperiosas do funcionamento da empresa, conforme determina o nº 2 do artigo 57º do Código do Trabalho, a CRITE-Açores emite parecer desfavorável a essa intenção de recusa, o que aconteceu no processo apreciado no âmbito do nosso parecer 9/2021, que se anexa.
(…)
Encontrando a entidade empregadora dificuldade em atribuir o horário flexível solicitado por três trabalhadoras, cujo posto de trabalho é no mesmo estabelecimento comercial, deverá ter presente o instituto da colisão de direitos previsto no art.º 335º do Código Civil, sendo entendimento da CITE e da CRITE-A, ao abrigo do qual os titulares do mesmo direito cedem na medida do necessário para que todos consigam, num esforço de concordância prática, exercer o direito a que se arrogam.
A aceitar outra posição equivaleria afastar a especial protecção conferida constitucionalmente aos trabalhadores e trabalhadoras com responsabilidades familiares, em concreto com filhos menores de 12 anos, e que deve prevalecer sobre outros direitos não especialmente protegidos. O simples facto de existirem outros trabalhadores com filhos menores de 12 anos que possam exercer o seu direito não é justificativo para uma recusa por parte da entidade empregadora.
Concluindo assim que na estrita medida do necessário, pode a entidade empregadora ajustar os horários de forma a permitir a conciliação dos direitos das três trabalhadoras”.
15. Em ... de ... de 2022, a Ré teve um terceiro filho, FF.
16. E, em ... de ... de 2022, após um período de ‘licença de maternidade’ pelo nascimento deste terceiro filho, a Ré retomou as suas funções ao serviço da Autora.
17. Este estabelecimento comercial explorado pela Autora, identificado em 2), tem ao seu serviço as seguintes funcionárias:
a) GG, ‘encarregada de loja’, com base horária semanal de 40 horas;
b) HH, ‘operadora especial’, com base horária semanal de 40 horas;
c) AA (Ré), com base horária semanal de 30 horas;
d) II, ‘operadora especial’, com base horária semanal de 30 horas;
e) JJ, ‘operadora 2ª’, com base horária semanal de 30 horas;
f) BB, ‘operadora 2ª’, com base horária semanal de 30 horas;
g) KK, ‘operadora 2ª’, com base horária semanal de 30 horas;
h) CC, ‘operadora 2ª’, com base horária semanal de 30 horas;
i) LL, ‘operadora ajudante’, com base horária semanal não concretamente determinada, entre 20 e 30 horas;
j) funcionária de nome ‘MM, com base horária semanal não concretamente determinada, entre 20 e 30 horas.
18. Estas funcionárias encontram-se admitidas com folgas e horários rotativos.
19. Com excepção de:
a) GG, ‘encarregada de loja’, com folgas ao sábado e domingo e com horário das 09:00 às 18:00 horas;
b) HH, responsável pelo ‘visual merchandising’, com folgas à sexta-feira e ao sábado, uma semana por mês, e ao sábado e ao domingo, nas restantes semanas do mês, e com horário das 10:00 às 18:00 horas.
c) LL, admitida para exercer funções no período da ‘noite’;
d) funcionária de nome ‘MM, admitida para exercer funções no período da ‘noite’
20. A GG, enquanto ‘encarregada de loja’, cabe, pelo menos, as seguintes funções:
a) delegação de tarefas pelas restantes funcionárias;
b) fixação e distribuição dos turnos mensais de cada uma destas funcionárias;
c) fiscalização das tarefas desempenhadas pelas mesmas, de acordo com as indicações dadas pelos serviços centrais da Autora;
d) apoio na recepção, organização e reposição de mercadorias;
e) contacto diário com os serviços centrais da Autora, com envio dos ‘objectivos’ e dos resultados das vendas;
f) organização dos ‘saldos’, indicando quais os artigos com preço reduzido e qual a percentagem de redução, de acordo com as determinações dos serviços centrais da Autora.
21. À funcionária HH, enquanto responsável pelo ‘visual mechandising’, cabe a preparação do visual do estabelecimento: exposição visual dos itens a vender, organizando-os por cores, categorias e funções.
22. HH tem ainda a função de ‘2ª responsável’, colaborando com a ‘encarregada de loja’ nas tarefas da mesma.
23. Recebendo, nos termos definidos no número anterior, uma majoração no seu salário.
24. À funcionária JJ cabe, para além do mais, o serviço de armazém: recepção, colocação e organização ‘em armazém’ da mercadoria do estabelecimento.
25. A mercadoria é recebida, nesta loja, entre segunda e sexta-feira.
26. JJ também exerce funções ao serviço de outra empresa, com um horário não concretamente determinado.
27. As funcionárias AA (Ré), II e BB, no presente, têm dispensa para amamentação, com ‘dispensa de horário nocturno’ e ‘redução no horário diário’.
28. A Ré, no âmbito desta dispensa para amamentação, goza de um período de pausa para esse efeito ‘a meio’ do seu horário diário.
29. Sendo a única funcionária, entre as identificadas em 27), a gozar o período de dispensa para amamentação nos termos definidos no número anterior.
30. A funcionária HH, no presente, tem dispensa para amamentação, estando o seu horário fixado, nestas condições, entre as 10:00 e as 16:00 horas, dois dias por semana, e entre as 10:00 e as 18:00 horas, três dias por semana.
31. As funcionárias LL e MM foram admitidas para exercer funções no período da ‘noite’, nos termos descritos em 19-c) e 19-d).
32. Para além da Ré, outras três funcionárias solicitaram à Autora a atribuição de ‘horário flexível’ para assistência a filhos menores de 12 anos:
a) CC solicitou um horário fixo das 09:00 às 17:00 horas, em 4 de Junho de 2022;
b) BB solicitou um horário fixo das 09:00 às 17:00 horas, em 29 de Julho de 2022;
c) II solicitou um horário fixo das 10:00 às 17:00 horas e folgas ao fim-de-semana, em 10 de Novembro de 2022.
33. A funcionária KK reside com a sua mãe, a qual, por razões de saúde, necessita de apoio de terceiro.
34. Nas circunstâncias descritas no número anterior, KK, de forma ‘constante’ presta apoio à sua mãe e acompanha-a a consultas médicas.
35. Todas as funcionárias deste estabelecimento, identificadas nos números anteriores, podem, no âmbito das suas funções, assegurar o atendimento de clientes.
36. No funcionamento deste estabelecimento, a distribuição das ‘escalas de trabalho’ toma como referência:
a) 09:00 horas – preparação de caixas, contagem do dia anterior e preparação do dia; verificação de correspondência e distribuição de tarefas; depósito dos valores em numerário do dia anterior;
b) 10:00 horas – abertura da loja ao público; em caso de tráfego de clientes baixo, reposição de mercadorias em loja;
c) 11:00 / 12:00 / 13:00 horas – início do ‘grande fluxo’ de clientes, que se prolonga até às 20:00 horas, com maior necessidade de presença de funcionárias para atender os clientes e para organizar a pausa e o almoço das que começaram mais cedo;
d) 20:00 horas – diminuição do número de clientes;
e) entre as 21:00 e as 22:00 horas – arrumação da loja, organização dos produtos que estão fora do lugar, ‘fecho de caixa’.
37. O ‘fecho de caixa’ implica:
a) a contagem do dinheiro em cada um dos ‘caixas’ e a verificação de que o numerário existente está de acordo com o registo no sistema informático do estabelecimento;
b) cada funcionária, após a contagem de um ‘caixa’, faz a verificação do ‘caixa’ contado pela sua colega e ‘vice-versa’;
c) os numerários de cada ‘caixa’ são juntos, procedendo, depois, à contagem do numerário total;
d) após estas contagens, é emitido um talão com o valor para depósito, assinado por ambas as funcionárias;
e) o numerário e este talão, depois, são guardados em cofre.
38. Este estabelecimento é composto por um espaço de venda, com uma área não concretamente determinada, à qual acresce um espaço de armazém, ‘autónomo’ face ao de venda, também com uma área não concretamente determinada.
39. Dispõe, no espaço de venda, de um número não concretamente determinado de expositores e prateleiras.
40. Nas condições descritas nos dois números anteriores, uma funcionária deste estabelecimento não consegue ter uma visão desimpedida de todo o espaço de venda, seja qual foi o local de visão.
41. A loja está munida, à saída, de sensores de alarmes sonoros.
42. Durante o funcionamento deste estabelecimento, as suas funcionárias, em número de vezes não concretamente determinado, têm necessidade de se deslocar ao espaço de armazém, para obtenção de artigos que não se encontram expostos.
43. O tipo de ‘cliente habitual’ desta loja manifesta vontade em ter ‘atendimento personalizado’, com acompanhamento, sugestões e opiniões por parte da funcionária que está no atendimento.
44. Nas condições acima descritas, o funcionamento deste estabelecimento necessita, durante todo o seu período de abertura ao público, da presença, no mínimo, de duas funcionárias.
45. No mês ... de 2022, encontrava-se no estabelecimento o seguinte número de funcionárias:
- dia 1: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 2: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 3: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 4: 3 de manhã, 3 à tarde, 2 à noite;
- dia 5: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 6: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 7: 1 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 8: 4 de manhã, - à tarde, 2 à noite;
- dia 9: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 10: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 11: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 12: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 13: 2 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 14: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 15: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 16: 4 de manhã, 2 à tarde, 3 à noite;
- dia 17: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 18: 4 de manhã, 2 à tarde, 3 à noite;
- dia 19: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 20: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 21: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 22: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 23: 2 de manhã, 3 à tarde, 2 à noite;
- dia 24: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 25: 3 de manhã, 4 à tarde, 3 à noite;
- dia 26: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 27: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 28: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 29: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 30: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite.
46. No mês de... de 2022, encontrava-se no estabelecimento o seguinte número de funcionárias:
- dia 1: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 2: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 3: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 4: 2 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 5: 2 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 6: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 7: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 8: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 9: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 10: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 11: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 12: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 13: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 14: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 15: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 16: 4 de manhã, 2 à tarde, 3 à noite;
- dia 17: 2 de manhã, 2 à tarde, 3 à noite;
- dia 18: 3 de manhã, 1 à tarde, 3 à noite;
- dia 19: 2 de manhã, 1 à tarde, 3 à noite;
- dia 20: 2 de manhã, 2 à tarde, 3 à noite;
- dia 21: 3 de manhã, 2 à tarde, 3 à noite;
- dia 22: 3 de manhã, 3 à tarde, 3 à noite;
- dia 23: 3 de manhã, 4 à tarde, 3 à noite;
- dia 24: 3 de manhã, 2 à tarde;
- dia 26: 3 de manhã, 3 à noite;
- dia 27: 3 de manhã, 1 à tarde, 3 à noite;
- dia 28: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 29: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 30: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 31: 4 de manhã, 2 à tarde.
47. No mês de... de 2023, está previsto que se encontre no estabelecimento o seguinte número de funcionárias:
- dia 2: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 3: 2 de manhã, 1 à tarde, 3 à noite;
- dia 4: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 5: 4 de manhã;
- dia 6: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 7: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 8: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 9: 4 de manhã, 2 à noite;
- dia 10: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 11: 4 de manhã, 2 à tarde, 3 à noite;
- dia 12: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 13: 4 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 14: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 15: 2 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 16: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 17: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 18: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 19: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 20: 5 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 21: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 22: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 23: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 24: 3 de manhã, 1 à tarde, 3 à noite;
- dia 26: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 27: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 28: 3 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 29: 2 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite;
- dia 30: 3 de manhã, 2 à tarde, 2 à noite;
- dia 31: 4 de manhã, 1 à tarde, 2 à noite.
48. Pelo menos a funcionária KK já manifestou, junto da Autora, ‘descontentamento’ pelo número de vezes que, em cada mês, lhe é atribuído ‘turno nocturno’.
49. A Autora, nos anos de 2019, 2020 e 2021, apresentou os seguintes resultados líquidos negativos:
a) ano de 2019: - €836680,54;
b) ano de 2020: - €1.321725,86;
c) ano de 2021: - €1.325505,43.
50. Na sequência do descrito em 32), a Autora, mediante acordo com BB, atribuiu a esta funcionária um horário onde, pelo menos uma vez por semana, a mesma tem de exercer funções até às 22:00 horas.
51. Na sequência do descrito em 32), a Autora acordou com CC o seguinte:
a) todos os meses, esta funcionária informa GG quais os dias em que tem o seu filho, no âmbito de ‘guarda partilhada’, a residir consigo;
b) e, todos os meses, GG fixa o horário de CC tendo como referência os dias em que o filho da mesma está a residir consigo;
c) ‘disponibilizando-se’ CC para exercer funções à ‘noite’, quando o seu filho se encontra com o pai.
52. Consta da cláusula 2ª, nº 2, do “Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial”, ao abrigo do qual este estabelecimento está aberto ao público:
“…obrigando-se a Segunda Contraente a exercer essa actividade de forma continuada e ininterrupta durante todo o período de abertura ao público do Centro Comercial, nos termos do Regulamento”.
53. NN, pai dos filhos da Ré, encontra-se a exercer funções de docente na ..., em ....
54. O agregado familiar da Ré é composto, para além da própria, pelos seus três filhos e pelo pai dos mesmos.
11. Factos não provados:
a) OO, no presente, ainda se encontre admitida ao serviço da Autora;
b) na sequência do descrito em 24) e 25), JJ costume ter folga ao sábado e ao domingo;
c) no funcionamento deste estabelecimento, estejam fixados apenas três turnos:
- turno da manhã, das 10:00 às 17:00 horas;
- turno intermédio, das 12:00 às 19:00 horas;
- turno da noite, das 16:00 às 22:00 horas.
d) a área deste estabelecimento seja de 300 m2, no espaço de venda, e de 80 m2, no espaço de armazém;
e) o fluxo de clientes e a facturação do fim-de-semana correspondam a 30% dos números totais de uma semana;
f) a facturação do fim-de-semana seja equivalente à facturação dos restantes dias da semana;
g) o maior fluxo de clientes nesta loja ocorra durante o período do fim-de-semana;
h) o maior fluxo de clientes seja à segunda e à quinta-feira;
i) as receitas desta loja sejam superiores às despesas com o seu funcionamento;
j) as funções descritas em 20) sejam exercidas pelas demais funcionárias;
l) as funções descritas em 21) e 22) possam ser exercidas por HH em qualquer hora do dia;
m) essas mesmas funções apenas ocupem uma ‘parte’ do horário desta funcionária;
n) as funções descritas em 24) sejam exercidas, também, por outras funcionárias desta loja;
o) apenas as funcionárias AA (Ré), II, BB, KK, CC e LL estejam afectas ao serviço de atendimento de clientes;
p) apenas as funcionárias KK e LL assegurem o horário nocturno, a partir das 20:00 horas;
q) nas circunstâncias descritas em 50), a Autora, mediante acordo com BB, tenha atribuído a esta funcionária o seguinte horário:
- de segunda a quarta-feira, das 17:30 às 22:00 horas;
- à quinta-feira, das 16:00 às 20:30 horas;
- ao domingo, das 10:00 às 14:30 horas;
- folga à sexta-feira e ao sábado;
r) quaisquer outros factos com relevância na decisão da presente causa.
Quadro legal relevante
12. Para a apreciação do recurso tem relevo, essencialmente, o quadro legal seguinte:
Constituição da República Portuguesa ou CRP
Artigo 1.º
(República Portuguesa)
Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Artigo 12.º
(Princípio da universalidade)
1. Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição.
2. As pessoas colectivas gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza.
Artigo 18.º
(Força jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
Artigo 61.º
(Iniciativa privada, cooperativa e autogestionária)
1. A iniciativa económica privada exerce-se livremente nos quadros definidos pela Constituição e pela lei e tendo em conta o interesse geral.
2. A todos é reconhecido o direito à livre constituição de cooperativas, desde que observados os princípios cooperativos.
3. As cooperativas desenvolvem livremente as suas actividades no quadro da lei e podem agrupar-se em uniões, federações e confederações e em outras formas de organização legalmente previstas.
4. A lei estabelece as especificidades organizativas das cooperativas com participação pública.
5. É reconhecido o direito de autogestão, nos termos da lei.
Artigo 68.º
(Paternidade e maternidade)
1. Os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes.
3. As mulheres têm direito a especial protecção durante a gravidez e após o parto, tendo as mulheres trabalhadoras ainda direito a dispensa do trabalho por período adequado, sem perda da retribuição ou de quaisquer regalias.
4. A lei regula a atribuição às mães e aos pais de direitos de dispensa de trabalho por período adequado, de acordo com os interesses da criança e as necessidades do agregado familiar.
Código do Trabalho ou CT
Artigo 56.º
Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares
1 - O trabalhador com filho menor de 12 anos ou, independentemente da idade, filho com deficiência ou doença crónica que com ele viva em comunhão de mesa e habitação tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível, podendo o direito ser exercido por qualquer dos progenitores ou por ambos.
2 - Entende-se por horário flexível aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário.
3 - O horário flexível, a elaborar pelo empregador, deve:
a) Conter um ou dois períodos de presença obrigatória, com duração igual a metade do período normal de trabalho diário;
b) Indicar os períodos para início e termo do trabalho normal diário, cada um com duração não inferior a um terço do período normal de trabalho diário, podendo esta duração ser reduzida na medida do necessário para que o horário se contenha dentro do período de funcionamento do estabelecimento;
c) Estabelecer um período para intervalo de descanso não superior a duas horas.
4 - O trabalhador que trabalhe em regime de horário flexível pode efectuar até seis horas consecutivas de trabalho e até dez horas de trabalho em cada dia e deve cumprir o correspondente período normal de trabalho semanal, em média de cada período de quatro semanas.
5 - O trabalhador que opte pelo trabalho em regime de horário flexível, nos termos do presente artigo, não pode ser penalizado em matéria de avaliação e de progressão na carreira.
6 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 1.
Artigo 57.º
Autorização de trabalho a tempo parcial ou em regime de horário flexível
1 - O trabalhador que pretenda trabalhar a tempo parcial ou em regime de horário de trabalho flexível deve solicitá-lo ao empregador, por escrito, com a antecedência de 30 dias, com os seguintes elementos:
a) Indicação do prazo previsto, dentro do limite aplicável;
b) Declaração da qual conste:
i) Que o menor vive com ele em comunhão de mesa e habitação;
ii) No regime de trabalho a tempo parcial, que não está esgotado o período máximo de duração;
iii) No regime de trabalho a tempo parcial, que o outro progenitor tem actividade profissional e não se encontra ao mesmo tempo em situação de trabalho a tempo parcial ou que está impedido ou inibido totalmente de exercer o poder paternal;
c) A modalidade pretendida de organização do trabalho a tempo parcial.
2 - O empregador apenas pode recusar o pedido com fundamento em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável.
3 - No prazo de 20 dias contados a partir da recepção do pedido, o empregador comunica ao trabalhador, por escrito, a sua decisão.
4 - No caso de pretender recusar o pedido, na comunicação o empregador indica o fundamento da intenção de recusa, podendo o trabalhador apresentar, por escrito, uma apreciação no prazo de cinco dias a partir da recepção.
5 - Nos cinco dias subsequentes ao fim do prazo para apreciação pelo trabalhador, o empregador envia o processo para apreciação pela entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, com cópia do pedido, do fundamento da intenção de o recusar e da apreciação do trabalhador.
6 - A entidade referida no número anterior, no prazo de 30 dias, notifica o empregador e o trabalhador do seu parecer, o qual se considera favorável à intenção do empregador se não for emitido naquele prazo.
7 - Se o parecer referido no número anterior for desfavorável, o empregador só pode recusar o pedido após decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo.
8 - Considera-se que o empregador aceita o pedido do trabalhador nos seus precisos termos:
a) Se não comunicar a intenção de recusa no prazo de 20 dias após a recepção do pedido;
b) Se, tendo comunicado a intenção de recusar o pedido, não informar o trabalhador da decisão sobre o mesmo nos cinco dias subsequentes à notificação referida no n.º 6 ou, consoante o caso, ao fim do prazo estabelecido nesse número;
c) Se não submeter o processo à apreciação da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres dentro do prazo previsto no n.º 5.
9 - Ao pedido de prorrogação é aplicável o disposto para o pedido inicial.
10 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2, 3, 5 ou 7.
Artigo 212.º
Elaboração de horário de trabalho
1 - Compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, dentro dos limites da lei, designadamente do regime de período de funcionamento aplicável.
2 - Na elaboração do horário de trabalho, o empregador deve:
a) Ter em consideração prioritariamente as exigências de protecção da segurança e saúde do trabalhador;
b) Facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar;
c) Facilitar ao trabalhador a frequência de curso escolar, bem como de formação técnica ou profissional.
3 - A comissão de trabalhadores ou, na sua falta, as comissões intersindicais, as comissões sindicais ou os delegados sindicais devem ser consultados previamente sobre a definição e a organização dos horários de trabalho.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto nos n.ºs 2 ou 3.
Código Civil
Artigo 335.º
(Colisão de direitos)
1. Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes.
2. Se os direitos forem desiguais ou de espécie diferente, prevalece o que deva considerar-se superior.
Doutrina e jurisprudência que o Tribunal leva em conta
13. O Tribunal leva em conta os seguintes elementos, que serão mencionados infra na fundamentação:
Doutrina
Francisco Liberal Fernandes, O Trabalho e o Tempo, Centro de Investigação Jurídico-Económica, Biblioteca RED, 2018
Jorge de Miranda, Direitos Fundamentais, 3.ª edição, Almedina
Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina
Jurisprudência
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 423/20.9T8BRR.L1-S1, disponível em dgsi.pt
Apreciação do recurso
A. Admissibilidade do recurso
14. A título liminar o Tribunal começa por recordar que os preceitos do Código de Processo Civil a seguir mencionados, são aplicáveis ao presente recurso, por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho (CPT).
15. Dito isto, segundo o Tribunal julga perceber, nas contra-alegações a recorrida defende que o presente recurso, na parte em que impugna a matéria de facto, é inadmissível, por não observar os ónus previstos no artigo 640.º do CPC.
16. A esse propósito, porém, é forçoso constatar da leitura da motivação de recurso, nela incluídas as alegações e as conclusões, assim como do requerimento de interposição do recurso (cf. parágrafos 2 e 3 supra), que a recorrente não impugna a decisão sobre a matéria de facto – cf. artigo 635.º n.º 4 do CPC. O que defende é que aos factos provados deve aplicar-se outra solução jurídica.
17. Motivos pelos quais, improcede este segmento da argumentação da recorrida, nada obstando à apreciação do objecto do recurso.
B. Existência de motivo justificativo para recusar o horário flexível
18. O que está em causa no presente recurso é saber se a sentença impugnada incorreu em erro de interpretação do disposto nos artigos 56.º e 57.º do CT. Em particular, saber se existe motivo justificativo para a recorrida (empregadora) recusar o pedido de aplicação do horário flexível previsto no artigo 56.º do CT, feito pela recorrente.
19. Para existir recusa da entidade empregadora em aplicar a medida prevista no artigo 56.º do CT tem de verificar-se uma das situações previstas, em alternativa, no artigo 57.º n.º 2 do CT, a saber: exigências imperiosas do funcionamento da empresa; ou impossibilidade de substituir a trabalhadora se esta for indispensável.
20. A recorrente e a digna magistrada do Ministério Público defendem que não se verifica nenhuma das circunstâncias exigidas pelo artigo 57.º n.º 2 do CT, pelo que deve ser concedido o horário flexível pretendido pela recorrente; a recorrida discorda dessa solução.
21. O segmento da sentença recorrida posto em crise é o que julgou existir motivo para recusar a medida prevista no artigo 56.º do CT por se verificarem exigências imperiosas do funcionamento do estabelecimento da recorrida (cf. artigo 57.º n.º 2 do CT).
22. Dito isto, para resolver o problema objecto deste recurso, importa começar por apreciar os contornos da situação resultantes do conjunto dos factos provados, em particular, dos factos provados 2 a 49, 52 e 54. Desses contornos fácticos resulta que a recorrida tem um estabelecimento comercial para cujo funcionamento organiza turnos de pessoal diferente, que incluem trabalho nocturno e aos sábados e domingos, distribuídos pelas dez trabalhadoras afectas a esse estabelecimento (cf. artigos 221.º e 223.º do CT). Trata-se de uma loja de venda de ..., que funciona num centro comercial, diariamente, incluindo aos sábados e domingos, das 10:00 às 22:00. Esse horário de funcionamento está previsto na cláusula do contrato de utilização de loja em centro comercial, que vincula a recorrida. A recorrente celebrou um contrato de trabalho com a recorrida e, na qualidade de trabalhadora, exerce nessa loja as seguintes tarefas: atendimento de clientes, venda dos produtos, registo na caixa e reposição de mercadorias. A recorrente tem um horário de 30 horas semanais. Não obstante a diferença hierárquica e a divisão de tarefas, na prática, afigura-se resultar dos factos apurados que qualquer das trabalhadoras em questão pode substituir a recorrente nas tarefas que lhe cumpre desempenhar. Em regra, têm de estar pelo menos duas trabalhadoras presentes na loja para assegurar o funcionamento adequado do estabelecimento embora estejam mais nos períodos de maior movimento; isto tendo em conta as características dos clientes e o espaço físico do estabelecimento. A recorrente tem responsabilidades familiares com três filhos menores, que consigo residem, nascidos, respectivamente, em ........2013, ........2019 e........2022.
23. Das dez trabalhadoras afectas a esse estabelecimento: oito trabalham a tempo parcial, incluindo a recorrente que tem um horário de 30 horas semanais; das oito que trabalham a tempo parcial, seis têm horários de 30 horas semanais e duas têm horários entre 20 e 30 horas semanais; das dez trabalhadoras dessa loja, além da recorrente há outras três que requereram horário flexível devido a responsabilidades familiares; três trabalhadoras, entre as quais a recorrente, beneficiam de dispensa de horário nocturno e redução de horário para amamentação; de entre essas três, a ré goza de um período de pausa para amamentação a meio do seu horário diário; entre as dez trabalhadoras, uma tem constrangimentos pelo facto de ter de prestar apoio à mãe dependente e com problemas de saúde e outra exerce simultaneamente actividade noutra empresa; das dez trabalhadoras, seis gozam folgas e feriados de modo rotativo. Durante três anos consecutivos, entre 2019 e 2021, a recorrida apresentou resultados negativos.
24. Resulta ainda dos factos provados, acima mencionados, que a recorrente, em ........2021 pediu à recorrida a atribuição de horário flexível ao abrigo do disposto no artigo 56.º do CT e que, sendo a intenção da entidade empregadora recusar, seguiram-se os tramites previstos no artigo 57.º do CT, tendo o CRITE emitido parecer desfavorável à recusa da empregadora – cf. artigo 57.º n.º 2 do CT.
25. Nos termos do artigo 57.º n.º 7 do CT, o parecer desfavorável do CRITE tem natureza constitutiva, ou seja, confere eficácia imediata ao pedido da trabalhadora, recorrente. A empregadora, recorrida, só mediante decisão judicial pode obter o reconhecimento da existência do motivo justificativo para recusar a passagem da trabalhadora para o regime de horário flexível. (cf. Francisco Liberal Fernandes, O Trabalho e o Tempo, Centro de Investigação Jurídico-Económica, Biblioteca RED, 2018, página 41).
26. Segundo o Tribunal julga perceber, a recorrente defende que a situação se enquadra no artigo 335.º do CC e com tal fundamento deve ser reconhecida a existência de motivo justificativo para recusar a medida prevista no artigo 56.º do CT. A esse propósito, tal como já foi mencionado supra e será melhor explicado a seguir, os motivos de recusa de aplicação da medida prevista no artigo 56.º do CT têm de enquadrar-se numa das situações previstas, em alternativa no artigo 57.º n.º 2 do CT. O que sucede é que, existindo colisão de direitos e/ou direitos conflituantes, o Tribunal deverá atender, entre outros critérios, ao disposto no artigo 335.º do CC para decidir se a situação se enquadra nalguma das hipóteses previstas no artigo 57.º n.º 2 do CT.
27. Feita esta clarificação, afigura-se também resultar dos factos provados 2, 17 e 35 que qualquer das trabalhadoras do estabelecimento comercial em questão pode substituir a recorrente nas tarefas que lhe cumpre desempenhar, ficando, assim, afastado o motivo alternativo de recusa de horário flexível com base na impossibilidade de substituir a recorrente pelo facto de ser indispensável – cf. artigo 57.º n.º 2 do CT.
28. Importa então apreciar o motivo alternativo de recusa previsto no artigo 57.º n.º 2 do CT, ou seja, saber se exigências imperiosas do funcionamento da empresa justificam a recusa de horário flexível.
29. Nesse contexto, é forçoso reconhecer que os contornos fácticos da situação colocam as seguintes dificuldades à empresa: existe um número considerável de outras trabalhadoras que têm direitos concorrentes; a empregadora tem necessidade de organizar trabalho por turnos, nocturno e aos fins de semana para de cumprir o período de funcionamento contratualmente acordado com o centro comercial; é necessária a presença de pelo menos duas trabalhadoras na loja para que funcione adequadamente sem prejuízo de estarem mais em períodos de maior movimento.
30. O que importa decidir é se tais circunstâncias, aliadas aos resultados negativos da recorrente entre os anos de 2019 e 2022 e às demais circunstâncias enunciadas no parágrafo 23, podem ser qualificadas como exigências imperiosas da empresa para recusar o trabalho flexível ou se devem antes ser qualificadas como dificuldades que podem ser ultrapassadas mediante a limitação recíproca dos direitos em jogo, que a seguir serão identificados.
31. Para responder a essa questão, o Tribunal começa por sublinhar que a medida específica de tutela do direito à maternidade e à paternidade, em matéria de horário de trabalho, prevista no artigo 56.º do CT, que tem por epígrafe “Horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares”, constitui um desvio em relação ao princípio geral da determinação do horário de trabalho pelo empregador, consagrado no artigo 212.º n.º 1 do CT. Com efeito, o artigo 56.º n.ºs 1 e 3 do CT permite que a recorrente, que vive com três filhos com menos de 12 anos de idade, possa trabalhar em regime de flexibilidade de horário, escolhendo, dentro de certos limites, as horas de início e de termo da sua prestação – cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, página 497.
32. Como já foi acima referido, no caso em análise, existem outras três trabalhadoras que solicitaram idêntica medida. Adicionalmente, uma outra trabalhadora tem de prestar assistência à mãe e uma outra ainda trabalha simultaneamente para empresa diversa, situações que, a par do direito à discriminação positiva da mulher trabalhadora no período após o parto, previsto no artigo 68.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa (CRP), de que gozam a recorrente e outras duas trabalhadoras, condicionam a elaboração dos horários de trabalho pela recorrida, empregadora. Embora tais situações não estejam em causa neste processo, elas fazem parte do pano de fundo no qual se desenrola o litígio, aumentando as dificuldades da empregadora na conciliação dos vários direitos em colisão.
33. Acresce que, existindo turnos rotativos, porque a empresa labora aos sábados e domingos, como é o caso, a recorrente e as outras três trabalhadoras com responsabilidades familiares, podem solicitar que o dia de descanso semanal e as folgas recaiam sistematicamente ao fim de semana, com base no encerramento da escola dos filhos nesses dias. Com efeito, os artigos 56.º e 57.º do CT não excluem o descanso semanal, incluindo o sábado e o domingo, do regime de flexibilidade do horário de trabalho, a pedido do trabalhador com responsabilidades familiares – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 423/20.9T8BRR.L1-S1.O que sucede é que, como será explicado a seguir, em caso de colisão de direitos iguais, todas as trabalhadoras que gozem desse direito deverão ceder, de modo a que todas possam gozá-lo mas com limites, para que não haja detrimento de nenhuma (cf. artigo 335.º n.º 1 do CC).
34. A esse propósito, convém recordar que as necessidades de flexibilização do horário só podem ser avaliadas em concreto, pela entidade empregadora, perante o horário real de cada trabalhadora que solicita a aplicação da medida prevista no artigo 56.º do CT. Sobre essa questão o Tribunal acompanha aqui a seguinte doutrina (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, 9.ª Edição, Almedina, página 499):
(...) assim, se o trabalhador tiver um horário rígido que se inicia às 7:30 horas da manhã, a flexibilização do seu horário pode simplesmente corresponder a entrar uma hora mais tarde, para poder deixar os filhos na creche que abre às 8:00 horas; mas se ele tiver um horário por turnos rotativos, que envolvam trabalhar aos fins de semana, a flexibilização do que necessita para atender aos filhos pode passar pela “rigidificação “ do seu horário, de forma a poder acompanhá-los quando a creche esteja fechada”
35. Feito este enquadramento, os direitos em jogo que importa conciliar no presente litígio são, em primeiro lugar, o direito à protecção da maternidade (neste caso) e da paternidade previsto nos artigos artigo 68. n.º 1 da CRP e 56.º do CT. Em segundo lugar, a existência de direitos iguais, previstos nos artigos 68 n.º 1 da CRP e 56.º do CT, em diferentes pessoas, trabalhadoras na mesma empresa. Em terceiro lugar, o direito à livre iniciativa económica privada, de que goza a recorrida, consagrado no artigo 61.º da CRP, que se manifesta também no seu direito de fixar o horário de trabalho, nos termos do artigo 212.º n.º 1 do CT.
36. Os direitos enunciados no parágrafo anterior limitam-se reciprocamente porque os direitos de cada pessoa têm por limite os direitos das outras pessoas e o conteúdo potencial de cada um dos direitos aqui em jogo tem por fronteiras o conteúdo dos outros direitos. Assim, na falta de um preceito constitucional que contenha uma indicação genérica sobre o modo como se limitam reciprocamente esses direitos, para chegar a uma solução, o Tribunal leva em conta os seguintes critérios (cf. Jorge de Miranda, Direitos Fundamentais, 3.ª edição, Almedina, páginas 399 a 402):
• Os bens jurídicos subjacentes a cada direito, apreciados à luz do princípio da dignidade da pessoa humana;
• A hierarquia constitucional dos bens jurídicos tutelados por cada direito, que, porém, não funciona de modo automático;
• A harmonização dos preceitos legais e dos princípios aplicáveis;
• As circunstâncias do caso concreto que importa ponderar ou cuja concordância prática há que alcançar, nomeadamente à luz dos critérios aplicáveis à colisão de direitos, previstos no artigo 335.º do CC;
• Havendo conflitos que envolvem a restrição de direitos, o recurso ao artigo 18.º n.ºs 2 e 3 da CRP para os solucionar;
• Os efeitos da solução no plano dos factos e do sistema jurídico em geral.
37. Sendo essa a abordagem aqui adoptada, a situação fáctica sintetizada nos parágrafos 22 a 24 será a seguir apreciada à luz dos critérios enunciados no parágrafo 36.
38. No que toca aos bens jurídicos subjacentes aos direitos em jogo eles são, essencialmente, a protecção da maternidade e a protecção da livre iniciativa económica. À luz do princípio da universalidade, consagrado no artigo 12.º da CRP, as pessoas colectivas como a recorrida, gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres compatíveis com a sua natureza. É o que sucede com o direito à livre iniciativa económica privada da recorrida e com as dimensões do princípio da dignidade humana que se manifestam nos preceitos constitucionais, desde que o seu gozo se mostre adequado à natureza das pessoas colectivas e seja necessário à prossecução dos seus fins. Nesse contexto, analisados os bens jurídicos acima enunciados à luz da dignidade da pessoa humana (cf. artigo 1.º da CRP) avultam aqui as seguintes implicações ou dimensões da dignidade humana: a dignidade humana de cada pessoa é incindível da das demais pessoas, uma vez que todas possuem a mesma dignidade social, que decorre da sua inserção numa comunidade determinada, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade, em particular, através da realização profissional e da participação na vida cívica por parte dos pais e das mães (cf. artigo 68.º n.º 1 da CRP); apesar de materialmente reconduzível aos direitos, liberdades e garantias, a liberdade de iniciativa económica privada prevista no artigo 61.º da CRP está localizada, tal como o direito de propriedade privada, entre os direitos económicos, sociais e culturais (cf. Parte I, Título III, da CRP). Motivo pelo qual se afigura que, no âmbito da vida económica, tal como sucede com a protecção da propriedade, também a protecção da livre iniciativa económica é secundária em relação à protecção do ser de todas as pessoas (cf. Jorge de Miranda, Direitos Fundamentais, 3.ª edição, Almedina, páginas 233 a 234, 243, 253 a 254).
39. Não obstante a prevalência da protecção constitucional conferida ao ser em relação ao ter, do ponto de vista da hierarquia dos bens jurídicos tutelados pelos artigos 61.º e 68.º da CRP, aqui em causa, é forçoso constatar que ambos os preceitos figuram entre os direitos económicos, sociais e culturais (cf. Parte I, Título III, da CRP), o que indica o tratamento hierárquico equivalente que lhes é dado pela CRP.
40. No que respeita à harmonização dos preceitos legais e princípios aplicáveis, o Tribunal leva em conta que, no plano legal, o legislador optou pelo seguinte: o artigo 56.º consagra um desvio ao direito previsto no artigo 212.º n.º 1 do CT de a empregadora determinar o horário de trabalho; porém, o regime de horário flexível previsto no artigo 56.º do CT também não fica inteiramente na disponibilidade da recorrente, trabalhadora, já que os interesses de gestão da recorrida, empregadora, merecem protecção nas situações previstas no artigo 57.º n.º 2 do CT.
41. Quanto à concordância prática das circunstâncias concretas do caso, afigura-se que, havendo colisão de direitos iguais, previstos no artigo 56.º do CT, de trabalhadoras diferentes, cada uma das trabalhadoras em causa, incluído a recorrente, deverá ceder na medida do necessário para que todas possam beneficiar, ainda que com limites, da medida prevista no artigo 56.º do CT – cf. artigo 335.º n.º 1 do CC. A fixação dessas limitações cabe à entidade empregadora e depende do horário concreto da recorrente e de cada uma das trabalhadoras titulares dos direitos em colisão, mas pode ser feita, nomeadamente, mediante a elaboração de um horário flexível apenas em certos dias. A esse propósito, o Tribunal recorda que cabe à recorrida elaborar o horário flexível da recorrente, como prevê artigo 56.º n.º 3 do CT, tendo em conta que tanto a recorrente como as trabalhadoras que têm direitos iguais, devem ceder na medida necessária para que o respectivo direito ao horário flexível possa produzir efeitos em relação a todas, sem maior detrimento para nenhuma delas.
42. Além da colisão dos direitos iguais de várias trabalhadoras, entre as quais a recorrente, existe um conflito de direitos entre, por um lado o direito à livre iniciativa privada e o direito a determinar o horário de trabalho, de que goza a empregadora (cf. artigos 61.º da CRP e 212.º do CT) e, por outro lado, o direito à protecção da maternidade de que goza a recorrente, nomeadamente o seu direito a conciliar a participação na educação dos filhos e na vida cívica, com a actividade profissional (cf. artigos 68.º n.º 1 da CRP e 56.º do CT). Como já foi explicado, no plano constitucional, ambos os direitos se enquadram na categoria dos direitos sociais, económicos e culturais e nenhum deles pode ser considerado superior ao outro. O que, existindo conflito entre esses direitos como acontece, afasta o tratamento privilegiado de um deles que resultaria da aplicação do disposto no artigo 335.º n.º 2 do CC.
43. Perante o conflito de direitos da empregadora e da trabalhadora, a lei prevê a restrição do direito do empregador a determinar o horário de trabalho, o que implica uma certa compressão do direito à livre iniciativa económica privada da recorrida, que não pode, porém, comprometer o funcionamento da empresa. Perante essa situação, importa verificar, à luz do princípio da proporcionalidade que emana do artigo 18.º da CRP, se o desvio à regra de que cabe ao empregador determinar o horário de trabalho, é adequado, necessário e proporcional nas circunstâncias concretas apuradas.
44. A esse propósito, afigura-se que a restrição ao direito à livre iniciativa económica privada da recorrida, incluindo o seu direito a determinar unilateralmente o horário de trabalho da recorrente, é necessária e adequada para salvaguardar outros direitos, constitucionalmente protegidos, a saber, o direito à proteção da maternidade previsto no artigo 68.º n.º 1 da CRP, que inclui o direito de a recorrente acompanhar a educação dos três filhos menores de 12 anos, participar na vida cívica e poder conciliar essa faceta da sua vida com a sua actividade profissional.
45. Adicionalmente, tendo em conta que, por um lado, cabe à recorrida e não ao Tribunal, elaborar o horário flexível da recorrente e das outras três trabalhadoras que o requereram, como prevê o artigo 56.º n.º 3 do CT e, por outro lado, ao elaborar o horário flexível, a recorrida pode aplicar o disposto no artigo 335.º n.º 1 do CC à colisão de direitos iguais de trabalhadoras diferentes, como já foi explicado no parágrafo 41, afigura-se que, não obstante os condicionalismos descritos no parágrafo 32, estando afectas dez trabalhadoras à loja em questão, com horários que maioritariamente vão de 30 a 40 horas, a restrição ao direito à livre iniciativa económica privada da recorrida, resultante da aplicação do artigo 56.º do CT não é excessiva e afigura-se proporcional.
46. Os efeitos desta solução no plano dos factos são os seguintes: cabe à recorrida elaborar o horário flexível nos termos previstos no artigo 56.º n.º 3 do CT e ao fazê-lo, pode determinar de modo igual para todas, a medida em que a recorrente e as demais trabalhadoras cujos direitos se encontrem em colisão, devem ceder, como prevê o artigo 335.º n.º 1 do CC, para que todas possam beneficiar, com limites, da medida prevista no artigo 56.º do CT sem maior detrimento para qualquer delas e sem detrimento para os interesses da gestão do estabelecimento da recorrida, acima apurados, nomeadamente, a organização do trabalho por turnos, nocturno e aos fins de semana, o cumprimento do período de funcionamento contratualmente acordado com o centro comercial e a presença de pelo menos duas trabalhadoras na loja ou mais do que duas nos períodos de maior movimento da clientela.
47. Por último, à luz dos preceitos legais acima mencionados, afigura-se que a solução enunciada no parágrafo 46 se mostra conforme ao sistema jurídico em geral.
48. Motivos pelos quais procede o recurso, é revogada a decisão recorrida e substituída por outra que julga improcedente a acção.
Em síntese
49. O presente recurso é admissível uma vez que, não tendo por objecto a impugnação da matéria de facto, não há lugar ao cumprimento dos ónus previstos no artigo 640.º do CPC.
50. Os contornos fácticos da situação colocam as seguintes dificuldades à empresa recorrida: existem três outras trabalhadoras que têm direitos iguais que entram em colisão com o direito da autora previsto no artigo 56.º do CT; a empregadora tem necessidade de organizar trabalho por turnos, nocturno e aos fins de semana para cumprir o período de funcionamento contratualmente acordado com o centro comercial, onde funciona a loja à qual estão afectas dez trabalhadoras; é necessária a presença de pelo menos duas trabalhadoras na loja para que a mesma funcione adequadamente sem prejuízo de estarem mais em períodos de maior movimento da clientela.
51. O que importa decidir é se tais circunstâncias, aliadas aos resultados negativos da recorrente entre os anos de 2019 e 2022 e aos demais factos provados ponderados na fundamentação deste acórdão, podem ser qualificadas como exigências imperiosas da empresa para recusar o trabalho flexível (cf. artigo 57.º n.º 2 do CT) ou se devem antes ser qualificadas como dificuldades que podem ser ultrapassadas mediante a limitação recíproca dos direitos em jogo. O Tribunal opta por esta segunda solução.
52. Os direitos em jogo que importa conciliar são: o direito à protecção da maternidade de que goza a recorrente, previsto nos artigos artigo 68. n.º 1 da CRP e 56.º do CT; a existência de direitos iguais, previstos nos artigos 68 n.º 1 da CRP e 56.º do CT, em diferentes trabalhadoras da mesma empresa; o direito à livre iniciativa económica privada, de que goza a recorrida, consagrado no artigo 61.º da CRP, que se manifesta também no seu direito de determinar o horário de trabalho, nos termos do artigo 212.º n.º 1 do CT.
53. A colisão dos direitos iguais de várias trabalhadoras, entre as quais a recorrente, pode ser resolvido mediante o recurso ao artigo 335.º n.º 1 do CC, cabendo à recorrida elaborar o horário flexível, nos termos previstos no artigo 56.º n.º 3 do CT, com as limitações decorrentes do artigo 335.º n.º 1 do CC.
54. As dificuldades em conciliar os direitos em colisão não constituem exigências imperiosas do funcionamento da empresa, na acepção do artigo 57.º n.º 2 do CT, uma vez que a recorrente e as demais titulares dos direitos em colisão devem ceder, como prevê o artigo 335.º n.º 1 do CC, para que todas possam beneficiar, com limites, da medida prevista no artigo 56.º do CT, sem maior detrimento para qualquer delas e sem detrimento para os interesses da gestão do estabelecimento da recorrida, nomeadamente, os acima mencionados no parágrafo 50.
55. A restrição ao direito à livre iniciativa económica privada da recorrida, incluindo o direito a determinar unilateralmente o horário de trabalho da recorrente, afigura-se necessária, adequada e proporcional para salvaguardar outros direitos, constitucionalmente protegidos, como a proteção da maternidade prevista no artigo 68.º n.º 1 da CRP, que inclui o direito de a recorrente acompanhar a educação dos três filhos menores de 12 anos, participar na vida cívica e poder conciliar essa faceta da sua vida com a sua actividade profissional, embora com os limites impostos pelo artigo 335.º n.º 1 do CC, resultantes da colisão desse direito com direitos iguais de outras trabalhadoras.
Decisão
Acordam as Juízes desta secção em:
I. Julgar procedente o recurso.
II. Revogar a decisão recorrida e substituí-la por outra que julga improcedente a acção e absolve a ré (recorrente) do pedido.
III. Condenar a recorrida nas custas – artigo 527.º n.º 1 do CPC, aplicável ex vi artigo 87.º n.º 1 do CPT.

Lisboa, 5 de Junho de 2024
Paula Pott
Maria Luzia de Carvalho
Francisca Mendes