Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | MANUELA FIALHO | ||
Descritores: | TRABALHO SUPLEMENTAR ÓNUS DA PROVA INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 01/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Texto Parcial: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
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Sumário: | 1 – Da circunstância de a empregadora não dispor de registos dos tempos de trabalho ou de trabalho suplementar não emerge a inversão do ónus da prova no concernente à prestação de trabalho suplementar. 2 – Para que possa reconhecer-se o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar é necessário que o trabalhador prove que realizou trabalho que deva ter-se como suplementar, embora se desconheçam os concretos limites da prestação. | ||
Decisão Texto Parcial: | ![]() | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Lisboa: AA, Autor, notificado da sentença que antecede, não se conformando com tal decisão e porque tem legitimidade e está em tempo, vem dela recorrer. Pede que se altere a matéria de facto assente e em consequência se profira um acórdão anulatório da sentença na parte de que se recorre sendo esta substituída por outra que decida pela procedência da ação e conclua pela condenação da Recorrida a pagar ao Recorrente o trabalho suplementar realizado. Funda-se nas seguintes conclusões: 1. Pretende o Recorrente com o presente recurso impugnar essencialmente a decisão proferida sobre a matéria de facto por considerar que ocorreu um erro na apreciação da prova e consequentemente as conclusões de direito que sobre ela foram retiradas. 2. Na sentença de que ora se recorre a Meritíssima Juiz a quo, não se pronunciou sobre grande parte dos factos alegados pelo Recorrente na sua petição inicial, nomeadamente no que respeita aos factos alegados nos art.ºs 16º a 116º, que constituem factos essenciais da causa de pedir, já que se reportam à alegação dos dias, horários e horas suplementares que considera ter realizado no período compreendido entre Novembro de 2017 e Novembro de 2021. 3. Ora, sem se saber, se tais factos foram ou não considerados como provados, de forma individualizada na sentença de que se recorre, torna-se ininteligível a decisão de direito proferida. 4. Pelo que a concluir-se pela insuficiência da matéria de facto constante da decisão de que agora se recorre, deve o processo baixar à 1ª instância, para que possa a mesma ser corrigida, se se entender que os elementos constantes dos autos são suficientes para a prolação de nova decisão ou então que seja determinada a repetição do julgamento para nova produção de prova. 5. Considera também o Recorrente que deveria ter sido dado como provado com fundamento na prova produzida que o horário de trabalho afixado no local de trabalho (tendo presente o facto dado como provado no nº 12), comportava a realização de um horário de trabalho semanal de 41horas e 15 minutos e consequentemente a realização de 1 hora e 15 minutos de trabalho suplementar por semana. 6. Isto porque, de acordo com o horário de trabalho afixado, o Recorrente praticava um horário de 7 horas e 30 minutos à segunda, quinta, sexta, sábado e Domingo e de 3 horas e 15 minutos às terças-feiras. 7. Ora, da soma destes tempos de trabalho resulta um horário trabalho semanal de 41h15m, pelo que tal facto deve ser dado como provado. 8. O Recorrente discorda da ponderação que foi feita dos depoimentos das testemunhas pela Meritíssima Juiz a Quo, pelo que pretende a sua reapreciação a fim de obter pronúncia sobre os seguintes factos: a) o Autor praticou um horário de trabalho com entrada às 10h30m (horário de almoço decorria entre as 11h00 e as 11h30) – saída (quando já não houvesse clientes para servir) – entrada 18h00 (horário de jantar decorria entre as 18h00 e as 18h30) – saída (quando já não houvesse clientes para servir) b) As horas de trabalho praticadas pelo Autor entre as 10h e 11h45m, entre as 15h30m e as 19h45m e a partir das 23h são consideradas trabalho suplementar. 9. É que resulta dos depoimentos das testemunhas, claramente, que o horário de saída do Recorrente e dos restantes trabalhadores não correspondia ao horário em que deixavam de poder entrar novos clientes (vulgo «horário de encerramento ao público»), mas seria sempre após a saída do último cliente e da limpeza da sala. 10. Sobre esta matéria veja-se o depoimento da testemunha CC: • Ao 00h:05m:54s do seu depoimento - “O horário de trabalho? Tínhamos hora de entrada, de saída não tínhamos. Fechava dez horas, dez e qualquer coisa e muitas das vezes saímos às quatro, quatro e tal, chegávamos às seis horas e depois não havia hora de saída também no final do dia. Outras vezes nem saiamos, quando era fins-de-semana, quando havia que fazer, a gente entrava, se houvesse que fazer tínhamos dias que fazíamos direto desde as dez ou dez e pouco até à meia-noite ou uma da manhã, aquilo que fosse.” (sublinhados nossos) • ao 00h:11m:40s do seu depoimento – “Exatamente.” • ao 00h:11m:52s do seu depoimento – “Enquanto houvesse clientes tínhamos que os servir, não é? Se a gente viesse embora…” • ao 00h:15m:07s do seu depoimento - “Nunca. Ele cumpria o horário que eu cumpria e os outros todos. Era sempre… praticamente entrávamos quase todos ao mesmo tempo e saímos quase todos ao mesmo tempo.” 11. E da testemunha DD: • ao 00h:03m:44s do seu depoimento – “Portanto, o início da jornada de trabalho, pelo menos o meu, eu entrava às dez e meia da manhã e quando chegava lá já lá estava o pessoal todo, os funcionários relativamente à parte da sala. Já lá estavam. Eu era o último a chegar porque vinha de Lisboa e era o último a chegar. Entrava às dez e meia, portanto a partir das onze, onze e tal, íamos almoçar, o período de almoço nem chegava a meia hora, praticamente um quarto de hora, vinte minutos, iniciávamos o trabalho e acabava de sair às quatro e meia, cinco horas da tarde e voltava para a segunda parte da jornada de trabalho, ou seja, para os jantares às seis da tarde. Jantávamos novamente, o período de jantar nunca era a meia hora, e acabava por terminar a jornada de trabalho lá para a meia noite. Isto numa altura, e volto a frisar, do período de restrições de horários inerentes ao estado de emergência que, entretanto, foram decretados. Isso à meia noite de dias normais. Em vésperas de folga, como tínhamos que fazer a limpeza acabava por sair de lá à uma da manhã. Portanto, isto era o horário que eu fazia e que os meus colegas faziam. Portanto, aquilo eu estou-lhe a dizer corresponde à verdade, é uma verdade que não é condicionada, nem está sujeita a represálias, compreende a Senhora Doutora o que estou-lhe a dizer? O que eu estou-lhe a dizer é a verdade, corresponde ao horário, não vale a pena estarmos aqui a (impercetível) a realidade ou estar com (impercetível).” • ao 00h:05m:24s do seu depoimento - “Exatamente. Senhora Doutora, fazia, exatamente. E como lhe acabei de dizer há bocado, eu quando chegava lá o Senhor AA já lá estava, inclusive os outros funcionários. Eu era o último a chegar, talvez porque viesse de Lisboa, entrava sempre àquela hora. Eram dez e meia.” • ao 00h:05m:43s do seu depoimento - “Sim, Senhora Doutora. Às vinte e três naquela altura os clientes tinham restrições de horários, (impercetível) mas como a senhora sabe, tem que arrumar tudo, é chamada a mise en place, em linguagem técnica da restauração. E depois tínhamos que pôr a sala novamente, arrumar uma esplanada que a firma tinha, o Senhor EE, que significa a firma. tínhamos que arrumar aquilo tudo. Pronto. Acabávamos por sair de lá à meia noite e nas vésperas da folga saímos de lá à uma da manhã.” • ao 00h:09m:34s do seu depoimento - “O que importa é o fecho… A cozinha até pode fechar às dez, os empregados de mesa estando lá clientes não podem ir embora. Têm que aguentar até os clientes irem embora.” (sublinhados nossos) 12. Ora, do depoimento conjugado destas duas testemunhas retira-se que não obstante o encerramento do restaurante ocorrer às 23 horas, o Recorrente e os seus colegas teriam sempre de se manter ao serviço até o último cliente abandonar a sala e todas as arrumações, inclusive a mise en place do dia seguinte estarem realizadas. 13. E o depoimento destas testemunhas tem de relevar nesta sede, o testemunho de CC, com uma antiguidade na recorrida de cerca de 25 anos não pode ser desvalorizado pelo facto de ter saído em litígio, quando para mais é o próprio que revela a sua existência e o assume – o que só pode ser interpretado como uma manifestação de boa-fé. 14. Sendo também de relevar o depoimento de DD, que, trabalhou como extra no estabelecimento da Recorrida por diversas vezes, não obstante apenas ter trabalhado em dias seguidos, apenas quinze, fez um depoimento que deve ser considerado confirmativo do anterior, uma vez que não estão em clara oposição, antes pelo contrário mostram sintonia. 15. Como não é suficiente para fundamentar que a existência de trabalho suplementar indicada pelo Recorrente seja duvidosa “(…) o que resulta dos registos do Autor que em todos os dias da semana (exceto à quarta-feira), em todos os meses do ano houvesse necessidade diária de prestação de trabalho suplementar, quando resulta da experiência comum que a atividade da restauração tem alguma sazonalidade e uma incidência particular nos fins-de-semana e dias que o precedem”. 16. Porque, o que resulta da experiência comum da atividade da restauração, é que este é um dos sectores com maior trabalho suplementar não declarado, precisamente pela necessidade de prolongar horários até à saída do último cliente, para apenas, após isso, proceder à limpeza completa do estabelecimento comercial, preparar a mise en place para o dia seguinte e em muitos casos proceder ao encerramento da caixa e contagem dos valores realizados. 17. Sendo certo, que na maioria dos casos os trabalhadores do sector da hotelaria não reclamam as horas realizadas a mais e quando o fazem, é já no final da relação laboral, pelo que o facto do Recorrente só vir a reclamar agora o trabalho suplementar prestado, não pode ser fundamento bastante como faz a Meritíssima Juiz a quo para que se torne duvidosa esta reclamação – até porque o próprio legislador concedeu ao trabalhador um ano após a cessação do vínculo contratual para reclamar os respetivos créditos. 18. E claudicam todas as referências ao período de pandemia para afastar a possibilidade de o Recorrente ter realizado trabalho suplementar, pois o seu pedido tem início em Maio de 2017, e o período de pandemia em causa corresponde apenas a cerca de pouco mais de um ano (Março de 2020 a Abril de 2021) do pedido e o Recorrente expurgou todo esse tempo do seu pedido, bem como o fez no que respeita aos tempos em que esteve em lay off. 19. Pelo que sempre deveria ter sido dado como provado o seguinte facto: • o Autor praticou um horário de trabalho com entrada às 10h30m (horário de almoço decorria entre as 11h e as 11h30) - saída (quando já não houvesse clientes para servir) - entrada 18h00 (horário de jantar decorria entre as 18h00 e as 18h30) - saída (quando já não houvesse clientes para servir) 20. E consequentemente deveria ter sido dado como provado que: • As horas de trabalho praticadas pelo Autor entre as 10h e 11h45m, entre as 15h30m e as 19h45m e a partir das 23h são consideradas trabalho suplementar. 21. Discorda também o Recorrente das consequências retiradas pela Meritíssima Juiz a Quo “(…) da Recorrido não proceder ao registo do tempo de trabalho e ao registo do trabalho suplementar (…)”, é que “(…) a falta ou irregularidade dos registos dos tempos de trabalho ou de trabalho suplementar(…)” apenas foi apreciada enquanto podendo ou não consubstanciar violação do dever de cooperação e se ocorreria ou não inversão do ónus da prova, não tendo sido feita qualquer apreciação de direito sobre esta matéria. 22. É que no caso, a ausência de registo de trabalho suplementar acarreta a consequência para o empregador que consta do art.º 231º, nº 5 do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009 de 12/02, ou seja,” A violação do disposto nos números anteriores confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha prestado atividade fora do horário de trabalho, o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar.” 23. Mais, nesta sede não podia a Meritíssima Juiz a quo ter desvalorizado o facto de a Recorrida não proceder aos registos de tempos de trabalho, isto porque a sua inexistência constitui um ilícito contraordenacional (cfr. Art.º 202º, nº 5 e art.º 231º, nº 9 do Código do Trabalho). 24. Pelo que a sua não junção, apenas tem origem na sua inexistência, ou seja, tem origem num comportamento ilícito da Recorrida, pelo que tal comportamento tem de ser apreciado para efeitos de violação do dever de cooperação previsto no art.º 417º do Código Civil. 25. Pelo que ao contrário do que decidiu a Mmª. Juiz a quo ocorreu uma imediata inversão do ónus da prova, por se ter tornado impossível ao Recorrente realizar a prova sobre os dias e horas concretas em que prestou trabalho suplementar, ou pelo menos, de confrontar os registos da Recorrida com os seus. 26. E a Recorrida ao não apresentar os registos de tempos, elementos essenciais à descoberta da verdade material, incorreu numa situação de recusa culposa de apresentação de documento, a qual tem de ter consequências jurídicas. 27. Ora, foram estas consequências resultantes do comportamento omissivo da Recorrida que a Meritíssima Juiz não retirou, já que dando-se como provado que o Recorrente praticou horas de trabalho suplementar, sem que delas exista registo quer de horário de trabalho, quer de trabalho suplementar organizado pelo empregador, sempre a Recorrida deveria ter sido condenada a pagar duas horas de trabalho suplementar por cada dia de trabalho do Recorrente, mesmo que se relegasse o seu apuramento para liquidação de sentença, como tem sido o entendimento jurisprudencial nesta matéria. 28. Bem como estavam reunidos todos os pressupostos para a Recorrida ser condenada como litigante de má-fé, pois, inicialmente na sua contestação alegou expressamente a existência de tais registos, para mais tarde já em sessão de julgamento vir a reconhecer a sua inexistência. 29. Assim sendo, dados como provados os factos: • o horário de trabalho afixado no local de trabalho (tendo presente o facto dado como provado no nº 12), comportava a realização de um horário de trabalho semanal de 41horas e 15 minutos e consequentemente a realização de 1 hora e 15 minutos de trabalho suplementar por semana. • o Autor praticou um horário de trabalho com entrada às 10h30m (horário de almoço decorria entre as 11h e as 11h30) - saída (quando já não houvesse clientes para servir) - entrada 18h00 (horário de jantar decorria entre as 18h00 e as 18h30) - saída (quando já não houvesse clientes para servir) • As horas de trabalho praticadas pelo Autor entre as 10h e 11h45m, entre as 15h30m e as 19h45m e a partir das 23h são consideradas trabalho suplementar. 30. Acrescidos dos já dados como provados: • Existia afixado no local de trabalho o horário de trabalho junto a fls. 139v, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, entre outros o seguinte: Horário de funcionamento Abertura às 12.00 Horas, Encerramento às 23H00 Descanso semanal – 4ª feira Período de Trabalho Nome 1º Período 2º Período Desc.Compl/ Período AA 11:45-15:30 H 19:45- 23:00H 3ª Feira 1ª período • Durante a execução do contrato de trabalho o Recorrente nunca recebeu remuneração declarada nos recibos de vencimento, por conta de trabalho suplementar. • O legal representante da Recorrida estava sempre presente no estabelecimento comercial, supervisionando direta e pessoalmente, numa base diária, a prestação de trabalho dos funcionários, sendo quem abria e fechava o estabelecimento e ligava/desligava o sistema de vigilância e alarme e conhecia os horários e trabalho suplementar prestado pelos funcionários e Recorrente, permanecendo no estabelecimento a tempo inteiro inclusivamente atendendo os clientes, recebendo pagamentos, desde o horário de abertura até ao do fecho. 31. A decisão que deveria ter sido proferida, sempre teria de ser, a de que ocorreu uma prestação de trabalho suplementar por parte do Recorrente, com determinação prévia e expressa de tal trabalho pela Recorrida, com condenação da Recorrida no seu pagamento. 32. Mas, caso não se consigam apurar os períodos diários concretos de trabalho prestado e na ausência de registo de tempo de trabalho e de trabalho suplementar que permitam aferir o lapso de tempo diário em que o Recorrente prestou trabalho suplementar, sempre no limite teria a Recorrida de ser condenada no pagamento da retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar diários por cada dia de trabalho prestado, nos termos do art.º 251º, nº 5 do Código do Trabalho, o que não aconteceu. 33. Pelo que, a sentença de que se recorre para além apresentar insuficiência da matéria de facto apreciada, encontra-se ferida de erro de julgamento e erro na apreciação da prova. BB, LDA., Ré, tendo sido notificada da interposição de Recurso, vem apresentar as suas Contra-Alegações, nas quais defende que a Sentença Recorrida não merece qualquer censura, devendo a mesma manter-se nos exatos termos em que foi proferida, devendo as Alegações de Recurso do aqui Recorrente serem julgadas improcedentes, e manter-se a decisão recorrida. O MINISTÉRIO PÚBLICO emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. * Apresentamos, infra, um breve resumo dos autos para cabal compreensão: AA instaurou contra BB Lda a presente ação comum, pedindo que sendo a ação julgada procedente por provada e, em consequência, a ré ser condenada a pagar ao autor: a) Euro 32.577,68 a título de trabalho suplementar, trabalho prestado em folgas e feriados; b) Euro 3.978,84 a título de juros de mora vencidos até 03.05.2022 sobre o capital em dívida; c) Euro 600,19 (seiscentos euros e dezanove cêntimos) a título de retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não foram proporcionadas ao trabalhador durante os cinco anos de execução contratual; d) O montante de juros de mora vincendos que se venham a vencer desde a data de entrada da presente ação e até efetivo e integral pagamento; e) Uma sanção pecuniária compulsória à razão diária de Euro 500,00 por cada dia de incumprimento pela Ré no pagamento dos valores em que tenha a ser condenada, caso o Autor obtenha ganho de causa. Para tanto alegou, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 2/05/2017 mediante de contrato de trabalho a termo, sucessivamente renovado, que foi denunciado pelo autor com efeitos a 1/12/2021, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Empregado de Mesa, com o salário inicial de €630,00, com um horário de trabalho de 40 horas semanais distribuídas por seis dias da semana, de acordo com o horário de trabalho afixado no local de trabalho, mas que o horário de trabalho que lhe foi transmitido na entrevista de trabalho nunca foi cumprido, que lhe foi fixado outro que identifica, e que prestou trabalho suplementar nos termos que identifica concretamente, com indicação de horas de entrada e saída em cada dia de acordo e feito com base nos seus registos pessoais, e que nunca recebeu remuneração por conta do trabalho suplementar prestado. Mais alegou que durante a execução do contrato de trabalho apenas beneficiou de 12 horas de formação. A ré contestou, por exceção invocando a prescrição, e por impugnação negando quer o horário indicado pelo autor, quer que o autor tivesse prestado trabalho suplementar, quer que a ré alguma vez lhe tenha pedido ou autorizado a prestar trabalho suplementar, e confessando, por não a impugnar especificadamente, a formação ministrada nos termos alegados pelo autor. O autor respondeu à contestação pugnando pela improcedência da exceção. No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção da prescrição. Realizou-se julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência: - Condenou a ré BB Lda a pagar ao autor AA a quantia de €460,32 (quatrocentos e sessenta euros e trinta e dois cêntimos) referente à formação não ministrada, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da cessação do contrato de trabalho (1/12/2021) e até integral pagamento; - Absolveu a ré do demais peticionado. *** As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso. Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, são as seguintes as questões a decidir, extraídas das conclusões: 1ª – O Tribunal errou no julgamento da matéria de facto? 2ª – Ocorreu inversão do ónus da prova? 3ª – Ocorreu prestação de trabalho suplementar, devendo a Recrdª ser condenada no seu pagamento? *** FUNDAMENTAÇÃO: A 1ª questão que cumpre enfrentar prende-se com o invocado erro de julgamento da matéria de facto. Começa o Apelante por alegar que a sentença não se pronunciou sobre os Art.º 16º a 116º da petição inicial, artigos que considera traduzirem factos essenciais integrantes da causa de pedir. Contrapõe a Recrdª que a sentença ponderou a factualidade em presença. Vejamos! Compulsada a petição inicial verificamos que naquele articulado se consignam, por um lado, o número de horas de trabalho suplementar prestadas em cada mês dos anos de 2017 a 2021 e, por outro, os concretos dias e horários que enformam a prestação invocada. São, pois, em face do pedido formulado sob a alínea a) factos essenciais. Olhando à sentença não existe, nem no acervo provado, nem no não provado, uma referência direta a tal factualidade. Tendo a sentença tido a preocupação de elencar os concretos artigos provados e não provados, nunca se reporta ao acervo fático constante daquele enunciado. Consigna, porém, que “não se provaram com relevo mais factos para além dos factos constantes dos artigos expressamente referidos e com a redação que deles consta, sendo que os não enumerados eram conclusivos, contendo matéria de direito ou irrelevantes ou várias vezes repetidos.” Em sede de fundamentação consigna ainda que “Os factos não provados, seja quanto ao que foi o horário fixado do autor, o horário normalmente observado, o horário concretamente observado em cada dia, e as horas de trabalho efetivamente prestadas ao longo do contrato de trabalho, resultam como não provados por falta de prova bastante que as sustente”. E, após, explica porquê. Assim, consideramos cabalmente cumprido o dever enunciado no Art.º 607º/4 do CPC, sendo absolutamente inteligível a sentença quanto a esta matéria. Surpreendentemente o Apelante não pugna pela prova de tal factualidade, pelo que dificilmente se percebe a sua referência a uma eventual insuficiência fática. Tanto basta para que consideremos improcedente a questão em apreciação. A impugnação prossegue ainda com o Apelante a debater-se por que se dê como provado que “o horário de trabalho afixado no local de trabalho (tendo presente o facto dado como provado no nº 12) comportava a realização de um horário de trabalho semanal de 41 horas e 15 minutos e consequentemente a realização de 1 hora e 15 minutos de trabalho suplementar por semana”. Ocorre, porém, que o A. não assentou a causa de pedir numa tal factualidade. O A. assentou a sua causa de pedir na observância, em cada dia dos meses e anos que refere, de um certo período de trabalho. Não pode, pois, vir em sede de recurso, introduzir uma modificação na causa de pedir. Por outro lado, da afixação do horário reportado no ponto 12 no local de trabalho não pode extrair-se a respetiva observância, tanto mais que, conforme sublinhado na sentença “resultou como não provado qual o horário efetivamente observado pelo autor em cada dia que trabalhou, não se provando sequer os dias em que trabalhou”. Na mesma linha de pensamento pretende o Apelante que se dê como provado que “o A. praticou um horário de trabalho com entrada às 10h30m (horário de almoço decorria entre as 11h e as 11h30m) - saída (quando já não houvesse clientes para servir) – entrada 18h (horário de jantar decorria entre as 18h e as 18h30m) – saída (quando já não houvesse clientes para servir) ” e ainda que “As horas de trabalho praticadas pelo A. entre as 19h e 11h45m, entre as 15h30m e as 19h45m e a partir das 23h são consideradas trabalho suplementar”. Começamos por salientar que esta última asserção traduz uma conclusão que não poderá enformar o acervo fático, conforme emerge de quanto se dispõe no Art.º 607º/4 do CPC. E quanto ao mais renovamos o que acima dissemos. Não foi neste pressuposto que assentou a causa de pedir. Nos Art.º 7º e ss. a hora de entrada situa-se, em regra às 10h30m ou 18h, havendo dias em que é situada às 10h, e a saída ocorre ora às 16h, ora às16h30m, ora ás 17h, ora às 17h30m, e, quanto ao período da tarde, temos saídas alegadas ora às 23h, ora 23h30m, ora 24h, ora às 24h30m, 1h, 1h30m… Em cada dia do mês e do ano é claramente especificado o horário observado, assim se permitindo a quantificação das horas trabalhadas. Assim, por um lado, tal como acima dito, a introdução fática pretendida não tem assento na causa de pedir. E, por outro – e cuja importância não é despicienda – a mesma traduziria uma afirmação vaga e genérica que em nada contribuiria para o sucesso da ação. Na verdade, a dar-se como provada a matéria pretendida jamais se conseguiria contabilizar a prática de trabalho suplementar, pois teríamos a certeza quanto à hora de entrada, mas não quanto à hora de saída. “Quando já não houvesse clientes” não é, necessariamente, depois do período horário a observar. Pode ser antes. Não poderemos ainda deixar de alertar para a vacuidade decorrente de não se invocarem os concretos dias em que a saída ocorria nos termos referidos, o que por si também inviabiliza a consequência mencionada no Art.º 231º/5 do CT. A este voltaremos infra. Circunstância que inutiliza completamente o pedido efetuado. Deste modo, também em presença do disposto no Art.º 130º do CPC este Tribunal não deverá deter-se sobre a reapreciação reclamada. Termos em que improcede a questão sub-júdice. *** OS FACTOS: Os Factos Provados são os seguintes: 1º O Autor foi admitido ao serviço da ré através da celebração, em 2 de Maio de 2017, de acordo escrito que as partes qualificaram de “contrato de trabalho a termo certo” junto a fls. 32v a 34, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, entre outras, com as seguintes cláusulas: Cláusula Primeira (Categoria Profissional) O Trabalhador é admitido ao serviço do Empregador para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de Empregado de Mesa, que se caracteriza pelas funções de servir refeições e bebidas às mesas do estabelecimento. Cláusula Terceira (Período normal de Trabalho) O período normal de trabalho será de 40 horas distribuídas por seis dias da semana, de acordo com o horário de trabalho afixado no local de trabalho. Parágrafo primeiro (Alteração do horário de trabalho) é permitido ao Empregador alterar unilateralmente os horários de trabalho ou estabelecer horários em regimes especiais de adaptabilidade nos termos definidos no Artigo 203º e 211º do Código do Trabalho. Parágrafo segundo (Regime de prestação de Trabalho) 1- O trabalhador aceita e dá o seu acordo no ato da assinatura do presente contrato que o período semanal de trabalho seja prestado em seis dias da semana. 2- O período de prestação de trabalho é regulado nas Cláusulas 33º, 24º, 35º e 36º do CCT aplicável, mencionado, na Cláusula Décima Terceira. Parágrafo terceiro (Registo do horário de Trabalho) para além dos deveres nomeados nos Artigos 126º e 128º do Código do Trabalho o Trabalhador compromete-se a cumprir as normas internas em vigor na empresa relativas ao registo do horário de trabalho nos termos do Artigo 202º do Código do Trabalho. Cláusula Quarta (Remuneração) Como retribuição ajustada pelo desempenho das funções referidas, o Empregador pagará ao Trabalhador, mensalmente, a quantia de 630,00 Euros, sujeita aos impostos e descontos legais. Cláusula Quinta (Duração do contrato) O presente contrato é celebrado pelo prazo de 6 meses, com início em 02/05/2017 e termo em 01/11/2017. Cláusula Décima Terceira (Instrumentos de regulamentação coletiva) Os pontos omissos serão regulados pelas disposições legais aplicáveis do Código do Trabalho supra mencionado especificamente ao Contrato Coletivo de Trabalho para o Sector da Indústria Hoteleira, celebrado entre AHRESP e Outros. (artigo 1º e 129º da petição inicial – admitido por acordo) 2º O contrato renovou-se por mais seis meses no período compreendido entre 2/11/2017 e 2/05/2018, e em 3/05/2018 até 3/11/2018 e em 4/11/2018 até 4/05/2019. (artigos 130º a 132º da petição inicial – admitido por acordo) 3º Por carta registada com aviso de receção datada de 29/09/2021, recebida pela ré em 1/10/2021, que consta a fls. 34v a 35, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o autor comunicou a denúncia do contrato de trabalho mediante aviso prévio de 60 dias. (artigo 2º da petição inicial – admitido por acordo) 4º Durante a execução do contrato de trabalho o autor nunca recebeu remuneração, declarada nos recibos de vencimento, por conta de trabalho suplementar. (artigo 4º 5ºY da petição inicial) 5º O legal representante da ré estava sempre presente no estabelecimento comercial, supervisionando direta e pessoalmente, numa base diária, a prestação de trabalho dos funcionários, sendo quem abria e fechava o estabelecimento e ligava/desligava o sistema de vigilância e alarme e conhecia os horários e trabalho suplementar prestado pelos funcionários e autor, permanecendo no estabelecimento a tempo inteiro inclusivamente atendendo os clientes, recebendo pagamentos, desde o horário de abertura até ao do fecho. (artigo 5ºH a 5º-J da petição inicial – admitido por acordo) 6º Por conta do horário efetivamente observado o autor auferiu no ano de 2017 a retribuição mensal de € 630,00 nos seguintes termos Ano 2017 Mês Remuneração Observações Maio 630,00€ Junho 630,00€ Julho 630,00€ Agosto 630,00€ Setembro 630,00€ Outubro 630,00€ Novembro 630,00€+ 456,33 Subsídio de férias Dezembro 630,00€+ 418,31 Subsídio de Natal (artigo 5º-S da petição inicial – admitido por acordo) 7º Por conta do horário efetivamente observado o autor auferiu nos anos de 2018 e 2019 a retribuição mensal de €630,00 nos seguintes termos Anos 2018 e 2019 Mês Remuneração Observações Janeiro 630,00€ Fevereiro 630,00€ Março 630,00€ Abril 630,00€ Maio 630,00€ Junho 630,00€ Julho 630,00€ Agosto 630,00€ Setembro 630,00€ Outubro 630,00€+630,00€ Subsídio de férias Novembro 630,00€ Dezembro 630,00€+630,00€ Subsídio de Natal (artigo 5º-T da petição inicial – admitido por acordo) 8º Por conta do horário efetivamente observado o autor auferiu no ano de 2020 a retribuição mensal de €635,00 nos seguintes termos Anos 2020 Mês Remuneração Observações Janeiro 635,00€ Fevereiro 635,00€ Março 635,00€ Abril 297,33€+338,67€ Layoff Maio 275,15€+359,83€ Layoff Junho 635,00€ Julho 635,00€ Agosto 635,00€+635,00€ Subsídio de férias Setembro 635,00€ Outubro 635,00€ Novembro 635,00€ Dezembro 635,00€+635,00€ Subsídio de férias (artigo 5º-U da petição inicial – admitido por acordo) 9º Por conta do horário efetivamente observado o autor auferiu no ano de 2020ª retribuição mensal de € 665,00 nos seguintes termos Ano 2021 Mês Remuneração Observações Janeiro 288,17€+376,83€ Layoff Fevereiro 665,00€ Layoff Março 665,00€ Layoff Abril 665,00€ Maio 665,00€ Junho 665,00€ Julho 665,00€ Agosto 665,00€+665,00€ Subsídio de Férias Setembro 665,00€ Outubro 665,00€ Novembro 620,67€ Novembro 604,90€ Férias não gozadas Novembro 604,90€ Subsídio de férias Novembro 604,90€ Subsídio de Natal (artigo 5º-V da petição inicial – admitido por acordo) 10º No período de 2017 a 2021, o autor auferiu ainda o montante de €52,52 a título de subsídio de alimentação, que era descontado do vencimento como “desconto em espécie” uma vez que o réu providenciava a alimentação (almoço e jantar) ao autor. (artigos 5º-W e 5º-X da petição inicial – admitidos por acordo) 11º Durante os anos de execução do contrato o autor apenas beneficiou de 12 horas de formação. (artigo 128º da petição – admitido por acordo) 12º Existia afixado no local de trabalho o horário de trabalho junto a fls. 139v, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, entre outros o seguinte: Horário de funcionamento Abertura às 12.00 Horas, Encerramento às 23H00 Descanso semanal – 4ª feira Período de Trabalho Nome 1º Período 2º Período Desc.Compl/Período AA 11:45-15:30H 19:45-23:00H 3ª Feira 1ªperíodo (artigos 13º e 14º da contestação) 13º O descanso semanal do restaurante era e é às quartas-feiras, estando o restaurante encerrado. (artigo 33º da contestação) *** O DIREITO: A 2ª questão suportada pela apelação prende-se com a pretendida inversão do ónus da prova. Sustenta o Recrte. que da não junção, motivada pela respetiva inexistência, dos registos de trabalho suplementar por parte da Apelada, decorre a inversão do ónus da prova. Não alega o Apelante em que momento terá requerido a cooperação da Apelada, muito embora se sustente no disposto no Art.º 417º do CC (quererá certamente reportar-se ao Art.º 417º do CPC). Compulsados os autos verificamos que na petição inicial foi requerida a notificação da contraparte para juntar os documentos necessários á prova dos factos alegados nos Art.º 7º a 126º, designadamente os registos contabilísticos/financeiros emitidos nas referidas datas e que comprovam nos horários referidos o estabelecimento onde prestava trabalho. Este requerimento foi indeferido no saneador. Na mesma peça o Tribunal ordenou a notificação da R. para “juntar aos autos os registos do tempo de trabalho do autor dos últimos 5 anos – art.º 202º do Código do Trabalho”. A fls. 304 consta uma peça subscrita pela R. na qual consta que inexiste qualquer registo de horário de trabalho, quer seja biométrico, quer seja em papel, juntando-se todas as operações de caixa feitas pelo A.. Documentação que veio a ser admitida na audiência. No concernente à questão que nos ocupa consignou-se na sentença: “Relativamente à circunstância da ré não proceder ao registo do tempo de trabalho e ao registo do trabalho suplementar, importa referir que se considera que a falta ou irregularidade dos registos dos tempos de trabalho ou de trabalho suplementar não consubstancia, só por si, violação do dever de cooperação estabelecido no art.º 417º do Código Civil, implicando como consequência imediata a inversão do ónus de prova, caso o empregador seja notificado, nos termos do art.º 429º, 1, do Código de Possesso Civil, para os apresentar e não satisfaça esse dever por uma daquelas razões, já que a inversão do ónus da prova nos termos do art.º 344º do Código Civil, para que remete o nº2, do art.º 417º do Código de Processo Civil, pressupõe que tenha havido uma recusa de cooperação processual por uma das partes que tenha tornado culposamente impossível a prova à outra parte, sobre quem recaía o ónus probatório de certo facto, sendo que podendo a prova da prestação de trabalho suplementar ser feita por qualquer um dos meios de prova admitidos em direito, a falta de apresentação pelo empregador do registo de trabalho suplementar não conduz, por si só, à inversão do ónus da prova, posição em linha com a jurisprudência constante, entre outros, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 15/11/2021, Processo nº 2586/20.4T8VFR.P1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/02/2020, processo nº 1870/18.1T8BGC.G1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/01/2019, processo nº 9055/15.2T8LSB.L1.S1 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/02/2017, processo nº 988/08.3TTVNG.P4.S1 todos publicados em www.dgsi.pt .” Subscrevemos estes considerandos. Na verdade, o ónus da prova da realização de trabalho suplementar está a cargo do autor nos termos previstos no Art.º 342º/1 do CC. Esta regra inverte-se, contudo, nos termos – no que para aqui releva – do disposto no Art.º 344º/2 do CC, ou seja, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado. Dispõe, por sua vez, o Art.º 417º/2 do CPC que aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa e se o recusante for parte o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no Art.º 344º/2 do CC. Assim, para que haja inversão do ónus da prova nestas circunstâncias teremos que verificar uma recusa de colaboração, o que no caso, conforme acima dito, falha. A contraparte nada recusou, antes invocou não dispor de registos. É certo que por força do disposto no Art.º 202º/1 do CT o empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário, em local acessível e por forma que permita a sua consulta imediata. Bem como deve ter um registo de trabalho suplementar (Art.º 231º/1 do CT). Do incumprimento do aqui preceituado não resulta, contudo, a invocada inversão do ónus da prova. O empregador incorrerá em contraordenação, mas não fica, por tal razão, onerado com a prova. Do mesmo passo, poderá incorrer no dever de pagar duas horas de trabalho suplementar por cada dia de prestação (Art.º 231º/4 do CT). Não podemos ainda deixar de dizer que a prova do trabalho suplementar não é vinculada. Pode realizar-se por qualquer meio, exceto no caso previsto no Art.º 337º/2 do CT que aqui não tem aplicação. A jurisprudência dos tribunais superiores vem enunciando para a inversão do ónus da prova efetuada ao abrigo do disposto no Art.º 417º/2 do CPC um conjunto de pressupostos, entre os quais, desde logo, uma notificação para cooperar sob tal cominação; por outro lado, que a falta de cooperação tenha tornado impossível a prova ao onerado – o que é distinto de difícil. E, por último, que a impossibilidade de prova decorra de um comportamento culposo do onerado. Ora, em presença das circunstâncias evidenciadas nos autos não se preenchem tais pressupostos porque, por um lado, não se registou qualquer recusa de cooperação, por outro, nunca a R. foi notificada sob qualquer cominação e, por fim, a inexistência de registos só por si não constitui fundamento para inverter o ónus probatório já que o trabalho suplementar pode provar-se por qualquer meio não se podendo, pois, concluir, por alguma impossibilidade de prova no caso concreto. Termos em que improcede a questão em apreciação. * A 3ª questão elencada pretende responder ao seguinte – Ocorreu prestação de trabalho suplementar, devendo a Recrdª ser condenada no seu pagamento? A procedência desta questão pressupunha o sucesso da impugnação da decisão sobre matéria de facto que, como vimos, não logrou verificar-se. Alega ainda o Apelante que caso não se consigam apurar os períodos diários concretos de trabalho prestado, e na ausência de registos, sempre teria direto a receber duas horas de trabalho suplementar por cada dia de trabalho prestado. A Apelada defende que nunca o Recrte. prestou trabalho suplementar e muito menos a seu pedido e por sua ordem. A questão da remuneração de duas horas diárias apenas vem suscitada em sede de recurso, traduzindo, pois, uma questão nova. Ora, sendo os recursos meios de impugnação de decisões judicias (Art.º 627º do CPC), verdadeiramente este Tribunal está impedido de conhecer da mesma. Diremos, não obstante, que: O Art.º 231º/5 do CT dispõe que a violação do disposto nos números anteriores confere ao trabalhador, por cada dia em que tenha prestado atividade fora do horário de trabalho, o direito a retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar. Assim, se o empregador não dispuser do registo de trabalho suplementar reportado no nº 1, pode incorrer na obrigação aqui prevista. Pressuposto deste crédito do trabalhador é, porém, a prova de que realizou trabalho que deva ter-se como suplementar, embora se desconheçam os concretos limites da prestação. Dito de outro modo, o trabalhador deve provar que prestou atividade fora do horário de trabalho, atividade essa que deva ser retribuída como trabalho suplementar nos termos do disposto no Art.º 268º/2 do CT. No caso, não só não foi efetuada prova de que ocorreu prestação de atividade fora do horário de trabalho, como também que a prestação ocorreu nas circunstâncias enunciadas neste último dispositivo. Razões pelas quais improcede a questão em discussão. Uma última palavra para a conclusão 28ª, conclusão que não é minimamente sustentada no argumentário precedente em sede de alegações. Daí que, por falta de fundamento, se não conheça da matéria. <> Considerando que o Apelante não obteve vencimento em nenhuma das questões suscitadas, terá que suportar as custas da apelação nos termos do disposto no Art.º 527º do CPC. * *** * Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença. Custas pelo Apelante. Notifique. Lisboa, 10/01/2024 MANUELA FIALHO FRANCISCA MENDES LEOPOLDO SOARES |