Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6467/06.6TBOER-H.L1-2
Relator: JORGE VILAÇA
Descritores: PENHORA
QUINHÃO HEREDITÁRIO
VENDA DE IMÓVEL
RECLAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I–A penhora de quinhão hereditário do executado de herança indivisa que integra um determinado imóvel não se confunde com a penhora de imóvel determinado que faz parte de tal herança onde o executado tem a sua habitação e, por isso, não é abrangida pelo disposto no art.º 733º, n.º 5, do Código de Processo Civil.
II–Existindo penhora de quinhão hereditário de um dos executados em relação a uma herança indivisa de que também é herdeiro outro executado e tendo sido ordenada venda individualizada de imóvel que integra aquela herança, a oposição à penhora não é o meio adequado de reagir mas sim através de reclamação contra tal venda por exceder os limites da penhora e por falta de penhora que a suporte.
(Sumário elaborado pelo Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


Narciso Gabriel ...
Deduziram oposição à penhora efectuada em execução em que são exequentes:
António Gabriel ... e Maria Ivone ...
Alegando, em síntese, que na execução de que os presentes autos constituem apenso encontram-se penhorados outros bens, entre os quais a sua pensão de reforma, bem como um imóvel sem quaisquer ónus ou encargos, cuja venda assegura plenamente o pagamento da dívida exequenda e despesas prováveis da execução.

Regularmente notificados, os exequentes impugnaram a matéria alegada, juntaram documentos e requereram a condenação do Opoente como litigante de má fé, em indemnização no montante de € 1500.

Foi proferida sentença decidindo:
"-Indeferir a requerida suspensão da venda do quinhão hereditário;
-Julgar improcedente a oposição à penhora deduzida pelo opoente Narciso Gabriel ... e,
-Condenar o opoente como litigante de má fé, em multa que se fixa em 2 (duas) UC e em indemnização a pagar aos exequentes, no montante de € 750 (setecentos e cinquenta) euros."

Não se conformando com aquela sentença, dela recorreu o opoente, que nas suas alegações de recurso formulou as seguintes “CONCLUSÕES”:

-Salvo o devido respeito, a decisão sob recurso lavrou sobre manifesto lapso do Tribunal, o que deu origem a um julgamento incorrecto e a uma errada valoração da factualidade vertida nos pontos 9. e 10. da matéria considerada por assente.
-Com efeito, a douta sentença aborda 3 questões, de facto e de direito, pretensões que nega ao Recorrente, e ainda condena o recorrente, sendo elas, as relativas ao indeferimento do pedido de suspensão de venda do quinhão hereditário; da improcedência da oposição à penhora; e da condenação como litigante de má fé, que foram incorrectamente julgadas, sempre com o devido respeito.
-Relativamente à suspensão da venda do quinhão hereditário, andou mal o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, quanto ao entendimento do que decorre do n.º 5 do art.º 733.º do C.P.C.
-Decorre de tal norma que o legislador pretendeu defender a casa de habitação efectiva do executado, ou seja, concreta e objectivamente, a casa onde qualquer executado viva, independentemente de qual a causa jurídica que lhe confere o direito de viver nesse local, de ter a posse desse imóvel, como é o caso.
-É abusiva e portanto contrária ao espírito da lei, a interpretação feita pelo Tribunal de tal norma, alterando mesmo o termo “ bem “, que é mais amplo, por “ imóvel “ que é mais restrito, o que de todo não se aceita, nem tal sentido conferido à norma obedece aos parâmetros da hermenêutica jurídica, com o devido respeito.
-Ora, de tal abusiva interpretação da lei, sem correspondência na sua letra, nem no seu espírito, é manifesto que o Tribunal decidiu mal, com o devido respeito, dado que, inequivocamente e sem qualquer contraditório, o Recorrente afirmou e provou que reside efectivamente no “ bem penhorado “, tem a posse do imóvel, como decorre da letra da lei.
-Aliás, se o Tribunal tivesse tido a preocupação de verificar toda a documentação constante dos autos, desde a sentença que deu lugar ao título executivo, verificaria que o Recorrente sempre afirmou que vive naquela morada, pelo que a decisão sempre reclamaria “ a necessidade de mais considerações “, ao contrário do que se afirma, tendo em conta que se trata da casa de morada de uma família, que pelas graves consequências desta decisão se poderá ver de um dia para o outro, na rua, sempre salvo o devido respeito.
-Pelo que, nesta parte, a sentença tem de afectar a sensibilidade de qualquer pessoa habituada a lidar com estas coisas das leis, que são feitas para as pessoas, e a norma invocada pelo Tribunal é precisamente uma daquelas que o legislador teve a preocupação de fazer na defesa dos direitos fundamentais das pessoas.
-Se relativamente ao ilegal fundamento da decisão, com o devido respeito, quanto ao indeferimento da suspensão da venda do quinhão hereditário/casa de habitação efectiva do executado, só por si, já deveria implicar a revogação da sentença, salvo o devido respeito;
10ª-A decisão sobre a oposição à penhora é ainda mais sindicável, quer por erro manifesto na identificação dos prédios que estão penhorados à ordem dos autos, quer pelo facto do Tribunal ter desvalorizado a possibilidade do bem que está efectivamente penhorado ser suficiente para o pagamento da dívida exequenda, e, como o Opoente reclama, e consequentemente, a penhora sobre o quinhão hereditário do Recorrente se mostrar manifestamente excessiva, em violação do princípio da proporcionalidade.
11ª-O Tribunal, por erro manifesto, gerado por confusão de todo incompreensível, entendeu que o imóvel que o Recorrente indica como penhorado à ordem dos autos e suficiente para o pagamento da dívida exequenda, é o mesmo imóvel onde o Recorrente reside, o que não corresponde à realidade.
12ª-Esta confusão leva a que o Tribunal considere que apenas se encontra penhorado à ordem dos autos o quinhão hereditário, o que não é verdade, pois além dessa penhora, existe registada penhora sobre o imóvel do outro Executado, todos devidamente identificados no articulado de oposição à penhora.
13ª-De resto, bastaria ao Tribunal ter em consideração que no apenso de execução estão a ser promovidas diligências para a venda do imóvel penhorado, que o Tribunal ignorou existir.
14ª-Por força de toda esta confusão, vem ainda o Tribunal a condenar o Recorrente como litigante de má fé, por se encontrar devidamente patrocinado, o que é uma decisão só compreensível pelo clamoroso erro em que o Tribunal lavrou em todos os segmentos da sentença, sempre com o devido respeito.
15ª-De facto, o Recorrente, enquanto Opoente, deduziu uma pretensão, apresentou os factos que a fundamentam, indicou as normas jurídicas que a suportam, actuou com total transparência de procedimentos e boa fé processual; não pretendeu obter quaisquer vantagens ilícitas, não alterou a verdade dos factos, não deduziu qualquer pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, e por erro do Tribunal, apesar da abundância de documentos nos autos, foi sancionado por um comportamento que não teve, e cuja concepção cognitiva dos factos, nesse caso, tornaria o comportamento do Recorrente de tal modo absurdo, que teria de suscitar inevitavelmente ao Tribunal a dúvida de ter ocorrido, como é evidente, a menos que o Recorrente tivesse sido acometido de doença súbita grave do foro respectivo, sempre com o devido respeito.
Terminou no sentido de ser totalmente revogada a sentença, absolvendo o Recorrente da parte em que o condena como litigante de má fé e declarando procedente a deduzida oposição à penhora, bem como ordenando-se a suspensão da venda do quinhão hereditário, onde o Recorrido tem a posse da sua habitação efectiva.

Os apelados apresentaram contra-alegações, das quais se transcrevem as "CONCLUSÕES":

-Perante a Penhora realizada foi o Executado citado para, querendo, deduzir Oposição à Penhora do direito ao quinhão hereditário pertencente aos executados Narciso Gabriel ... e Virginia Martins (habilitada como sucessora do executado Joaquim ...),na herança aberta por óbito de Anunciação de Jesus ....
-Face a tal citação veio, o mesmo, deduzir Oposição a que os Exequentes responderam e que determinou, sobre tais peças, a prolação de Sentença.
-Ora tal Douta Decisão determinou que atento o valor e natureza da quantia exequenda, o valor recuperado até à presente data e as penhoras concretamente efectuadas, que a penhora do quinhão hereditário não se mostrava desproporcional, excessiva, desadequada nem tão pouco ilegal;
-Igualmente ficou determinado que uma vez que a penhora objecto da citação em apreço, e que motivou a Oposição, não incidia sobre um bem imóvel em concreto mas sobre o quinhão hereditário titulado pelo executado sobre a herança indivisa aberta por óbito de Anunciação ..., cuja partilha poderá inclusivamente determinar que o imóvel que faz parte integrante do acervo hereditário possa vir a ser atribuído a outro interessado que não o executado, origina a inaplicabilidade, in casu, do disposto no artigo 785º, n.º 4, do CPC;
-Ainda na Sentença em apreço foi, o Executado, condenado por litigar de má fé.
-Inconformado veio, este, Recorrer.
-Diga-se, desde já, sem razão!
-Por um lado inexiste qualquer razão que legitime a suspensão da venda do Quinhão Hereditário, quer por inexistência de qualquer desproporcionalidade da penhora quer pelo facto da penhora não incidir sobre qualquer bem imóvel.
-Salvo o devido respeito, a realidade nua e crua é que os argumentos do Executado mais não eram do que (mais uma) tentativa de “colar barro à parede” e procurar protelar (ainda mais) o pagamento de uma divida há muito pelo próprio contraída e não paga, constituindo o Recurso ora aduzido mais uma etapa prosseguida com esse fito.
10ª-Por outro lado inexiste qualquer fundamento que sustenta a improcedência da Oposição à Penhora.
11ª-Assim e com base nos elementos documentais existentes nos presentes autos e nos autos de execução, bem como na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, bem andou o Tribunal ao dar por assente a factualidade que consta na Decisão recorrida, e sobre a qual não é admissível que o Executado Recorrente a desconheça.
12ª-Atento o retro exposto e o que consta dos Autos, forçoso se torna concluir, como o fez a Douta Sentença recorrida, atento o valor e natureza da quantia exequenda, o valor recuperado até à presente data e as penhoras concretamente efectuadas, que a penhora do quinhão hereditário não se mostra desproporcional, excessiva, desadequada nem tão pouco ilegal.
13ª-Por fim duvidas inexistem, em face da factualidade provada, que o Opoente não logrou provar a tese por si defendida de que o valor da dívida exequenda mostra-se garantida pela penhora do imóvel a que faz referência, mostrando-se por isso desproporcional a penhora do quinhão hereditário em conjugação com as demais penhoras em curso e quanto à suspensão da venda por se reportar a bem que constitui a sua casa de habitação efectiva dado, ao invés, provou-se, que foi determinada a rectificação da penhora de imóvel anteriormente efectuada, a qual passou a incidir sobre quinhão hereditário titulado pelo executado, facto que o mesmo não desconhecia, uma vez que foi devidamente notificado do despacho determinativo de tal rectificação.
14ª-Assim sendo bem andou o Tribunal a quo quanto à condenação do Executado como litigante de má fé que deve manter-se.
15ª-Assim sendo, e em conclusão, nenhuma razão assiste ao Executado no peregrino recurso que aduziu tanto mais que foi citado em Setembro de 2013 quanto à Penhora (de Quinhão Hereditário) efectuada, deduziu em 4/10/2014 Oposição à Penhora e em 12/2/2014 foi proferida Sentença onde foi determinada a improcedência do que peticionou.
16ª-Somente por aqui se vê a falta de razão do Executado e mesmo da documentação que o mesmo requereu para instruir o seu peregrino Recurso.
17ª-Por todo o exposto deve o Recurso aduzido pelo Executado ser totalmente indeferido, mantendo-se na integra a decisão proferida pelo Tribunal a quo com as demais consequências legais.

II-Factos.
        
Na sentença, com base nos elementos documentais existentes nos presentes autos e nos autos de execução, bem como na posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, foram considerados assentes os seguintes factos:

1)Em 02.05.2005, os exequentes António ... e Maria Ivone ...instauraram execução para pagamento da quantia de €190.243,11, acrescida de juros vencidos e vincendos desde 02.05.2005 e de €5.000,00 mensais calculados sobre o capital de €29.927,87 desde 02.05.2005 até integral pagamento, contra o executado e Joaquim ..., entretanto falecido, no lugar do qual foi habilitada Virgínia Martins.
2)A sobredita execução funda-se em sentença devidamente transitada em julgado.
3)A 17.12.2004 (no âmbito do Processo n.º 1524-A/2002) foi penhorado ao executado/opoente o veículo automóvel de matrícula ...-...-FB, cujo valor atribuído no auto de penhora é de €1.500.
4)A 31.10.2006 foi penhorado ao executado/opoente o veículo automóvel de matrícula ...-...-DH, cujo valor constante do respectivo auto cifra-se em €500.
5)A 08.06.2005 foram penhorados ao executado/opoente saldos bancários existentes junto da CGD e do BPI, no valor de € 445,94 e €2.160,02, respectivamente.
6)A 16.03.2012 foi penhorado ao executado/opoente saldo bancário existente junto do BPI, no valor de €872,35.
7)A 04.06.2013 foi penhorado ao executado/opoente saldo bancário existente junto do BPI, no valor de €95,68.
8)A 19.03.2012, foi efectuada a penhora sobre 1/3 da pensão de reforma auferida pelo executado/opoente, a qual se encontra em curso, mostrando-se penhorada desde essa data e até 11.11.2013, o montante global de €5.944,00€, a que acresce a quantia de €1.096,84 decorrente de descontos anteriormente efectuados no âmbito do Processo n.º 1524-A/2002.
9)A 16.10.2006 (no âmbito do Processo n.º 1524-A/2002) foi penhorado o prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob a ficha n.º 3189/20021001, da freguesia de Barcarena e inscrito na matriz sob o artigo 4128 da mesma freguesia, cujo registo de aquisição se mostrava inscrito em nome de Anunciação ....
10)Por despacho datado de 28.05.2013, devidamente transitado em julgado, foi ordenada a rectificação da penhora acabada de referir, passando a mesma a incidir sobre o quinhão hereditário titulado pelo executado Narciso ... e Joaquim ..., no lugar do qual foi habilitada Virgínia Martins e consequente rectificação do registo predial, nessa conformidade.

III-Fundamentação.

Cumpre apreciar e decidir:

O objecto do recurso é limitado e definido pelas conclusões da alegação do recorrente.
Assim, no âmbito do presente recurso de apelação as questões de que cumpre conhecer são as seguintes:
1)Suspensão da venda;
2)Erro de identificação dos prédios e desproporcionalidade da penhora sobre o imóvel;
3)Litigância de má fé.

1)Suspensão da venda.

A primeira questão do presente recurso de apelação reporta-se ao facto de ter sido penhorado um quinhão hereditário que engloba o imóvel onde reside o executado e este pretender a suspensão da venda ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 733 do Código de Processo Civil, tendo a sentença defendido que não foi penhorado o imóvel que serve de habitação ao executado mas um quinhão hereditário que abrange aquele.

O apelante não impugnou , nos termos previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil, a decisão quanto à matéria de facto, pelo que os factos a considerar no conhecimento do presente recurso são os supra descritos em II.
Encontram-se assente os seguintes factos relativos a penhoras sobre bens do executado/apelante:
3)A 17.12.2004 (no âmbito do Processo n.º 1524-A/2002) foi penhorado ao executado/opoente o veículo automóvel de matrícula ...-...-FB, cujo valor atribuído no auto de penhora é de €1.500.
4)A 31.10.2006 foi penhorado ao executado/opoente o veículo automóvel de matrícula ...-...-DH, cujo valor constante do respectivo auto cifra-se em €500.
5)A 08.06.2005 foram penhorados ao executado/opoente saldos bancários existentes junto da CGD e do BPI, no valor de € 445,94 e €2.160,02, respectivamente.
6)A 16.03.2012 foi penhorado ao executado/opoente saldo bancário existente junto do BPI, no valor de €872,35.
7)A 04.06.2013 foi penhorado ao executado/opoente saldo bancário existente junto do BPI, no valor de €95,68.
8)A 19.03.2012, foi efectuada a penhora sobre 1/3 da pensão de reforma auferida pelo executado/opoente, a qual se encontra em curso, mostrando-se penhorada desde essa data e até 11.11.2013, o montante global de €5.944,00€, a que acresce a quantia de €1.096,84 decorrente de descontos anteriormente efectuados no âmbito do Processo n.º 1524-A/2002.
9)A 16.10.2006 (no âmbito do Processo n.º 1524-A/2002) foi penhorado o prédio urbano descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob a ficha n.º 3.../2......., da freguesia de Barcarena e inscrito na matriz sob o artigo 4128 da mesma freguesia, cujo registo de aquisição se mostrava inscrito em nome de Anunciação ....
10)Por despacho datado de 28.05.2013, devidamente transitado em julgado, foi ordenada a rectificação da penhora acabada de referir, passando a mesma a incidir sobre o quinhão hereditário titulado pelo executado Narciso ... e Joaquim ..., no lugar do qual foi habilitada Virgínia Martins e consequente rectificação do registo predial, nessa conformidade.

A execução só se suspende com o recebimento de embargos e com a oposição à penhora nos casos expressamente previstos na lei, dos quais se destaca o fundamento invocado pelo apelante/opoente previsto no n.º 5 do art.º 733º, ex vi art.º 785º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil e que dispõe o seguinte:
5Se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável.

A sentença recorrida considerou não estarem verificados os pressupostos da suspensão da execução previstos no preceito legal citado, fundamentando da seguinte forma:
"In casu, tal não se verifica uma vez que, a penhora não incide sobre um bem imóvel em concreto mas sobre o quinhão hereditário titulado pelo executado sobre a herança indivisa aberta por óbito de Anunciação ..., cuja partilha poderá inclusivamente determinar que o imóvel que faz parte integrante do acervo hereditário possa vir a ser atribuído a outro interessado que não o executado.".

O imóvel penhorado e que o executado alega ser a sua habitação integra-se na herança, ainda indivisa, deixada por óbito do pai do opoente e de que este é um dos herdeiros.

Por força do disposto no art.º 2091º do Código Civil, enquanto a herança se encontrar indivisa, os direitos relativos à mesma “só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”.

Com efeito, o herdeiro só é considerado titular de um direito concreto sobre bem ou bens da herança após ter sido efectuada a partilha, sendo certo que esse direito retroage ao momento da abertura da sucessão (art.º 2119º do Código Civil).

Assim, até à partilha o herdeiro não tem qualquer direito directamente sobre qualquer dos bens que integram a herança.

Para compreensão da situação em análise sublinhamos o que já escrevemos em nosso acórdão de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 5650/11.7TCLRS.L1, o direito que assiste aos herdeiros de defesa e protecção dos bens da herança contra terceiros não se confunde com o direito de propriedade ou compropriedade nos termos do art.º 1403º do mesmo código.

Na realidade, a possibilidade de ser exigida a totalidade de um bem da herança por um herdeiro, ainda que não seja o único titular do direito, contra outro herdeiro pressupõe que o direito sobre o mesmo já lhe foi reconhecido ou que, por qualquer forma o outro herdeiro detentor detenha o bem sem qualquer título legítimo.

Alberto dos Reis escrevia que os bens da herança, antes de realizada a partilha, constituem uma massa indivisa "e o direito a ela representa um direito ideal a uma universalidade, pois o titular desse direito não sabe ainda em que bens virá a preencher-se a sua parte na herança; das operações de partilha depende a formação da sua quota, que tanto pode ser constituída neste ou naquele imóvel, como em móveis ou dinheiro" (cfr. Processo de Execução, vol 2.º, pág. 224).

Para Vaz Serra Vaz Serra "a penhora do direito a herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado. Não há, pois, bens determinados sobre que possa fazer-se o registo. O registo apenas poderá e deverá efetuar-se, quando os bens se determinarem, sobre aqueles que, pelo seu caráter de inscrevíveis no registo, sejam suscetíveis de sobre eles se registarem direitos […]. Se, feita a partilha, ao executado couberem bens dessa espécie, sobre eles deve então registar-se a penhora" (cfr. Realização Coactiva da Prestação, BMJ n.º 73, pág. 297).

Tal significa que o herdeiro não detém, como referimos, direito de propriedade sobre qualquer dos bens que constituem o acervo hereditário, porquanto, depois de efectuada a partilha, pode não lhe ser atribuído qualquer bem móvel ou imóvel.

Perante a situação de facto constante dos autos, o executado/opoente não tem um verdadeiro direito real de propriedade sobre o imóvel que serve de sua habitação.

O disposto no art.º 733º, n.º 5, do CPC, pressupõe a existência de titularidade sobre o imóvel de habitação do opoente, direito que a este não pertence.

Consideramos, por isso, nada haver a criticar à decisão recorrida quanto a este ponto.

Deste modo, improcede a primeira questão colocada no recurso.

2.-Erro de identificação dos prédios e desproporcionalidade da penhora sobre o imóvel

A apelante invoca erro de identificação dos prédios penhorados e haver excesso de penhora levando a existência de desproporcionalidades da penhora do quinhão hereditário face à penhora sobre o imóvel  em relação a outro executado.
Não tem qualquer fundamento a invocação de erro quanto à penhora sobre o imóvel.
Como se pode verificar houve uma primeira penhora sobre imóvel enquanto bem individualizado mas que foi corrigida por despacho determinando que a penhora abrangesse o quinhão hereditário em lugar do imóvel apenas, uma vez que este não pertence ao executado/opoente mas a herança indivisa em relação à qual o executado/opoente tem um quinhão.
Sobre a distinção entre uma e outra realidade já nos referimos acima no âmbito da análise da primeira questão deste recurso.
De qualquer modo, chamamos a atenção para o facto de não existir qualquer confusão e que a situação em termos de facto está perfeitamente clara nos factos assentes e descritos em II, designadamente nos seus pontos 9) e 10).
Não existe, nem pode existir pelas razões supra apontadas, penhora sobre imóveis determinados de herança indivisa que não se encontrem inscritos, pelo menos, em nome dos vários herdeiros.
A penhora descrita nestes autos é sobre o quinhão hereditário e é essa que releva em relação do executado, ora apelante.
Está, assim, afastada a existência de erro de identificação dos bens penhorados.
Relativamente à desproporcionalidades da penhora também consideramos não assistir razão ao apelante.

De acordo com o disposto no art.º 735º, n.º 3, a "penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor".

Ora, os bens móveis e o direito penhorados são manifestamente insuficientes para satisfazer a dívida execução, sem contabilizar as despesas previsíveis da execução calculados nos termos da disposição legal acabar de citar.

Mesmo seguindo o raciocínio do apelante de que o imóvel estava penhorado em relação a outro executado, o que de todo é incompreensível e inaceitável, essa penhora nunca poderia atingir o direito do ora apelante, levando à redução até ao limite da responsabilidade e direito do outro executado abrangido.

Estando apenas penhorado o direito ao quinhão hereditário a forma de reagir ao invocado na conclusão 13ª das alegações deste recurso não é presente oposição à penhora mas a eventual reclamação contra a venda por exceder os limites da penhora e por falta de penhora que a suporte.

Em suma, não é a penhora que está em causa, mas a venda executiva e o cumprimento das regras processuais relativas à mesma.

Ainda sobre o excesso de penhora referimos, por último, que o valor tributável do imóvel de €57.375,00 (fls. 186), a considerar aqui na falta de outro existente nos autos, é, só por si, insuficiente para satisfazer a dívida exequenda.

Perante o que expusemos, a sentença recorrida não merece censura, nesta parte, improcedente também a segunda questão colocada no presente recurso.


3.-Litigância de má fé.

O opoente, ora apelante, foi condenado como litigante de má fé ao abrigo do disposto nos artºs 543º e 543º do Código de Processo Civil por, em suma, ter alterado a verdade dos factos.

Atendamos à seguinte disposição legal:

Artigo 542.º
Responsabilidade no caso de má -fé — Noção de má –fé
1—Tendo litigado de má -fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir.
2—Diz-se litigante de má -fé quem, com dolo ou negligência grave:
a)Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b)Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c)Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d)Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3—Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má -fé.

Tem toda a relevância para conhecer esta questão o que a doutrina tem vindo a defender e que passamos a citar:
“Na 2ª parte do corpo do art. 465 do CPC de 1939, era considerado litigante de má fé, não só o que tivesse deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não podia razoavelmente desconhecer, mas também o que conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tivesse feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, entorpecer a acção da justiça ou impedir a descoberta da verdade. A primeira expressão, interpretada isoladamente, dir-se-ia sancionar a parte que tivesse proposto a acção, ou se tivesse defendido na acção contra si proposta, com um fundamento cuja falsidade, se procedesse diligentemente, não desconheceria, ainda que de facto lhe fosse desconhecido. Interpretada, porém, no contexto, tinha antes o sentido de referir o significante, que se manifestava juiz, em vez do significado, e este era a consciência da parte de não ter razão (Alberto dos Reis, idem, p. 263). Por isso, em 1961, passou a dizer-se “cuja falta de fundamento não ignorava”.
Diversa foi a orientação tomada pelo DL 320-A/95, que, no n.º 2, passou a sancionar, ao lado da litigância dolosa, a litigância temerária: quer o dolo, quer a negligência grave, caracterizam hoje a litigância de má fé” (cfr. José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, Código de Processo Civil anotado, volume 2º, 2001, pág. 195).

Os fundamentos da oposição podem ser analisamos como uma visão jurídica diversa daquela que foi defendida na sentença recorrida e também neste acórdão, mas que entendemos não servir para integrar o conceito de má fé nos termos referidos.

Por essa razão, nesta parte o recurso terá de proceder, revogando-se a sentença quanto à condenação do apelante como litigante de má fé.

Perante o exposto, a apelação terá de proceder em parte.

IV–Decisão

Em face de todo o exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou o executado, aqui apelante, como litigante de má fé, mantendo no mais a sentença recorrida, nomeadamente quanto ao indeferimento da suspensão da venda do quinhão hereditário e quanto à improcedência da oposição à penhora.
Custas por apelante e apelados, na proporção de 3/5 e 1/5, respectivamente.



Lisboa, 13 de Outubro de 2016


Jorge Vilaça
Vaz Gomes
Jorge Leitão Leal