Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
20241/18.3T8SNT.L1-6
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: REPÚDIO DA HERANÇA
ANULAÇÃO
DOLO
COACÇÃO
INCAPACIDADE ACIDENTAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: A declaração de repúdio de herança pode ser anulada com base em dolo ou coação ou com base em incapacidade acidental.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que compõem este colectivo do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
Por acórdão desta Relação de 16 de Dezembro de 2021, foi decidido:
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo em: 
 - alterar a decisão da matéria de facto nos termos acima expostos; 
 - determinar a submissão do autor a perícia médico-legal com o objecto e quesitos acima indicados, sem prejuízo das sugestões das partes, a processar pela primeira instância;
 - determinar que concluída a perícia os autos sejam remetidos a esta Relação e colectivo, para conclusão da apreciação da questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e apreciação da solução jurídica e julgamento do recurso”.
Na 1ª instância e em cumprimento do acórdão foi proferido despacho determinando a notificação das partes para sugerirem o alargamento da perícia, o que não fizeram, e seguidamente o tribunal determinou que se oficiasse ao INML solicitando a realização de exame pericial na pessoa do Autor, tendo a perícia por objecto as questões colocadas no acórdão, que adiante revisitaremos.
O relatório de avaliação às faculdades mentais foi concluído em 24.5.2023, após análise dos elementos dos autos, análise da informação relativa à consulta de neurologia do Hospital dos Capuchos, após exame directo e após exame complementar de avaliação psicológica e de personalidade.
Concluído e notificado às partes, as mesmas não se pronunciaram. De seguida, o tribunal de primeira instância ordenou o envio dos autos para esta Relação (relator e colectivo).
Estamos, pois, perante uma continuação do julgamento do recurso interposto pelo autor, em que a Relação já havia conhecido parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto e havia ordenado a perícia para poder concluir as respostas aos impugnados factos não provados 1 e 2 e para seguidamente apreciar as questões de direito pertinentes.
Convém assim recordar os termos do que já tínhamos apreciado, e seguidamente consignaremos o que resulta do exame pericial realizado, para então prosseguir no conhecimento do recurso.
É o seguinte o teor do anterior acórdão proferido nestes autos:
“F, com os sinais dos autos, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra R e P, peticionando a final que seja “ser declarada a anulação do repúdio assinado pelo A., em consequência da acção dolosa e coactiva da sua irmã R. R, única beneficiária do acto, e, em consequência, voltar o bem imóvel à esfera patrimonial das heranças abertas por óbito de A e S, respetivamente pai e madrasta do Autor; Caso assim não se entenda, sem conceder, que seja declarada a anulação do repúdio assinado pelo A., em consequência de o mesmo se encontrar em situação de incapacidade acidental e, por isso, incapacitado de entender o sentido da declaração”. 
Em síntese, alegou que tem 62 anos, é solteiro e desde que nasceu padece de uma série de doenças do foro psiquiátrico, nomeadamente epilepsia, doença neurológica essa que sempre o impediu e impede de exercer qualquer atividade profissional, e que o torna uma pessoa vulnerável, dependente da ajuda de terceiros para os atos correntes da sua vida, psicologicamente débil, não autónomo e muito influenciável; que vivia com o seu pai, a sua madrasta e a sua irmã (Ré R) filha destes últimos; que seu pai e sua madrasta já faleceram; primeiro, o seu pai, em 2006, e depois a madrasta, em 2017; o pai do Autor deixou em herança ½ da fração autónoma onde o A. sempre viveu, e duma conta bancária. Com o agravamento do estado de saúde da madrasta, a sua irmã R começou a falar com o Autor sobre a casa, sobre a necessidade de tratar dos papéis da casa, para que o Autor nunca perdesse o direito a nela residir, falando frequentemente no perigo que se corria pelo facto da mãe do A. poder vir a exigir alguma parte na casa. 
 O Autor, “não tendo qualquer conhecimento de temas jurídicos, ficou naturalmente muito preocupado com as sucessivas conversas havidas com a sua irmã e com muito medo de perder o direito à casa e a nela viver, uma vez que não tem nunca teve outro sítio para morar”. A irmã “disse-lhe que tinha agendado uma hora no cartório para que ele assinasse um “papel” para que a casa ficasse para eles e, com esse papel assinado, garantia que ficava a viver para sempre na casa que era sua e em que sempre viveu”; “Obrigado pela irmã, assinou o documento nº 4” que só mais tarde algumas pessoas a quem o mostrou lhe explicaram o que era, e que era um repúdio à herança do pai, através do qual perdeu o direito à casa, que logo foi transmitida pela irmã (após a morte da mãe e madrasta que ocorreu cerca de um mês depois) para a filha, sobrinha do A., que interpôs contra este acção para restituição da casa invocando ter posto termo a comodato sem prazo, ao abrigo do qual o Autor se manteria a viver na casa. Não faz qualquer sentido o repúdio, que ocorre sem explicação em 2017 quando o pai morreu em 2006, sendo porém certo que a madrasta do Autor sempre o tratou como se fosse sua mãe, e não faz sentido o repúdio ainda porque tipicamente ele acontece quando existem nas heranças mais dívidas que activos ou quando as relações entre o de cujus e os herdeiros não eram boas, sendo que no caso do Autor e da herança do pai, nada disto se passava. 
Contestaram as Rés por impugnação e sustentando essencialmente que: o A. não faz prova doutra doença do foro psiquiátrico, que não a epilepsia, que o colocasse na situação de vulnerabilidade que permitisse ser coagido a assinar um documento; que a grande maioria das pessoas com epilepsia têm capacidade para fazer vidas normais, felizes e completas, designadamente para trabalhar; que é inteiramente falso que o A. seja uma pessoa psicologicamente débil, não autónomo e muito influenciável, tanto que vive sozinho desde que a madrasta morreu. A Ré R é irmã do A. e nunca teve conhecimento pessoal e directo que o A. tivesse qualquer outra doença do foro psicológico que o impedisse de fazer uma vida normal; o A. trabalhou no Instituto … até se reformar; tem uma pensão de reforma, que é a fonte de rendimento do trabalho declarada; “O A. sempre foi visto pela restante família como um párida1 [1] que vivia à custa da boa vontade da sua madrasta, mãe e avó das Rés”; “A fracção da Rua de M sempre foi dos pais da Ré R, era a morada de família deles e onde a Ré R viveu até se casar em 1977; “O A. bem sabe que apenas viveu na casa na idade adulta, porque sempre se recusou a procurar casa própria”, “Preferindo manter-se a viver à conta dos pais da Ré R”; “Com a morte do progenitor comum do A. e da Ré R em 18 de novembro de 2007 – ou seja, quando o A. já tinha 51 anos … foi-lhe dito pela mãe da Ré R que o deixaria lá ficar a viver até que encontrasse casa própria”, “Uma vez que a casa seria para deixar em herança à neta única, P, ora co-ré”; “O que o A. prometeu fazer o mais rapidamente possível”, “Apesar das diversas insistências por parte da mãe da Ré  e da própria Ré R, o A. até esta data nunca saiu de vez da casa”; “Mantendo constantes promessas de que estava a “resolver a vida” e que ia sair logo que arranjasse casa própria”. Pela altura e antes do falecimento da mãe da Ré R, a mesma pediu “ao A. que se entendesse com a meia irmã (…), de maneira a que não deixassem “problemas legais pendurados” à única neta (…)”; Foi o A. que tomou a iniciativa de repudiar a sua quota-parte (1/3 da meação) da herança do seu pai”; O documento de repúdio foi assinado pelo Autor, que bem sabia o que estava a fazer; Após o falecimento da mãe da Ré R, esta confrontou o A. por diversas vezes sobre a necessidade de deixar a casa e procurar uma habitação própria, como havia prometido à madrasta, o A: pediu que a Ré R o deixasse permanecer mais uns meses, até encontrar uma alternativa para viver, ao que a Ré R anuiu, porém, em Maio de 2018, o A. disse à Ré R que afinal não tinha intenção de deixar a casa, “bem  sabendo que ali permanecia a título de comodato, uma vez que nunca pagou qualquer valor a que título seja à então proprietária R e à atual proprietária P”, sendo que a recusa de sair,  levou a segunda Ré o interpelasse para por fim ao comodato; “(…) o A. bem sabia que o destino da casa era ser legitimamente herdada pela única neta dos proprietários originais, seus avós e que”; “A Ré R – legal e legitimamente – fez uma doação em vida da mesma à sua única filha (..)”; “Cumprindo assim os desígnios de seus pais”. Como findo o prazo fixado pela 2ª Ré o A. não deixou a casa, a 2ª Ré interpôs acção de restituição contra ele. 
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Foi fixado à acção o valor de €75.146,66 e em consequência remetidos os autos ao Juízo Central, por ser o competente, e neste foi proferido despacho saneador, dispensada a audiência prévia, definido o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Entre outros, foram fixados os seguintes temas: “A – Das doenças do foro psiquiátrico do Autor que sempre o impediram e impedem de exercer qualquer atividade profissional; e que o tornam uma pessoa vulnerável, dependente da ajuda de terceiros para os atos correntes da sua vida, psicologicamente débil, não autónomo e muito influenciável”, (…) “E – Do facto de o Autor, em razão das sobreditas doenças e das consequências destas para a sua vida, e por causa da pressão efetuada pela ora 1ª Ré para que assinasse o papel acima referido, não estar em condições de entender a gravidade do ato que foi levado a praticar com a assinatura desse documento”. 
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Procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, sendo ouvido o A., em declarações de parte, sendo ouvidas duas (filhas de) vizinhas do A., sendo ouvido o advogado FF, que autenticou o documento de repúdio de herança, e sendo ouvido o cunhado da mãe da Ré R, S (madrasta do Autor), e portanto, tio desta e tio avô da Ré P. 
Concluído o julgamento, foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta: 
“Tudo visto e ponderado, decide este Tribunal julgar improcedente o pedido deduzido pelo Autor, dele, se absolvendo, as Rés.  Custas pelo Autor - art.º 527º, nº 1 e nº 2, do Código de Processo Civil. Registe e notifique”.   
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Inconformado, o Autor interpôs o presente recurso, formulando, a final, as seguintes conclusões: 
“A) o tribunal a quo lavrou em erro ao não considerar que o Autor se encontrava em situação de incapacidade acidental ao celebrar o acto de repúdio da herança e, por isso, incapacitado de entender o sentido da declaração. 
B) O tribunal a quo lavrou em erro ao considerar que a vontade do Autor, plasmada no acto de repúdio de herança, não tenha sido determinada por dolo ou coacção da Ré R.
C) A douta sentença careceu de dar como provados alguns factos ou de fundamentar outros tantos, existindo assim meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida.
 D) Resulta tanto das declarações de parte do Autor, como do depoimento das testemunhas MF e MC que aquele jamais quis celebrar o acto de repúdio da herança, conforme transcrições supra.
 E) Resulta evidente das declarações de parte do Autor que este não reconhece o conceito de herança, tendo inclusivamente afirmado que o seu pai não lhe havia deixado qualquer herança porque não fez qualquer escritura.
F) O Autor não tem a capacidade cognitiva que lhe permita reconhecer conceitos abstractos como «repúdio» ou «herança».
G) As testemunhas MF e MC referiram nos seus depoimentos as acentuadas limitações que afectam o Autor e que o impediram de perceber o conteúdo do acto de repúdio de herança que celebrou perante um advogado.
H) Ambas as testemunhas referiram nos seus depoimentos que o Autor, já após ter outorgado o acto de repúdio de herança, continuava sem saber o que tinha assinado.
I) O Autor não tinha capacidade para entender o que assinou e as consequências do seu acto.
J) O Autor é afectado por acentuadas crises de epilepsia, crises essas que já levaram o Autor a “cair ao chão”.
K) A situação clínica do Autor, na condição de epiléptico diagnosticado, encontra-se documentalmente comprovada nos presentes autos. 
L) São conhecidos os danos neurológicos que as crises de epilepsia podem provocar e as consequências nefastas que daí podem advir para o indivíduo.
M) A epilepsia é considerada pela Organização Mundial de Saúde como um transtorno mental.
N) Nessa medida, atenta a desconsideração pelo tribunal a quo da condição clínica, documentalmente comprovada, de epiléptico de que o Autor padece e dos transtornos mentais que dessa condição advêm para o Autor, requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC, se dignem ordenar oficiosamente a produção de prova médica pericial para avaliação da condição mental clínica do Autor e do alcance das suas limitações e dificuldades cognitivas e antiguidade das mesmas.
O) Mesmo para um indivíduo que não apresentasse as limitações e dificuldades cognitivas que o Autor apresenta sempre seria difícil entender como se pode recusar uma coisa depois de já a ter aceite. P) Autor há muito que já havia aceitado a herança do pai.
Q) O pai do Autor faleceu em 2006 e o acto de repúdio da herança foi feito em 2017, isto é, 11 anos depois.
R) Durante esses 11 anos o Autor sempre usou a casa como se fosse sua, exercendo uma posse em nome próprio, sem oposição da sua irmã ou da sua madrasta.
S) A Ré R praticamente não usava o apartamento.
T) A aceitação da herança, ainda que tácita, é irrevogável e um acto de repúdio de herança outorgado após uma herança já ter sido aceite não produz quaisquer efeitos.
U) Alguém com as limitações e dificuldades cognitivas do Autor, acompanhado por familiar de sua inteira confiança e que regia os assuntos “burocráticos” da sua vida (v.g. a irmã, aqui Ré R), colocado numa situação em que, pressionado pela irmã que tinha um ascendente adveniente da posição de sua “cuidadora”, lhe é apresentado a assinar um documento para praticar um acto que a lei não permite, não tem capacidade de entender o que está a assinar e apenas assina porque lhe dizem para assinar, por temor reverencial à pessoa que sobre si tem um ascendente.
V) Encontra-se plenamente demonstrada a verificação dos pressupostos do artigo 257.º do Código Civil, porquanto o Autor não tinha a capacidade para entender o conteúdo e o sentido do acto de repúdio que assinou e tal facto era conhecido da beneficiária do acto, in casu, a sua irmã, que conhecia as suas limitações e dificuldades cognitivas.
W) O tribunal a quo fez uma errada interpretação dos elementos de prova constantes dos autos, o que determina a ilegalidade da sentença recorrida.
X) A errada interpretação das provas levou a que o tribunal a quo julgasse como não provados os pontos 1, 2, 7 e 12 dos factos não provados. 
Y) Tais pontos deverão ser julgados como factos provados em face da prova produzida e das regras de experiência comum.
Z) A ideia de repudiar a herança não partiu do Autor e não foi este quem tratou do agendamento junto do escritório de advogados que iria celebrar o acto.
AA) O Autor não tinha razões para repudiar a herança do pai.
AB) As limitações e dificuldades cognitivas do Autor são perceptíveis “a olho nu” e são conhecidas de todos que com ele se relacionem e, por maioria de razão, dos seus familiares e vizinhos, que com ele lidam com maior frequência.
AC) O Autor apenas acedeu a deslocar-se ao Escritório porque a sua irmã, sua cuidadora e em qual tinha a maior confiança, lhe disse que lá deveriam ir para tratar de alguma coisa que o Autor não sabia o que era e, após assinar o documento, continuou sem saber o que havia assinado e qual o seu sentido. 
AD) O Autor é alguém que necessita de ajuda para marcar uma consulta e tratar da medicação e que conta com a ajuda de uma pessoa amiga para fazer face às mais elementares tarefas da vida diária que não sejam meramente funcionais. 
AE) O repúdio de uma herança é um acto unilateral e a presença da Ré R não era necessária para a prática do acto.
AF) O que nos dizem as regras de experiência comum é que a irmã do Autor apenas esteve presente no acto de outorga do repúdio porque foi ela quem teve a ideia e organizou tudo, uma vez que era a única beneficiária deste acto.
AG) Sendo a Ré R a única beneficiária; tendo esta estado presente no acto de outorga do repúdio; sendo por demais evidentes as fragilidades e limitações cognitivas do Autor; tendo em conta o ascendente que a irmã tinha sobre o Autor e a confiança que este depositava nela; tendo em conta e falta de motivos do Autor para a prática de um acto que, em tese, o poderia privar do direito de continuar a habitar na única casa que conheceu em toda a sua vida; tendo o Autor manifestado junto da vizinhança a sua inquietação pelo que se havia passado no escritório de advogados com a sua irmã; tendo o Autor contestado judicialmente a pretensão da Ré P de restituição do imóvel; dizem-nos as regras de experiência comum que o mais certo é que o Autor tenha mesmo sido enganado pela sua irmã para assinar o repúdio, o que efectivamente aconteceu. 
AH) A Ré R, aproveitando-se das fragilidades do Autor e da confiança que este depositava nela, induziu o Autor a assinar o acto de repúdio, fazendo-lhe crer que o que iria assinar seria um acto que seria do interesse de ambos e não apenas dela.
AI) Verifica-se, assim, que se encontra plenamente demonstrada a verificação dos pressupostos do artigo 253.º, n.º 1 do Código Civil,
AJ) Verifica-se, assim, que o tribunal a quo fez uma errada interpretação dos elementos de prova constantes dos autos, o que determina a ilegalidade da sentença recorrida.
AK) A errada interpretação das provas levou a que o tribunal a quo julgasse como não provados os pontos 6, 8, 9, 10, 11, 14 e 17 dos factos não provados. 
AL) Tais pontos deverão ser julgados como factos provados em face da prova produzida e das regras de experiência comum.
TERMOS EM QUE
a) Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, a presente acção ser julgada procedente por provada, e, em consequência, ser declarada a anulação do repúdio assinado pelo Autor, em face de o mesmo se encontrar em situação de incapacidade acidental no acto de outorga do repúdio e, por isso, incapacitado de entender o conteúdo e sentido da declaração e, em consequência, voltar o bem imóvel à esfera patrimonial das heranças abertas por óbito de A e S, respetivamente pai e madrasta do Autor, o que, muito respeitosamente, se requer. 
b) Deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, a presente acção ser julgada procedente por provada, e, em consequência, ser declarada a anulação do repúdio assinado pelo Autor, em consequência da acção dolosa da sua irmã R. R, única beneficiária do ato, e, em consequência, voltar o bem imóvel à esfera patrimonial das heranças abertas por óbito de A e S, respetivamente pai e madrasta do Autor, o que, muito respeitosamente, se requer.
Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese de raciocínio se admite:
c) Atenta a desconsideração pelo tribunal a quo da condição clínica, documentalmente comprovada, de epiléptico de que o Autor padece e dos transtornos mentais que dessa condição advêm para o Autor, requer-se aos Venerandos Juízes Desembargadores que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC, se dignem ordenar oficiosamente a produção de prova médica pericial para avaliação da condição mental clínica do Autor e do alcance das suas limitações e dificuldades cognitivas e antiguidade das mesmas”.
Não consta dos autos que tenham sido oferecidas contra-alegações. 
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir:
II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação - artigo 635.º, n.º 3, 639.º, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 608.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC – as questões a decidir são a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com eventual necessidade de ampliação da mesma para “produção de prova médica pericial para avaliação da condição mental clínica do Autor e do alcance das suas limitações e dificuldades cognitivas e antiguidade das mesmas” e saber se o repúdio de herança deve, em função da impugnação da decisão sobre a matéria de facto com ou sem ampliação da produção de prova, ser anulado por incapacidade acidental ou dolo.
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III. Matéria de facto
 A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de primeira instância foi a seguinte: 
 “a) Factos Provados 
Discutida a causa, julgam-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: 
 1. À data da interposição da ação, novembro de 2018, o Autor contava com 62 anos de idade. 
 2. O Autor é solteiro. 
3. O Autor padece de epilepsia; tendo frequentado a consulta de epilepsia, no Hospital de Santo António dos Capuchos, pelo menos, até agosto de 2010. 
4. O ora Autor é filho de A, falecido em 16 de novembro de 2006. 
5. Ao falecer, A deixou como seus herdeiros, sua mulher, S; e os filhos F e R.
6. Ao falecer, A deixou os seguintes bens: ½ da fração … do prédio inscrito na matriz sob o art.º …, sito na freguesia de…, em Lisboa, na Rua M…, lote…; e descrito atualmente na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de …, sob o nº …; e valores monetários depositados numa conta bancária à ordem (nº …). 
7. Desde a infância, o Autor morou na sobredita morada, com o seu pai, a sua madrasta e a sua irmã, ora Ré, R. 
8. Após a morte de seu pai, o ora Autor continuou a residir na fração dos autos, com a sua madrasta. 
9. Em 21 de abril de 2017, o ora Autor outorgou em documento denominado “Repúdio de Herança” em que declarou “Que pelo presente repudia a herança aberta por óbito de seu pai, A, falecido a 16 de novembro de 2006 (…) no estado de casado em únicas núpcias e sob o regime da comunhão geral de bens com S (…). Que não tem descendência sucessível. Que a dita herança integra bem imóvel.  
10. Do “Termo de Autenticação” do ato de “Repúdio de Herança” objeto dos autos, elaborado pelo Advogado FF, consta: “Este Termo de Autenticação foi por mim lido e o seu conteúdo, bem como do documento anexo, explicado ao signatário tendo sido por ele expressamente reconfirmado o conteúdo do documento particular que aqui se autentica, o qual seguidamente e nesta mesma data vai ser depositado eletronicamente, para sua plena validade, no sítio WWW.PREDIALONLINE.PT”. 
11. A sobredita expressão “tendo sido por ele expressamente reconfirmado” é utilizada nos atos elaborados pelo Ilustre advogado acima após nova confirmação que solicita ao signatário do documento; e com o intuito de se assegurar da vontade do outorgante.
12. O ora Autor recebeu missiva de Ilustre advogado, datada de 24 de abril de 2018, em representação da sua irmã e da sua sobrinha (ora Rés) respectivamente nas qualidades de anterior proprietária e actual proprietária da fração, para deixar de nela viver e entregar as chaves até ao dia 30 de Junho de 2018. 
13. O ora Autor foi citado em ação declarativa, com processo comum, interposta contra si pela ora Ré P em que é pedida a condenação do aqui Autor (ali Réu) na restituição imediata da fração à aí Autora. 
14. Em 19 de março de 2018, em Lisboa, na Av.., perante a Notária…, com Cartório naquele local, L e mulher, R, em escritura de “Doação”, por conta da quota disponível, declararam doar a P, aí segunda outorgante, a fração autónoma designada pelas letras “…” correspondente ao Bloco …, terceiro andar …, para habitação, que faz parte do prédio situado na Rua de M, lote, freguesia de, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …  daquela freguesia; prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, sob o artigo …; doação que aquela segunda outorgante declarou aceitar. 
15. A propriedade sobre esta fração mostra-se inscrita na Conservatória do Registo predial sob aquele nº … em nome de P por ter sido adquirida por doação, conforme Ap. …de …; e a propriedade sobre esta mesma fração encontrava-se, anteriormente inscrita em nome de R, casada com L, por ter sido adquirida de A e S, por sucessão hereditária, conforme Ap. … de …. 
16. Não consta que a herança deixada por óbito do pai do Autor tivesse dívidas. 
 b) Factos não provados 
Discutida a causa, julgam-se não provados os seguintes factos com relevância para a decisão da causa: 
1. O autor padece, desde que nasceu, de outras doenças do foro psiquiátrico. 
2. A epilepsia sempre impediu o Autor de exercer qualquer atividade profissional e torna-o uma pessoa vulnerável, dependente da ajuda de terceiros para os actos correntes da sua vida, psicologicamente débil, não autónomo e muito influenciável. 
 3. Em meados do primeiro trimestre de 2017, quando o estado de saúde da sua madrasta se agravara bastante, a ora Ré R, começou a falar com o Autor sobre a casa, sobre a necessidade de “tratar dos papéis da casa”, para que o Autor nunca perdesse o direito a nela residir. 
4. A ora Ré R falava frequentemente no perigo que se corria pelo facto de a mãe do Autor poder vir a exigir alguma parte na casa. 
5. Não tendo, o Autor, qualquer conhecimento de temas jurídicos, ficou muito preocupado com as sucessivas conversas havidas com a sua irmã e com muito medo de perder o direito à casa e a nela viver. 
6. A irmã do Autor disse-lhe que tinha agendado num “cartório” uma hora para que ele assinasse “um papel” para que a casa ficasse para eles e, com esse papel assinado, garantia que ficava a viver para sempre na casa que era sua e em que sempre viveu. 
7. Foi, obrigado pela sua irmã R, que o ora Autor assinou o documento de “Repúdio de Herança” junto aos autos. 
8. A irmã do Autor (a ora Ré R) dolosamente levou a que o ora Autor assinasse este documento de “Repúdio de Herança”. 
 9. Foi a ora Ré quem agendou a realização do “Repúdio de Herança” em apreço. 
 10. Foi a Ré R que facultou ao advogado toda a documentação necessária, 
 11. E foi a Ré R que pagou os honorários ao dito advogado para autenticar o repúdio. 
 12. Foi quando o ora Autor mostrou o documento (“Repúdio de Herança”) a algumas pessoas, que lhe explicaram o significado e as consequências do mesmo. 
 13. Na data em que recebeu a sobredita missiva de 24 de abril de 2018, o Autor não sabia que a irmã tinha doado a casa à sua filha, facto que o deixou em estado de choque. 
14. O Autor foi intencionalmente enganado pela sua única irmã, que o quis prejudicar e tirar-lhe o direito à casa onde sempre viveu. 
 15. A Ré P sabe da acima descrita conduta da Ré R. 
 16. O pai e a madrasta do Autor pretendiam que este se mantivesse a habitar a casa dos autos após a morte de ambos. 
17. O Autor assinou o documento “Repúdio de Herança” a mando e sob coação da ora Ré R, por causa do ascendente que esta Ré tinha sobre o Autor; não lhe tendo sido explicadas as consequências desse ato. 
18. A Ré R amedrontou sistematicamente o Autor com a ameaça de que a sua mãe poderia exigir parte da casa e, que se o fizesse, ambos, Autor e Ré, ficariam sem poder dispor apenas os dois do ativo patrimonial deixado. 
19. Esta mentira insistentemente reiterada teve como intenção induzir o Autor a praticar o ato que praticou – o repúdio. 
20. Foi ainda por ela sempre referido que a urgência na assinatura do documento era para que os temas relacionados com a herança ficassem definitivamente tratados, o que era mentira. 
21. Após a morte do pai do Autor e da Ré R, a mãe da Ré R disse ao ora Autor que o deixaria ficar a viver na casa só até que encontrasse casa própria, o que o Autor prometeu fazer o mais rapidamente possível. 
22. E disse-lhe que a casa seria para deixar em herança à neta única, P, ora co Ré. 
Para além dos factos acima elencados, não se julgaram provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa. 
III - Motivação  
Com vista à decisão da matéria de facto provada e não provada, o Tribunal analisou criticamente e concatenou as provas juntas aos autos, em conformidade com o disposto pelo art.º 607º, nºs 4 e 5, do C.P.Civil (versão da lei nº 41/2013, de 26 de Junho).  
Dos factos provados
Para a decisão da matéria de facto constante do ponto 1, não se tratando de matéria fundamental para a decisão de mérito dos autos, o Tribunal bastou-se com o teor do documento junto aos autos a fls. 11 (verso) a 12 (verso) do qual consta a data de nascimento do Autor; e com as declarações do próprio Autor, em sede de declarações de parte, quanto à sua idade. A matéria do ponto 3, funda-se essencialmente, no teor do documento junto aos autos a fls. 11 (verso) a 12 (verso). A factualidade constante dos pontos 2 e 4 a 6, funda-se no teor dos documentos/certidões juntos aos autos 13/14, 14/5, 32, 38 a 40 e 80 a 83. A matéria de facto constante dos pontos 7 e 8 resultou, não só, do acordo das Rés, mas, da generalidade da prova produzida em audiência final, em termos que não gerou qualquer controvérsia. A factualidade feita constar dos pontos 9 e 10 encontra a sua base probatória no documento junto aos autos a fls. 65 a 67. Os factos constantes do ponto 11 seguinte basearam-se no depoimento, que se revelou franco, objetivo, esclarecedor e impressivo da testemunha FF, advogado que, não obstante ter dito não recordar o caso concreto, descreveu com pormenor a sua atuação em atos desta natureza e os cuidados que toma com vista a assegurar-se de que se encontra perante vontade livre e esclarecida dos outorgantes.  A matéria de facto constante do ponto 12, baseia-se essencialmente, no teor do documento junto ao processo a fls. 19.  Para dar como certa a matéria de facto constante do ponto 13 dos factos provados, o Tribunal considerou a concordância das partes quanto a esses factos e o teor dos documentos juntos aos autos a fls. 20 a 31.  A matéria de facto constante dos pontos 14 e 15, encontram a sua fonte probatória nos documentos (certidões) juntas aos autos a fls. 32 a 34, 38 a 40 e 80 a 83.  O facto constante do ponto 16 resulta da apreciação de toda a prova produzida e junta aos autos. 
Dos factos não provados 
Quanto ao ponto 1, o Tribunal não contou com qualquer outra documentação de caráter clínico (como se justificaria, dada a natureza de tais factos) reveladora de qualquer outra doença (além da epilepsia); ao que se juntou que, quer de todos os depoimentos prestados em audiência, quer, das próprias declarações de parte do Autor aí prestadas, também, não resultou minimamente apurada tal matéria de facto.  Também, quanto à matéria constante do ponto 2, o Tribunal não contou com elementos de prova que permitissem dar essa matéria de facto como assente.  Quanto ao exercício de uma profissão, anotou-se, ainda, que, quer, das próprias declarações de parte do Autor prestadas em audiência, quer, dos depoimentos aí prestados pelas testemunhas ouvidas, resultou que o Autor teve dois empregos, respetivamente, em fábrica de tecidos e no Instituto ….  Quanto à dependência da ajuda de terceiros para os atos correntes da vida e quanto à autonomia do Autor, além da falta de prova sobre essa matéria, contámos com a própria alegação do Autor (em sede da petição inicial) de que cuidou de sua madrasta, na situação de doença prolongada desta, após a morte de seu pai (ocorrida em dezembro de 2006) - não tendo, assim, sido outrem a cuidar de si após a morte de seu pai; e a afirmação de que, após a morte de sua madrasta (no ano de 2017, conforme alega e afirmou nas suas declarações de parte) continuou a viver na fração dos autos, sozinho e a cuidar de si próprio; e, também, de acordo com os depoimentos produzidos, em audiência, resulta que o Autor, desde 2017, viveu sozinho, cuidando de si próprio.  Ademais, a testemunha MF afirmou que o Autor tem capacidade para tomar conta da sua vida, para viver sozinho; precisando, contudo, de apoio para atos como enviar um e-mail, o IRS ou marcar uma consulta, o que, é do conhecimento comum, sucede com muitas pessoas que não têm as fragilidades aqui elencadas. 
Quanto ao demais, não contámos, como referido, com elementos de prova que permitissem dar como certa tal matéria de facto, salientando-se que, embora, as testemunhas MF e MC tenham sido perentórias ao afirmar que o Autor desconhecia o conteúdo, o alcance e as consequências do “repúdio de herança” que assinara, o próprio, em declarações de parte prestadas em audiência final, explicou as dúvidas que disse ter tido e que comunicou ao advogado perante o qual o ato foi outorgado; disse que este lhe explicou claramente, com palavras e de um modo que o Autor compreendeu bem o que implicava a outorga desse ato (“que perdia a casa” e que “dava a parte da sua herança à sua irmã”); e que, só depois dessa explicação, acedeu em assinar o tal ato; o que também, não é de modo a que se afirme que o Autor é facilmente influenciável.  
Por fim, veja-se que a circunstância de o Autor padecer de epilepsia, quer, com recurso à documentação junta pelas Rés, a fls. 57 a 64, quer, do senso comum sobre a matéria, não conduz necessariamente às conclusões factuais ora dadas como não provadas relativamente ao modo de ser do Autor; outro tanto se dizendo do facto de o Autor beneficiar de uma pensão de invalidez – cfr. documento junto aos autos a fls. 78.   
Quanto à matéria de facto descrita pelo Autor e que ora consta dos pontos 3 a 6, 18, 19 e 20 dos factos não provados, o que se constata é a total ausência de meios probatórios que alicercem essa versão dos factos; pois que o próprio Autor, em declarações de parte, não relatou esses factos; e nenhuma das testemunhas ouvidas revelou saber o que se terá passado antes de o Autor assinar o ato em causa; tendo, estas testemunhas, deposto, apenas quanto às suas convicções firmadas após saberem da assinatura desse ato pelo Autor.     
Quanto à matéria de facto constante dos pontos 7, 8, 12, 14 e 17, ficou bem claro das próprias declarações de parte do Autor, prestadas em audiência final e do depoimento da acima referida testemunha FF, advogado (depoimento com as características que acima se descreveram) que o Autor assinou o que quis assinar, depois de perceber o efetivo significado e alcance do ato que praticava; além de não resultar de qualquer elemento probatório junto ou produzido nos autos, qualquer facto revelador de alguma atitude, gesto ou palavra, por parte da Ré R, que significasse alguma espécie de ameaça ou de mentira propositadamente afirmada para enganar o ora Autor; isto, com exceção para a expressão "assina lá isso rapaz, para irmos embora"; que se afigura circunstancial e da qual, de per si, não consegue retirar-se o significado do que é afirmado nestes pontos. 
Sabe-se que, nas suas declarações de parte, prestadas em audiência final, o Autor afirmou conclusivamente que assinou o ato em apreço, porque confiou na sua irmã. 
Contudo, tal conclusão afirmada pelo declarante/Autor não se coaduna com as afirmações que fez segundo as quais compreendeu bem que, assinando o documento, perdia a herança de seu pai, que ficava para a sua irmã e que perdia a casa em que vivia.  
Anotou-se que as testemunhas MF e MC afirmaram pronta e repetidamente que o Autor não percebera o significado e consequências do ato que praticara. Contudo, como resultou, desde logo, das declarações do próprio, em sede de declarações de parte, verificou-se que assim não foi; pois que o próprio demandante deu conta de ter colocado dúvidas ao advogado perante o qual o ato foi praticado; e do modo como este lhe explicou claramente o alcance e consequências do ato, em face do que o Autor decidiu assinar e assinou o ato em causa.  
Anote-se, ainda, que, a circunstância de estas testemunhas ora referidas terem afirmado que não viam motivo para o Autor ter renunciado à herança de seu pai, dado que a herança não tinha dívidas e porque, dessa herança de seu pai, fazia parte ½ da fração em que este habitava e de que era co-herdeiro, não são suficientes para que se dê como assente a matéria de facto aqui em questão, pois que, tais testemunhas desconhecem o que terá estado na origem da vontade do Autor que o levou a assinar o ato em causa, não tendo relatado quaisquer factos reveladores da influência da Ré R na formação dessa vontade. Fora as declarações do próprio Autor, o Tribunal, também, não contou com quaisquer meios de prova (testemunhal, documental ou outra) reveladores da matéria de facto constante dos pontos 9, 10 e 11 destes factos não provados. 
Ademais, quanto à força probatória das declarações de parte, o Tribunal encontra expressão do seu entendimento, nas “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, de Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, de Almedina, p. 364, onde pode ler-se: “A experiência sugere que a fiabilidade das declarações em benefício próprio é reduzida. Por esta razão, compreende-se que se recuse ao depoimento não confessório força para, desacompanhado de qualquer outra prova, permitir a demonstração do facto favorável ao depoente.”.  
E, na verdade, é este o caso, pois que, quanto a estes pontos da matéria, não contámos, como acima referido, com qualquer outra prova testemunhal, documental ou outra que o revele.  Voltamos a não contar com elementos de prova reveladores do facto ínsito sob o ponto 13; outro tanto sucedendo relativamente à matéria dos pontos 15 e 16.  
Relativamente, à matéria constante dos pontos 21 e 22 destes factos não provados, o Tribunal apenas contou com o depoimento da testemunha E, que disse ter trabalhado com o ora Autor cerca de 15 anos, tendo, portanto, sido seu colega. E a verdade é que esta testemunha, por um lado, revelou animosidade para com o Autor deixando claro que não prezava o seu comportamento ou o seu modo de ser (dizendo, por exemplo, que, no trabalho, o Autor, o que não fazia, não era por não perceber, era porque não queria). E, por outro lado, tratou-se de testemunha que veio, apenas, relatar uma conversa que diz ter ouvido à falecida madrasta do Autor, há 8 ou 10 anos, conforme disse, quando a senhora já estava acamada; e em que esta se teria limitado a dizer (sem qualquer outra justificação ou circunstancialismo para essa afirmação) que queria que a casa fosse para a ora Ré P; e que o ora Autor teria ouvido essa conversa e nada teria dito, do que a testemunha teria retirado a conclusão de que ele concordava com essa situação.  
Neste circunstancialismo, não julgámos suficientemente credível o depoimento, termos em que não o julgámos suficiente para, sem quaisquer outros elementos de prova, dar como assentes estes últimos factos”.
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IV. Apreciação
 Nota prévia:
Nas conclusões O a V introduz o recorrente uma matéria que não consta da petição inicial e que não foi oferecida à primeira instância para decisão. Tal introdução pode ser entendida como uma nova razão, tanto de facto quanto de direito, à impossibilidade legal de proceder ao repúdio da herança. O recorrente invoca que exerceu a posse sobre a casa e que isso representou aceitação da herança, ainda que tácita, e que a aceitação é irrevogável e que por isso não pode quem aceitou uma herança, vir depois repudia-la. 
O tribunal de recurso, por via do artigo 627º do CPC, só conhece dos recursos das decisões dos tribunais recorridos, e não de questões novas que lhe sejam colocadas apenas no recurso, salvo as questões de conhecimento oficioso, e esta não é uma delas, pelo menos, de acordo com os dados disponíveis no processo, pelo que da questão da aceitação da herança não iremos conhecer. 
Esclarecido este ponto, vejamos: - o recorrente pretende a alteração da decisão sobre a matéria de facto relativamente aos factos não provados sob 1, 2, 7 e 12, por um lado (nº 32 do corpo da alegação) e 6, 8, 9, 10, 11, 14 e 17 dos factos não provados (nº 52 do corpo da alegação), pretendendo que todos passem a provados, pelas razões que indica. Pede ainda que, caso a reapreciação seja insuficiente para a solução de direito que propõe, que se ordene oficiosamente a produção de prova por perícia médica na sua pessoa, ao abrigo do artigo 662º nº 2 al. b) do CPC. 
Mostram-se cumpridos os ónus de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.  
Este tribunal leu atentamente – como resulta do relatório que acima fizemos – os articulados, os documentos juntos aos autos, e ouviu com atenção todo o julgamento, da tentativa de conciliação às alegações finais.
Como relatámos supra, o A. prestou declarações, foram ouvidas as duas filhas de vizinhas, que anteriormente viveram no prédio, uma sendo professora e a outra advogada, não mais novas do que o Autor em cerca de 10 anos, e que mantiveram a frequência do prédio nas visitas aos seus próprios pais/mães que ali continuaram a viver. 
A professora MF assumiu ela própria que tratava de assuntos do Autor que ele não tinha capacidade para resolver, e na tentativa de conciliação bem ouvimos que a referida professora foi, pela patrona oficiosa do A., chamada de “cuidadora” do Autor, cuja palavra teria de ser ouvida para efeito de se chegar a algum acordo – o que aliás, por causa dela, estava a ser mais difícil. Antes de ser MF a ajudar o A., que a preocupa porque não tem ninguém que trate dele, era, diz (ela) que foi ele que disse, a irmã dele quem tratava dos assuntos mais complexos do A. 
Foi ouvido o advogado autenticador do repúdio, que disse ter 13 anos de carreira, que tem o escritório onde foi feito o repúdio, escritório este dedicado a este tipo de actos de autenticação e que é dependência de um outro escritório de advogados, dedicado à advocacia tradicional, digamos, também situado na mesma zona, escritório esse que funciona onde funcionou o cartório notarial de JD (no qual aliás foi celebrado pela madrasta S, na qualidade de cabeça de casal, a escritura de habilitação de herdeiros que está junta a fls. 13 dos autos), advogado que fez questão de dizer e repetir no seu depoimento testemunhal que a filosofia do seu escritório não era o lucro – antes, percebeu-se, também seriam prestados serviços (gratuitos ou incluídos no simples preço dos actos de reconhecimento) de aconselhamento jurídico às pessoas que procuravam apenas a actividade de reconhecimento. Pelo mesmo foi claramente dito que não se lembrava de nenhum dos intervenientes nem do acto ora impugnando. 
Finalmente foi ouvido, nos seus oitenta e quatro anos, o tio E, cunhado da falecida S, tio e tio-avô das Rés, e que foi colega do Autor no Instituto …. 
A decisão sobre a matéria de facto provada reflecte o caminho dos documentos autênticos juntos aos autos, e do mínimo sobre o qual há entendimento entre as partes. Praticamente tudo o que era a versão do A. e tudo o que era a versão da irmã e sobrinha ficou não provado. 
Não foram apresentadas contra-alegações nem foi requerida a ampliação do objecto do recurso. A anulação dum repúdio de herança, que é irrevogável, só pode obter-se por dolo ou coação – artigo 2065º do Código Civil – ou incapacidade acidental (não excluída pelo referido preceito e, portanto, aplicável nos termos gerais). O ónus de prova era do A.
Notas prévias sobre tribunais e apreciação da prova: 
- o tribunal deve orientar-se pelo princípio da prossecução da verdade material, em detrimento da verdade formal. 
- o tribunal não procura a verdade absoluta mas a maior razoabilidade, a versão que mais provavelmente corresponde ao que é a normalidade das coisas, o que funciona para o tribunal como uma bitola de segurança. 
- a prova por declarações de parte é apreciada em concreto, e não descartada sob o argumento da sua parcialidade e interesse, e, não podemos usar este argumento para descartar a parte das declarações de parte que são favoráveis ao declarante e para valorar a parte em que o não são: - a lógica da criação deste novo meio de prova não é a de, com o devido respeito e numa imagem, “apanhar mentirosos”. As declarações de parte não têm por isso de ser transcritas na acta: - ao contrário do depoimento de parte, não estamos perante a necessidade de fazer assentar na acta uma confissão e de a ler ao depoente, para que se garanta que confessou mesmo. As declarações de parte são um meio de prova cuja justificação se encontra na maior proximidade do declarante aos factos, e, portanto, numa relação privilegiada entre declarante e factos que muito útil pode ser ao tribunal. E até mesmo se não houver outra prova que o corrobore, conquanto nos seja, em livre apreciação, regra a que este meio de prova é sujeito, transmitida a genuinidade e a forte verosimilhança do que consta das declarações. 
- porque nos orientamos pelo que é normal (que aconteça) e porque nos orientamos pela procura da verdade material, o que é anormal, o que é estranho, o que de maneira alguma se compreende que possa ter acontecido, merece uma nossa maior atenção (como pode lá ser isto?!). Nesta maior atenção, neste maior cuidado na apreciação da prova, não há nenhum favor (feito) à parte mais fraca. 
- esse maior cuidado significa que o tribunal não se deixa impressionar nem recorre a, nem usa, uma técnica de primeiro “bombardeamento” das provas, antes coloca o meio de prova no seu devido contexto histórico situacional, na concreta relação que havia entre uma testemunha e a parte, relativamente à qual também não precisamos duma cascata de provas mas dum contexto de normalidade: - por exemplo, como decorre a vida (como convivem os vizinhos) num prédio pequeno e modesto construído há 60 anos, da então quase Lisboa suburbana, e onde ainda hoje vivem vários dos moradores originais, já com 80 e tal anos de idade? Não é do mesmo modo que num prédio de luxo, novo, com 20 andares e 7 apartamentos por piso. Em rigor, estamos a falar de como se valora a prova produzida.
- o tribunal é livre na aquisição da prova, podendo dar como provados factos com base em meios de prova oferecidos pela parte a quem esses factos são contrários, e pode ainda valorar aspectos não essenciais, antes meramente instrumentais ou explicativos que uma testemunha da parte contrária tenha referido, na sua concatenação com as teses oferecidas pelos articulados e, ou, na sua concatenação com outros meios de prova – por exemplo, a testemunha E revelou animosidade para com o A., mas depôs sobre os acometimentos de ataques epiléticos no trabalho onde ele e o A. eram colegas e que determinaram que o A. se tivesse reformado com cerca de 40 anos de idade. 
Aprofundemos um pouco os meios de prova produzidos. 
Quanto às declarações de parte do A: - o tribunal pode ter desconfiança das declarações de parte, porque a parte está interessada no desfecho do processo, mas se por acaso a parte até (audivelmente) tem capacidades mentais afectadas ou reduzidas, então o tribunal já pode pôr em dúvida que a parte esteja a instrumentalizar as suas declarações. As declarações do A., ouvidas, apresentam-se como genuínas, espontâneas e honestas. De resto, e quanto à capacidade afectada, temos a testemunha MF, professora, à qual, como à testemunha MC, advogada, não há rigorosamente nada que se lhes possa apontar em termos de menor credibilidade. A testemunha MF assevera que o Autor, se fosse uma criança a ir para a escola, deveria ser posto em ensino especial. Refere a mesma que o A., sendo capaz para actos correntes da vida física e prática diária, não tem capacidade de compreender conceitos abstractos mais complexos. Assim temos como firme que o A., de direito, percebe nada, nem as palavras conhece e nem mesmo percebe o sentido em que as suas declarações podem ser juridicamente relevantes.
É assim que devemos ler as suas declarações: - as declarações de alguém que não tem consciência da relevância jurídica do que diz, e, portanto, diz o que diz, e diz com os termos que sabe. E se tem capacidade afectada, se a senhora juiz se lhe dirige dizendo “deixe-se estar aí sentadinho” – tratamento que apenas se dá a quem é “pequenino de cabeça” (e a patrona oficiosa já advertira que em sua opinião o autor precisava de beneficiar de um regime de maior acompanhado) – também não será muito crível que siga, com atenção e resposta pronta, livre e esclarecida, o que lhe dizem no tribunal. 
Ora, acresce que as declarações de parte não visam a confissão e, por conseguinte, elas não autorizam que o declarante seja inquirido do mesmo modo que se procede à inquirição num depoimento de parte requerido pela parte contrária com vista à confissão. E é por isto que, renovando-se o que já se disse, se afigura desajustado – não tem previsão legal – fazer constar da acta o que o declarante de parte declara (e no final perguntar à patrona oficiosa se acha que quer/vale a pena prosseguir com a produção de prova). Sobretudo quando as declarações extractadas correspondem não ao que o declarante declarou, na sua espontaneidade, mas, com o devido e maior respeito, ao que foi concluído pelo magistrado judicial. 
Quando o magistrado judicial diz ao declarante que ele percebeu “lindamente” o que o advogado que autenticou o repúdio lhe explicou sobre o que era o repúdio, está a ignorar aquilo que o declarante disse: - o advogado perguntou se sabia o que era o repúdio, o declarante disse que não sabia, o advogado explicou que perdia a herança do pai, que dava a casa à irmã, ele declarante perguntou porquê, com que direito, e o advogado respondeu “porque sim”. E mais, tendo o declarante pedido ao advogado se lhe dava o papel para ele levar para casa para mostrar às vizinhas (quando o advogado lhe perguntou se sabia o que era o repúdio), o advogado disse que o papel não podia sair dali. Daqui resulta de modo claríssimo que o declarante não “assinou porque entendeu lindamente”, nem que percebeu lindamente o que o advogado disse. Não, o declarante, tinha e mantinha dúvidas: - ele diz também que foi a irmã que pagou e que ficou com o “papel” e que cá fora lhe pediu para ler e ela recusou. Se pediu para ler era porque não estava muito certo daquilo que tinha assinado. E depois foi efectivamente contar às vizinhas e estas mandaram-no de volta ao “notário” pedir uma cópia do papel, que depois leram e lhe explicaram o que significava. As testemunhas MF e MC provam, sem sombra de dúvida, que assim foi: - e o curioso é até que o documento que o A. juntou com a petição inicial é uma cópia de difícil leitura, e não é o original, sendo que foi junto com a contestação o mesmo documento mas sem qualquer problema de legibilidade, indiciando portanto que o original do documento não ficou nas mãos do repudiante (ao contrário do que o advogado autenticador diz que é regra) mas nas mãos da irmã. Recusando esta a leitura, o Autor quando vai contar às vizinhas (fazendo depois o que a irmã lhe teria dito para não fazer antes, porque elas eram umas bisbilhoteiras) não sabe bem como contar (não sabe bem o que fez), o que faz com que as vizinhas o mandem ir buscar uma cópia ao advogado (que a não quis dar, que não se lembrava, então o senhor não se lembra de mim que estive aqui há 20 dias, sou o irmão da D. R, ah sim, já me lembro).
Acresce ainda que continua sem se poder extrair das declarações de parte que o A. percebeu “lindamente”, que percebeu o que lhe foi dito, apesar de lhe ter sido dito (facto provado 10 e 11), quando o declarante diz o que lhe foi dito, mas não diz que percebeu perfeitamente o que lhe foi dito, nem usa a expressão “lindamente”. É verdade que o Autor vai murmurando “hum” e a senhora juiz refere que” hum” significa sim. É assim, não é? - “Hum”. Com o devido respeito, não cremos que possa ser assim, porque não foi referido pelo senhor advogado nem pelo Autor que lhe tivesse sido explicado que a declaração de repúdio era irrevogável – ou seja, o senhor percebeu lindamente o que ia fazer e as consequências do que ia fazer? Não. 
Quando o tribunal diz que após a explicação do advogado o autor hesitou, mas a irmã disse-lhe “anda rapaz…” e ele então decidiu-se (porque percebeu lindamente) tem de admitir que alguma coisa diversa o Autor pensava que ia fazer e que o que o advogado lhe disse contrariava isso que ele pensava. Como a capacidade de pensar e de pensar direito no A. é fraca, muito provavelmente, não estamos em presença de “o que o A. pensava”, mas sim de “o que lhe foi dito que ia lá fazer”. Mas claro que a questão é, se tendo percebido – e ainda que não se apercebesse, porque não há prova que lhe tenha sido explicada a irrevogabilidade, das inteiras consequências – se a explicação que foi dada o liberta do erro – percebeu lindamente – ou se esta libertação não ocorreu, ou não ocorreu de forma completa, ou plena, porque a dúvida o levou a pedir à irmã para ler depois e porque a dúvida não lhe permitiu explicar correctamente às vizinhas o que tinha feito, em função do que foi mandado de volta ao advogado. E a isto acresce que apesar do que consta dos factos provados 10 e 11, sobre os dizeres constantes do termo de autenticação e sobre a prática do escritório, o advogado, ouvido, nada de concreto conseguiu afirmar porque foi justíssimo ao dizer que não se lembrava de ninguém nem de nada do que se tinha passado. E todos perceberam que sim, que em milhares de reconhecimentos, o advogado não se consegue lembrar. E por isto mesmo, o advogado não assevera que o A. percebeu, assevera apenas, por referência ao que faz constar dos termos, que explicou e reexplicou. É por isto que a testemunha advogado não prestou, contrariamente ao que entendeu o tribunal recorrido, um dos dois “depoimentos” essenciais e relevantes.
É certo que as testemunhas professora e advogada (MF e MC) não foram com o Autor ao advogado autenticador, não são prova directa do que se passou lá, mas isto não abala em nada a parte dos seus depoimentos sobre o que o Autor fez depois (ir contar às vizinhas, ir buscar a cópia ao advogado), mostrando-se ainda os seus depoimentos relevantes na parte da caracterização da personalidade do A., e da sua condição de vida e da absoluta improbabilidade dum repúdio voluntário. E aqui note-se, as referidas testemunhas não precisam de ter acesso à conta bancária do A., não precisam de saber concretamente os meios de fortuna do A. Elas depõem sobre o que está à vista, sobre o que sempre esteve à vista em vizinhos que viveram décadas no mesmo prédio – que sabem quem é dono dos apartamentos, quem é inquilino, quem tem casa na terra, que automóveis têm que estão ali estacionados à frente, que empregos tinham ou têm. É segundo esta lógica, que é a lógica da normalidade e da probabilidade, que os depoimentos relevam: - quem sempre ali viveu numa parte da cidade que não era a mais central nem luxuosa, quem trabalhou numa fábrica na tarefa mais simples de dobrar panos, e depois trabalhou à tarefa a tratar cobaias até que deixou de trabalhar por causa dos ataques epiléticos, quem viveu ali desde criança (está provado que sempre ali viveu), não será minimamente provável que tenha largas contas bancárias nem mansões de veraneio que lhe tornem irrelevante o 1/6 dum T3 de 63 metros quadrados nos … , que na prática, para ele e até ali, se traduzia em ter uma casa onde viver. 
Voltamos a dizer, nada há, absolutamente nada, que se possa apontar como factor de retirada de credibilidade às referidas professora e advogada.
Antes de revisitarmos as declarações de parte num aspecto que encontramos de muito relevo, recordemos que na petição inicial a versão é a de que a irmã R enganou o Autor, primeiro atemorizando-o (a ele que é afectado por doenças mentais) e preocupando-o com o facto da mãe natural dele poder concorrer à herança do pai, e levando-o ao “notário” com o propósito de isso evitarem, para ficarem com a casa para eles. Estamos cientes de que os factos não provados sobre a atemorização não vêm impugnados, mas ainda assim entendemos relevante perceber o mais largo contexto onde os factos se desenrolam.
A contestação, remetendo-se, com o devido respeito, ao conforto do ónus de prova, apresenta-nos o Autor como pessoa não afectada pela epilepsia, por qualquer atraso ou deficiência mental, como homem válido (citando aliás um estudo genérico pediátrico que diz aos pais uma série de cuidados a tomar mas que as crianças podem vir a ter vidas saudáveis e felizes, citando o caso de Van Gogh2) que teve uma vida profissional, que se reformou, nesta sua valia pessoal negando, as Rés, que o A. precisasse de alguém para fazer fosse o que fosse, ou seja, induzindo a concluir que o Autor podia obviamente ir sozinho marcar o reconhecimento do repúdio da herança. E isto o A. teria feito porque prometera a S, no seu leito de morte, que não deixaria problemas pendurados que impedissem ou dificultassem que a neta P fosse a beneficiária única da vontade/herança de S (e A). 
Só que a mesma contestação apresenta-nos o A. como um “párida” que sempre viveu à conta dos pais da Ré R, que não respeitou a vontade da madrasta após a morte do pai, os pedidos dela para que arranjasse casa própria e saísse daquela3. Muito dificilmente um pária deste calibre iria por seu próprio pé e sozinho marcar um reconhecimento notarial dum repúdio à herança do pai, em benefício desde logo, da madrasta em fase terminal, dessa que o queria ver fora de casa há anos, e da irmã, que o tem em tão baixa conta (pária). Baixa conta em que E… também o tem.
A mesma contestação apresenta-nos, sem rebuço, a afirmação de que era vontade de S… que a casa ficasse para a neta, que essa vontade era também a do autor da herança, A…, pai do aqui autor, que R cumpriu legal e legitimamente a vontade dos pais dela, à custa dos quais o Autor tinha vivido. Perante estas afirmações, poder-se-ia pensar que a S, a A e à própria Ré R, a todos era indiferente que a lei determinasse que o autor era também herdeiro de A, o que se passava antes era que, no pensamento de todos, haveria ele de compensar ter vivido à custa do casal, com o repúdio da herança, a favor (indirectamente) da neta.
Ou, a contestação não ajuda, talvez o sentido da vontade de S e de A de que a casa fosse para a neta, fosse o de que o Autor, afectado por algum grau de deficiência, ficasse na casa até morrer4[2], e que a casa, à sua morte, passasse para a sua sobrinha, neta daqueles. O Autor disse aliás em declarações que vinha a tribunal para que não lhe tirassem a casa e que achava que devia viver na casa até morrer, e que depois a casa passaria então para elas (irmã e sobrinha, que tinham sido “mazinhas” com ele). 
A testemunha E… explicou melhor: - que o A. era, como à data legalmente se dizia, filho ilegítimo de A…, já então casado com S…; que a sua mãe natural o tinha ido pôr à porta do casal, quando era criança, que o Autor havia sido criado pelo pai e pela madrasta. E aqui se conjugarmos com o que diz o A. e com o mais que está provado, então, a madrasta tinha sido uma verdadeira mãe para o Autor (portanto não estaria a tentar pô-lo fora mal o pai morrera), o Autor não tinha casado nem tido descendência e sofreu vários ataques epiléticos (E…) no seu trabalho manual básico e incerto5 [3], acabando a reformar-se com 40 anos, por causa disso. Assim, um dos cenários previsíveis era o de que, o A., desde que o pai morreu, morresse também (com facilidade, por exemplo, durante um ataque epilético na banheira) e que a sua mãe natural, sua herdeira legitimária (artigo 2157º do Código Civil) (que não poderia deserdar nem ofender a sua legítima – de metade da herança – artigo 2161, nº 2 do mesmo Código), fosse chamada à sua sucessão, vindo ela então a entrar em representação dele na herança do pai e por conseguinte a poder constituir um problema a que a casa ficasse para a neta. Talvez daqui S teria dito aos irmãos, entendam-se e não deixem problemas legais pendurados. Problemas de que a casa que foi do meu marido e minha, comprada com o nosso esforço, não venha agora em parte a ser daquela com quem o meu marido me traiu. 
São hipóteses, já que S… morta é. Mas o que pretendemos demonstrar é que o verdadeiro perigo a que a legal e legítima vontade, que R diz cumprir, fosse cumprida – a de que a casa ficasse para a neta de S e A – era apenas a possibilidade de que o A. morresse e a sua parte ficasse para a sua mãe. Claro que este “a casa ficar para a neta” supõe um “ficar gratuito”, o que contrariaria as outras possibilidades legais da parte do A. vir a ficar para a neta, que eram o pagamento de tornas ou, permanecendo a indivisão entre os herdeiros, a venda do quinhão hereditário. 
Mas voltemos às declarações do Autor: - é muito claro que não há lógica nenhuma no repúdio voluntário de herança, e é ainda muito claro que o Autor não queria mesmo, nunca quis, repudiar a herança. 
Antes disto: é muito claro que o A. não sabia o que era o repúdio da herança – assim resulta da explicação do que aconteceu no “notário”, conjugada aliás com o depoimento de MF sobre a capacidade do A..
Se o Autor não sabia o que era o repúdio da herança, não foi ele quem foi marcar o acto, nem foi ele que levou nenhuma outra pessoa com ele, nem pediu a nenhuma outra  pessoa para o fazer: - “venha comigo a um sítio que eu não faço ideia qual seja, fazer uma coisa que eu não sei o que é; vá ali por favor a um sítio que eu não sei qual é, fazer uma coisa que eu não sei o que é”. Nenhuma outra pessoa, leia-se, significa que ninguém que fosse alheio ao acto o iria marcar nem poderia satisfazer o pedido “vá não sei onde fazer não sei o quê”, ou seja, que apenas quem estivesse por dentro das consequências do acto o poderia fazer – isto é, saber e fazer. Quem beneficiou do acto foi a irmã (diz o A. que até desconfia que a irmã passou a casa para a sobrinha, não tem a certeza, mas até desconfia) e, portanto, apenas ela estava em condições de ir marcar o repúdio e de convencer o A. a ir assiná-lo.
Depois, o Autor diz-nos, além de perguntar com que direito a casa fica para a irmã, que o pai não lhe deixou “herância” nenhuma, que o pai não fez a escritura, e que se tivesse feito a escritura “a coisa era outra” (sic) ou, numa imagem nossa, outro galo cantaria. No pensamento do Autor, a herança dependia do pai ter feito uma escritura nesse sentido. E se a tivesse feito, ele Autor seria herdeiro/dono e não se deixaria tirar dessa posição (outro galo cantaria, as coisas seriam diferentes), e não estaríamos em tribunal a discutir um repúdio que ele não teria feito – aliás, eu venho aqui para que o tribunal não me tire a casa.
É absolutamente claro que o Autor não queria repudiar a herança. Então, um herdeiro que não quer repudiar a herança, não vai marcar uma escritura, não vai por seu pé dirigir-se ao escritório dum advogado para autenticar um repúdio da herança, e menos ainda sai de lá sem trazer o competente documento. 
Donde, não é apenas porque na contestação está junto o que parece ser o original do documento de repúdio, não é apenas porque MF assevera a incapacidade do A. em tratar de assuntos não correntes da sua vida e afirma que o Autor lhe disse que antes de ser ela a tratar destes assuntos era a irmã do Autor que o fazia, donde não é apenas porque o Autor declara que tinha confiança na irmã, que sempre teve confiança na irmã, mas é por tudo isto e pelo que temos vindo a escrever que devemos entender que as declarações do Autor são fidedignas, e que na parte em que ele afirma que foi a irmã que tomou a iniciativa de marcar o acto no advogado, e que foi a irmã que o levou, e que esteve com ele durante o acto, e que lhe disse o que lhe disse (anda rapaz, assina lá para nos irmos embora), e que pagou 300 euros, e que ficou com o documento em seu poder, recusando-lhe em seguida a leitura, que esta participação da irmã deve ser levada aos factos provados. 
O que podemos concluir a partir das declarações do Autor sobre o que a irmã lhe disse (que iam fazer ao “notário”)? A primeira resposta sobre o que iam fazer foi a de que era para ir fazer uma escritura. Era para assinar um papel, era para ver se conseguia assinar a herança do pai, era para ficar com a herança do pai e da mãe. Se já concluímos que o A. não queria repudiar a herança, se ele se insurge quando o advogado explica que a casa ficava para a irmã, não podemos interpretar “era para ficar com a herança do pai e da mãe”, como significando “era para eu ir assinar um papel pelo qual a minha irmã ficava com a herança do pai e da mãe e eu ficava sem a herança do pai”. A interpretação é “ela fica com a parte da herança do pai que é dela, e depois fica com a herança da mãe dela, e eu fico com a parte da herança do pai que é minha”. Porquê? Porque era para irmos fazer a escritura que o pai não fez, se o pai tivesse feito a escritura eu teria ficado com (a minha parte da) herança dele. Na prática, o que resulta da declaração do Autor é que a irmã lhe disse que, compreensivelmente estando S… a morrer, ia ser preciso tratar de problemas de heranças, S… morrendo a “coisa” interessava apenas ao A. e a ela R…, e já que o pai não tinha tratado dos papéis, e já que depois da morte do pai, a partilha da herança dele não havia sido feita, era agora entre eles os dois que iriam tratar de legalizar a herança. Esta é a interpretação mais razoável que se pode dar a “era para ir fazer uma escritura”, “era para assinar a herança do pai”, “se o pai tivesse feito a escritura outra seria a coisa”: - era para a casa ficar para os dois (herdeiros “da casa”, depois da morte de S), o que já poderia ter acontecido se o pai tivesse feito isso (na ideia literalizada pelo A.) ou mais provavelmente se isso já tivesse sido feito logo depois do pai ter morrido.
É-nos assim claro que podemos valorar as declarações de parte do A. ainda para dar como provado o que a irmã R lhe disse para o levar ao advogado. Ainda seria coerente pensar que a irmã disse que garantiria que o A. ficaria a viver para sempre na casa onde sempre tinha vivido, mas o A. de facto não o disse, nem conseguimos chegar lá a partir das suas declarações, nenhum outro meio de prova tendo sido produzido sobre essa “garantia”.
Munidos destas considerações, passemos então a reapreciação concretamente pedida.
Deixemos por um momento de lado os factos não provados 1 e 2. 
Como já dissemos, temos como claro e por isso decidimos julgar provado que “6. A irmã do Autor disse-lhe que tinha agendado num “cartório” uma hora para que ele assinasse “um papel” para que a casa ficasse para eles”. Já não é claro, porque não foi referido por ninguém nem há qualquer outro meio de prova, que a irmã disse que, assinando tal papel, “garantia que ficava a viver para sempre na casa que era sua e em que sempre viveu”. 
Assim, elimina-se a primeira parte do facto não provado nº 6, e em consequência adita-se aos factos provados que “6. A irmã do Autor, aqui Ré R, disse ao Autor que tinha agendado num “cartório” uma hora para que ele assinasse “um papel” para que a casa ficasse para eles”. 
Por tudo o que expusemos supra, é também linear que devem, e assim decidimos, passar a provados os factos não provados “9. Foi a ora Ré quem agendou a realização do “Repúdio de Herança” em apreço”, “10. Foi a Ré R que facultou ao advogado toda a documentação necessária” e “11. E foi a Ré R que pagou os honorários ao dito advogado para autenticar o repúdio”.
Adiante-se que os factos não provados “8. A irmã do Autor (a ora Ré R) dolosamente levou a que o ora Autor assinasse este documento de “Repúdio de Herança” e “14. O Autor foi intencionalmente enganado pela sua única irmã, que o quis prejudicar e tirar-lhe o direito à casa onde sempre viveu”, são conclusivos e o lugar das conclusões, quer de direito, quer de facto litigioso, não é na decisão da matéria de facto, mas na discussão jurídica da causa, como resulta, ainda hoje, do artigo 607º do CPC. Não pode assim proceder a impugnação feita. Em rigor tais “factos” 8 e 14 nem deviam constar do elenco dos factos não provados, mas o facto de constarem não impede que se possa ponderar, em sede de discussão, se a mesma conclusão é alcançada: - a irmã dolosamente levou o A. a assinar o repúdio da herança. 
Quanto ao facto não provado 7 “Foi, obrigado pela sua irmã R, que o ora Autor assinou o documento de “Repúdio de Herança” junto aos autos”, a não caracterização do modo ou processo de obrigação leva ao mesmo resultado que quanto a 8 e 14: - estamos perante uma conclusão. A irmã pegou-lhe na orelha e torceu-a até que o A. assinasse, a irmã ameaçou o A. de que se não assinasse o matava. Em rigor, portanto, a obrigação é sempre conclusiva do modo como se levou alguém a fazer alguma coisa, e, portanto, apenas podemos responder sobre esse modo. Essa resposta não é feita aqui quanto ao facto não provado 7 mas será mais adequadamente feita na resposta à impugnação da decisão quanto ao facto não provado 17, que nos situa no contexto do que se passou no escritório do advogado autenticador. 
Sobram então os factos não provados 12 e 17. 
Ora, quanto ao facto não provado 12 – “Foi quando o ora Autor mostrou o documento (“Repúdio de Herança”) a algumas pessoas, que lhe explicaram o significado e as consequências do mesmo”, com base nas declarações do Autor e nos depoimentos de MF e MC, decidimos passa-lo a provado. 
Como vimos, não há dúvida que o A. foi contar às vizinhas, que as vizinhas o mandaram ir buscar uma cópia (declarações dele, depoimentos de MF e MC), e que munidas desta as vizinhas lhe explicaram o significado e consequências. Assim não fora, e não fosse uma delas advogada, e não estaríamos aqui. Por outro lado, não há dúvida que o texto do repúdio não refere, e o texto da autenticação não refere, que a declaração de repúdio é irrevogável, excepto em caso de dolo ou coação, e o A. não referiu, quando contou o que se passou no escritório, que lhe tivesse sido falado na irrevogabilidade, e o advogado não afirmou que tivesse, ou que tenha, como regra, além da explicação e reexplicação que faz, esclarecido da possibilidade ou impossibilidade de reversão do acto que reconhece. Esta consequência, da gravidade da declaração de repúdio, que não é qualquer vício de vontade que a consegue reverter, não foi explicada. Este mesmo facto não provado 12 que agora passamos a provado lê-se como “perante o que a irmã disse, que era para a casa ficar para eles, e perante o que o advogado disse – factos 10 e 11 e declarações do Autor – o Autor só veio a descobrir mesmo que a versão do advogado é que era a verdadeira, quando as vizinhas lhe explicaram no mesmo sentido: - que o repúdio fazia perder a herança do pai e (nela se integrando) a casa. 
Quanto ao facto não provado 17 “O Autor assinou o documento “Repúdio de Herança” a mando e sob coação da ora Ré R, por causa do ascendente que esta Ré tinha sobre o Autor; não lhe tendo sido explicadas as consequências desse ato”, voltamos às conclusões “mando e sob coação” e ainda “ascendente”. 
Situamo-nos, por via do que já demos como provado, no escritório do advogado. A Ré R está presente. O advogado lê e pergunta “Sr. F, sabe o que é isto do repúdio? O Autor responde que não sabe e pede para levar o documento para mostrar às vizinhas, elas dir-lhe-ão o que é. Assim sem saber, constatando, perante o que o advogado pergunta, que não sabe o que é o repúdio, o A. diz: “assim já não assino”. O advogado, depois de dizer que o documento não pode sair dali, diz que repúdio significa que o autor perderá a herança do pai e a casa passará para a irmã, R. O A. insurge-se e pergunta com que direito isso acontecerá, porquê isso acontecerá. O advogado terá dito, segundo o A. “porque sim”, e depois – dizemos nós, neste impasse, nesta situação em que ele claramente não quer repudiar a herança, não quer que a casa passe para a irmã (independentemente dos 5/6 dela, porque para ele é claro que a irmã casou e tem a sua própria casa e que não precisa da casa onde ele vive para nada, e que portanto o justo e bom é que ele lá fique a viver até morrer e só depois é que a casa ficará para “elas”, então, nessa situação de impasse, ou hesitação como foi falado, a irmã R diz “anda lá, rapaz, assina lá isso para nos irmos embora”. R, que esteve presente e que ouviu a explicação do advogado, não explica ao irmão que afinal o que o advogado está a dizer é que a verdade do que vai acontecer se ele assinar e que não é verdade aquilo que ela disse que era a razão para irem ao “notário”, que não é verdade que assinando aquele “papel” a casa fique para eles os dois. Quando R incita à assinatura, o que o Autor entende deste incitamento é que a versão que ela disse é que era o que iria acontecer. No fundo, “anda lá rapaz, assina lá isso e não ligues ao que o advogado disse, confia em mim”. É por isto que ouvimos o Autor dizer que confiava na irmã, que assinou porque confiava nela. O sentido não pode ser o de que alguém, que claramente manifesta perante o advogado que não quer dar a casa à irmã, que não encontra razão legal para isso, perante a subsequente frase da irmã “ó rapaz, assina lá isso”, inverta diametralmente o seu pensamento e a sua vontade para “sim, mana, fica lá com a casa”. O sentido só pode ser “sim, mana, eu assino e assim despachamo-nos rapidamente de fazer o que cá viemos fazer, segundo o que tu me disseste que cá vínhamos fazer”, “eu confio em ti”, “eu confio que é verdade aquilo que tu me disseste”. Diz o Autor nas suas declarações: “Eu sempre tive muita confiança com a minha irmã. Sempre tive. Por eu ter confiança com ela fiz isto assim, sem saber”. “Sem saber” que afinal o que o advogado dizia era mesmo verdade, concluímos nós. 
E cá fora, e estamos a usar um discurso directo para que se perceba melhor: - “Confio, sempre confiei, mas aquilo que o advogado disse deixou-me aqui uma pulga atrás da orelha, deixa-me ler o documento. Não. Continuo com a pulga, vou perguntar – como conseguir contar-lhes – às vizinhas”. 
Como ascendente, mando e coação são conclusões, o máximo que podemos é dar como provados factos que podem eventualmente vir a integrar essas conclusões, e assim, relativamente ao facto não provado 17, eliminamo-lo e aditamos aos factos provados o seguinte: 
 - “A 1ª Ré, que acompanhava o A., assistiu à explicação do advogado de que repúdio da herança significava que o A. perdia a herança do pai e a casa ficava para ela. 
 - Perante a explicação do advogado o A. questionou com que direito a irmã ficava com a casa; 
 - Hesitando assinar o repúdio, a 1ª Ré, sem desmentir que a assinatura era para a casa ficar para ela e para ele, disse ao A. “Ó rapaz assina lá isso que é para a gente se ir embora”, assinando o Autor em seguida, porque tinha confiança na irmã e no que a irmã lhe tinha dito”.
Finalmente, quanto aos factos não provados 1 e 2, ou seja: 
 “1. O autor padece, desde que nasceu, de outras doenças do foro psiquiátrico. 
 2. A epilepsia sempre impediu o Autor de exercer qualquer atividade profissional e torna-o uma pessoa vulnerável, dependente da ajuda de terceiros para os actos correntes da sua vida, psicologicamente débil, não autónomo e muito influenciável”. 
O recorrente pretende que passem a provados e se não se conseguir a anulação da declaração por incapacidade acidental, nem subsequentemente por dolo, então quer que o tribunal ordena prova pericial sobre a sua condição mental nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC. 
Com o devido respeito, sem a prova destes factos 1 e 2 nunca se chegaria, com os outros que a 1ª instância já deu como provados e com os que a Relação agora adita em função da reapreciação da prova quanto aos factos não provados, à incapacidade acidental. No que toca ao dolo, a caracterização mental e da personalidade do Autor que estes factos não provados 1 e 2 propiciariam, se provados, aprofundaria ou sublinharia o bom fundamento – uma espécie de padrão objectivo – da confiança do Autor na veracidade da informação que a irmã lhe prestou antes de irem autenticar o repúdio. Deste modo, a prova destes factos 1 e 2 não funciona como causa independente de anulação, mas como condição e apoio de verificação dos títulos jurídicos invocados para a anulação. 
Quer isto dizer que a formulação inserta na parte final do recurso, a produção de prova se não proceder a incapacidade acidental e o dolo, não é subsidiária, mas inerente à apreciação judicial destas causas ou títulos, se o tribunal não for capaz de, sem essa prova, responder à impugnação feita aos factos não provados 1 e 2. 
E o problema é exactamente este: - não conseguimos responder. Não somos médicos, não assistimos o Autor na consulta de especialidade quase até aos seus 50 anos de idade, consideramos que as patologias e sequelas não se apuram face ao senso comum nem menos face a panfletos de carácter generalista reportados à epilepsia em crianças, sobretudo quando há um conhecimento concreto da doença e da sua evolução por parte dos médicos da consulta da especialidade, não consideramos poder usar “muita gente não sabe mandar emails nem fazer o IRS” como argumento para afastar as sequelas de doença provada pelo próprio tribunal recorrido, não consideramos que “porque trabalhou e tem reforma” a epilepsia não o afectou, logo é uma pessoa normal e capaz, nem secundamos que “se viveu sozinho desde que a madrasta morreu, então é porque não tem qualquer diminuição, porque trata de si”. 
No fundo, não confirmamos a posição do tribunal recorrido quanto às respostas aos factos não provados 1 e 2, porque tudo o que é matéria médica escapa ao nosso conhecimento técnico e decisivamente escapa quando estamos a falar de doença reportada a alguém em concreto.
Acresce que está provado que o A. sofre de epilepsia e que foi seguido em consulta de epilepsia até aos seus 50 anos aproximadamente, indiciando-se pelas declarações do Autor e de E…, que o Autor fez vida profissional, mas vida profissional limitada, tarefeiro, trabalhando à hora, a tratar/preparar cobaias (e antes disso a dobrar tecidos), que acabou reformado com cerca de 40 anos, em virtude de ataques epiléticos no local de trabalho, não é verdade que a epilepsia sempre tenha impedido o Autor de exercer qualquer actividade profissional mas que a epilepsia o condicionou na actividade que conseguiu exercer e no tempo desse exercício.
Por outro lado, afigura-se do depoimento de MF que o A. não depende da ajuda de terceiros para os actos correntes da sua vida, mas já dependerá para actos intelectuais mais “complexos”, para a compreensão de conceitos mais abstractos. Igualmente, o A. será autónomo para fazer as tarefas do quotidiano pessoal e doméstico, mas não para tomar decisões de investimento ou desinvestimento patrimonial, suspeita-se.
Já sobre as consequências da epilepsia ao nível de produção ou associação a outras doenças do foro psiquiátrico e a nível de vulnerabilidade, de debilidade psicológica e de personalidade muito influenciável, estas consequências melhor se apuram em função da doença concretamente sofrida, ao longo do tempo de sofrimento, em função do tempo de sofrimento, em função da medicação administrada. Deve notar-se ainda que haverá termos técnicos melhores para expressar o que vem referido nos factos em causa, e que a debilidade, a vulnerabilidade e o carácter muito influenciável muito possivelmente se podem medir em função do nível de conhecimento e força de acção em função dele, ou eventualmente, dito de modo simples, em função do coeficiente de inteligência e da possibilidade de se concluir que o A., pela sua condição de saúde mental, tem capacidade de resistência diminuída, carecendo e dependendo de assistência. 
Estes conhecimentos não nos assistem, como vimos repetindo, e assim e porque requerido pelo Autor (isto é, implicitamente consentido por ele), determina esta Relação, nos termos do artigo 662.º, n.º 2, alínea b) do CPC, que o mesmo seja submetido a perícia médico-legal com o objecto “avaliação da condição mental clínica do Autor e do alcance das suas limitações e dificuldades cognitivas e antiguidade das mesmas”, e desde já se fixando os quesitos que seguem, cuja resposta nos parece importante, sendo as partes livres, nos termos da parte final do artigo 477º do CPC, de sugerir outros. 
Esta Relação entende ser importante que a perícia responda aos seguintes quesitos: 
1 - Além da epilepsia de que o A. sofre, padece o mesmo de outras doenças do foro psiquiátrico? Quais?
2 - São essas doenças autónomas em relação à epilepsia ou surgiram associadas a ela ou como consequência dela? 
3 - Desde quando padece o Autor dessas doenças?
4 - Qual a sua gravidade?
5 - A epilepsia de que o Autor padece é de nascença?
6 - O A. foi seguido em consulta de epilepsia no Hospital de Santo António dos Capuchos desde quando e com que frequência? 
7 - O A. foi medicado contra a epilepsia? Que tipo de medicação, qual a quantidade das doses, qual a frequência das tomas? 
8 - Qual a frequência e gravidade das crises e ataques epiléticos desde o surgimento da doença até ao presente? 
9 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nº 1 a 4, torna-o uma pessoa vulnerável?
10 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nº 1 a 4, torna o Autor dependente da ajuda de terceiros para actos não correntes da sua vida, como por exemplo os actos de administração extraordinária e de disposição do seu património? 
 11 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nº 1 a 4, torna-o psicologicamente débil? Qual o seu coeficiente de inteligência? O Autor é capaz de compreender conceitos abstractos complexos? 
12 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nºs 1 a 4, torna-o muito influenciável? Mais influenciável ainda por pessoas que se apresentem com autoridade, ou em quem deposite confiança ou que o ajudem ou tratem dele?
13 - O A., na conjugação da epilepsia e da sua sintomatologia concreta e ainda das suas consequências com outras doenças psiquiátricas ou afectações neurológicas de que padeça, apresenta características susceptíveis de aconselhar a aplicação dum regime de maior acompanhado? 
14 – As situações e características a que se referem os números 9 a 13 já se verificavam à data de 21.4.2017? (…)”. Fim de transcrição do acórdão de 16.12.2021.
*
Como relatámos acima, junto aos autos o exame pericial e não tendo o mesmo sido objecto de qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento, dele, com interesse para os autos, resulta:
“5.6 Do Relatório da Consulta de Neurologia do Hospital dos Capuchos:
“(…) Doente seguido em Consulta de Epilepsia desde 2000. Quadro clínico com aparente início aos 7 anos de idade. Epilepsia de difícil controlo (crises convulsivas tónico-clónicas secundariamente generalizadas), com múltiplos fatores precipitantes e de calendário variável. AP: ADPM; EEG’s: atividade lenta e paroxística fronto-temporal direita; RMN CE: esclerose mesial temporal direita. Última consulta presencial em Agosto de 2022: clinicamente estável (apenas solicitação prescrição médica). Medicado com vários AE ao longo dos anos (…)
5.7. De Processo Clínico da Consulta de Neurologia do Hospital dos Capuchos:
Consultas em 07-04-06, 12-05-07, 16-10-07, 11-03-08, 14-04-09, 24-11-09, 12-02-2010, 13-07-2010, 18-08-2010, 07-12-2010, 07-04-2011, 17-04-2012, 16-07-2012 (…) 03-06-2014 (…)
(…)
6.5 Exames Complementares de Diagnóstico
a) Avaliação Psicológica e de Personalidade
(…)
Da avaliação efectuada identificam-se os seguintes factores de proteção:
Mantém-se funcional ao nível das atividades de vida diária, nomeadamente a atenção relativa a si próprio, a higiene, a orientação (em casa e na rua), a autonomia para tarefas (como vestir-se, lavar-se, alimentar-se, tomar medicamentos). Na gestão do dia-a-dia, vai sozinho comprar as refeições confecionadas ao supermercado; apanha meios de transporte quando necessário. Revela ter conhecimento da sua situação económica. Tem uma vizinha, sua amiga de infância, que o aconselha e, quando teve conhecimento da presente situação, disponibilizou-se a ajudá-lo para contratar um advogado. Tem acompanhamento em consulta da especialidade (consulta de Epilepsia). Ausência de antecedentes de consumos.
Os factores de risco identificados relacionam-se com: presença de impulsividade e deficiente controlo dos impulsos; acentuada instabilidade emocional (impulsividade, tensão emocional crescente e perda do controlo), imaturidade, sugestionabilidade.
Na esfera cognitivo-intelectual, o potencial intelectual básico situa-se ao nível Médio. Todavia, ao nível do processamento da informação, o examinando revelou uma conduta pouco sistemática, não planificada e impulsiva; precipitada, utilizando estratégias de ensaio-erro, sendo evidente uma certa rigidez. Apurámos, ainda, a falta de alguns conceitos verbais que facilitam a discriminação e a retenção da informação, incapacidade para ter em consideração mais de uma fonte de informação; dificuldades de atenção e em reconhecer espontaneamente quando está frente a um problema que exige solução. Verifica-se, também, dificuldade na capacidade de adequar atitudes e comportamentos a situações concretas, limitações na categorização da informação; dificuldades na capacidade de generalização e abstração.
No que respeita à capacidade de organização visuo-espacial, revelou dificuldades na análise e síntese do pensamento e distinção entre o essencial e o acessório e incapacidade de memória visual selectiva. A resolução de problemas que exijam ajustamento à novidade e compreensão de relações abstractas é altamente dependente de referências externas organizadoras. Nesta situação, o examinado revelou perda total de eficácia dos processos cognitivos.
Em termos globais, identificam-se alterações ou perturbações da cognição, designadamente da atenção, memória, integração visuo-espacial, existindo, ainda, indicadores compatíveis com declínio e perda do rendimento cognitivo sugestivos de patologia ou processo involutivo, a avaliar através de exames complementares de diagnóstico e/ou exame Neuropsicológico.
Na esfera afectivo-emocional, destacam-se as queixas de tristeza, sentimentos de inutilidade, desconfiança, perda de interesse geral, ansiedade e algumas queixas somáticas que geram mau-estar significativo.
Na esfera sócio-relacional, existe um padrão de distanciamento e de isolamento interpessoal e restrição de interesses sociais e culturas, sendo as relações interpessoais pautadas pela superficialidade.
No que concerne à avaliação de sintomatologia psicopatológica, apuramos um quadro de depressão grave com expressão a nível cognitivo-afectivo e nível somático. Estão ainda presentes sentimentos de suspeição, desconfiança, alguns sintomas de ansiedade e insegurança naquilo que faz, associados principalmente aos seus problemas de saúde física e o facto de viver sozinho. Estamos, assim, perante um conjunto de sinais e sintomas significativos, de elevada duração e intensidade.
Na avaliação da personalidade, apuramos marcada vulnerabilidade pessoal e um padrão de comportamento passivo-agressivo, deficiente controlo dos impulsos, desconfiança, egocentrismo, imaturidade e sugestionabilidade. Existe marcada vivência de zanga, ora contida e virada para si sob a forma de tristeza, ora dirigida para o exterior e na entrevista manifestou nas rotinas diárias com comportamentos peculiares e estranhos que podem ser percebidos pelos outros como excêntricos e bizarros (horas das refeições, por exemplo).
7. DISCUSSÃO E CONCLUSÕES.
O examinado tem atualmente 67 anos de idade e encontra-se reformado por incapacidade permanente desde os 42 anos de idade. Atualmente reside sozinho na casa onde sempre viveu e que outrora pertenceu ao seu pai e a sua madrasta que, entretanto, faleceram. Parece existir o apoio de algumas vizinhas e amigas, especialmente uma amiga de infância. Por outro lado, parece não existir, da parte do examinado, a capacidade de estabelecer relações afectivas com outros.
(…)
O examinado sofre de epilepsia desde os 7 anos de idade tendo seguimento regular para esta doença desde 2000 na consulta de neurologia do Hospital dos Capuchos e fazendo a medicação adequada.
Em termos de presença de doença do foro psiquiátrico e apesar de ser notório, na entrevista, a presença de alterações a nível do contacto e do discurso, o examinado não apresenta sintomas que permitam classificar a sua perturbação mental percebida dentro das grelhas diagnósticas das principais doenças mentais descritas. Assim, temos a necessidade de avaliação psicológica complementar tanto mais que existem quesitos colocados que só poderão ser respondidos através dessa avaliação.
A avaliação psicológica, apesar de excluir a presença de Atraso de Desenvolvimento Intelectual (potencial intelectual básico de nível médio) revela também algumas dificuldades no tratamento da informação, na capacidade de resolução de problemas, na perda total da eficácia dos processos cognitivos perante problemas mais complexos que necessitem de ajustamento à novidade e compreensão de relações abstractas.
A nível psicopatológico é referido um quadro de depressão grave com expressão a nível cognitivo e nível somático. Mas também é referido a nível da personalidade, uma marcada vulnerabilidade pessoal e um padrão de comportamento passivo-agressivo, deficiente controlo dos impulsos, desconfiança, egocentrismo, imaturidade e sugestionabilidade. Existe marcada vivência de zanga, ora contida e virada para si sob a forma de tristeza, ora dirigida para o exterior.
Podemos concluir em relação ao documento que assinou em 21.04.2017 que o examinado, devido às alterações a nível cognitivo e afetivo detectadas durante a entrevista e que são tornadas evidentes e notórias através da avaliação psicológica, seria uma pessoa facilmente manipulável e que não teria plena consciência das repercussões que a assinatura desde documento traria para a sua vida tendo só tomado consciência mais tarde através da intervenção de terceiros. De referir ainda que a pessoa com quem vivia na altura (a madrasta) já se encontrava doente vindo a falecer em Maio de 2017, menos de um mês depois da assinatura do documento.
Atualmente e em termos de autonomia podemos ainda concluir que o examinado é perfeitamente autónomo a nível do seu dia-a-dia, mas precisa de supervisão e apoio de terceiros para boa resolução de situações mais complexas que possam vir a ocorrer na sua vida.
8. RESPOSTA AOS QUESITOS
1 - Além da epilepsia de que o A. sofre, padece o mesmo de outras doenças do foro psiquiátrico? Quais?
R: - Apesar de serem notórias alterações a nível do pensamento e cognição não foi possível cumprir os critérios diagnósticos das principais perturbações psiquiátricas.
2 - São essas doenças autónomas em relação à epilepsia ou surgiram associadas a ela ou como consequência dela? 
R: - Dada a gravidade e o início precoce do quadro de epilepsia, estas alterações serão provavelmente consequência desta doença.
3 - Desde quando padece o Autor dessas doenças?
R: Conforme referido no processo clínico sofre de epilepsia desde os 7 anos de idade havendo também referência a dificuldades na escola primária devido à epilepsia.
4 - Qual a sua gravidade?
R: - A doença epilepsia pode ser considerada grave não só pela idade precoce de início, pela não resposta ao tratamento farmacológico e pela sintomatologia cognitiva e afectiva associada.
5 - A epilepsia de que o Autor padece é de nascença?
R: - Não, já que só se manifesta a partir dos 7 anos de idade.
6 - O A. foi seguido em consulta de epilepsia no Hospital de Santo António dos Capuchos desde quando e com que frequência? 
R: - Conforme relatório da consulta de Neurologia é seguido nesta consulta desde 2000. A frequência da consulta é irregular pois depende da necessidade.
 7 - O A. foi medicado contra a epilepsia? Que tipo de medicação, qual a quantidade das doses, qual a frequência das tomas? 
R: - O examinado toma medicação com fármacos antiepilépticos em doses variáveis. Os principais são o Topiramato, o Bialminal, Tegretol e Sabril. As dosagens variam conforme a necessidade.
8 - Qual a frequência e gravidade das crises e ataques epiléticos desde o surgimento da doença até ao presente? 
R: - Está descrito a presença de crises de forma irregular apesar da medicação prescrita. Aparentemente nos últimos anos houve diminuição do número de crises, mas não a sua ausência completa.
9 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nº 1 a 4, torna-o uma pessoa vulnerável?
R: - Considerada uma pessoa vulnerável devido a que, apesar de apresentar inteligência média com capacidade de discernimento, escolha e decisão, a capacidade de agir de acordo com esse conhecimento pode ser afetada de forma grave e significativa com a presença de impulsividade e o deficiente controlo dos impulsos. A sua capacidade de planeamento, antecipação e execução da acção encontra-se comprometida de forma significativa devido à presença de acentuada instabilidade emocional (impulsividade, tensão emocional crescente e perda de controlo).
10 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nº 1 a 4, torna o Autor dependente da ajuda de terceiros para actos não correntes da sua vida, como por exemplo os actos de administração extraordinária e de disposição do seu património? 
R: - Na avaliação cognitiva o examinado revelou dificuldades na análise e síntese do pensamento, na distinção entre o essencial e o acessório e incapacidade de memória visual selectiva. A resolução de problemas que exijam ajustamento à novidade e compreensão de relações abstractas é altamente dependente de referências externas organizadoras. Na ausência dessa referência o examinado revelou perda total da eficácia dos processos cognitivos.
11 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nº 1 a 4, torna-o psicologicamente débil? Qual o seu coeficiente de inteligência? O Autor é capaz de compreender conceitos abstractos complexos? 
R: -A epilepsia, associada à grave perturbação cognitiva que o examinado padece limita a sua autonomia em termos psicológicos. O seu potencial de inteligência geral e prática situa-se no nível médio. No entanto a perturbação grave do controlo dos impulsos e as alterações emocionais intensas que apresenta podem comprometer a capacidade de agir de acordo com esse conhecimento. Apresenta grande dificuldade em compreender conceitos abstratos complexos.
12 - A epilepsia de que o A. sofre, por si ou na sua conjugação com as doenças a que se referem os nº 1 a 4, torna-o muito influenciável? Mais influenciável ainda por pessoas que se apresentem com autoridade, ou em quem deposite confiança ou que o ajudem ou tratem dele?
R: - O examinado, apesar de ser uma pessoa muito desconfiada, é bastante sugestionável e precipitado e, em situações de pressão, pode tornar-se influenciável e dependente da opinião de terceiros.
13 - O A., na conjugação da epilepsia e da sua sintomatologia concreta e ainda das suas consequências com outras doenças psiquiátricas ou afectações neurológicas de que padeça, apresenta características susceptíveis de aconselhar a aplicação dum regime de maior acompanhado? 
R: - Existem dados que apontam para declínio ou perda cognitiva a ser avaliado por exame neuropsicológico e exames de imagem como o TAC e a RMN cerebral. Deverá ser avaliado em consulta de neurologia especificamente para esta situação e, se indicado, promover eventualmente processo de maior acompanhado.
 14 – As situações e características a que se referem os números 9 a 13 já se verificavam à data de 21.4.2017?
R: - Sim já que os recursos e as características básicas e de personalidade não são modificáveis impondo limitações significativas e crónicas.
*
Estamos agora em condições de prosseguir com a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Em primeiro lugar, resultando ainda do relatório médico que o A. foi seguido em consultas de Neurologia, no Hospital de Santo António dos Capuchos, nos anos de 2011, 2012 e 2014, e permitindo a redacção do facto provado 3. “O Autor padece de epilepsia; tendo frequentado a consulta de epilepsia, no Hospital de Santo António dos Capuchos, pelo menos, até agosto de 2010”, através da expressão “pelo menos”, aceitar que a frequência fosse até data posterior, entendemos que consagrar a última data referida relativa à consulta não importa em violação do princípio dispositivo, pelo que alteramos a redacção do facto provado nº 3 para “O Autor padece de epilepsia; tendo frequentado a consulta de epilepsia, no Hospital de Santo António dos Capuchos, pelo menos, até junho de 2014”. 
Relativamente aos factos não provados 1 e 2:
Recorde-se, que a decisão sobre a matéria de facto não é o lugar para a inserção de conclusões, mesmo de facto, desde que litigiosas.
Dos factos não provados 1 e 2 consta: 
1. O autor padece, desde que nasceu, de outras doenças do foro psiquiátrico.
2. A epilepsia sempre impediu o Autor de exercer qualquer atividade profissional e torna-o uma pessoa vulnerável, dependente da ajuda de terceiros para os actos correntes da sua vida, psicologicamente débil, não autónomo e muito influenciável
É linear que o A. não foi impedido “sempre”, pela epilepsia, de exercer qualquer actividade profissional, isso será verdade em parte, pela sua reforma por invalidez. É linear que o A. não depende da ajuda de terceiros para os actos correntes da sua vida prática, tais como movimentar-se, tratar de si próprio, alimentar-se, e, portanto, também é linear que a sua não autonomia não é total.
Não está excluída, em face do relatório médico pericial, que afirma a notoriedade da perturbação mental do Autor, a existência de outras doenças psiquiátricas, mas apenas a não subsunção dessa perturbação e das alterações que o A. apresenta e apresentava à data dos factos, às categorias tradicionais das principais doenças psiquiátricas. Isto significa que a resposta a dar ao facto não provado 1 não é mantê-lo não provado, mas sim afirmar positivamente a existência da perturbação mental notória e das alterações apuradas no exame.
Já sabemos, pelo exame, que as alterações são muito provavelmente consequência da epilepsia, e que a epilepsia só se manifestou no A. aos sete anos de idade.
Além da epilepsia e em consequência dela, o A. apresenta alterações a nível do pensamento e cognição notórias, já existentes à data de 21.4.2017, sendo:
- impulsividade e deficiente controlo dos impulsos, acentuada instabilidade emocional (impulsividade, tensão emocional crescente e perda do controlo), imaturidade, sugestionabilidade.
- ao nível do processamento da informação, faltam-lhe conceitos verbais que facilitam a discriminação e a retenção da informação, e apresenta incapacidade para ter em consideração mais de uma fonte de informação.
- alterações ou perturbações da cognição, designadamente da atenção, memória, integração visuo-espacial, existindo, ainda, indicadores compatíveis com declínio e perda do rendimento cognitivo sugestivos de patologia ou processo involutivo.
- um quadro de depressão grave com expressão a nível cognitivo-afectivo e nível somático, com sintomatologia de elevada duração e intensidade.
- marcada vulnerabilidade pessoal e um padrão de comportamento passivo-agressivo, deficiente controlo dos impulsos, desconfiança, egocentrismo, imaturidade e sugestionabilidade.
 - dificuldades na análise e síntese do pensamento, na distinção entre o essencial e o acessório e incapacidade de memória visual selectiva. A resolução de problemas que exijam ajustamento à novidade e compreensão de relações abstractas é altamente dependente de referências externas organizadoras. Na ausência dessa referência o examinado revelou perda total da eficácia dos processos cognitivos.
- limitação da sua autonomia em termos psicológicos.
- grande dificuldade em compreender conceitos abstratos complexos.
- em situações de pressão pode tornar-se influenciável e dependente da opinião de terceiros.
A epilepsia é considerada grave não só pela idade precoce de início, pela não resposta ao tratamento farmacológico e pela sintomatologia cognitiva e afectiva associada.
Assim sendo, podemos responder ao facto não provado 2, que a epilepsia grave de que o A. padece desde os 7 anos de idade, o impediu de exercer actividade profissional desde os 40 anos – conjugação da contestação com o depoimento da testemunha E… – e que a epilepsia tornou – visto que padece desde os 7 anos e que, conforme última resposta aos quesitos, os recursos e as características básicas e de personalidade não são modificáveis impondo limitações significativas e crónicas – e torna o A. uma pessoa vulnerável e muito influenciável.
Altera-se assim a resposta ao facto não provado 2, eliminando-o do rol dos não provados, e adita-se aos factos provados que “A epilepsia grave de que o A. padece desde os 7 anos de idade, o impediu de exercer actividade profissional desde os 40 anos e tornou-o e torna- o uma pessoa vulnerável e muito influenciável”.
Podemos responder ao facto não provado 1 eliminando-o do rol dos não provados, e aditando aos factos provados que:
“O A. padece e em 21.4.2017 já padecia, de notória perturbação mental, apresentando:
- impulsividade e deficiente controlo dos impulsos, acentuada instabilidade emocional (impulsividade, tensão emocional crescente e perda do controlo), imaturidade, sugestionabilidade.
- ao nível do processamento da informação, faltando-lhe conceitos verbais que facilitam a discriminação e a retenção da informação
- incapacidade para ter em consideração mais de uma fonte de informação.
- alterações ou perturbações da cognição, designadamente da atenção, memória, integração visuo-espacial, existindo, ainda, indicadores compatíveis com declínio e perda do rendimento cognitivo sugestivos de patologia ou processo involutivo.
- um quadro de depressão grave com expressão a nível cognitivo-afectivo e nível somático, com sintomatologia de elevada duração e intensidade.
- marcada vulnerabilidade pessoal e um padrão de comportamento passivo-agressivo, deficiente controlo dos impulsos, desconfiança, egocentrismo, imaturidade e sugestionabilidade.
 - dificuldades na análise e síntese do pensamento, na distinção entre o essencial e o acessório e incapacidade de memória visual selectiva. A resolução de problemas que exijam ajustamento à novidade e compreensão de relações abstractas é altamente dependente de referências externas organizadoras. Na ausência dessa referência revela perda total da eficácia dos processos cognitivos.
- limitação da sua autonomia em termos psicológicos.
- grande dificuldade em compreender conceitos abstratos complexos.
- em situações de pressão pode tornar-se influenciável e dependente da opinião de terceiros”.
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Conclui-se assim a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
No seguimento do que já tínhamos referido no acórdão anterior, os factos não provados sub 7 e 8 não são factos mas conclusões, e com tal não têm lugar sequer no elenco dos factos (não provados, neste caso), pelo que se eliminam.
Para melhor clareza, repetimos agora os factos, de acordo com as alterações que decidimos. A numeração será mantida na medida do possível, e os factos aditados serão intercalados no lugar onde pertencem, por letras.
São os seguintes os factos provados:
“1. À data da interposição da ação, novembro de 2018, o Autor contava com 62 anos de idade. 
 2. O Autor é solteiro. 
3. O Autor padece de epilepsia; tendo frequentado a consulta de epilepsia, no Hospital de Santo António dos Capuchos, pelo menos, até junho de 2014. 
4. O ora Autor é filho de A…, falecido em 16 de novembro de 2006. 
5. Ao falecer, A… deixou como seus herdeiros, sua mulher, S…; e os filhos F… e R…. 
6. Ao falecer, A… deixou os seguintes bens: ½ da fração … do prédio inscrito na matriz sob o art.º …, sito na freguesia de …, em Lisboa, na Rua M…, lote …; e descrito atualmente na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, freguesia de …, sob o nº …; e valores monetários depositados numa conta bancária à ordem (nº …).  
7. Desde a infância, o Autor morou na sobredita morada, com o seu pai, a sua madrasta e a sua irmã, ora Ré, R…. 
8. Após a morte de seu pai, o ora Autor continuou a residir na fração dos autos, com a sua madrasta. 
8º-A. A irmã do Autor, aqui Ré R…, disse ao Autor que tinha agendado num “cartório” uma hora para que ele assinasse “um papel” para que a casa ficasse para eles”. 
9. Em 21 de abril de 2017, o ora Autor outorgou em documento denominado “Repúdio de Herança” em que declarou “Que pelo presente repudia a herança aberta por óbito de seu pai, A…, falecido a 16 de novembro de 2006 (…) no estado de casado em únicas núpcias e sob o regime da comunhão geral de bens com S… (…). Que não tem descendência sucessível. Que a dita herança integra bem imóvel.   
9-A. Foi a Ré R… quem agendou a realização do “Repúdio de Herança” descrito no nº 9.
9-B. Foi a Ré R… quem facultou ao advogado toda a documentação necessária.
9-C. Foi a Ré R… quem pagou os honorários ao dito advogado para autenticar o repúdio.
10. Do “Termo de Autenticação” do ato de “Repúdio de Herança” objeto dos autos, elaborado pelo Advogado FF…, consta: “Este Termo de Autenticação foi por mim lido e o seu conteúdo, bem como do documento anexo, explicado ao signatário tendo sido por ele expressamente reconfirmado o conteúdo do documento particular que aqui se autentica, o qual seguidamente e nesta mesma data vai ser depositado eletronicamente, para sua plena validade, no sítio WWW.PREDIALONLINE.PT”. 
10-A. A 1ª Ré, que acompanhava o A., assistiu à explicação do advogado de que repúdio da herança significava que o A. perdia a herança do pai e a casa ficava para ela. 
10-B. Perante a explicação do advogado o A. questionou com que direito a irmã ficava com a casa. 
 10-C. Hesitando o A. assinar o repúdio, a 1ª Ré, sem desmentir que a assinatura era para a casa ficar para ela e para ele, disse ao A. “Ó rapaz assina lá isso que é para a gente se ir embora”, assinando o Autor em seguida, porque tinha confiança na irmã e no que a irmã lhe tinha dito.
11. A sobredita expressão “tendo sido por ele expressamente reconfirmado” é utilizada nos atos elaborados pelo Ilustre advogado acima após nova confirmação que solicita ao signatário do documento; e com o intuito de se assegurar da vontade do outorgante.
11-A. “O A. padece e em 21.4.2017 já padecia, de notória perturbação mental, apresentando:
- impulsividade e deficiente controlo dos impulsos, acentuada instabilidade emocional (impulsividade, tensão emocional crescente e perda do controlo), imaturidade, sugestionabilidade.
- ao nível do processamento da informação, faltando-lhe conceitos verbais que facilitam a discriminação e a retenção da informação
- incapacidade para ter em consideração mais de uma fonte de informação.
- alterações ou perturbações da cognição, designadamente da atenção, memória, integração visuo-espacial, existindo, ainda, indicadores compatíveis com declínio e perda do rendimento cognitivo sugestivos de patologia ou processo involutivo.
- um quadro de depressão grave com expressão a nível cognitivo-afectivo e nível somático, com sintomatologia de elevada duração e intensidade.
- marcada vulnerabilidade pessoal e um padrão de comportamento passivo-agressivo, deficiente controlo dos impulsos, desconfiança, egocentrismo, imaturidade e sugestionabilidade.
 - dificuldades na análise e síntese do pensamento, na distinção entre o essencial e o acessório e incapacidade de memória visual selectiva. A resolução de problemas que exijam ajustamento à novidade e compreensão de relações abstractas é altamente dependente de referências externas organizadoras. Na ausência dessa referência revela perda total da eficácia dos processos cognitivos.
- limitação da sua autonomia em termos psicológicos.
- grande dificuldade em compreender conceitos abstratos complexos.
- em situações de pressão pode tornar-se influenciável e dependente da opinião de terceiros”.
11-B - A epilepsia grave de que o A. padece desde os 7 anos de idade, o impediu de exercer actividade profissional desde os 40 anos e tornou-o e torna-o uma pessoa vulnerável e muito influenciável.
11-C. Foi quando o ora Autor mostrou o documento (“Repúdio de Herança”) a algumas pessoas, que lhe explicaram o significado e as consequências do mesmo.
12. O ora Autor recebeu missiva de Ilustre advogado, datada de 24 de abril de 2018, em representação da sua irmã e da sua sobrinha (ora Rés) respectivamente nas qualidades de anterior proprietária e actual proprietária da fração, para deixar de nela viver e entregar as chaves até ao dia 30 de Junho de 2018. 
13. O ora Autor foi citado em ação declarativa, com processo comum, interposta contra si pela ora Ré P… em que é pedida a condenação do aqui Autor (ali Réu) na restituição imediata da fração à aí Autora. 
14. Em 19 de março de 2018, em Lisboa, na Av. …, perante a Notária …, com Cartório naquele local, L… e mulher, R…, em escritura de “Doação”, por conta da quota disponível, declararam doar a P…, aí segunda outorgante, a fração autónoma designada pelas letras “…” correspondente ao Bloco …, terceiro andar …, para habitação, que faz parte do prédio situado na Rua de M…, lote …, freguesia de …, Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … daquela freguesia; prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de …, sob o artigo …; doação que aquela segunda outorgante declarou aceitar. 
15. A propriedade sobre esta fração mostra-se inscrita na Conservatória do Registo predial sob aquele nº … em nome de P… por ter sido adquirida por doação, conforme Ap. …de …; e a propriedade sobre esta mesma fração encontrava-se, anteriormente inscrita em nome de R…, casada com L…, por ter sido adquirida de A… e S…, por sucessão hereditária, conforme Ap. … de …. 
16. Não consta que a herança deixada por óbito do pai do Autor tivesse dívidas. 
 b) Factos não provados 
1 (eliminado).
2. A epilepsia torna o A. uma pessoa dependente da ajuda de terceiros para os actos correntes da sua vida.
3. Em meados do primeiro trimestre de 2017, quando o estado de saúde da sua madrasta se agravara bastante, a ora Ré R…, começou a falar com o Autor sobre a casa, sobre a necessidade de “tratar dos papéis da casa”, para que o Autor nunca perdesse o direito a nela residir. 
4. A ora Ré R… falava frequentemente no perigo que se corria pelo facto de a mãe do Autor poder vir a exigir alguma parte na casa. 
5. Não tendo, o Autor, qualquer conhecimento de temas jurídicos, ficou muito preocupado com as sucessivas conversas havidas com a sua irmã e com muito medo de perder o direito à casa e a nela viver. 
6. A irmã do Autor garantiu ao A. que com “o papel” assinado, o A. ficava a viver para sempre na casa que era sua e em que sempre viveu. 
7. Foi, obrigado pela sua irmã R…, que o ora Autor assinou o documento de “Repúdio de Herança” junto aos autos. 
8. A irmã do Autor (a ora Ré R…) dolosamente levou a que o ora Autor assinasse este documento de “Repúdio de Herança”. 
9 a 12 – eliminados
13. Na data em que recebeu a sobredita missiva de 24 de abril de 2018, o Autor não sabia que a irmã tinha doado a casa à sua filha, facto que o deixou em estado de choque. 
14. O Autor foi intencionalmente enganado pela sua única irmã, que o quis prejudicar e tirar-lhe o direito à casa onde sempre viveu. 
15. A Ré P… sabe da acima descrita conduta da Ré R…. 
16. O pai e a madrasta do Autor pretendiam que este se mantivesse a habitar a casa dos autos após a morte de ambos. 
17. O Autor assinou o documento “Repúdio de Herança” a mando e sob coação da ora Ré R…, por causa do ascendente que esta Ré tinha sobre o Autor; não lhe tendo sido explicadas as consequências desse ato. 
18. A Ré R… amedrontou sistematicamente o Autor com a ameaça de que a sua mãe poderia exigir parte da casa e, que se o fizesse, ambos, Autor e Ré, ficariam sem poder dispor apenas os dois do ativo patrimonial deixado. 
19. Esta mentira insistentemente reiterada teve como intenção induzir o Autor a praticar o ato que praticou – o repúdio. 
20. Foi ainda por ela sempre referido que a urgência na assinatura do documento era para que os temas relacionados com a herança ficassem definitivamente tratados, o que era mentira. 
21. Após a morte do pai do Autor e da Ré R…, a mãe da Ré R… disse ao ora Autor que o deixaria ficar a viver na casa só até que encontrasse casa própria, o que o Autor prometeu fazer o mais rapidamente possível. 
22. E disse-lhe que a casa seria para deixar em herança à neta única, P…, ora co- Ré”. 
*
Segunda questão:
Em face dos factos que acabamos de enunciar, cumpre então abordar a questão de saber se o repúdio da herança deve ser anulado por incapacidade acidental ou por dolo.
Comecemos pelos preceitos legais respectivos.
Dispõe o artigo 2065º do Código Civil que “O repúdio da herança é anulável por dolo ou coacção, mas não com fundamento em simples erro”.
Dispõe o artigo 253º do Código Civil:
1. Entende-se por dolo qualquer sugestão ou artifício que alguém empregue com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração, bem como a dissimulação, pelo declaratário ou terceiro, do erro do declarante.
2. Não constituem dolo ilícito as sugestões ou artifícios usuais, considerados legítimos segundo as concepções dominantes no comércio jurídico, nem a dissimulação do erro, quando nenhum dever de elucidar o declarante resulte da lei, de estipulação negocial ou daquelas concepções”.
Dispõe ainda o artigo 254º do mesmo Código:
1. O declarante cuja vontade tenha sido determinada por dolo pode anular a declaração; a anulabilidade não é excluída pelo facto de o dolo ser bilateral.
2. Quando o dolo provier de terceiro, a declaração só é anulável se o destinatário tinha ou devia ter conhecimento dele; mas, se alguém tiver adquirido directamente algum direito por virtude da declaração, esta é anulável em relação ao beneficiário, se tiver sido ele o autor do dolo ou se o conhecia ou devia ter conhecido”.
No artigo 257º do Código Civil estabelece-se:
1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar”.
Primeira observação: - a previsão específica do artigo 2065º do Código Civil, não referindo a incapacidade acidental ao lado do dolo e da coação, não significa que a declaração unilateral pela qual alguém repudia herança não possa ser anulada por incapacidade acidental nos termos gerais do artigo 257º do Código Civil.
Seria verdadeiramente intolerável para a ordem jurídica que podendo qualquer declaração negocial ser anulada por incapacidade acidental, a declaração de repúdio o não pudesse ser.
Uma nota para referir que, falecido alguém, abre-se a sua sucessão, sendo chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis. Este chamamento ou vocação, tem como efeito jurídico a atribuição do direito de suceder. Essa vocação pode ser resolvida, justamente através do negócio jurídico repúdio, que tem efeito retroactivo à abertura da sucessão, o que, como refere o Professor Oliveira Ascenção, Direito Civil, Sucessões, Coimbra Editora, 1998, página 394, “significa apenas que o sucessível é riscado do mapa, e tudo se passa como se ele nunca lá tivesse estado”. É o que estabelece o artigo 2062º do Código Civil. Dito de outro modo, é chamado o sucessível seguinte na ordem de hierarquia dos sucessíveis. Quer isto dizer que os direitos que integrassem a herança e nos quais o sucessível que repudia poderia participar se tivesse outrossim aceite a herança, são “passados” ao sucessível seguinte. Assim, o efeito prático final, num caso em que há diversos sucessíveis, mesmo que do mesmo grau, e a herança é integrada por direitos (reais e ou de crédito) e não apenas obrigações de dívida, é equiparável (com a distância incerta do tempo em que o sucessível irá falecer) a um testamento a favor do sucessível seguinte. Deste modo, são pertinentes as reflexões jurisprudenciais sobre casos de anulação do testamento por incapacidade acidental.
Quando se refere anulação por incapacidade acidental nos termos gerais do artigo 257º do Código Civil, deve notar-se que o repúdio é uma declaração unilateral e que, por isso, não é de exigir que o facto do repudiante se encontrar numa situação de incapacidade acidental “seja notório ou conhecido do declaratário”, justamente porque não há declaratário.
Neste sentido vejam-se (na dgsi), ainda que a propósito da anulação de testamento por incapacidade acidental, o acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo 4142/15.0T8GMR.G1 – “(…) III. O artigo 257º do CC prevê a anulabilidade da declaração feita por quem se encontre em incapacidade acidental (quem, devido a qualquer causa, se encontre acidentalmente incapacitado de entender o sentido da declaração ou não tenha o livre exercício da sua vontade), mas quanto falamos de testamento não se exige que o facto seja notório ou conhecido do beneficiário, porque agora não há que proteger substancialmente as expectativas de um declaratário, mas prioritariamente preservar a liberdade e a vontade real do testador (cfr. art.º 2199º do CC)” – e o acórdão da Relação de Lisboa de 20.12.2018 proferido no processo 4331/16.0T8LSB.L1-7 – “(…) - o art.º 257.º exige que a incapacidade seja notória ou conhecida do declaratário, exigência que não se encontra no art.º 2199.º, dado o caráter não recetício do negócio testamentário; (…)”.
No mesmo sentido, Oliveira Ascensão, ob. cit., página 92, onde se lê, ainda que a propósito da anulação do negócio testamentário: “A demarcação das condições que podem levar à anulação do negócio testamentário é menos rigorosa que na generalidade dos negócios jurídicos. Enquanto o artigo 257º exige que o facto seja notório ou conhecido do declaratário, o artigo 2199º nada mais pede, além da própria incapacidade natural. Em todo o caso, parece que temos aí uma consequência directa do carácter não recipiendo da declaração testamentária. O regime do artigo 257º - I parece ser unicamente adequado aos negócios recipiendos”.
Mais adverte o mesmo Professor, no mesmo local, que “Nada mais nos diz a lei sobre esta incapacidade acidental, devendo as lacunas ser preenchidas por aplicação dos princípios gerais”.
Veja-se ainda o acórdão da Relação do Porto de 7.10.2004, processo 0434311.
No mesmo – e com interesse para a densificação do instituto da incapacidade acidental – escreveu-se ainda: “Há incapacidade acidental quando alguém, por qualquer causa (anomalia psíquica não declarada, embriaguez, abuso de drogas ou outra causa semelhante), se encontra momentaneamente incapacitado de entender o sentido da declaração ou privado do livre exercício da vontade. Trata-se de um vício que afecta a capacidade de discernimento ou de livre exercício da vontade, por tal modo que o incapacitado forma uma vontade e emite uma correspondente declaração que em condições normais não quereria nem emitiria [Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. II (1983), 309; cfr. também Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, 508 e segs e Rodrigues Bastos, Direito das Sucessões, II, 161]”.
Veja-se também o acórdão desta Relação de 20.12.2018, proferido no processo 4331/16.0T8LSB.L1-7, em cujo sumário se lê:
“(…) 3. Estão em causa episódios que afetam a compreensão e a vontade do testador, como situações de embriaguez, situações de consumo de estupefacientes, surtos psicóticos provocados por anomalias psíquicas, estados de delírio, ou demência permanentes que não tenham gerado ainda uma decisão de interdição do testador. Assim sendo, esta norma pode abranger situações acidentais, esporádicas e transitórias, como surtos psicóticos momentâneos, que diminuam momentaneamente o discernimento e o livre exercício da vontade de dispor.
4. Pode abarcar ainda situações permanentes, como por exemplo, uma "doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente, podendo justificar uma ação de interdição que não existe.
5. Ainda assim, é necessário que a incapacidade se verifique no momento da outorga do testamento”.
Como se sabe, o repúdio da herança é um negócio jurídico unilateral e singular. Enquanto negócio jurídico, o seu ponto de partida, o seu elemento primário constituinte é a declaração negocial. Ora, a declaração negocial só pode ser emitida por uma pessoa jurídica – artigos 66º e 67º do Código Civil – e exprime, manifesta, a vontade dessa pessoa – artigos 217 e seguintes do Código Civil.
Condição de existência e validade da declaração negocial é a de que aquele que a produz tenha a capacidade de a entender e a liberdade de, ponderando esse entendimento, se vincular. Dito de outro modo, para que exista uma vontade vinculante para o declarante, essa vontade tem de ser livre e esclarecida.
Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no processo 4527/14.9T8FNC.L1.S1 em 17.01.2017, em cujo sumário se lê:
I. A declaração de vontade negocial traduz um comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência externa de um certo conteúdo da vontade negocial, caracterizando depois essa vontade como a intenção de realizar determinados efeitos práticos, com o objectivo de que os mesmos sejam juridicamente tutelados e vinculantes.
II. A declaração negocial tem, assim, como função primordial, a de exteriorizar a vontade psicológica do declarante, visando, dessa forma e sob a égide do princípio da autonomia privada, realizar a vontade particular através da produção intencional de um efeito e/ou de uma regulamentação jurídico-privada. (…)”.
No seu texto escreveu-se: “Poderá ensaiar-se uma definição de declaração de vontade negocial como aquela que traduz um comportamento que, exteriormente observado, cria a aparência externa de um certo conteúdo da vontade negocial, caracterizando depois essa vontade como a intenção de realizar determinados efeitos práticos, com o objectivo de que os mesmos sejam juridicamente tutelados e vinculantes: o comportamento externo em que se traduz a declaração manifesta, normalmente, uma vontade, formada sem anomalias e coincidente com o sentido exteriormente captado daquele comportamento, cfr Mota Pinto, Teoria Greral do Direito Civil, 3ª edição, 416; Manuel de Andrade, Teoria Geral da Relação Jurídica, II Volume, 122; Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral Do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 1992, 417/422.
A declaração negocial tem, assim, como função primordial, a de exteriorizar a vontade psicológica do declarante, visando, dessa forma e sob a égide do princípio da autonomia privada, realizar a vontade particular através da produção intencional de um efeito e/ou de uma regulamentação jurídico-privada, Heinrich Ewald Hörste, ibidem” (…)”.
Prevenindo os casos em que não existe uma vontade livre e esclarecida, o Código Civil dispõe sobre a falta e os vícios da vontade e comina consequências de não produção ou de produção condicionada dos efeitos da declaração – falamos de nulidade e de anulabilidade – nos artigos 240º e seguintes.
Para o que nos interessa, neste caso, e retomando a disciplina do artigo 257º do Código Civil acima transcrito, previne-se a pessoa do declarante, no que toca à sua incapacidade de entender, ou à sua falta de liberdade para o exercício da vontade.
Na anotação ao artigo 257º do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela, referindo o acórdão do STJ de 3.5.1974, BMJ nº 237, pp. 176 e ss, escrevem:
Para conseguir a anulação de uma declaração negocial, com base neste preceito, é necessário provar (…): a) que o autor da declaração, no momento em que a fez, se encontrava, ou por anomalia psíquica (cfr. art.º 150º) ou por qualquer outra causa (embriaguez, estado hipnótico, droga, etc.) em condições psíquicas tais que não lhe permitiam o entendimento do acto que praticou ou o livre exercício da sua vontade; (…)”.
É, portanto, muito claro que a falta ou vício, neste caso, a incapacidade acidental, se refere à pessoa do declarante e se afere pelas suas condições psíquicas no momento da declaração, quer elas correspondam a uma afectação momentânea, quer correspondam a uma doença psíquica instalada, enquadrável ou não numa tipologia psiquiátrica e determinante ou não dum estatuto de protecção, sejam os anteriores institutos de interdição e inabilitação, seja o actual regime do maior acompanhado. A referência, na anotação supra, ao estado hipnótico é, salvo melhor opinião, um exemplo claro da falta de liberdade de exercício da vontade, pois que a mesma é inteiramente e inelutavelmente dominada por outrem.
Prosseguindo nos contributos jurisprudenciais para a compreensão da incapacidade acidental, lemos no sumário do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo 94/14.1T8LRA.C1 em 22.10.2019: “(…) II - Na incapacidade acidental há declaração e há vontade, mas esta apresenta-se, no momento da prática do acto, viciada por insuficiente esclarecimento e liberdade. (…)”.
E no texto do mesmo aresto lê-se: “Diz o art.º 257º do CC, sob a epigrafe “incapacidade acidental” que: (…)
Já Mota Pinto assinala que «o novo Código prevê e regula a incapacidade acidental, não na secção das incapacidades, mas entre a falta e os vícios da vontade, dado o facto de não se tratar de uma situação permanente do indivíduo, mas antes de um desvio no processo formativo da sua vontade em relação às circunstâncias normais do seu processo deliberativo».
Sendo a capacidade das partes um dos pressupostos do negócio jurídico, é sempre suposto para a validade do mesmo, como o acentua Pais de Vasconcelos, que as partes tenham capacidade de gozo, de exercício e não se encontrem em incapacidade acidental; isto é, «não haja deficiência, na prática do acto, de suficiente esclarecimento e liberdade por parte do autor» - Obra referida, p 369/370, pois havendo, e sendo essa falta ou deficiência notória ou conhecida do declaratário, a declaração negocial mostra-se anulável.
E note-se, como o faz sobressair Pais de Vasconcelos, que sendo a liberdade e o esclarecimento pressupostos da validade negocial, a verdade é que «não existem liberdade e esclarecimento que sejam absolutos, que sejam perfeitos e ilimitados». A autonomia privada contenta-se com a liberdade e o discernimento normais, isto é, que são próprios de pessoas normais, das pessoas comuns. Para celebrar um negócio jurídico não é, por isso, necessário estar completamente livre de constrangimentos (…) O grau de discernimento necessário não é superior ao da normalidade das pessoas. Para celebrar negócios jurídicos não é preciso ser dotado de uma inteligência excepcional, nem ter formação superior, nem sequer saber ler, escrever e contar. Basta ter o discernimento suficiente para se compreender o que se está fazer e a liberdade suficiente para se poder optar entre celebra-lo ou não». - Obra referida, p 559”.
Ainda com interesse para o caso dos autos, chamamos os conhecimentos contidos no acórdão desta Relação proferido em 10.11.2020 no processo 3308/16.0T8PDL.L1-7, a saber, do sumário:
“(…) IV. Num contexto em que o outorgante em testamento e outros atos notariais padece de doença que, no plano clínico e cientifico, implica a deterioração progressiva das condições de perceção, compreensão, raciocínio, gestão dos atos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstrato e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e fatores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, incumbe ao peticionante da anulabilidade dos atos jurídicos praticados pelo outorgante “provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais”.
E os conhecimentos contidos no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo 4142/15.0T8GMR.G1, a saber, do sumário:
(…) IV. A afirmação feita pelo Notário no instrumento (escritura de testamento) de que este foi lido e explicado em voz alta à testadora, na presença simultânea de todos os intervenientes, não fornece qualquer prova de que a testadora se encontrava em condições de testar.
V. O valor probatório de um parecer médico solicitado pela própria parte a um Médico (art.º 426º do CPC- prova documental) não tem a mesma força probatória que a prova pericial realizada nos autos e requisitada pelo Tribunal a um “estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado”, mais especificadamente aos “serviços médico-legais” ou por “peritos médicos contratados (nº 1 e 3 do art.º 467º do CPC) que, de uma forma independente, isenta e imparcial, formulam o respectivo juízo técnico-científico sobre o objecto da prova pericial que lhe é apresentado.
(…)”.
No mesmo sentido o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.03.2018, proferido no processo 2170/13.9TVLSB.L1.S1:
“(…) III - A circunstância de constar do testamento, lavrado por notária, que foi feita a sua leitura e a explicação do seu conteúdo à testadora” não faz com que a capacidade desta esteja abrangida pela força probatória plena daquele documento autêntico, tanto porque apenas ficam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora ou que nele são atestados com base nas suas percepções, mas já não os meros juízos pessoais do documentador (art.º  371.º, n.º 1, do CC); como, porque, no caso concreto, tal atestação não integra sequer o documento autêntico. (…)”.
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As referências destes dois acórdãos são importantes porque as Rés, na sua contestação, invocam que o “próprio A. nem sequer questiona a autenticidade da assinatura, nem não argumenta a ilisão de autenticidade de documento, prevista no artigo 446º do Código do Processo Civil. Seja, mas como se menciona nos trechos citados, a força probatória plena do documento não abrange a capacidade, isto é, não garante, não se estende à capacidade do A. de entender a declaração ou à sua liberdade para a proferir.
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No que toca ao dolo, que também é invocado pelo Autor como causa de anulação do seu repúdio da herança de seu pai, convém recordar os ensinamentos muito precisos do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.9.2003, no processo 03A249 (nº convencional JSTJ000), no qual se concluiu:
1ª - A verificação do dolo pressupõe a existência de um erro, mas erro determinado intencionalmente por alguém, a fim de obter do declarante um compromisso ou uma renúncia. O dolo é, portanto, a provocação de um erro.
2ª - A sugestão ou artifício a que alude o nº 1 do artigo 253º do CC há-de traduzir-se em quaisquer expedientes ou maquinações tendentes a desfigurar a verdade (manobras dolosas) - e que realmente a desfiguram (de outro modo não haveria erro) -, quer criando aparências ilusórias, quer destruindo ou sonegando quaisquer elementos que pudessem instruir o enganado. Deve tratar-se, portanto, de qualquer processo enganatório. Podem ser simples palavras contendo afirmações sabidamente inexactas, ou tendentes essas palavras a desviar a atenção do enganado de qualquer pista que poderia elucidá-lo; e podem ser obras (factos), adrede realizadas para provocar ou manter o engano.
3ª - A dissimulação, por seu lado, também aí referida, consiste no simples silêncio perante o erro em que versa o outro contraente. É um simples dolo de consciência. 4ª - O dolo, como vício da vontade, consiste na noção de erro, em qualquer das suas modalidades, isto é, quer se refira à pessoa do declaratário, ao objecto do negócio (artigo 251º) ou aos motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (artigo 252º), desde que provocado, e traduz-se sempre numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio, em termos tais que, se o declarante tivesse sido esclarecido ou o tivesse conhecido, não teria realizado o negócio ou não o teria realizado nos mesmos termos”.
No texto do mencionado acórdão lê-se:
Ora, como diz o Conselheiro Jacinto F. Rodrigues Bastos ( in "Notas ao Código Civil", vol. I, 1987, pág. 342), a verificação do dolo pressupõe a existência de um erro, mas erro determinado intencionalmente por alguém, a fim de obter do declarante um compromisso ou uma renúncia. O dolo é, portanto, a provocação de um erro.
Refere o Prof. Manuel Andrade (in "Teoria Geral da Relação Jurídica", Vol. II, 1992, pág. 256) - citado no acórdão recorrido, quando aí se refere que o segundo dos elementos do dolo reside no emprego de qualquer sugestão ou artifício, usado com a intenção ou consciência de induzir ou manter em erro o autor da declaração - que a sugestão ou artifício há-de traduzir-se em quaisquer expedientes ou maquinações tendentes a desfigurar a verdade (manobras dolosas) - e que realmente a desfiguram (de outro modo não haveria erro) -, quer criando aparências ilusórias (suggestio falsi; obrepção), quer destruindo ou sonegando quaisquer elementos que pudessem instruir o enganado (suppressio veri; subrepção). Deve tratar-se, portanto, de qualquer processo enganatório. Podem ser simples palavras contendo afirmações sabidamente inexactas (allegatio falsi; mentira), ou tendentes essas palavras a desviar a atenção do enganado de qualquer pista que poderia elucidá-lo; e podem ser obras (factos) adrede realizadas para provocar ou manter o engano. A dissimulação, por seu lado, consiste no simples silêncio perante o erro em que versa o outro contraente. É um simples dolo de consciência.
Ainda segundo o Conselheiro Rodrigues Bastos (obra citada, pág. 343), são requisitos do dolo: a) uma actividade enganatória, isto é, um conjunto de sugestões e artifícios; b) que ela seja desenvolvida pelo declaratário ou por terceiro; c) que haja nexo causal entre o engano assim ocasionado e a declaração; d) a intenção de enganar, por parte do causante do dolo, o que pressupõe a consciência que este tenha da falsidade da representação que a sua conduta produzirá na vítima; e) a convicção de que seja possível determinar, por meio daquela actividade enganatória, a vontade do declarante.

Temos, assim, que - e como se diz no acórdão recorrido - o primeiro dos elementos do conceito de dolo, como vício da vontade, consiste na noção de erro, em qualquer das suas modalidades, isto é, quer se refira à pessoa do declaratário, ao objecto do negócio (artigo 251º) ou aos motivos não referentes à pessoa do declaratário nem ao objecto do negócio (252º), desde que provocado, e traduz-se sempre numa representação inexacta ou na ignorância de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio, em termos tais que, se o declarante tivesse sido esclarecido ou o tivesse conhecido, não teria realizado o negócio ou não o teria realizado nos mesmos termos - Mota Pinto, in "Teoria Geral do Direito Civil", 3ª edição. Páginas 505 e 506
”.
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Munidos destas considerações, passemos ao caso dos autos.
Situemo-nos nas condições psíquicas do A. no momento da declaração. Sobre o momento – isto é, oportunidade da declaração – sabemos que foi a irmã do Autor quem lhe disse que “tinha agendado num “cartório” uma hora para que ele assinasse “um papel” para que a casa ficasse para eles” – facto 8-A – e que foi ela quem agendou a realização do “Repúdio de Herança”, facultando ao advogado toda a documentação necessária e pagando-lhe os seus honorários relativos ao acto de autenticação da declaração de repúdio – factos 9 a 9-C.
Colocado – ou dito de outro modo, levado a esse tempo (21.4.2017) e lugar da declaração e da sua autenticação – o Autor padecia, facto 11-A, de notória perturbação mental apresentando: - ao nível do processamento de informação, falta de conceitos verbais que facilitam a discriminação e a retenção da informação e incapacidade para ter em consideração mais do que uma fonte de informação e grande dificuldade em compreender conceitos abstratos complexos. A isto acresciam “dificuldades na análise e síntese do pensamento, na distinção entre o essencial e o acessório (…); A resolução de problemas que exijam ajustamento à novidade e compreensão de relações abstractas é altamente dependente de referências externas organizadoras. Na ausência dessa referência revela perda total da eficácia dos processos cognitivos”. O A. padecia ainda de “impulsividade e deficiente controlo dos impulsos, acentuada instabilidade emocional (impulsividade, tensão emocional crescente e perda do controlo), imaturidade, sugestionabilidade” e de “alterações ou perturbações da cognição, designadamente da atenção, memória, integração visuo-espacial, existindo, ainda, indicadores compatíveis com declínio e perda do rendimento cognitivo sugestivos de patologia ou processo involutivo” bem como de “um quadro de depressão grave com expressão a nível cognitivo-afectivo e nível somático, com sintomatologia de elevada duração e intensidade” e de “marcada vulnerabilidade pessoal e um padrão de comportamento passivo-agressivo, deficiente controlo dos impulsos, desconfiança, egocentrismo, imaturidade e sugestionabilidade”. Acresce que “em situações de pressão” o A. podia “tornar-se influenciável e dependente da opinião de terceiros”.
No tempo e lugar da declaração temos este Autor, acompanhado pela irmã, que lhe havia dito que “tinha agendado num “cartório” uma hora para que ele assinasse “um papel” para que a casa ficasse para eles”, na presença do advogado, que lhe explicou (facto 10-A) o que repúdio da herança significava (o que quer manifestamente quer dizer que o A. não sabia, o que se apresenta como perfeitamente compatível com a sua grande dificuldade de compreensão de conceitos abstractos complexos), e que era que o A. perdia a herança do pai e a casa ficava para a irmã, ao que – facto 10-B – o A. questionou com que direito a irmã ficava com a casa, o que manifestamente quer dizer que o A. não queria declarar o repúdio da herança, não quereria que a casa ficasse para a irmã. Aliás, o A. hesitou – facto C – e teria ficado em hesitação, isto é, não teria produzido a declaração se a irmã, sem desmentir o que lhe havia dito, não o tivesse incentivado com “Ó rapaz assina lá isso (…) para a gente se ir embora”.
Ora, o que sucede aqui, nesta hesitação, neste momento de pressão (assinar ou não assinar) é que se patenteia a intervenção da sua perturbação mental na característica que apresenta de “incapacidade para ter em consideração mais do que uma fonte de informação”, isto é, tendo o A. sido informado pela irmã que iam ao cartório para assinar um papel para a casa (que tinha sido do pai do A. e da sua irmã, e da madrasta do A.) ficar para eles (os dois herdeiros), e vindo a ser informado, no local onde iria assinar o papel para a casa ficar para os dois, que o papel que ia assinar significava que a casa ficava para a irmã, sendo claro que isto o A. não queria, não percebia que ela tivesse direito a isso, ficou o A. com duas fontes de informação, e sem as saber, melhor, sem as conseguir, sem ter a capacidade psíquica de resolver a contradição daquelas informações, ainda mais porque, entre uma irmã que esteve na sua vida[4] e um advogado que nunca se viu, entra a operar a desconfiança, do que o advogado diz, e a vulnerabilidade à influência de referências externas organizadoras, e se conhecidas mais credíveis, a que acresce em situações de pressão – entre uma e outra fonte de informação, no contexto do tempo e lugar (assina lá para a gente se ir embora) – a perturbação do A. que se apresenta como de influência por terceiros e dependência deles. 
Em suma, os factos provados demonstram que o A. não tinha, naquele tempo e lugar, capacidade mental ou psíquica, como se quiser, que lhe permitisse entender as duas fontes que se propunham esclarecer – e libertar, por isso, a sua vontade – o sentido e alcance da declaração de repúdio que produziu. Dito do modo mais simples possível: - o A. não percebeu o que declarou, porque não tinha capacidade para perceber. O facto provado em 11-C – “Foi quando o ora Autor mostrou o documento (“Repúdio de Herança”) a algumas pessoas, que lhe explicaram o significado e as consequências do mesmo” – demonstra inequivocamente que o A. foi incapaz de perceber a explicação do advogado – e apelamos à jurisprudência que acima citámos sobre a não prova, a partir da explicação, da compreensão do explicado – subsistindo nele, A., porque não desmentida pela irmã, a prévia informação de que a assinatura faria a casa ficar para ele e para a irmã.
Cremos que se trata de uma incapacidade psíquica do A., mas se assim não se quiser chamar-lhe, a hesitação, ou impasse, o conflito das duas informações contraditórias, enredaram o A., excluindo que ele se pudesse determinar livremente a vontade que declarou.
Em todo o caso, mostra-se preenchida a previsão da incapacidade acidental, sendo certo que sendo irrelevante o conhecimento do destinatário, porque estamos perante uma declaração unilateral, no caso a 1ª Ré, co-herdeira, é a beneficiária directa da declaração de repúdio da herança do pai do A. e dela, sendo claro que conhecia a informação que deu ao A. e que assistiu à explicação que o advogado deu, que era contraditória com a sua, isto é, tinha clara consciência da incapacidade do A. em produzir a declaração que produziu.
Nestes termos, e nos do artigo 257º nº 1 do Código Civil, a declaração de repúdio de herança referida no facto provado nº 9, que o A. produziu, é anulável, o que se declarará.
Verifiquemos também a subsunção da factualidade provada à, aliás invocada em primeiro plano pelo A., anulabilidade da sua declaração de repúdio da herança por dolo[5].
Já vimos que os factos provados permitem claramente estabelecer que não foi o A. quem marcou a assinatura e autenticação do repúdio da herança junto do advogado autenticador. Já vimos que os factos provados permitem estabelecer que o A. não queria repudiar a herança do seu pai. Temos provado que foi a 1ª Ré quem marcou a autenticação e a pagou, e que foi ela quem disse ao A. que tinha marcado no notário para ele assinar um papel para que a casa onde o A. sempre tinha vivido ficasse para ele e para ela. O repúdio da herança do pai do A., pelo A., significa que, não sendo ele filho da cônjuge de seu pai, deixaria de ter qualquer direito sobre os bens que integravam a herança do pai, a saber o direito de propriedade sobre metade da casa e sobre quantias monetárias, sendo que está provado que não constava que a herança tivesse dívidas. Ou seja, o repúdio da herança teria como resultado exactamente o contrário daquilo que a 1ª Ré disse ao A.
O objectivo e explicação que a 1ª Ré deu ao A. para que ele fosse ao advogado autenticador, e que o fez ir, aliás acompanhado por ela, constitui o artifício empregue pela 1ª Ré com a intenção e consciência de induzir em erro o Autor. É que, mesmo que não se pudesse dizer que a 1ª Ré sabia que o repúdio da herança tinha como efeito privar o A. da herança (e mais prosaicamente, da sua quota parte de propriedade sobre a casa), isto mesmo já se podia dizer depois da explicação do advogado autenticador a que a 1ª Ré assistiu. A previsão legal do dolo constante do artigo 253º do Código Civil, tanto inclui a intenção ou consciência de induzir em erro como a de manter em erro. A partir da explicação do advogado autenticador, não revertendo a A. a explicação que havia dado ao Autor, deixou a 1ª Ré que o A. ficasse na dúvida e, mais que isso, perante a dúvida, a hesitação do A., incentivou-o a fazer uma declaração que só a ela beneficiava e que sabia que o A. não queria fazer, usando novo artifício, neste caso, sugestão aplicada a uma pessoa altamente sugestionável e influenciável e dependente de terceiros, a saber, através da utilização de uma fórmula paternalista (“anda rapaz”) – isto é, assumindo-se ela como a pessoa que sabe, que cuida, que protege, a pessoa que é adulta e que sabe melhor, aplicada a uma pessoa com perturbação mental notória – isto é, a um rapaz – aquele que com mais de sessenta anos ainda é um rapaz, o que nunca casou, nunca deixou de viver na casa do pai e da madrasta, ou seja, ainda, um rapaz. Mais, esse incentivo “anda rapaz” é acompanhado de “para a gente se ir embora” e não de “para que eu fique com a herança do nosso pai só para mim”. Para a gente se ir embora significa que o que lá foram fazer está feito, e o que lá foram fazer é, perante a dúvida que “anda rapaz” resolve, impulsiona (numa pessoa impulsiva), aquilo que ela, 1ª Ré, lhe tinha dito que iam fazer.
Concluímos, pois, pela subsunção dos factos provados à previsão legal do dolo e da anulação do repúdio declarado pelo A. da herança aberta por morte do pai do A. e da 1ª Ré, previsão essa constante da conjugação dos artigos 2065º e 253º do Código Civil, conducente também à anulação da declaração de repúdio.
A anulação da declaração de repúdio da herança tem, nos termos conjugados dos artigos 289º, 2065º e 2062º, todos do Código Civil, efeito retroactivo. O efeito retroactivo é até à data da abertura da sucessão do pai do A., isto é, à data da morte o pai do A. e da 1ª Ré, e não até à data em que a declaração foi proferida. Anulado o repúdio, e por força desse efeito retroactivo, a herança do pai do A. não se pode ter por liquidada, antes reabre à data da morte do “de cujus”, e a ela revertem os bens e direitos que, nesta mesma data da morte, a integravam, voltando a herança, por força da existência dos herdeiros referidos no nº 5 dos factos provados, à indivisão. Por esta razão, a reversão do imóvel não é feita à herança do pai do A. e da sua madrasta, é feita à herança do pai do A., que morreu ainda casado, herança essa à qual concorriam a cônjuge, o filho A. e a filha 1ª Ré. Numa imagem, a anulação do repúdio restitui o repudiante à condição de herdeiro e, porque há outros herdeiros, restitui os bens que integravam a herança à herança, para posterior e oportuna partilha.
Por outro lado, esta anulação, esta reversão dos bens, para operar, implica necessariamente a anulação do registo da propriedade do imóvel a favor da 1ª Ré, e porque não estamos perante o caso previsto no artigo 291º nº 1, visto que o imóvel transitou para a propriedade da 2ª Ré por negócio gratuito, doação, os direitos adquiridos pela 2ª Ré sobre o mesmo imóvel são também abrangidos pela anulação.
Em suma, procede o recurso, revoga-se a sentença recorrida que absolveu as Rés dos pedidos deduzidos pelo A., e em seu lugar profere-se o presente acórdão que julga a acção procedente, por provada, e em consequência declara a anulação da declaração do A. de repúdio da herança de seu pai, referida no nº 9 dos factos provados, revertendo a mesma herança à condição de indivisa, e revertendo à indivisão os bens e direitos referidos no facto provado nº 6, que a integravam na data de 16 de novembro de 2006. 
As custas, tanto em primeira instância quanto em segunda, são pelas Rés, vencidas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC.
V. Decisão
Nos termos supra expostos, acordam os juízes que compõem este colectivo da 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em conceder provimento ao recurso do A. e em consequência em revogar a sentença recorrida que absolveu as Rés dos pedidos formulados pelo A e o condenou em custas, e em a substituir pelo presente acórdão que julga a acção procedente por provada e em consequência declara a anulação da declaração do A. de repúdio da herança de seu pai, referida no nº 9 dos factos provados, revertendo a mesma herança à condição de indivisa, e revertendo à indivisão os bens e direitos referidos no facto provado nº 6, que a integravam na data de 16 de novembro de 2006.
Custas pelas Rés.
Registe e notifique.

Lisboa, 12 de Outubro de 2023
Eduardo Petersen Silva
Nuno Lopes Ribeiro
Gabriela de Fátima Marques

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[1] Corresponde à nota de rodapé 1, com o seguinte teor: “Sic”.
[2] As notas de rodapé 2, 3 e 4 do acórdão lêem: “2 Que é conhecido que viveu na miséria, era alcoólico, doente psiquiátrico, cortou a si mesmo uma orelha e morreu aos 37 anos, muito possivelmente por suicídio…” “3 Que também era dele, por integrar a herança do pai”. “4 Bem sabemos, o facto não provado respectivo não vem impugnado”.
[3] A nota de rodapé 5 do acórdão lê: “(eu trabalhava na função pública, disse o A., ele era meu colega durante 15 anos, disse E…, eu era tarefeiro e trabalhava com animais, e E… refere que os animais eram abatidos e tinham de ser anestesiados, e que o cheiro das anestesias afectava)”.
[4] Facto provado 7 – “Desde a infância, o Autor morou na sobredita morada, com o seu pai, a sua madrasta e a sua irmã, aqui Ré (…)”. [5] Não apreciamos a invocação da coação, posto que não impugnados os factos não provados pertinentes.