Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4454/24.1T8ALM.L1-6
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: EXECUÇÃO
PERSI
COMUNICAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/20/2025
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - No que diz respeito à cobrança de obrigações decorrentes do contrato de crédito, abrangidos pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, a instituição de crédito tem o dever de informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, como condição de admissibilidade ou pressuposto processual da presente acção executiva;
- A falta de demonstração da existência dessa comunicação em suporte duradouro constitui uma exceção dilatória inominada, que determina a absolvição da instância executiva;
- Não preenche tal condição de admissibilidade, a mera apresentação com o requerimento inicial de dois documentos subscritos pelo representante da instituição de crédito que aludem à integração e extinção do PERSI, seguida da singela alegação em como remeteu tais documentos para o domicílio dos executados, desacompanhada de qualquer comprovativo probatório de suporte do efectivo ou presumido recebimento dessas comunicações por estes.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório.
1.1. O exequente Banco Comercial Português, S.A., apresentou requerimento executivo contra os executados A e B reclamando a cobrança da quantia total de € 74.494,62, relativa a um empréstimo a prazo.
Aí referiu que:
- Em 27 de dezembro de 2023, o exequente remeteu para o domicílio dos executados uma carta a informar da integração do PERSI – documento 3.
- Em 22 de janeiro de 2024, em virtude da falta de colaboração, nomeadamente na disponibilização dos documentos solicitados, o exequente remeteu para o domicílio dos executados uma carta a informar da extinção do PERSI – documento 4.
- Em face do encerramento do PERSI e do reiterado incumprimento dos executados no pagamento das prestações, o Banco exequente promoveu pela interpelação formal dos mesmos através de cartas registadas com aviso de receção datadas de 15 de fevereiro de 2024 – cfr. cartas de interpelação que juntou como documento 5.
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1.2. Os autos foram presentes a despacho no dia 14/10/2024, tendo sido determinado que a exequente, no prazo de dez dias, fizesse “prova do envio/comunicação das cartas juntas para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25-10 – sob pena de os executados serem absolvidos da instância”.
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1.3. A exequente reiterou que remeteu para o domicílio dos executados as cartas referidas e juntas com o requerimento inicial.
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1.4. De seguida foi proferida a decisão recorrida, onde se consignou que:
Não oferece dúvida para o Tribunal e para a exequente (que juntou documentos alusivos à integração e à extinção do PERSI), que, após o incumprimento do contrato, o BCP, S.A. estava obrigado a cumprir quanto aos executados o disposto nos arts. 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do D.L. n.º 227/2012, de 25 de Outubro, ou seja, “informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro” e “(…) da extinção do PERSI”.
As referidas “informações através de comunicação” são declarações receptícias, ou seja, apenas se consideram eficazes quando recebidas ou conhecidas pelo destinatário (ou quando não recebidas por culpa do destinatário) – art.º 224.º, n.ºs. 1 e 2, ex vi do art.º 295.º, ambos do CC, de onde:
- primeiro, a junção de cartas alusivas à integração e extinção do PERSI desacompanhadas de prova complementar do seu envio (v.g. talão de registo postal de expedição, de onde, por presunção judicial – art.º 351.º do CC, o tribunal poderia concluir pela recepção das mesmas no lugar de destino), conduz à conclusão de que a exequente não provou o envio/comunicação das cartas para integração e extinção do PERSI aos executados, como solicitado expressamente no despacho anterior (“no prazo de dez dias, deve a exequente (…) fazer prova do envio/comunicação de cartas juntas para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25-10 – sob pena de os executados serem absolvido da instância)”; e,
- segundo, o cumprimento do referido procedimento (PERSI) é uma condição de procedibilidade judicial – art.º 18.º, n.º 1, al. b) daquele diploma, cuja falta de demonstração, como é o caso, configura excepção dilatória, de conhecimento oficioso, determinante da absolvição da instância – arts. 576.º, n.º 2, e 578.º, ambos do CPC.
Pelo exposto, na falta de prova produzida sobre o envio de cartas aos executados para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25- 10, do que se conclui pelo não cumprimento de tal condição da acção, absolvo estes executados da instância”.
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1.5. O exequente interpôs o presente recurso de apelação em que formulou as seguintes conclusões:
1. O título executivo dos presentes autos é um Documento Particular Autenticado outorgado em 16 de Setembro de 2019, o Banco Exequente concedeu aos executados A e B, um mútuo sob a forma de empréstimo a prazo, no valor de € 77.350,00 (setenta e sete mil, trezentos e cinquenta euros), a liquidar em 480 (quatrocentas e oitenta) prestações mensais e sucessivas e remuneradas de acordo com a taxa de juros fixada na cláusula sexta das condições gerais do documento complementar ao Documento Particular Autenticado.
2. O Exequente, no seu requerimento executivo, juntou aos autos as cartas datadas de 27 de dezembro de 2023 remetidas para os executados a informar da integração do PERSI.
3. Ainda no requerimento executivo, o Exequente juntou aos autos as cartas datadas de 22 de janeiro de 2024 remetidas para os executados a informar da extinção do PERSI.
4. O regime consagrado no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro (PERSI) não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado e/ou aviso de recepção.
5. Se fosse essa a intenção do legislador, tê-lo-ia consagrado expressamente, isto é, que as comunicações decorrentes do PERSI se processassem através de correio registado e/ou aviso de recepção.
6. O regime consagrado no DL n.º 227/2012, de 25 de outubro (PERSI) refere expressamente que as comunicações sejam feitas num suporte duradouro, que é definido como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.
7. Deste modo, o Exequente alegou que havia informado os clientes bancários da sua integração no PERSI e da subsequente extinção do referido procedimento, bem como apresentou em suporte duradouro as referidas comunicações.
8. Sucede que o Tribunal a quo absolveu os executados da instância, considerando que incumbia ao exequente cumprimento do PERSI, designadamente do envio das comunicações, inicial, e de extinção, do PERSI, com a junção aos autos dos documentos comprovativos do envio das referidas cartas do PERSI, designadamente registos postais (e/ou comprovativo do registo no site dos CTT), e/ou avisos de receção.
9. Consequentemente o Tribunal a quo decidiu extinguir a presente execução para pagamento de quantia certa instaurada por BCP, S.A., julgando verificada a exceção dilatória inominada de falta de PERSI.
10. Sucede que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não aplicou corretamente as regras gerais atinentes ao ónus de alegação, ao ónus de impugnação e à concretização de diligências de prova, extravasando assim o conhecimento oficioso do Tribunal.
11. Porquanto caberia aos executados o ónus de impugnar o envio, a receção ou outra circunstância de obste ao conhecimento daquela informação, que não o fizeram, sendo que o poderão ainda o fazer no meio processual próprio.
12. Conclui-se que mal andou o Tribunal a quo ao ter proferido a decisão de extinção dos presentes autos, julgando verificada a exceção dilatória inominada de falta de integração do PERSI.
Requer que seja revogado o despacho de absolvição dos executados da instância e se substitua por outro que ordene o prosseguimento dos autos.
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1.7. As questões a decidir estão delimitadas pelas conclusões da recorrente e centram-se no seguinte:
- Saber se o regime consagrado no DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro, impõe que as comunicações de integração e de extinção no PERSI sejam feitas num suporte duradouro;
- Determinar quem tem o dever de realizar tais comunicações;
- Apurar se a comprovação dessas comunicações tem influência na acção executiva, nomeadamente como condição da sua instauração;
- Determinar quem tem o dever de alegar e comprovar tais comunicações;
- Saber se a apresentação pela exequente de apenas dois documentos subscritos por um seu representante em que se alude à integração e à extinção no PERSI consubstanciam comunicações em «suporte duradouro»;
- Quais as consequências processuais, em face da resposta negativa à antecedente questão; e,
- Verificar se a decisão de absolver os executados da instância extravasou o conhecimento oficioso do tribunal.
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2. Fundamentação.
2.1. Importa considerar os seguintes factos indiciariamente provados por documentos e com interesse para presente decisão:
a) No dia 4/6/2024, o exequente Banco Comercial Português, S.A., apresentou requerimento executivo contra os executados A e B reclamando a cobrança da quantia total de € 74.494,62, relativa a um empréstimo a prazo.
b) O exequente invocou no requerimento executivo que:
- Em 27 de dezembro de 2023, o exequente remeteu para o domicílio dos executados uma carta a informar da integração do PERSI – documento 3.
- Em 22 de janeiro de 2024, em virtude da falta de colaboração, nomeadamente na disponibilização dos documentos solicitados, o exequente remeteu para o domicílio dos executados uma carta a informar da extinção do PERSI – documento 4.
- Em face do encerramento do PERSI e do reiterado incumprimento dos executados no pagamento das prestações, o Banco exequente promoveu pela interpelação formal dos mesmos através de cartas registadas com aviso de receção datadas de 15 de fevereiro de 2024 – cfr. cartas de interpelação que juntou como documento 5.
c) Os referidos documentos n.ºs 3 e 4 foram elaborados e subscritos por um representante da exequente, aí se indicando como destinatário o executado A e referindo o primeiro que o mesmo foi integrado no PERSI e depois o segundo que o PERSI foi extinto;
d) As cartas de interpelação juntas como documento 5, foram elaboradas e subscritas por um representante da exequente, aí se aludindo ao vencimento de várias prestações do financiamento, sendo que a primeira indica um prazo de 30 dias para regularização do incumprimento e depois a segunda declara a resolução do contrato de crédito, bem como a exigência do pagamento do valor global de € 73.205,57, e ambas indicam um código de registo postal.
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2.2. O regime jurídico aplicável.
Em primeiro lugar, cumpre salientar que a exequente e apelante reconheceu que a execução visa a cobrança de obrigações decorrentes do contrato de crédito, na definição do artigo 3.º, alínea f), do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro (diploma a que se aludirá doravante, alvo ressalva), ou seja o reembolso do capital ou o pagamento de juros remuneratórios assumidas pelo cliente bancário no âmbito de um contrato de crédito.
Daí que tenha expressamente invocado no requerimento inicial que remeteu para o domicílio dos executados uma carta a informar da integração do PERSI e depois nova carta a informar da extinção do PERSI. Além de ter apresentado o correspondente título executivo, que se traduz num contrato escrito de compra e venda e mútuo com hipoteca e noutro documento complementar.
Tais circunstâncias convocam a aplicação do regime previsto referido Decreto-Lei – que fundamentou a decisão recorrida -, sem objecção da apelante e sem que se encontre motivo para divergir.
Por conseguinte, a questão da admissibilidade da execução terá que ser apreciada à luz deste diploma e das demais normas e princípios gerais que regem a comunicação dos actos.
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2.3. Os pressupostos da execução.
Importa igualmente manifestar concordância com as conclusões 4.ª a 6.º das doutas alegações de recurso, nomeadamente que:
- O regime consagrado no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado e/ou aviso de recepção; e que,
- Tal diploma define como suporte duradouro “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas” – cfr. art.º art.º 3.º, alínea h).
Também consagra como princípios gerias que “as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa” – art.º 4.º. A utilização do verbo dever tem como sujeito as instituições de crédito, que são as entidades habilitadas a efetuar operações de crédito em Portugal, nos termos do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras – cfr. art.º 3.º, alínea e). Trata-se do primeiro sinal de que o diploma visa impor vários deveres e obrigações sobretudo na esfera jurídica das instituições de crédito e não dos consumidores.
O propósito do diploma também se manifestou na alusão, no respectivo preâmbulo, ao reforço da “importância de uma atuação prudente, correta e transparente das referidas entidades em todas as fases das relações de crédito estabelecidas com os seus clientes enquanto consumidores”; “à necessidade de um acompanhamento permanente e sistemático, por parte de instituições, públicas e privadas, da execução dos contratos de crédito, bem como ao desenvolvimento de medidas e de procedimentos que impulsionem a regularização das situações de incumprimento daqueles contratos, promovendo ainda a adoção de comportamentos responsáveis por parte das instituições de crédito e dos clientes bancários e a redução dos níveis de endividamento das famílias”; e definiu “um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), no âmbito do qual as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor”. O legislador também reconheceu “as assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito” e visou “promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários”.
De acordo com o disposto no artigo 17.º:
3 - A instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento.
4 -A extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior, salvo quando o fundamento de extinção for o previsto na alínea b) do n.º 1.
Por outro lado, o artigo 18.º, preceitua que:
1 - No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de
a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;     
b)
Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;      
c) Ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito; ou         
d) Transmitir a terceiro a sua posição contratual.  
2 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a instituição de crédito pode:
a) Fazer uso de procedimentos cautelares adequados a assegurar a efetividade do seu direito de crédito;                    
b) Ceder créditos para efeitos de titularização; ou 
c) Ceder créditos ou transmitir a sua posição contratual a outra instituição de crédito.  
3 - Caso a instituição de crédito ceda o crédito ou transmita a sua posição contratual nos termos previstos na alínea c) do número anterior, a instituição de crédito cessionária está obrigada a prosseguir com o PERSI, retomando este procedimento na fase em que o mesmo se encontrava à data da cessão do crédito ou da transmissão da posição contratual.

4 - Antes de decorrido o prazo de 15 dias a contar da comunicação da extinção do PERSI, a instituição de crédito está impedida de praticar os atos previstos nos números anteriores, no caso de contratos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, e em que a extinção do referido procedimento tenha por fundamento a alínea c) do n.º 1 ou as alíneas c), f) e g) do n.º 2 todas do artigo anterior.
Assim, de modo algum se acompanha a conclusão 11.ª das doutas alegações da apelante, quando afirma que “caberia aos executados o ónus de impugnar o envio, a receção ou outra circunstância de obste ao conhecimento daquela informação, que não o fizeram, sendo que o poderão ainda o fazer no meio processual próprio”. Tal entendimento contraria frontalmente a letra e o espírito da lei, nomeadamente ao impor à instituição de crédito tais deveres como condição prévia para intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito. Há uma imposição de deveres na esfera jurídica da instituição de crédito e esta não pode transferir tal imposição legal para a esfera do seu cliente bancário, sob a forma do ónus de impugnar o envio da comunicação.
Como é referido, entre outros, pelo acórdão deste Tribunal de 7/5/2020, relatado pelo aqui Exmo. 2.º Adjunto:
“As normas procedimentais relativas ao PERSI tem natureza de normas imperativas.
A inobservância dessas normas impede a instituição de crédito de solicitar judicialmente a satisfação do seu crédito. Isto porque a preterição de extinção do PERSI constitui a inobservância de uma condição de admissibilidade da execução – falta de pressuposto processual – ou seja, de uma condição necessária para que no processo executivo a obrigação exequenda possa ser realizada coactivamente.          
Na verdade, como é sabido, as condições de admissibilidade da acção ou pressupostos processuais definem as condições em que uma situação subjectiva pode ser exercida em juízo. Esses pressupostos determinam a possibilidade e a necessidade de as partes defenderem os seus interesses em juízo e a constituição do objecto da acção (Teixeira de Sousa, Introdução ao Processo Civil, Lex, 1993, pág. 72).

Essa inobservância daquelas normas procedimentais constitui, assim, uma excepção dilatória, inominada e insanável, por a sua falta não poder ser preenchida na pendência da acção.
Além disso, entendemos, na linha da doutrina maioritária, que por se tratar de excepção dilatória (inominada e insanável) que é de conhecimento oficioso (Cf. Alberto dos Reis, CPC III, pág. 84; Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, 2001, pág. 44; Castro Mendes, Direito Processual Civil, vol. II, pág. 571 e seg.)” –
disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 2282/15.4T8ALM-A.L1-6.
Nesse mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de  19/5/2020: “A demonstração de que a entidade financeira/exequente integrou o consumidor/executado no PERSI ou lhe proporcionou a oportunidade para tal, nos termos dos artigos 12º e seguintes do DL n.227/2012, constitui um pressuposto específico da ação executiva para pagamento de quantia certa (quando a obrigação exequenda respeita a financiamento de uma entidade financeira a um consumidor), equiparável à existência do título executivo, cuja ausência constitui uma exceção dilatória inominada (dado o caráter não taxativo do art.º 577º do CPC) de conhecimento oficioso (como se extrai da regra estabelecida no art.º 578º), que nos termos do art.º 576º, n.2 e art.º 726º, n.2, alínea b) do CPC determina a absolvição da instância executiva” – disponível em https://juris.stj.pt, processo n.º 6023/15.8T8OER-A.L1.
Impõe-se, assim, a conclusão que a instituição de crédito tem o dever de informar o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, como condição de admissibilidade ou pressuposto processual da presente acção executiva.
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2.4. A demonstração da comunicação da extinção do PERSI.
Importa agora saber se a apelante demonstrou ter cumprido com a referida imposição legal, como condição de admissibilidade do requerimento executivo que apresentou em juízo. A resposta a esta questão mostra-se comprometida pela circunstância da própria apelante considerar que “caberia aos executados o ónus de impugnar o envio, a receção ou outra circunstância de obste ao conhecimento daquela informação, que não o fizeram, sendo que o poderão ainda o fazer no meio processual próprio”, como já foi anteriormente notado.
O despacho proferido no dia 14/10/20214 intimou a exequente para fazer “prova do envio/comunicação das cartas juntas para integração e extinção do PERSI – D.L. n.º 227/2012, de 25-10 – sob pena de os executados serem absolvidos da instância”.
A apelante insurge-se contra a decisão recorrida referindo que tal diploma não obriga a instituição bancária a enviar as comunicações dele decorrentes através de correio registado e/ou aviso de recepção. O que é verdade, como já se notou. Porém, a decisão recorrida não se baseou-se na necessidade de apresentação de qualquer registo de correio. A decisão recorrida considerou as circunstâncias próprias do presente caso, nomeadamente em como a apelante tinha logo indicado no requerimento inicial que:
- Em 27 de dezembro de 2023, o exequente remeteu para o domicílio dos executados uma carta a informar da integração do PERSI – documento 3.
- Em 22 de janeiro de 2024, em virtude da falta de colaboração, nomeadamente na disponibilização dos documentos solicitados, o exequente remeteu para o domicílio dos executados uma carta a informar da extinção do PERSI – documento 4.
O tribunal decide, sobretudo, em função dos factos apresentados pelas partes. Tendo a exequente indicado que tinha realizado as comunicações por cartas remetidas para o domicílio dos executados, não temos que nos debruçar sobre a problemática das comunicações remetidas por correio electrónico, telecópia ou das comunicações escritas e entregues em mão contra recibo!
Logo, as referidas conclusões 4.ª a 6.º das doutas alegações de recurso, apesar de correctas, acabam por conduzir à desfocagem do problema dos autos e da respetiva solução. Não está em causa toda e qualquer comunicação em suporte duradouro, entendida como “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”. O que está em causa é se a exequente comprovou a comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, nos moldes que constam do requerimento inicial. Daí que a decisão recorrida tenha aludido à “prova complementar do seu envio (v.g. talão de registo postal de expedição, de onde, por presunção judicial – art.º 351.º do CC, o tribunal poderia concluir pela recepção das mesmas no lugar de destino)”. O talão de registo postal da expedição das cartas é apenas um exemplo (como aí expressamente se refere: v.g., verbi gratia, por exemplo) de um suporte duradouro idóneo ou capaz de comprovar o cumprimento do dever legal de comunicação.
Não nos podemos desfocar ou afastar da questão de saber se a apelante cumpriu com o seu dever de comunicação, como condição de admissibilidade da execução. Essa questão terá de ser decidida em face dos factos que a mesma concretamente apresentou com o requerimento inicial, complementada com a resposta à intimação do tribunal.
As cartas cujas cópias foram juntas pela exequente reportam-se a 27 de Dezembro de 2023 e a 22 de Janeiro de 2024. Nessa altura já estava em vigor o Aviso do Banco de Portugal n.º 7/2021, que, além de revogar o anterior Aviso n.º 17/2012, tem como objecto concretizar os deveres que, em virtude do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, as instituições estão obrigadas a observar no âmbito da prevenção e da regularização extrajudicial de situações de incumprimento de contratos de crédito, designadamente no que respeita aos procedimentos a implementar pelas instituições no âmbito da elaboração e aplicação do Plano de Ação para o Risco de Incumprimento (PARI) e da aplicação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – cfr. Aviso n.º 7/2021, art.º 1.º
Quanto aos contactos com os clientes bancários em risco de incumprimento ou em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, refere que, nos casos em que no regime geral de prevenção e regularização do incumprimento de contratos de crédito não se exija a comunicação em suporte duradouro, as instituições, no âmbito dos procedimentos previstos no PARI e no decurso do PERSI, podem contactar os clientes bancários de forma presencial ou através de qualquer meio de comunicação à distância – Aviso n.º 7/2021, art.º 5.º, n.º 1.
O artigo 10.º deste Aviso n.º 7/2021, alude aos seguintes deveres procedimentais:
No âmbito da implementação do PERSI, as instituições estão obrigadas a:
(…)
b) Definir as estruturas responsáveis pelas seguintes diligências:
(…)
vii) Prestação de informação ao Banco de Portugal relativa à implementação dos procedimentos associados ao PERSI e aos resultados da sua aplicação.
2. As instituições devem assegurar que a estrutura designada como responsável pela função prevista na subalínea vii) da alínea b) do número anterior dispõe dos meios técnicos e humanos, bem como de toda a informação necessária ao cumprimento dessa função.
Logo, em termos de funcionamento da actividade bancária perpassa deste Aviso do Banco de Portugal uma clara uma ideia de exigência, de rigor e de profissionalismo. Dificilmente se concebe que tais ideais e deveres procedimentos sejam compatíveis com a prestação de informação ao Banco de Portugal relativa à implementação dos procedimentos associados ao PERSI e aos resultados da sua aplicação, designadamente através da deslocação do funcionário X às instalações do Banco de Portugal para informar verbalmente que tem a inabalável certeza de que, há uns três anos atrás, remeteu vários milhares de cartas por via postal simples, incluindo uma, dirigida precisamente ao cliente Y, a comunicar a extinção do PERSI… Mesmo admitindo que o funcionário ainda estará ao serviço e de boa memória, tudo isto assentará, sobretudo, na falta de organização, na ausência de rigor, no acaso e no puro amadorismo. E, de acordo com a conclusão 11.ª das doutas alegações de recurso, claro está que o risco destas escolhas procedimentais das instituições bancárias correrá por conta dos clientes, pois caberá aos executados o ónus de impugnar o envio, a receção ou outra circunstância de obste ao conhecimento daquela informação. Então, à revelia do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, dir-se-ia que, não obstante, as melhores intenções manifestadas no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro, o legislador não só não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como não soube consagrar as soluções mais acertadas.
Pelo contrário, entende-se que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados e consagrou as soluções mais acertadas em face dos princípios e preocupações que elegeu, nomeadamente quanto à comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, como condição de admissibilidade ou pressuposto processual da presente acção executiva.
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2.5. A questão da elaboração e apresentação em juízo de um documento escrito.
Importa agora saber se a elaboração de um documento escrito demonstra a comunicação da extinção do PERSI, como condição de admissibilidade da execução.
O exequente Banco Comercial Português, S.A., apresentou com o requerimento executivo vários documentos, de que se destacam os dois que identifica como “cartas” dirigidas ao primeiro executado e assinadas pelo seu representante, em que informa da respectiva integração no PERSI e depois da subsequente extinção do procedimento, invocando a falta de colaboração, nomeadamente na prestação de informações ou na resposta atempada às propostas apresentadas pelo banco.
Não há dúvida que tais escritos consubstanciam suportes duradouros, na aludida definição. Porém, são suportes duradores do quê? Que o banco decidiu integrar o devedor no PERSI e depois decidiu extinguir esse procedimento? Ou de que informou o cliente bancário dessas decisões?
Quanto a esta problemática, vislumbram-se duas orientações jurisprudenciais.
A primeira, exemplificada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/4/2021, admite livremente que a comunicação seja demonstrada pela mera junção de cópias de cartas e pelo depoimento de testemunhas a corroborar o seu envio, referindo que: “O acórdão recorrido considerou que o banco Embargado não havia feito a demonstração de ter enviado à Executada as cartas/comunicações (de integração no PERSI e extinção) que juntou aos autos, tendo subjacente o entendimento de que a prova do envio e da respectiva recepção não poderia ser feita com recurso a prova testemunhal.
Se é certo que o acórdão recorrido não tomou posição quanto ao meio/forma através do qual as referidas comunicações devem ser feitas, designadamente, quanto à exigência de carta registada com A/R, não é menos certo que, no caso, não se lhe impunha fazê-lo porquanto a questão que cabia apreciar não respeitava à forma da comunicação que a lei estabelece, mas à demonstração do efectivo envio dessas comunicações e da sua recepção pelos destinatários, aspecto que, sem dúvida, constitui ónus da Exequente (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), enquanto condição de admissibilidade da própria execução.
O tribunal recorrido concluiu, na esteira da 1ª instância, que a Embargada não tinha provado o envio da comunicação de ingresso da Executada no PERSI, partindo da inviabilidade do referido facto – envio da carta – poder ser demonstrado no processo, designadamente através de prova testemunhal (em decorrência do que dispõem os artigos 364.º, n.º 2, e 393.º, nº 1, do Código Civil).
Entendemos, porém, que tal conclusão não tem em linha de conta a fase processual em que o tribunal de 1ª instância entendeu estar em condições de conhecer dos embargos.
Com efeito, embora a simples junção aos autos das referidas cartas e a alegação de que foram enviadas à Executada, não constituam, por si só, prova do respectivo envio e da consequente recepção das mesmas pela Executada (a qual aliás, em resposta à contestação, referiu não as ter recebido), há que ter presente que, no caso, em acolhimento do convite feito pelo tribunal para que o Banco documentasse o PERSI, o Embargado veio informar que as cartas a comunicar à Embargante a integração no PERSI e a posterior extinção foram enviadas para a morada constante da escritura junta com o requerimento executivo e através de correio simples.
Trata-se, por isso, de matéria alegada que juntamente com a anterior apresentação das cartas (que, sublinhe-se, por si só não demonstram o envio e recepção pela Executada) deveria ter sido considerada como princípio de prova desse envio.
Assim, tendo o tribunal dado por provado apenas que o embargado informa que apenas foram enviadas cartas por correio simples, uma vez que a Embargada alegou matéria de facto pertinente – envio efectivo das cartas - o processo deverá prosseguir para discussão e prova dessa factualidade alegada” – disponível em https://juris.stj.pt, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1.
A segunda orientação, exemplificada no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/9/2022, sufraga o entendimento de acordo com a qual se o legislador exige uma determinada forma para as comunicações em causa nos autos, de forma a que se possa fazer prova das mesmas, a prova quer da existência das referidas declarações quer do seu envio aos devedores não pode ser feita com o recurso a prova testemunhal, no seguintes termos:
Essencial, diremos nós, é que as declarações de integração dos devedores no PERSI e a extinção deste Plano, quando é o caso, ainda que formalizadas em carta simples (como alegadamente sucedeu no caso presente) cheguem ao poder dos devedores ou se tornem deles conhecidas.
No caso, o exequente juntou aos autos cartas (simples) de integração dos executados no PERSI e cartas de declaração de extinção do PERSI, todas endereçadas aos executados. Mas, não juntou aos autos prova documental do envio das mesmas aos executados, tendo-se limitado a arrolar uma testemunha.
Parece-nos não ser controvertido que a existência das cartas não se confunde com o respetivo envio aos devedores e a sua receção por estes últimos. Mas o facto é que o envio aos devedores e a receção por estes das referidas declarações são imprescindíveis para que haja a “comunicação” imposta por lei. Consequentemente, a prova da concretização das comunicações em causa – quer a de inserção dos devedores no PERSI quer a de extinção do PERSI que possibilitam ao credor reclamar judicialmente a satisfação do seu crédito – implica não só a prova da sua existência, como ainda a prova do seu envio aos devedores e da respetiva receção por estes últimos na medida em que, como supra assinalámos, se trata de declarações recetícias.
Sendo igualmente incontrovertido que as cartas de inserção dos executados no PERSI e da extinção daquele Plano que foram juntas pelo exequente são insuficientes para provar o envio das mesmas aos executados (e, muito menos, a receção das mesmas) a questão que se coloca no presente recurso é justamente a de saber se a ausência de prova documental daquele envio pode ser colmatada/suprida por prova testemunhal (isto é, se julgador deve permitir ao exequente a produção da prova testemunhal por aquele arrolada com vista à prova do envio das comunicações em causa).
Desde já adiantamos que perfilhamos a jurisprudência invocada pelo julgador a quo de acordo com a qual se o legislador exige uma determinada forma para as comunicações em causa nos autos, de forma a que se possa fazer prova das mesmas, a prova quer da existência das referidas declarações quer do seu envio aos devedores não pode ser feita com o recurso a prova testemunhal, considerando o disposto nos artigos 364.º, n.º 2 e 393.º, n.º 1, ambos do Código Civil, aplicáveis por analogia. A menos que, diremos nós, o facto a provar esteja já tornado verosímil por um começo de prova escrita. Ou seja, existindo nos autos prova documental suscetível de permitir ao julgador convencer-se da verificação dos factos alegados, então será de admitir a produção de prova testemunhal. Com efeito, e como nos dá conta Luís Filipe de Sousa, a jurisprudência na esteira da construção doutrinária de Vaz Serra, vem admitindo expressamente três exceções à inadmissibilidade da prova testemunhal prevista nos artigos 393.º, n.ºs 1 e 2 e 394.º do CC, a saber: (i) existência de qualquer escrito, proveniente daquele contra quem a ação é dirigida ou do seu representante, que torne verosímil o facto alegado; (ii) impossibilidade de obtenção de prova escrita por parte de quem invoca a prova testemunhal; e (iii) ocorrência da impossibilidade de prevenir a perda, sem culpa, da prova escrita.
In casu, o apelante sustenta que as cartas de integração dos executados no PERSI e as cartas de extinção do PERSI por ele juntas aos autos servem como princípio de prova do próprio envio das mesmas, posição que tem suporte na jurisprudência do Ac. RL de 05.01.2021, processo n.º 105874/18.0YIPRT.L1-7, relatora Conceição Saavedra, Ac. STJ de 13.04.2021, processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1 e Ac. RE de 14-10-2021, proc. n.º 2915/18.0T8ENT.E1, relator Mário Coelho, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
Na esteira da jurisprudência constante, nomeadamente, do Ac. RL de 21.05.2020 supra referido, e do Ac. RC de 15-12-2021, processo n.º 930/20.3T8ACB-A.C1, relator Luís Cravo, julgamos que esse princípio de prova escrita não pode consistir no próprio documento cuja existência, expedição para o(s) devedor(es) na data nele indicada e sua receção pelo(s) destinatário(s) estão a ser averiguados nos autos.
O que vale por dizer que as cartas de comunicação da integração dos executados no PERSI e as cartas de extinção do PERSI juntas pelo exequente aos autos não servem como princípio de prova do envio e receção pelos executados daquelas cartas” – disponível na base de dados da DGSI; processo n.º 181/19.0T8ENT.E1.
Perfilha-se este último entendimento, considerando especialmente que o legislador impôs uma determinada formalidade a um acto específico: a informação ao cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI – art.º 17.º, n.º 3.
O facto que releva em termos de condição de admissibilidade da acção executiva não é a extinção do PERSI decidida pela instituição de crédito, suportada num instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas. Salvo as situações em que há um acordo entre as partes, o facto relevante é a informação ao cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI – cfr. art.ºs 17.º, n.ºs 3 e 4, e 18.º, n.º 4.
Só decorrido o prazo de 15 dias a partir da comunicação da extinção do PERSI é que a instituição de crédito está autorizada a praticar o acto em causa (intentar uma acção executiva contra o devedor). Essa comunicação a informar o cliente bancário terá que ser realizada em suporte duradouro. Um documento subscrito pela entidade bancária não consubstancia qualquer informação ao cliente bancário enquanto não chegar ao conhecimento deste ou, pelo menos, estar em condições de ser conhecida pelo destinatário – cfr. art.º 224.º, do Código Civil, Teoria da recepção.
Além dos art.ºs 17.º, n.ºs 3 e 4, e 18.º, n.º 4, aludirem expressamente à comunicação em suporte duradouro e não à decisão de extinção do PERSI em suporte duradouro, cumpre notar que a extinção do PERSI se manifesta como um acto menor em relação ao acto maior da sua comunicação ao cliente bancário. Diz-se maior porque a extinção do PERSI só produz efeitos após a comunicação ao cliente bancário.
Seria deveras estranho que o legislador elegesse a comunicação ao cliente como o acto maior ou central para a produção de efeitos e admitisse que pudesse ser provado por qualquer meio de prova. E que só o acto de extinção do PERSI tivesse que estar num «suporte duradouro». O legislador estaria, assim, mais preocupado com o acto que não produz efeitos do que com o acto que produz efeitos…
Veja-se, igualmente, neste sentido, o sumário do acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8/6/2022: “Sendo condição de admissibilidade da ação judicial, incumbe ao banco/exequente, que pretende lançar mão do procedimento judicial, o ónus da prova do envio (por si) e da receção (pelo cliente) de tais declarações recetícias, cabendo-lhe demonstrar, para além da sua existência e envio, a receção pelo cliente, não constituindo a mera junção aos autos de simples cartas de comunicação prova quer do seu envio quer da sua receção e, não demonstrada esta, ocorre exceção dilatória, insuprível, que determina a extinção da instância executiva” – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 4204/20.1T8MAI-A.P1.
Daí que se entenda que a exequente teria que comprovar, logo no requerimento inicial, como condição de admissibilidade da acção executiva, que comunicou atempadamente aos executados a extinção do PERSI. E tal comprovação faz-se por meio da apresentação do «suporte duradouro» a que alude o Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro.
No caso dos autos, a exequente apenas juntou dois documentos escritos que manifestam a sua decisão de:
a) Proceder à integração do cliente bancário no PERSI; e,
b) Extinguir o PERSI.
E alegou ainda que remeteu tais dois documentos para o domicílio dos executados.
Porém, não há «suporte duradouro» algum que comprove que essa comunicação tenha sido realizada, nomeadamente que as cartas foram correctamente expedidas, que não ficaram na “gaveta” do funcionário que as elaborou ou que não se extraviaram pelo caminho. O risco de se ter frustrado a necessária comunicação ao cliente bancário por estes motivos ou por quaisquer outras hipotéticas causas é, assim, habilidosamente transferido pela exequente da sua esfera jurídica para a esfera jurídica daqueles. A 11.ª conclusão é paradigmática quanto a esta ideia: “caberia aos executados o ónus de impugnar o envio, a receção ou outra circunstância de obste ao conhecimento daquela informação, que não o fizeram, sendo que o poderão ainda o fazer no meio processual próprio”. Trata-se de uma completa inversão da solução consagrada na lei, que não se subscreve, em que o risco do extravio das cartas (mesmo supondo que terão sido enviadas – o que não se evidencia dos autos) corre por conta dos clientes bancários (que nem sequer tem o domínio desse procedimento).
Logo, a ausência de apresentação de suporte duradouro da comunicação da extinção do PERSI aos clientes bancários impede o exercício do direito de instaurar a execução (sem prejuízo da instituição bancária poder ulteriormente colmatar essa falha e instaurar nova execução).
Cumpre ainda notar que, no presente caso, a exequente também não arrolou testemunhas, nem convocou razão alguma para que fossem admitidas a testemunhar, nomeadamente para comprovarem que a comunicação da extinção do PERSI chegou aos executados. Assim, no presente caso, não estamos perante alguma das referidas excepções em que se possa defender a admissão de prova testemunhal, nomeadamente:
a) Começo de prova por escrito do facto alegado;
b) Impossibilidade de obtenção de uma prova escrita;
c) Impossibilidade de prevenir a perda da prova escrita; ou,
d) No que concerne a convenções posteriores ao documento, as circunstâncias do caso tornem verosímil que elas tenham sido realizadas – cfr. Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 107, pág. 312.
*
2.5. A questão dos poderes do tribunal.
Como vimos, na 10.ª conclusão das doutas alegações de recurso, a apelante sustenta ainda que “o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não aplicou corretamente as regras gerais atinentes ao ónus de alegação, ao ónus de impugnação e à concretização de diligências de prova, extravasando assim o conhecimento oficioso do Tribunal”.
Esta argumentação revela-se contraditória, nomeadamente por admitir que a questão é do conhecimento oficioso do Tribunal, mas está sobretudo dependente da vontade das partes. Como já foi acima abordado, o cumprimento dos procedimentos do PERSI (particularmente quanto à comunicação da sua extinção) é uma condição de admissibilidade ou pressuposto processual da presente acção executiva. Logo, faltando a necessária alegação dessa condição, impõe-se o respectivo e imediato conhecimento da excepção dilatória inominada, independentemente do que as partes ulteriormente poderiam ou não vir a alegar ou a demonstrar.
Veja-se o entendimento seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/5/2020: “quando moveu a ação executiva, devia a exequente ter dado cumprimento ao ónus que resulta do art.18º do DL n.227/2012, de demonstrar que, por ter integrado a devedora no PERSI (sem obter sucesso na regularização extrajudicial da dívida), lhe assistia o direito de mover a ação executiva. Não o tendo feito, são-lhe assacáveis as consequências da inobservância desse ónus, como decorre do princípio da autorresponsabilidade das partes.
Não assiste, assim, razão à recorrente quando alega que o cumprimento do regime do PERSI era uma questão nova, e uma questão que tinha necessariamente de ter sido suscitada pela executada no requerimento dos embargos.
Conclui-se, pelo exposto, que o acórdão recorrido não merece censura, pois fez a correta aplicação do direito ao caso concreto, ao absolver a executada da instância” - Processo: 6023/15.8T8OER-A.L1.S1, disponível em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:6023.15.8T8OER.A.L1.S1/.
E ainda o consignado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/11/2024:
Entendida a falta de integração do cliente bancário no PERSI como uma excepção dilatória inominada, a jurisprudência tem vindo a reconhecer a possibilidade do seu conhecimento oficioso, aplicando o regime decorrente dos art.ºs 576º, n.ºs 1 e 2 e 578º do CPC, de tal modo que, tal como sustentam os recorrentes, a sua invocação não está sujeita à preclusão decorrente do decurso integral do prazo para deduzir embargos de executado, tal como resulta da ressalva prevista no art.º 573º, n.º 2, in fine do CPC, para além do que o conhecimento de excepções dilatórias pode sempre ter lugar até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – cf. art.ºs 726º, n.º 2, b) e 734º do CPC”. – disponível na base de dados da DGSI, processo n.º 451/14.3TBMTA-C.L2.S1.
Em resumo, a decisão recorrida fez um uso criterioso e legal dos poderes legais quanto à verificação da excepção dilatória inominada resultante da falta de comprovação da necessária comunicação da extinção do PERSI, em vista da patente omissão da apelante, pelo que se impõe a improcedência da presente apelação.
*
3. Decisão:
3.1. Pelo exposto, acordam em julgar improcedente a apelação e em confirmar a sentença.
3.2. As custas são a suportar pela apelante.
3.3. Notifique.

Lisboa, 20 de Março de 2025
Nuno Gonçalves
António Santos
Adeodato Brotas (Com o infra voto de vencido)

Voto de vencido.
O signatário não acompanha a orientação que fez vencimento, pelas seguintes razões que se sintetizam:
Primeira: suporte duradouro é um documento.
O DL 227/2012, de 25/10 – em termos simples, que institui o PARI e o PERSI – posteriormente alterado pelo DL 70-B/2021, de 06/08, não exige que as comunicações de inclusão no PERSI e da extinção do PERSI tenham lugar mediante carta registada com aviso de recepção ou sequer por meio de carta registada.
A lei fala em “suporte duradouro” quando estão em causa situações de comunicação: i) da Fase Inicial de integração no PERSI, prevendo que ela possa ser solicitada pelo cliente, mediante suporte duradouro (art.º 14º nº 2, al. a) do DL 227/212) ou por iniciativa da instituição de crédito (art.º 14º nº 4); ii)- Fase de Avaliação e Proposta (art.º 14º nº 4); iii)- Fase da Negociação (art.º 16º nº 2); iv)- Fase de Extinção (art.º 17º nº 3).
O art.º 20º determina que as instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, que “…devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes…”
É a lei que, no art.º 3º, al. h) define “Suporte Duradouro” como “…qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas.” * (sublinhado nosso).
Paralelamente, o Banco de Portugal, nos Avisos que emitiu com vista a regulamentar os deveres das Instituições de Crédito, no âmbito do PERSI (e PARI), primeiramente através do Aviso nº 17/2012 e, posteriormente pelo Aviso nº 7/2021, apenas faz referências ao formalismo a observar pelas instituições de crédito quando estão em causa comunicações que não exijam comunicação em suporte duradouro, permitindo que a comunicação seja presencial ou por qualquer meio de comunicação à distância.
Portanto, com a expressão “suporte duradouro”, o legislador está a referir-se a um documento, quer seja físico quer electrónico.
Efectivamente, de acordo com o art.º 362º do CC, “(…) diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. (sublinhado nosso). Saliente-se que o documento electrónico “…é aquele que se encontra gravado em forma digital num suporte magnético ou magneto-óptico; em sentido amplo, o documento electrónico é aquele que é elaborado na sua forma definitiva em suporte de papel ou equivalente, por um computador.” (Teixeira de Sousa, O Valor Probatório dos Documentos Electrónicos”, Direito da Sociedade de informação, 2º vol. 1999, pág. 172).

Segunda: a eficácia da comunicação.
Em termos simples, como é sabido, são várias as teorias acerca da eficácia da comunicação/declaração: (i) teoria da expedição (a declaração recipienda é eficaz logo que enviada para o destinatário); (ii) teoria da recepção (a declaração é eficaz quando chega ao poder do destinatário); (iii) teoria do conhecimento (a declaração é eficaz quando for efectivamente apreendida pelo destinatário).
Ora, o art.º 224º do CC, relativo à eficácia da declaração negocial, determina que a declaração recipienda é eficaz:
(i) Quando chegue ao poder do destinatário (teoria da recepção) – art.º 224º nº 1, 1ª parte;
(ii) Ou dele seja conhecida (teoria do conhecimento) – art.º 224º nº 1, 1ª parte;
(iii) Ou quando remetida e só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (teoria da expedição) – art.º 224º nº 2 (Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, pág. 345).
Ou seja, a declaração negocial que tenha um destinatário torna-se eficaz logo que chegue ao seu poder ou é dele conhecida.
A nossa lei civil optou pela teoria da recepção: a declaração é eficaz quando chega à esfera de acção do destinatário de tal modo que, em circunstâncias normais este podia conhecê-la em conformidade com os usos (ser enviada para um apartado, para um domicílio, para um local de trabalho) a ponto de, uma ausência transitória da casa ou do estabelecimento são riscos do destinatário (cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, 2ª reimpressão, 2012).
Assim, a eficácia da declaração ocorre no momento em que entra na esfera própria do destinatário, ou seja, desde que, de harmonia com o que é habitual e comum, só dependa do próprio destinatário ou do modo como este organiza a sua casa ou os seus negócios, conhecer ou não a declaração que lhe foi dirigida (Cf. Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, volume I, 1987, pág. 293; veja-se ainda, entre outros, Heinrich Ewald Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, 9ª reimpressão da edição de 1992, pág. 448 e seg.; Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, AAVV, coord. Ana Prata, 2017, pág. 276 e seg.).
Pois bem, não fazendo, o diploma legal, que estabelece o regime do PERSI, (DL 227/2012), qualquer exigência quanto ao modo de comunicação das declarações e quanto à respectiva eficácia, há que lançar mão das regras gerais sobre a matéria da eficácia da declaração negocial e acima relembradas. E, como vimos, de acordo com essas regras, a declaração é eficaz quando dirigida, rectius, enviada, à esfera de poder do destinatário.
Não se podem confundir os conceitos jurídicosnotificação”, com o facto materialenvio” da carta (e respectivo conteúdo); será esse facto material, “envio” da carta (e respectivo conteúdo), que permitirá (depois) concluir se, em termos jurídicos, os clientes foram notificados.
Acresce que se a lei não faz referência ao formalismo a observar quanto ao envio da (inclusão e extinção do PERSI) não há fundamento para invocar o regime do art.º 364º nºs 1 e 2 do CC, por isso, o “envio” (da carta) pode ser provado por outros meios de prova que não (apenas) o registo da carta ou sequer o aviso de recepção, mormente, por confissão (maxime, judicial provocada) ou por prova testemunhal.

Terceira: a inversão antecipada do ónus de prova.
Constituindo, a omissão de comunicação de integração ou de extinção no PERSI, uma excepção dilatória inominada, a exigência de ter de ser a instituição de crédito a provar o “envio” da comunicação (de integração ou de extinção) constitui, materialmente, uma situação e inversão do ónus de prova. Com efeito, tratando-se de uma excepção dilatória, em regra compete ao devedor invocar os respectivos factos constitutivos (art.º 5º nº 1, 2ª parte do CPC), no caso, o não envio das comunicações.
Ora, a exigência, pelo tribunal, de logo na fase inicial da execução, ao credor, de ter de provar que enviou as cartas de comunicação de integração e de extinção do PERSI, traduz uma inversão, antecipada, ou fora da fase normal, do ónus de prova.
Em termos simples, há inversão de ónus de prova quando a parte que tem o ónus de alegar (no caso a excepção) não tem o ónus de a provar, cabendo, antes á contraparte o ónus de provar o facto contrário ao facto alegado.
O indeferimento liminar do requerimento executivo com fundamento em excepção dilatória deve ser reservada para as situações de manifesta evidência da verificação da excepção (á luz da regra geral do art.º 590º nº 1 do CPC).

A esta luz, julgaria o recurso procedente, revogaria a decisão recorrida e ordenaria o prosseguimento da execução.

Lisboa, 20/03/2025
Adeodato Brotas