Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1354/12.1TBSXL.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: ARRENDAMENTO COMERCIAL
TRESPASSE
ERRO SOBRE A BASE DO NEGÓCIO
ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Tanto há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias passadas ou presentes, como quando ela recai sobre circunstâncias futuras, desde que, num caso e noutro, a decisão de contratar se tenha fundado em tais circunstâncias.
II – E isso não acontece quando pois, a A. durante o período negocial teve pleno conhecimento da actividades exercidas pelo Colégio em causa.
III - Também não se pode considerar alteração anormal das circunstâncias, o facto do número de crianças terem diminuído ou as exigências feitas pela fiscalização para que a A. pudesse exercer no locado outras valências.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:- Quid juris?

Segundo Inocêncio Galvão Teles, “constituem base do negócio as circunstâncias determinantes da decisão do declarante que, pela sua importância, justificam, segundo os princípios da boa fé, a invalidade do negócio em caso de erro do declarante, independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade, para o declarante, dessas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de os dois se mostrarem de acordo sobre a existência daquela essencialidade” - in, Manual dos Contratos em Geral, 4º ed., pag.341.

Tanto há erro sobre a base do negócio quando a falsa representação incide sobre circunstâncias passadas ou presentes, como quando ela recai sobre circunstâncias futuras, desde que, num caso e noutro, a decisão de contratar se tenha fundado em tais circunstâncias.


O erro como vício dos negócios jurídicos tutela a desconsideração de uma vontade que não seja perfeita por culpa que não seja imputável ao declarante.

Isto em nome da confiança que deve imperar entre pessoas que negoceiam livremente e de boa fé.


O erro-obstáculo acontece sempre que, por um lado, existe uma perfeita formação da vontade contratual do declarante e, por um lado, uma divergência entre o querido e o declarado, divergência essa não desejada pelo declarante.


O erro-vício consiste no desconhecimento ou na falsa representação da realidade que determinou ou podia ter determinado a celebração do negócio e essa realidade pode consistir numa circunstância de facto ou de direito – cfr. a nível jurisprudencial, por todos, o Acórdão do STJ, de 1-10-2009, exarado no pº296/05.1TBVGS.C1.S1 e publicitado in,
www.dgsi.pt.

Como ensina Castro Mendes, a ideia central no erro sobre a base do negócio é
“a de um erro bilateral sobre condições patentemente fundamentais do negócio jurídico” – in, Direito Civil, Vol. II, pag.217.

O conceito de base do negócio foi introduzido pelo alemão Oertman (Leipzig, 1921) e desenvolvido pelo seu compatriota Lehman e consiste na representação duma das partes, reconhecida e não contestada pela outra, sobre a existência de circunstâncias tidas como fundamentais para a formação da vontade.

Nesta esteira seguiu Manuel de Andrade que também admitiu a boa fé como causa de resolução e que está reflectido na nossa lei – sobre a origem deste conceito, vide, Mota Pinto, in, Teoria geral do Direito Civil, 3ª ed., actualizada, Coimbra Editora, 1996, pags.505 a 518 e Vaz Serra, BMJ 68, pag.315.
Tal conceito jurídico foi introduzido na doutrina portuguesa por Manuel de Andrade que lhe “acrescentou” o requisito boa fé (falta dela) como causa de resolução do negócio – in, Teoria Geral das Obrigações, pags.243 e ss.

Como escreveu Mota Pinto, o que distingue o erro-vício do erro na declaração ou erro-obstáculo é que:
“O primeiro é um vício da vontade e o segundo uma divergência entre a vontade e a declaração; o erro-vício é um erro na formação da vontade enquanto que o erro-obstáculo é um erro na formulação da vontade (por ex. o prédio acordado tem 10 unidade e o comprador pressupunha que tinha 15 e esta era condição decisiva para o declarante realizar o negócio)”.

Por fim dispõe o artº437º nº1 do CC que:

“Se as circunstâncias em que as partes fundaram a sua a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa fé e não esteja coberta pelos riscos do próprios contrato”.

Confrontando os factos apurados e não apurados com a doutrina e os normativos citados não podemos deixar de subscrever a fundamentação jurídica explanada pelo Tribunal
a quo.
Isto porque, como assinálamos quando nos pronunciámos sobre a não atendida impugnação da matéria de facto, a A. durante o período negocial teve pleno conhecimento da actividades exercidas pelo Colégio em causa.
As negociações duraram cerca dum mês e foi fornecido ao representante da A. todos os elementos necessários, inclusivé, o alvará vigente para poder formar a sua vontade no sentido de aderir, ou não, ao negócio (coligação dos seguintes contratos: trepasse e arrendamento).
Não houve pois, ocultação de quaisquer dados que pudessem viciar a vontade da A. em realizar o aludido negócio, cujo objecto não era alheio à A., uma vez que exercia actividade similar no Estoril e em Almada.
Da factualidade provada e não provada retira-se, como enfatiza a sentença recorrida, que o negócio não correu bem por outros motivos, nomeadamnete, de ordem económica e pessoal.
Por exemplo, não é aceitável, que tenha sido uma discussão entre uma trabalhadora do “Colégio” em causa e a R. que impediu que esta permanecesse até que o problema do alvará se resolvesse, sendo  ainda certo ter sido a A. a tomar a iniciativa de fechar o estabelecimento em discussão.
Finalmente, também não se pode considerar alteração anormal das circunstâncias, o facto do número de crianças terem diminuído ou as exigências feitas pela fiscalização para que a A. pudesse exercer no locado outras valências.
Sindicada a sentença objecto de recurso, deve improceder a apelação in totum

DECISÃO
- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação acoradm em julgar improcedente o recurso e mantêm o decidido pelo Tribunal recorrido.
Custas pela apelante.
Lisboa, 1 de Julho de 2014
Afonso Henrique Ferreira
Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa
Decisão Texto Integral: