Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | FERREIRA MARQUES | ||
Descritores: | PRÉ-REFORMA INTERPRETAÇÃO DIUTURNIDADE ABUSO DE DIREITO | ||
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Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 05/31/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ALTERADA | ||
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Sumário: | A questão da actualização das prestações devidas durante a suspensão do contrato passa necessariamente pela interpretação das cláusulas dos acordos de suspensão e dos acordos de pré-reforma celebrados entre os AA e a Ré, interpretação essa que tem de ser feita de acordo com a teoria da impressão do destinatário expressa no art. 236º do C. Civil A pretensão dos AA não procede em relação ao período em que os acordos de suspensão dos contratos de trabalho estiveram em vigor, ou seja, desde 1.11.97 até à data em que cada um deles entrou na situação de pré-reforma. Com efeito, não estando a actualização da prestação devida durante a suspensão do contrato indexada à retribuição que os AA aufeririam se estivessem no serviço activo, é manifesto que as anuidades instituídas pelos protocolos celebrados com os sindicatos não podem ser consideradas para efeitos da referida actualização. Mas já o mesmo não sucede em relação à actualização da prestação de pré-reforma, porquanto nas cls. 3ª e 4ª do respectivo acordo, faz-se uma referência expressa à retribuição do activo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa: I. RELATÓRIO André …, Luís … e Anabela …, instauraram acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra TAP Air Portugal, S.A., com sede no edifício TAP, n.º 25, no Aeroporto de Lisboa, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a importância que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de diferenças entre as prestações mensais que lhes foram pagas ao abrigo do acordo de suspensão do contrato de trabalho e do acordo de pré-reforma que celebraram com a Ré e as prestações que lhes deviam ter sido pagas ao abrigo daqueles acordos, no período posterior a 1 de Novembro de 1997. Alegaram para tanto e em síntese que celebraram com a Ré um acordo de suspensão do contrato de trabalho e um acordo de pré-reforma, nos termos dos quais receberiam uma prestação mensal correspondente a uma percentagem da retribuição líquida que então auferiam, tendo-lhes sido garantido que até à reforma teriam direito a todos os aumentos que os trabalhadores no activo viessem a ter, quer na remuneração de base quer nas prestações acessórias, o que a Ré não cumpriu, a partir de Novembro de 1997, ao excluir do cálculo da prestação as anuidades criadas pelo Protocolo celebrado com os sindicatos do pessoal de terra, em substituição das diuturnidades da companhia (DC) e das diuturnidades de função (DF) anteriormente existentes e que tinham entrado no cálculo da prestação inicial. A Ré contestou a acção, alegando, em resumo, que quando foram assinados os acordos de pré-pré-reforma e pré-reforma, muito antes do referido protocolo, os serviços da Ré efectuaram reuniões com cada um dos AA. para lhes explicarem o mecanismo previsto nos contratos que se propunham assinar, e entre outros aspectos, explicou-lhes detalhadamente que aquelas prestações que iriam passar a receber só seriam actualizados, dali em diante, uma vez por ano, e apenas por uma de duas vias: se houvesse aumento salarial geral dos seus colegas do activo, essa actualização seria na mesma percentagem; se não houvesse esse aumento, a actualização verificar-se-ia, mas, neste caso, a actualização seria de acordo com a taxa de inflação. Concluiu pela improcedência da lide e pela sua absolvição do pedido. Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou a Ré a pagar aos AA. as diferenças entre o valor das diuturnidades que vêm recebendo e o das anuidades a que têm direito, quer as vencidas desde 1 de Novembro de 1997, quer as vincendas, tudo a liquidar em execução de sentença. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da referida sentença, no qual formulou as seguintes conclusões: ( …. ) Admitido o recurso, na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a esta Relação onde, depois de colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.As questões que se suscitam neste recurso são as seguintes: 1. Saber se a sentença enferma da nulidade que a apelante lhe imputa; 2. Saber se as anuidades instituídas pelos Protocolos celebrados entre a Apelante e os Sindicatos representativos dos trabalhadores de terra devem ser consideradas para efeitos de actualização da prestação mensal que aquela se obrigou a pagar a cada um dos AA., nos termos dos acordos de suspensão do contrato de trabalho e dos acordos de pré-reforma que celebrou com cada um deles; 3. Saber se houve abuso do direito da parte do AA., ao instaurar a acção que instauraram contra a Ré, a reclamar o reconhecimento do referido direito. II. FUNDAMENTOS DE FACTO A 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto: 1. Os AA. foram admitidos ao serviço da Ré para trabalhar por conta e sob a direcção desta nas seguintes datas: o autor André, em 3/11/1969; o autor Luís, em 6/4/1970 e a autora Anabela, em 1/3/1966; 2. Os AA. tinham as seguintes categorias profissionais: 3. O 1º A. – Técnico de Tráfego Grau II; o 2º A. – Técnico de Tráfego Grau II e a 3º A. – Técnica Comercial Grau II; 4. A Ré, desde 1967, atribui a todos os trabalhadores na situação de reforma por velhice ou invalidez um complemento de reforma; 5. A Ré, nas duas últimas décadas, tem procedido à reestruturação profunda dos seus serviços, a qual tem passado pela redução de efectivos; 6. Por isso desde, pelo menos, 1990 tem incentivado fortemente as situações de cessação e/ou de suspensão do contrato de trabalho dos seus efectivos; 7. A R. emitiu a ordem geral de serviço n.º 33/93, de 4/6/93, conforme documento de fls. 20 e segs., que aqui se dá por inteiramente reproduzido; 8. Continuando na sua política de redução de efectivos, o Conselho de Administração da Ré publicou a circular C4/14/96, de 16/7/96, junta a fls. 24 e segs., que aqui se dá por inteiramente reproduzida; 9. Os 1º, 2º e 3º AA. e a Ré assinaram em 13/11/1996, 31/12/1996 e 20/12/1996, respectivamente, um acordo suspendendo o contrato de trabalho entre ambos existente com efeitos até 6/3/1998, 5/7/1999 e 28/9/1999, respectivamente, data em que os segundos outorgantes passariam à situação de pré-pré-reforma, conforme documentos de fls. 29 a 37 que se dão por inteiramente reproduzidos; 10. Tendo na mesma data celebrado um acordo de pré-reforma, conforme documentos juntos a fls. 38 a 58, que aqui se dão por inteiramente reproduzidos; 11. Em 28/11/1997, entre a Ré e o Sindicato representativo do Pessoal de Terra foram assinados os Protocolos conforme fls. 59 a 51 e de fls. 152 a 157, que aqui se dão por reproduzidos; 12. Os trabalhadores reformados, os trabalhadores na situação de pré-reforma ou de suspensão de contrato deixaram de ter direito às diuturnidades; 13. Não lhes sendo garantido o direito a anuidades; 14. O A. André foi associado no SQAC (Sindicato dos Quadros de Aviação Comercial); 15. Os AA. Luís e Anabela foram sindicalizados no SITAVA (Sindicato dos Trabalhadores de Aviação e Aeroportos); 16. A Ré remeteu aos AA. a carta conforme documento de fls. 150, que aqui se dá por reproduzida; 17. A Ré comprometeu-se a entregar mensalmente à Segurança Social as contribuições calculadas com base nas taxas normais em cada momento em vigor, aplicadas ao montante da retribuição total, que os trabalhadores auferiam se estivessem no exercício efectivo das suas funções; 18. Aos AA. foi garantido pela Ré que durante a suspensão do contrato e até à reforma teriam direito a todos os aumentos verificados nos trabalhadores no activo tanto na remuneração base como nas diuturnidades da companhia e diuturnidades de função, sendo a actualização feita nos referidos termos; 19. A Ré garantiu que as únicas prestações que perderiam eram o subsídio de alimentação e transporte; 20. No Sector Gabinete de Tarifas, em 1996, saíram para a pré-reforma 4 trabalhadores, tendo sido admitidos mais trabalhadores do que aqueles que saíram; 21. Entre 1997 e 2002, a Ré processou e pagou aos AA. os montantes constantes dos documentos de fls. 98 a 118 e 162 a 164; III. FUNDAMENTOS DE DIREITO 1. Como dissemos atrás, a 1ª questão que se suscita neste recurso consiste em saber se a sentença recorrida enferma de nulidade prevista no art. 668º, n.º 1, al. d) do CPC. Alega a apelante que a sentença enferma da referida nulidade, uma vez que no art. 59º da sua contestação alegou que os AA. tinham agido com abuso de direito e a sentença não se pronunciou sobre essa questão. Mas não lhe assiste qualquer razão. Com efeito, a nulidade de omissão de pronúncia prevista na alínea d) do n.º 1 do art. 668º do CPC traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito no n.º 2 do art. 660º, que lhe impõe o dever de conhecer de todas as questões submetidas à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostrar prejudicada pela solução dada a outras. As questões a que se refere a alínea d) do n.º 1 do art. 668º do CPC são as respeitantes ao pedido e à causa de pedir e não os motivos, razões ou os argumentos invocados pelas partes em sustentação dos seus pontos de vista. Nesta acção, a única questão que se suscita é a de saber se as anuidades instituídas pelos Protocolos celebrados entre a Apelante e os Sindicatos representativos dos trabalhadores de terra devem ser consideradas para efeitos de actualização da prestação mensal que aquela se obrigou a pagar a cada um dos AA., nos termos dos acordos de suspensão do contrato de trabalho e dos acordos de pré-reforma que celebrou com cada um deles. E a sentença recorrida, depois de enunciar a matéria de facto provada e as normas legais aplicáveis, conheceu precisamente dessa questão, tendo concluído que a actualização da prestação que a Ré se obrigou a pagar nos termos dos acordos celebrados com os AA. deve ser feita em função da retribuição que estes aufeririam se estivessem ao serviço e da percentagem utilizada para o cálculo da primeira prestação, de modo a que o valor da prestação mensal correspondesse sempre à mesma percentagem da retribuição que aufeririam se estivessem ao serviço. A solução dada pela sentença à questão suscitada na acção, prejudicou completamente a apreciação da argumentação deduzida pela Ré a respeito dessa questão. A sentença recorrida não enferma, assim, da nulidade que a apelante lhe imputa. 2. Debrucemo-nos, agora, sobre a 2ª questão suscitada no recurso: saber se os AA. têm direito a que na actualização das suas prestações mensais seja levado em consideração o regime de anuidades, instituído na empresa em 28/11/87, em substituição do anterior regime das diuturnidades de companhia [DC] e de função [DF]. A apreciação desta questão passa necessariamente pela interpretação das cláusulas dos acordos celebrados pelas partes, que atrás transcrevemos, merecendo especial atenção as cláusulas 1ª, 2ª e 3ª dos acordos de suspensão do contrato de trabalho e as cláusulas 2ª, 3ª e 4ª dos acordos de pré-reforma. Como negócios jurídicos que são, os referidos acordos postulam uma interpretação, entendida como a actividade dirigida a fixar o seu sentido e alcance decisivos, segundo as respectivas cláusulas integradoras. Os critérios interpretativos dos negócios jurídicos estão definidos nos arts. 236º e seguintes do Código Civil. É conhecida a existência, no âmbito da teoria da interpretação dos negócios jurídicos, de posições subjectivistas e de posições objectivistas. Para as primeiras, o intérprete deve buscar, através de todos os meios adequados, a vontade real do declarante, valendo o negócio com o sentido subjectivo, ou seja, como foi querido pelo autor da declaração. Para as segundas, o intérprete não tem de pesquisar a vontade efectiva do declarante, mas um sentido exteriorizado ou cognoscível através de certos elementos objectivos. Trata-se de uma interpretação normativa e não de uma interpretação psicológica (cfr. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 446). Dentre as doutrinas objectivistas destaca-se a chamada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria. Para o efeito, “considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável (ob. cit., pág. 447). O Código Civil define o tipo de sentido negocial decisivo para a interpretação das declarações nos termos da mencionada posição objectivista: a declaração, de harmonia com o art. 236º, n.º 1, “vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.” Nos negócios formais ou solenes, como são aqueles a que os autos se reportam, o sentido da declaração correspondente à impressão do destinatário sofre um desvio no sentido de um “maior objectivismo”, na medida em que só pode valer se tiver um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa, no texto do respectivo documento –art. 238º do Cód. Civil (Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, pág. 452). A sentença da 1ª instância ao interpretar as cláusulas dos acordos atrás transcritas fez apelo aos critérios da interpretação dos negócios jurídicos, nos termos referidos e acabou por concluir que qualquer alteração ou eventual aumento que se verifique nas retribuições dos trabalhadores no activo vai-se repercutir na prestação mensal dos trabalhadores com os contratos suspensos e dos trabalhadores pré-reformados. A Ré discorda e sustenta que a cláusula 3ª dos acordos de suspensão do contrato de trabalho e a cláusula 4ª dos acordos de pré-reforma e o n.º 2 do art. 6º do DL 261/91 estabelecem apenas o dever de actualizar periodicamente a prestação em função da percentagem do aumento geral do pessoal no activo ou, se tal aumento não ocorresse, em função da taxa de inflação. Na 1ª instância prevaleceu o entendimento perfilhado pelos AA., mas se procurarmos encontrar qual o sentido que um declaratário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, atribuiria à cláusula 3ª do acordo de suspensão do contrato de trabalho de cada um dos AA. e às cláusulas 3ª e 4ª dos acordos pré-reforma, teremos de concluir que a apelante tem razão em relação a actualização das prestações devidas durante a suspensão dos contratos, mas já não tem razão no que respeita à actualização das prestações de pré-reforma. A questão da actualização das prestações passa necessariamente pela interpretação das cláusulas dos acordos de suspensão do contrato e dos acordos de pré-reforma cujos termos são praticamente iguais para todos os AA., interpretação essa que, como vimos, tem de ser feita de acordo com a teoria da impressão do destinatário expressa no art. 236º do Código Civil. Vejamos, então, o que a tal respeito ficou consignado nos acordos de suspensão do contrato de trabalho. Na cláusula 3ª desses acordos ficou estabelecido que “Sempre que haja actualização geral das remunerações do pessoal efectivo da Empresa, a prestação referida na alínea a) da precedente cláusula 2ª será actualizada na mesma percentagem.” O sentido que emerge desta cláusula parece bastante claro: a prestação só será actualizada quando houver uma actualização geral das remunerações do pessoal no activo e será actualizada na mesma percentagem daquela actualização geral. É esse o sentido que naturalmente brota do seu elemento literal e esse é também o sentido que um declaratário normal colocado na real posição das partes dela deduziria. Por isso, esse há-de ser também o sentido que lhe deve ser dado pelo intérprete, tendo em conta o disposto no n.º 1 dos arts. 236º e 238º do Cód. Civil. E sendo assim, como se entende que é, a actualização da prestação estabelecida nos acordos de suspensão do contrato de trabalho nada tem a ver com a retribuição que os AA. auferiam se estivessem ao serviço. O acordo não faz qualquer referência a tal respeito. É certo que na cláusula 5ª ficou estabelecido que a Ré ficaria obrigada a entregar à Segurança Social as contribuições devidas tanto por ela como pelo trabalhador, calculadas com base nas taxas normais em cada momento em vigor, aplicadas ao montante da retribuição total que o trabalhador auferiria se estivesse no exercício efectivo das suas funções, mas o alcance dessa cláusula nada tem a ver com a actualização da prestação. Com tal cláusula pretendeu-se apenas evitar que o trabalhador com o contrato suspenso viesse a ficar prejudicado nos seus direitos sociais, nomeadamente no que diz respeito à pensão de reforma. Deste modo e neste contexto, podemos desde já concluir que a pretensão dos AA. não procede em relação ao período em que os acordos de suspensão dos contratos de trabalho celebrados com a Ré estiveram em vigor, ou seja, mais concretamente, desde 1 de Novembro de 1997 (data em que as anuidades foram estabelecidas) até à data em que cada um deles entrou na situação de pré-reforma. Com efeito, não estando a actualização da prestação devida durante a suspensão do contrato indexada à retribuição que os AA. aufeririam se estivessem no serviço activo, é manifesto que as anuidades instituídas pelos protocolos celebrados com os sindicatos não podem ser consideradas para efeitos da referida actualização [cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 6/7/2005 (Proc. 1.042/05-4ª Secção)]. Já o mesmo não sucede, em relação à actualização da prestação de pré-reforma. Com efeito, depois de na cláusula 2ª dos acordos de pré-reforma se ter fixado a prestação ilíquida de pré-reforma, com base na última retribuição ilíquida auferida pelo 2º outorgante, diz-se na cláusula 3ª que “o valor ilíquido mensal da prestação referido na cláusula anterior é o correspondente a uma percentagem (...) do valor da retribuição líquida que o 2º outorgante receberia se estivesse no activo, acrescido dos valores do IRS e TSU aplicáveis nos termos gerais.” (O sublinhado é nosso). Como se vê, já aqui se faz uma referência expressa à retribuição do activo (primeira impressão interpretativa). Ainda assim poderia entender-se que o sentido da mesma consiste em explicitar a fórmula do apuramento da prestação ilíquida mensal de pré-reforma, indicada na cláusula antecedente, como sustenta a apelante. Mas, vendo bem, não se pode concordar com a conclusão retirada pela apelante. É que, logo na cláusula seguinte (cláusula 4ª) o tal declaratário normal depararia com a precisão da sua primeira impressão interpretativa, pois nela se lê que: “A prestação de pré-reforma será actualizada anualmente de acordo com os critérios da lei, em termos de continuar a ser garantido ao segundo outorgante um valor líquido apurado nos termos da cláusula 3ª”. Como se afirma no Acórdão do STJ, de 20/2/2002 (Revista n.º 3.249 – 4ª Secção), não há equivocidade que resista à impressividade do sentido destas cláusulas. Com elas as partes não se limitaram a estabelecer que essa actualização seria processada anualmente de acordo com os critérios da lei (cfr. art. 6º, n.º 2 do DL 261/91), tendo antes acrescentado que a actualização continuaria a garantir ao trabalhador pré-reformado um valor líquido apurado em função da retribuição líquida que ele auferiria caso se mantivesse no exercício de funções. Qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, entenderia que a TAP naqueles acordos de pré-reforma, designadamente nas suas cláusulas 2ª, 3ª e 4ª, se teria comprometido a pagar aos trabalhadores neles outorgantes a pensão a que se obrigou, sempre actualizada e reportada a uma situação virtual, como se eles continuassem no exercício efectivo de funções aquando do processamento dessas actualizações, de modo a que pudessem beneficiar de todos os aumentos remuneratórios do pessoal de terra no activo. Como se afirma no acórdão desta Relação, proferido na apelação n.º 11.460/00 da 4ª Secção, houve o cuidado nítido, na redacção destas cláusulas, de os trabalhadores que acordaram a pré-reforma não perderem quaisquer regalias remuneratórias de que porventura viessem a beneficiar os trabalhadores do activo, a qualquer título. Não se vê, pois, caminho de interpretação que, sem violência ao texto das cláusulas, conduza a outro resultado interpretativo. Aliás, tratando-se de negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento ainda que imperfeitamente expresso. E a tese da Ré, como vimos, não tem a mínima correspondência no texto dos acordos. Por outro lado, ao contrário do que a Ré sustenta, é totalmente irrelevante esses acordos terem sido celebrados antes do Protocolo que instituiu o regime de anuidades em substituição do regime das diuturnidades, em termos de à data da celebração desses acordos não ser possível pensar e querer incluir neles o regime das anuidades, só instituído alguns meses mais tarde. A representação do regime das anuidades não está, nem poderia estar por essa razão nos acordos celebrados com os AA., antes neles vêm a cair quando instituídas, por deverem integrar a retribuição do activo, esta sim, recebida no clausulado dos acordos (cfr. acórdão do STJ, de 20/2/2002, Revista n.º 3.249 – 4ª Secção). Os valores das anuidades instituídas pelos Protocolos não podiam deixar de ser considerados na actualização das prestações de pré-reforma dos AA., na medida em que se traduziram no aumento da retribuição que eles aufeririam se estivessem ao serviço, não se podendo olvidar que a prestação inicial foi calculada com base não só na remuneração de base, mas também com base nas demais componentes fixas. Sustenta a apelante que o regime vertido nos Protocolos celebrados em 28/11/97 entre a Ré e os sindicatos representativos dos trabalhadores neles filiados, entre os quais os AA., visava apenas a situação do pessoal de terra no activo, pois destinava-se a compensar o aumento de produtividade desse pessoal no activo subsequente à redução de efectivos levada a cabo no âmbito do programa de recuperação e de saneamento económico financeiro da apelante, redução de efectivos essa que incluiu, entre outros, os apelados, a quem, por isso mesmo, não foi nesses protocolos garantido o direito às anuidades que nestes autos vieram reclamar. A apelante, porém, não tem qualquer razão. O facto de o Protocolo invocado visar apenas a situação do pessoal de terra no activo e a atribuição das anuidades, em substituição das diuturnidades, se destinar, além do mais, a compensar o respectivo aumento de produtividade subsequente à redução de efectivos, em que se inclui a saída do activo de trabalhadores como os autores, em nada altera o que ficou dito, pois não é a interpretação de tais protocolos que está em causa, mas sim a interpretação dos acordos de pré-reforma. São estes e não aqueles que constituem a fonte das obrigações da apelante para com os apelados. E se assim é, há que ter em linha de conta que na redacção das cláusulas desses acordos, e no seguimento do que foi garantido, na altura, pela apelante, houve o cuidado de se consagrar que os apelados não perderiam quaisquer regalias remuneratórias de que porventura pudessem vir a beneficiar os seus colegas que continuaram no activo. As considerações que a apelante faz relativamente à natureza e à eficácia dos protocolos em apreço, também se nos afiguram irrelevantes, pois os direitos que os apelados reclamam nesta acção não emergem desses protocolos mas sim dos próprios acordos de pré-reforma, ou seja, da aplicação das cláusulas desses acordos à situação de facto verificada na empresa, na qual, a partir de 1/11/97, passou a vigorar, para os trabalhadores no activo, um sistema de anuidades em substituição do sistema de diuturnidades de companhia[DC] e de função [DF], sendo o valor daquelas superior ao destas. Ora, resultando dos acordos celebrados com os apelados que qualquer alteração ou eventual aumento que se verifique nas retribuições dos trabalhadores no activo vai repercutir-se na prestação mensal dos trabalhadores pré-reformados (seja qual for a causa ou a origem dessa actualização ou aumento), a substituição do sistema de diuturnidades pelo sistema de anuidades tem obviamente que se repercutir na prestação mensal dos apelados. É certo que o Protocolo foi outorgado alguns meses mais tarde pela estrutura sindical onde os AA. estavam ou estiveram filiados, é certo também que esse protocolo têm a natureza de “convenção colectiva”, mais propriamente de “acordo de empresa” (já que o facto de não ter sido depositado e publicado não põe em causa a sua validade inter partes), mas isso não invalida nada do que atrás se disse. Em primeiro lugar, porque em nenhum ponto do seu clausulado se excluem os apelados ou os trabalhadores que se encontram na sua situação do regime das anuidades e, em segundo lugar, porque esse protocolo nunca podia retirar direitos anteriormente estabelecidos em sede de contrato individual de trabalho, nem da sua aplicação podia advir para os apelados um regime menos favorável do que o estabelecido anteriormente nos acordos celebrados entre a apelante e cada um dos apelados (arts. 13º da LCT e 14º, n.º 1 da LRCT). O regime dos contratos individuais de trabalho sobrepõe-se sempre ao do contratação colectiva, desde que se mostre mais favorável aos trabalhadores. Se na redacção das cláusulas desses acordos houve o cuidado de se consagrar que os apelados não perderiam quaisquer regalias remuneratórias de que porventura pudessem vir a beneficiar os seus colegas que continuaram no activo, é óbvio que os mesmos têm que beneficiar do regime das anuidades. Neste sentido, decidiu também o acórdão do STJ de 6/7/2005 (Proc. 1.042/05-4ª Secção). 3. Finalmente, a apelante sustenta que ao virem deduzir em juízo pretensão a que, de acordo com o definido pelo seu próprio sindicato representativo, não têm direito, os apelados agem contra factum proprium e por isso com abuso de direito”. Mas também aqui não tem razão, desde logo porque o abuso de direito pressupõe a existência do direito. A apelante não pode imputar aos apelados abuso de direito e sustentar, ao mesmo tempo, que não lhes assiste direito nenhum. Nos termos do art. 334º do Cód. Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o seu titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.” Pode acontecer que determinado preceito, embora justo para as situações normais, venha, quando aplicado a determinada situação concreta, a mostrar-se injusto em virtude das circunstâncias especiais que aí concorram. E, para evitar tais consequências, teve de se criar um modo de evitar essa aplicação injusta, assim surgindo a figura do abuso de direito. Tal abuso ocorrerá “quando um certo direito – em si mesmo válido – seja exercido em termos que ofendam o sentimento de justiça dominante na comunidade (Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 3ª ed., pág. 58 e 59). Para que o exercício de um direito se considere abusivo é necessário “que o titular, observando embora a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder. É preciso, como acentuava Manuel Andrade, que o direito seja exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça”. Segundo o Prof. Vaz Serra (RLJ, 111º, 296), “uma das modalidades ou aplicações do abuso de direito é a do chamado venire contra factum proprium, isto é, a de alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado”. O abuso de direito pode, assim, concretizar-se numa conduta do seu titular que objectivamente interpretada, em face da lei e dos bons costumes e dos princípios da boa fé legitime a convicção de que esse direito não será exercido. Resulta dos autos com mediana clareza que essa situação não se verificou no caso em apreço. Nem essa nem qualquer outra que pudesse configurar abuso de direito. Na verdade, o poder de representação de que gozam os sindicatos não vai ao ponto de essas organizações poderem negociar ou renegociar os contratos de trabalho individualmente celebrados pelos seus associados e muito menos os contratos de pré-reforma. E no que toca ao invocado abuso de direito não vislumbramos que tal ocorra por parte dos apelados. Estes limitaram-se a exercer um direito que lhes assiste (exigir o cumprimento dos acordos de pré-reforma que tinham celebrado com a apelante e que esta tinha obrigação de pontualmente cumprir), não se podendo concluir, atendendo ao que deixámos atrás exposto, que hajam excedido, no exercício desse direito, os limites impostos pela boa fé, ou pelo seu fim social ou económico, em termos clamorosamente ofensivos do sentimento jurídico social dominante. IV. DECISÃO Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento à apelação e, em consequência, decide-se: 1. Revogar a decisão recorrida, na parte em que condenou a apelante a pagar a cada um dos apelados as diferenças entre o valor das diuturnidades que vêm recebendo e o das anuidades, no período compreendido entre 1 de Novembro de 1997 até à data em que cada um dos apelados passou à situação de reforma, absolvendo-se a Ré desse pedido; 2. Manter, no demais, a sentença recorrida. Custas pela apelante e pelos apelados, na proporção de 60% para a primeira e 40% para os segundos. Lisboa, 31 de Maio de 2006 ....................................................... ....................................................... ....................................................... |