Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7964/2006-1
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: INVENTÁRIO
CABEÇA DE CASAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ALTERADA
Sumário: I. As declarações do cabeça de casal não beneficiam de qualquer presunção de fidedignidade, apenas fazendo fé em juízo até serem impugnadas. Uma vez impugnadas compete ao cabeça de casal fazer a prova do que afirmou, sendo que, relativamente a factos sujeitos a prova documental ou específica, as declarações não têm valor sem a apresentação dos respectivos documentos ou títulos.
II. O valor dos depósitos bancários de contas contituladas, apenas pode ser considerado, para efeitos de partilha, pela respectiva quota pertencente ao de cujus, salvo prova em contrario no sentido de que todo o seu saldo ao mesmo pertencia – artºs 1403º nº2 e 1404º do CC.
(CM)
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.
1.
No 2º Juízo do Tribunal Judicial de Almada foi instaurado processo de inventário para partilha dos bens por óbito de A.
Por despacho de fls. 283/287 – fls. 34 a 37 destes autos -foi decidido o incidente de reclamação quanto ao acervo patrimonial que deve ser partilhado, nos termos nele consignados no qual, e para além do mais, se considerou que o dinheiro de certas contas bancárias deveria ser relacionado na sua totalidade e se entendeu que o montante decorrente da cobrança pela cabeça de casal de certos títulos de crédito deveria ascender a 3.531.044$00.

2.
Inconformada agravou a interessada Maria, filha do de cujus.
Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª O dinheiro das contas bancárias que constituem as verbas nº 3 e 4 da relação de bens pertencia, em contitularidade, ao de cujus e a si própria – conforme doc. De fls.270 - pelo que o montante a relacionar deveria ser o da quota parte aquele pertencente.
2ª O facto de a conta Totta e Açores ter dois titulares, o de cujus e a filha Maria Lídia, não prova que a quantia de 800.000$00 tenha sido retirada pela interessada, pois que conforme requerimento de fls. 200, esta conta era utilizada indistintamente por qualquer dos titulares.
3ª O interessado A é o beneficiário do PPR-S, sendo um bem próprio, esta verba não poderá ser relacionada.
4ª Quanto aos direitos de crédito conforme requerimento entregue pela cabeça de casal datado de 05/07/2001 deverá ser este o valor que se deverá relacionar.

3.
O Sr. Juiz sustentou o despacho.

4.
Sendo que, por via de regra (de que estes autos não se afastam), o teor das conclusões define o objecto do recurso, a questão essencial decidenda é a seguinte:
Quais os bens que devem fazer parte do acervo a partilhar.

5.
Os factos a considerar são os resultantes do relatório supra e os emergentes dos autos.

6.
Apreciando.
6.1.
As declarações do cabeça de casal não beneficiam de qualquer presunção de fidedignidade.
Consequentemente, elas apenas fazem fé em juízo até serem impugnadas.
Uma vez impugnadas compete ao cabeça de casal fazer a prova do que afirmou.
Aliás, relativamente a factos sujeitos a prova documental ou específica as declarações não têm valor sem a apresentação dos respectivos documentos ou títulos, vg. testamentos, convenções antenupciais, escrituras de doação, estados de demência ou ausência, etc. – cfr. Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, 3ª ed. vol.1º, p.301 e sgs. e Ac. da Rel. de Coimbra de 26.04.89, BMJ, 386º,523.

No caso vertente a cabeça de casal alega que o dinheiro das contas nº29925344/001 e 29925344/300 do Bando Totta e Açores pertencia apenas ao falecido e a si, não obstante tais contas serem contituladas por aquele e pela ora recorrente sua filha.
Todavia e como se vê, competia-lhe fazer prova do alegado pois que o mesmo foi posto em crise.
O que não fez.
Aliás, estando tais contas em nome do de cujus e da filha - fls.88 - há que atentar no disposto nos artºs 1403º nº2 e 1404º do CC.
Reza aquele que: «Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrario do título constitutivo».
E estatui este que: «as regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos…»
É entendimento pacífico que estas regras se aplicam mesmo quando o direito em causa, integrado na titularidade simultânea de mais que uma pessoa, seja de natureza creditória, como é a hipótese do direito dos depositantes sobre o Banco precisamente no caso das contas bancárias conjuntas – cfr.Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado", Vol. III - 2.ª ed., pgs. 350-351 e Ac. do STJ de 03.06.2003, dgsi.pt, p.03A1615.
Pelo que não tendo a cabeça de casal elidido tal presunção efectivando a competente prova em contrario – cfr. artº 350º do CC -, isto é que o dinheiro pertencia exclusivamente ao de cujus, apenas a metade do valor das referidas contas pode e deve – independentemente da razão que possa, ou não, assistir à cabeça de casal - ser relacionado.
E porque o valor de 800.000$00 levantado pela ora recorrente de tais contas – cfr.fls.70, 72 (artºs 16º e 17º) e sendo certo que tendo o valor sido levantado já após a morte do de cujus apenas o poderia ser pela recorrente a única contitular restante - não chega a atingir a metade do que (formalmente) lhe pertence, pois que o valor das mesmas ultrapassa os dois mil contos, inócuo e irrelevante se mostra tal levantamento para o objecto deste processo.

6.2.
Já quanto à conta do B – verba nº 3 da relação de bens – alegou a recorrente que apenas deveria ser relacionado 1/6 do seu valor, pois que ela estava titulada em nome do de cujus e dos interessados, A…, Maria, B.
Porém, verifica-se que o documento que sustenta a impugnação da recorrente, qual seja o de fls. 270 dos autos de inventário e constante a fls. 88 deste processo, não se reporta a tal conta. Nada se sabendo, assim, sobre as pessoas que titulavam a mesma.
Inexistindo o substracto fáctico e meio probatório invocado pela opoente, não se pode acolher, neste particular, a sua pretensão, tudo se passando como se não houvesse impugnação (porque, contrariamente ao alegado, infundamentada e, assim e pelo menos até certo ponto, gratuita) relevando, consequentemente, a fé em juízo que, indiciariamente, as declarações da cabeça de casal fazem.

6.3.
Quanto ao dinheiro na conta nº… do Montepio Geral.
Tal conta encontra-se titulada em nome de António Dias Filipe, um dos interessados na partilha.
Pretende a cabeça de casal que o montante da mesma seja relacionado, dizendo que o mesmo foi doado pelo de cujus ao A, não concordando ela com tal doação.
Na decisão ora posta sub sursis diz-se que: «não se prova …que o titular do PPR seja o filho…».
Só que, conforme se alcança do teor do doc. Nº35, ora junto a fls.69, a referida conta está efectivamente titulada em nome do António….
E como a cabeça de casal, apesar de alegar, não prova que o montante da mesma resultasse de doação feita pelo de cujus ao dito António, como lhe competia em função da distribuição do ónus da prova como supra expendido, tem de concluir-se que ele pertence exclusivamente, sendo bem próprio do António, pelo que não tem que ser relacionado.

6.4.
Finalmente no atinente aos direitos de crédito a que correspondem as verbas nºs1 e 2.
Assiste razão à agravante.
Como se alcança no ponto 2 de fls. 74, que corresponde à resposta da cc à impugnação feita pela agravante à pretensão daquela em reduzir o montante dos títulos de crédito, que constituíam as verbas nº1 e 2 da relação de bens inicialmente apresentada, para o montante de 3.531.044$00, a cc referiu expressamente que. «aceitou negociar o montante da dívida, pelo que recebeu 5.051.544$00 (valor das letras e juros). É este o valor que deverá ser relacionado». (sic com realce nosso).
Não podendo, assim, manter-se o despacho do Sr. Juiz a quo quando afirma que: «quem tenha alguma experiência dos tribunais logo verifica que o acordo obtido foi vantajoso em atenção ao pequeno valor em relação ao qual se transigiu. As filhas não fazem prova de a cc haver conseguido cobrar os valores que dizem.
É de manter a relacionação do valor indicado na verba nº1 a fls.219» (realce nosso).
Este valor, como se alcança a flsl.78, é o de 3.531.044$00.
Porém, como se viu, a cc aceitou relacionar o montante de 5.051.044$00.
Aliás parece ter existido lapso material no próprio despacho impugnado pois que nele se refere o: «pequeno valor em relação ao qual se transigiu» e que, estamos em crer, se reportava á diferença entre o valor inicialmente apresentado para os títulos de crédito e que ascendia a pouco mais de cinco mil e trezentos contos e ao valor que a cc aceitou relacionar, supra aludido, de cerca de cinco mil e cinquenta contos (cerca de duzentos e cinquenta contos).
Pois que a diferença entre os referidos cinco mil e trezentos contos e os mencionados cerca de três mil e quinhentos, ascendendo a cerca de mil e oitocentos contos, não se pode considerar pequeno valor.
É, decorrentemente, a quantia que a cc admitiu relacionar que deve ser considerada.

7.
Decisão.
Termos em que se provê parcialmente o agravo e, consequentemente, se altera a decisão no sentido da consideração de apenas metade do valor constante nas contas do Banco Totta e Açores que constitui a verba nº4, de o montante constante na conta do Montepio Geral em nome de A não ser objecto de relacionação e em fixar o valor da verba nº1 em 5.051.044$00.
No mais se mantendo a decisão.
Custas pela cabeça de casal e pela recorrente, na proporção de 65% para aquela e 35% para esta.
Lisboa, 2007.01.16
(Carlos Moreira)
(Isoleta Almeida Costa)
(Rosário Gonçalves)