Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
18588/16.2T8LSB-DT.L1-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: PRINCÍPIO DA GESTÃO PROCESSUAL
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
TAXA DE JUSTIÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 – O princípio da gestão processual conforma a atuação do juiz que deve providenciar pelo andamento célere e regular do processo, sendo que os concretos poderes do impulso dependem do modelo programático do processo.
2 – Trata-se de um poder dever de geometria variável, que encontra os seus limites nos direitos das partes. Esta regra tanto se aplica ao aspeto substancial como formal, havendo, claramente, limites traçados que não podem ser ultrapassados, desde logo o assegurar de um processo equitativo e os princípios previstos no nº2 do art. 630º do CPC: igualdade das partes, contraditório, aquisição processual ou admissibilidade de meios de prova, bem como o princípio do dispositivo e o da autorresponsabilidade das partes.
3 – Sendo indiscutível a necessidade de tomada de opções de tramitação processual num processo de dimensões inusuais, concretamente na reclamação de créditos no processo de liquidação judicial de uma instituição bancária de grandes dimensões, tais opções não podem gerar, sem qualquer vantagem para a celeridade e eficiência, desigualdades objetivas entre os sujeitos processuais colocados na mesma posição entre si.
4 – A fixação sucessiva e desfasada no tempo, ao longo de mais de quatro meses, por 12 vezes, de prazo de 5 dias para pagamento de taxa de justiça entendida como devida, sob pena de desentranhamento de peça processual, coloca em desvantagem os primeiros sujeitos a serem notificados, face aos demais que vão tomando conhecimento da decisão do tribunal com mais tempo para procederem às diligências necessárias ao cumprimento do despacho.
(Pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
Por sentença de 21/07/2016, transitada em julgado, foi determinado o prosseguimento da liquidação judicial de Banco Espírito Santo, SA, nos termos dos arts. 8º e ss. do Regime Especial de Liquidação das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras.
Foi reclamada a verificação e graduação de créditos sobre a devedora, nos termos e prazo estabelecidos para o efeito.
O Sr. Liquidatário Judicial apresentou a lista prevista no art. 129º do CIRE.
Apresentaram impugnação da lista, nos termos previstos no artigo 130.º n.ºs 1 e 2 do CIRE, vários credores, entre os quais:
- ML e MC;
- MP;
- MA, JC e FC;
- MM e MG;
- SM e AM;
- CG e FM;
- AG e TF;
- MMG;
- FG e AGG;
- RT e JT;
- JD e MCT;
- JLD e JD e MCT;
- AS;
- MMD e LM;
- EA e DA e
- MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF.
Por despachos de 28/09/2021 e de 04/10/2021 foi ordenada a notificação dos impugnantes identificados para, em 5 dias, procederem ao pagamento da taxa de justiça devida pela apresentação de impugnação de créditos.
Foi pedida e deferida a prorrogação do prazo de pagamento da taxa de justiça.
Em 26/11/2021 (relativamente aos impugnantes herança de DF e AG e TF) e em 16/12/2021 (relativamente aos impugnantes MP; MA, JC e FC; MM e MG; SM e AM; CG e FM; MMG; FG e AGG; RT e JT; JD e MCT; JLD e JD e MCT; AS; MMD e LM; EA e DA foi proferido o seguinte e idêntico despacho:
“Em face do exposto, desentranhe a petição inicial e devolva ao(à)(s) impugnante(s).”
Em 15/12/2021 (relativamente aos impugnantes ML e MC) foi proferido o seguinte despacho:
“Consequentemente, indefere-se liminarmente o requerimento inicial, nos termos referenciados supra e ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.”
Inconformados apelaram:
 ML e MC, MP, MA, JC e FC, MM e MG, SM e AM, CG e FM, AG e TF, MMG, FG e AGG, RT e JT, JD e MCT, JLD e JD e MCT, AS, MMD e LM, EA e DA e MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF, pedindo a revogação dos despachos proferidos pelo Tribunal a quo, na parte em que é ordenado o desentranhamento das impugnações dos Apelantes, e formulando as seguintes conclusões:
“I. Vem o presente recurso de apelação interposto dos despachos do Tribunal a quo proferidos a 05.01.2022, com as referências 411828198, 41183027 e 411839091, respetivamente, por via dos quais foi ordenando o desentranhamento das impugnações dos Apelantes por falta de pagamento da taxa de justiça, dentro do prazo concedido para o efeito.
II. Ao ordenar o desentranhamento das impugnações dos Apelantes, o Tribunal a quo confere-lhes, injustificadamente, tratamento diferenciado, no âmbito do processo,
III. Isto porque o Tribunal a quo concedeu aos demais impugnantes prazos distintos para pagamento de taxas de justiça devidas pelos incidentes de impugnação.
IV. Ao passo que os Impugnantes notificados nos despachos que datam de janeiro de 2022 estão ainda em prazo para juntar os comprovativos de pagamento da taxa de justiça, ao Apelantes ficam sem qualquer hipótese de ver os seus créditos reconhecidos.
V. Flagrantemente, outros Impugnantes foram ainda beneficiados com uma prorrogação do prazo para junção do comprovativo de pagamento da taxa de justiça em 60 dias.
VI. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o princípio da igualdade entre as partes, consagrado no artigo 4.º do Código de Processo Civil (CPC) aplicável ex vi artigo 17.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).
VII. A posição processual dos Apelantes pode e deve, concretamente, ser visualizada em termos exatamente idênticos ao dos outros Impugnantes.
VIII. O Tribunal a quo colocou em causa o princípio da “igualdade de armas” ou da “igualdade das partes”, conforme protegido pelos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa que obriga a que as Partes sejam colocadas no processo em perfeita paridade de condições, desfrutando, portanto, idênticas probabilidades de obter a justiça que lhes seja devida.
IX. Assim, respeitando tal princípio, a posição de ambas as partes deve ser equivalente sob o ponto de vista formal: perante ele, tanto vale uma parte como a outra, ambas devem ter iguais oportunidades de expor as suas razões, procurando convencer o tribunal a compor o litígio a seu favor.
X. In casu, a única forma de obter esta paridade seria através da fixação de um prazo único para que todos os Impugnantes procedessem à junção dos comprovativos da taxa de justiça,
XI. Ou então, através da utilização análoga do regime previsto no artigo 569.º, n.º 2 do C.P.C. que, no caso da contestação, dispõe que quando o respetivo prazo de defesa termine em dias diferentes, a contestação de todos ou de cada um dos réus pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar.
XII. O que não pode acontecer é uns Impugnantes disporem de 5 dias para juntar comprovativos de pagamento de taxa de justiça e outros de 60.
XIII. Ou uns comprovarem o pagamento da taxa de justiça em setembro e outros em janeiro.
XIV. Assim, andou mal o Tribunal a quo ao ordenar o desentranhamento das impugnações dos Apelantes pela junção dos comprovativos das taxas de justiça fora do prazo inicial determinado para o efeito,
XV. Quando corre ainda prazo para restantes Impugnantes o fazerem.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido por despacho de 22/02/2022 (ref.ª 413253172).
No despacho que ordenou a subida dos autos ao este Tribunal o Sr. Juiz a quo proferiu despacho que concluiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, carece de fundamento legal o invocado pelos recorrentes quanto à alegada violação do princípio da igualdade, roçando o alegado a litigância de má-fé.”
*
2. Objeto do recurso
Como resulta do disposto nos arts. 608º, n.º 2, aplicável ex vi art. 663º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4, 639.º n.ºs 1 a 3 e 641.º n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se oficiosamente e daquelas cuja solução fique prejudicada pela solução dada a outras, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objeto do recurso. Frisa-se, porém, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito –  art.º 5º, nº3 do mesmo diploma.
Consideradas as conclusões acima transcritas, a única questão a decidir é a da conformidade das decisões que determinaram o desentranhamento das impugnações à lista de credores apresentadas pelos recorrentes por falta de pagamento tempestivo de taxa de justiça.
*
3. Fundamentação de facto:
Resultam dos autos, com interesse para a decisão da causa, além dos factos constantes do relatório, os seguintes:
1 - Por sentença de 21/07/2016, transitada em julgado, foi determinado o prosseguimento da liquidação judicial de Banco Espírito Santo, SA, nos termos dos arts. 8º e ss. do Regime Especial de Liquidação das Instituições de Crédito e Sociedade Financeiras.
2 - Foi reclamada a verificação e graduação de créditos sobre a devedora, nos termos e prazo estabelecidos para o efeito.
3 – Foi apresentada pela Comissão Liquidatária, em 31/05/2019 a lista prevista no art. 129º do CIRE, incluindo lista de créditos reconhecidos e lista de créditos não reconhecidos, na qual se mostram incluídos os seguintes credores:
- ML (ref. 18706);
- MP (ref. 21950);
- MA (ref. 19305), JC (ref. 16609);
- MM (ref. 18411) e MG (ref. 20151);
- SM (ref. 25030) e AM (ref. 6333);
- CG (ref. 9584) e FM (ref. 11174);
- AG (ref. 6957) e TF (ref. 2558);
- MMG (ref. 22630);
- FG (ref. 11885) e AGG (ref. 6659);
- RT (ref. 24379);
- JD (ref. 16368) e MCT (ref. 21518);
- JLD (ref. 16242) e JD (ref. 16368) e MCT (ref. 21518);
- AS (ref. 6223);
- MMD (ref. 18722) e LM (ref. 17145);
- EA (ref. 10627) e DA (ref. 10226) e
- Herança de DF (ref. 12744).
4 – Foram apresentadas, entre junho e setembro de 2019, impugnações à lista de credores, entre as quais pelos seguintes:
- ML e MC, em impugnação inserida no volume 20 do apenso de reclamação de créditos;
- MP, em impugnação inserida no volume 58 do apenso de reclamação de créditos;
- MA, JC e FC, em impugnação inserida no volume 60 do apenso de reclamação de créditos;
- MM e MG, em impugnação inserida no volume 60 do apenso de reclamação de créditos;
- SM e AM, em impugnação inserida no volume 77 do apenso de reclamação de créditos;
- CG e FM, em impugnação inserida no volume 78 do apenso de reclamação de créditos;
- AG e TF, em impugnação inserida no volume 8 do apenso de reclamação de créditos;
- MMG, em impugnação inserida no volume 81 do apenso de reclamação de créditos;
- FG e AGG, em impugnação inserida no volume 84 do apenso de reclamação de créditos;
- RT e JT, em impugnação inserida no volume 12 do apenso de reclamação de créditos;
- JD e MCT, em impugnação inserida no volume 82 do apenso de reclamação de créditos;
- JLD e JD e MCT, em impugnação inserida no volume 83 do apenso de reclamação de créditos;
- AS, em impugnação inserida no volume 15 do apenso de reclamação de créditos;
- MMD e LM, em impugnação inserida no volume 65 do apenso de reclamação de créditos;
- EA e DA, em impugnação inserida no volume 78 do apenso de reclamação de créditos e
- EA e DA em impugnação inserida no volume 80 do apenso de reclamação de créditos.
5 – Em 28/09/2021 foi proferido o seguinte despacho (ref.ª citius 408871726):
“Não pagamento de taxa de justiça pela apresentação de impugnações:
(…)
Em face do exposto e porque não olvidamos que existe jurisprudência em sentido contrário (e se assim não fosse, a consequência só poderia ser o desentranhamento das impugnações), notifique os impugnantes das impugnações constantes dos Apensos 2 a 15 e 31 a 95 que não tiverem autoliquidado a taxa de justiça (a aplicável aos “Outros incidentes” da Tabela II do RCP) para procederem ao seu pagamento no prazo de 5 dias, sem acréscimo de multa.”
6 – Em 04/10/2021 foi proferido o seguinte despacho (ref.ª citius 409090858):
“I - Notifique os impugnantes:
(….)
Para virem proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela dedução do incidente de impugnação da lista de credores.
A este propósito cita-se o decidido no acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, de 25 e Setembro de 2014, segundo o qual “No âmbito da insolvência, é devida taxa de justiça relativa à impugnação da lista de créditos elaborada pelo administrador da insolvência por parte do credor reclamante.” (processo n.º 1559/12. 5TBBRG-T.G1, Relator Desembargador António Sobrinho, acessível em www.dgsi.pt).
Prazo: 5 dias.”
7 – Em 20/10/2021, entre outros, ML e MC, MP, MA, JC e FC, MM e MG, SM e AM, CG e FM, AG e TF, MMG, FG e AGG, RT e JT, JD e MCT, JLD e JD e MCT, AS, MMD e LM, EA e DA e MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF requereram:
“notificados que foram dos despachos que antecedem, vêm, muito respeitosamente expor e requerer o seguinte:
1. Foram os Impugnantes notificados para juntar aos autos comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pelo incidente de impugnação;
2. Para o efeito, o Tribunal concedeu o prazo de 5 dias;
3. Sucede que os impugnantes notificados são, na sua esmagadora maioria, representados pelo advogado subscritor,
4. Sendo que muitos têm domicílio no estrangeiro, nomeadamente, França, Suíça, Venezuela e África do Sul, conforme pode ser verificado pelo teor das impugnações.
5. Ora, o prazo determinado revela-se insuficiente para que o Advogado subscritor possa, com sucesso, notificar todos os impugnantes, requerendo os respetivos comprovativos do pagamento das taxas.
6. Reconhecendo a compreensão demonstrada pelo Tribunal ao não ordenar o imediato desentranhamento das impugnações, os Impugnantes não podem deixar de se desculpar pelo não envio atempado dos comprovativos de pagamento das taxas de justiça, atendendo aos diferentes entendimentos jurisprudenciais sobre a matéria.
7. Assim, e pretendendo os mesmos proceder à junção do comprovativo de pagamento da competente taxa de justiça, não podem os Impugnantes deixar de requerer a prorrogação do prazo atribuído para o efeito em, pelo menos, 20 dias.
8. Reconhecendo-se a atipicidade do presente requerimento, a mesma justifica-se pela complexidade e peculiaridade do processo em causa que, inclusive, obriga a própria secretaria, decerto, por falta de meios, a proceder às notificações dos Impugnantes em grupos.
Termos em que se requer a V. Exa. a prorrogação do prazo para junção dos comprovativos de pagamento das taxas de justiça em, pelo menos, 20 dias.”
8 – Em 22/10/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Considerando as datas que os impugnantes foram notificados para virem comprovar o pagamento da taxa de justiça inicial, os esclarecimentos prestados, entretanto, pelo Tribunal quanto à obrigatoriedade do pagamento da referida taxa, bem como a situação pessoal de cada impugnante, concede-se o prazo adicional de 10 dias para virem comprovar esse pagamento.
Notifique.”
9 – Por requerimento apresentado em 08/11/2021 (ref.ª 30763809) foi junto aos autos depósito autónomo no valor de € 17.493,00 para pagamento da taxa de justiça de 343 impugnações, entre as quais a apresentada por MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF.
10 - Por requerimento apresentado em 11/11/2021 (ref.ª 30804445), foi junto aos autos depósito autónomo no valor de € 5.610,00 para pagamento de taxas de justiça de 110 impugnações, entre as quais a da apresentada pelos recorrentes ML e MC, MA, JC e FC, MM e MG, SM e AM, CG e FM, MMG, FG e AGG, RT e JT, JD e MCT, JLD e JD e MCT, AS, MMD e LM, EA e DA;
11 - Por requerimento apresentado em 06/12/2021 (ref.ª 31039445), foi junto aos autos depósito autónomo no valor de € 102,00 para pagamento de taxas de justiça de 2 impugnações, entre as quais a da apresentada pela recorrente MP.
12 - Por requerimento apresentado em de 20/12/2021 (ref.ª 31166307), foi junto aos autos depósito autónomo de € 51,00, para pagamento de taxas de justiça relativa à impugnação apresentada por AG e TF.
13 – Em 09/11/2021 foi proferido o seguinte despacho (ref.ª 410249222):
“Notifique o ilustre mandatário Dr.º NSV para, ao abrigo dos princípios da cooperação e da economia processual, vir proceder à divisão dos impugnantes, mais bem identificados no seu requerimento entrado nos autos no pretérito dia 8 de Novembro de 2021, por impugnação apresentada, a fim de permitir ao Tribunal conciliar os requerentes que procederam ao referido pagamento com os que apresentaram a competente impugnação da relação de créditos.
Prazo: 5 dias.”
14 – Em 11/11/2021 foram apresentados requerimentos discriminando os credores que haviam pago taxa de justiça mediante os depósitos autónomos referidos em “9” e “10”.
15 – Por despacho de 26/11/2021 (ref.ª citius 410862847) foi determinado (sublinhado e negrito nossos):
“…,
Em face do exposto, desentranhe a petição inicial e devolva ao(à)(s) impugnante(s).
Custas pelo(a)(s) impugnante(s) de cada uma das impugnações em epígrafe, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.”
16 – Em 15/12/2021 foi proferido o seguinte despacho (ref.ª citius 411361164):
“ML e MC (mais bem identificados a fls. 3640v – vol. XX) deduziram o incidente de impugnação da lista de credores reconhecidos.
Em virtude de não terem junto o comprovativo do pagamento da taxa de justiça com a sua petição inicial e atento o facto de existir divergência doutrinal e jurisprudencial quanto à liquidação da referida taxa, os impugnantes foram notificados para o virem fazer.
Contudo, não o fizeram nos prazos concedidos pelo Tribunal para o efeito (quer o inicial, quer o concedido posteriormente a pedido do ilustre mandatário dos impugnantes), tendo apenas o vindo fazer quando o mesmo se encontrava esgotado.
Cumpre decidir.

Consequentemente, indefere-se liminarmente o requerimento inicial, nos termos referenciados supra e ao abrigo do disposto no artigo 590.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Custas pelos impugnantes.
Registe e notifique.”
17 – Em 16/12/2021 foi proferido o seguinte despacho (ref.ª citius 411425844):
“Compulsado o despacho proferido no dia 26/11/2021 e melhor aferida a tempestividade da junção dos comprovativos do pagamento da taxa de justiça devida pela impugnação da lista de credores, verifica-se que, como melhor se verá, vários credores cuja taxa de justiça tinha sido considerada como tempestivamente paga, na verdade, apesar de paga, foi-o de forma extemporânea, razão pela qual o despacho constante do aludido despacho que respeite aos impugnantes identificados supra, é dado sem efeito e substituído pelo despacho que segue, que deverá ser notificado juntamente com o despacho proferido no dia 26/11/2021.
*
Fls. 2269v (RT):
Fls. 2694v (AS):
Fls. 2748v (MMG):
Fls. 10907v (MP):
Fls. 11386v (MA e Outros):
Fls. 11479v (MM e Outra):
Fls. 12366v (MMD e Outra):
Fls. 14731v (SM e Outra):
Fls. 14786v (EA e Outra):
Fls. 14846v (CG e Outra):
Fls. 15511v (JD e Outros):
Fls. 15841v (JD e Outros):
Fls. 15952v (FG e Outra):

Em face do exposto, desentranhe a petição inicial e devolva ao(à)(s) impugnante(s).
Custas pelo(a)(s) impugnante(s) de cada uma das impugnações em epígrafe, fixando-se a taxa de justiça em 2 UCs.”
18 – Em 07/01/2022 foi apresentado o seguinte requerimento:
“1. ML e MC,
2. MP
3. MA, JC e FC
4. MM e MG
5. SM e AM
6. CG e FM
7. AG e TF
8. MMG
9. FG e AGG
10. RT e JT
11. JD e MCT
12. JLD e JD e MCT
13. AS
14. MMD e LM
15. EA e DA
16. MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF,
Impugnantes, melhor identificados nos autos supramencionados, na sequência dos despachos que antecedem, vêm informar que já submeteram os comprovativos de transferência em requerimentos anteriores, conforme explicação infra.
I - No Requerimento apresentado a 11 de novembro de 2021, com a referência 40432558, os impugnantes:
a) ML e MC estão identificados com o número 86;
b) MA, JC e FC estão identificados com o número 88;
c) MM e MG identificados com o número 89;
d) SM e AM estão identificados com o número 90;
e) CG e FM estão identificados com o número 91;
f) MMG estão identificados com o número 92;
g) FG e AGG estão identificados com o número 93;
h) RT e JT estão identificados com o número 96;
i) JD e MCT estão identificados com o número 109;
j) JLD e JD e MCT estão identificados com o número 110;
k) AS está identificada com o número 106;
l) MMD e LM estão identificados com o número 107;
m) EA e DA estão identificados com o número 108;
II - No Requerimento apresentado a 06 de dezembro de 2021, com a referência 40673581, os impugnantes:
a) MP, está identificada com o número 2;
III - No Requerimento apresentado a 20 de dezembro de 2021, com a referência 40802029, os impugnantes:
a) AG e TF, estão identificados com o número 1;
IV - Nos Requerimentos apresentado a 08 de novembro de 2021 e 11 de novembro de 2021, com as referências 40390281 e 40432517, respetivamente, os impugnantes:
a) MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF, identificada com o número 267;
b) X, identificado com o número 336;
c) Y e outros, identificados com o número 337 e 338;”
19 – A seção de processos elaborou em 26-01-2022, a seguinte informação:
“Informação
- Requerimento de 07-01-2022, com a referência 31303476, do Dr NSV
Credores constantes do ponto I – DUC pago em 11-11-2021, pago no 2º dia de multa do prazo concedido pelo Tribunal, por despacho de 22-10-2021
Ponto II – DUC pago em 06-12-2021, fora do prazo concedido pelo Tribunal, por despacho de 22-10-2021
Ponto III – DUC pago em 20-12-2021, fora do prazo concedido pelo Tribunal, por despacho de 22-10-2021
Ponto IV – DUC pago em 08-11-2021, no prazo concedido.
(…).
20 – Em 01/02/2022 foi proferido o seguinte despacho (ref.ª citius 412478177 )
“O ilustre mandatário, Dr.º NSV, dos impugnantes mais bem identificados no requerimento com a referência n.º 31303476, datado de 7 de Janeiro de 2022, veio informar que estes últimos haviam submetido os comprovativos de transferência da taxa de justiça.
Considerando a informação da Secção que antecede:
a) Deverão os impugnantes mais bem identificados no Ponto I) proceder ao pagamento da quantia correspondente ao 2.º dia de multa, já que o DUC foi liquidado fora do prazo concedido pelo Tribunal, mas dentro do prazo de multa (2.º dia [artigo 139.º, n.º 5, alínea b, do Código de Processo Civil]), sob pena de ser desentranhada a impugnação apresentada por cada um deles.
Prazo: 10 dias (improrrogável).
b) Determino o desentranhamento das impugnações apresentadas pelos impugnantes/credores MP, AG e TF (Pontos II e III) em virtude de terem liquidado a taxa de justiça inicial e junto aos autos o respectivo comprovativo fora do prazo concedido pelo Tribunal para o efeito em 22 de Outubro de 2021.
(…)”
18 – Foram proferidos os seguintes despachos ordenando o pagamento de taxas de justiça devidas pela impugnação da lista de credores a vários credores, no prazo de 5 dias entre 28/09/2021 e 18/01/2022:
- em 28/09/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 2 a 15 e 31 a 95;
- em 04/10/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 16 a 30, 96, 97 e 98;
- em 08/10/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 106 a 125, 139 a 141, 151 a 153 e 178 a 182;
- em 12/10/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 99 a 104, 126 a 134, 203 a 206 e 228;
- em 19/10/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 183 a 202 e 229 a 240;
- em 28/10/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 241 a 300;
- em 28/10/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 206 a 218;
- em 10/11/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 219 a 228 e 236 a 238;
- em 15/11/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 301 a 375;
- em 17/11/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas no volume 376;
- em 26/11/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 142 a 150 e 154 a 176;
- em 26/11/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 377 a 397;
- em 17/12/2021, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 398 a 403;
- em 18/01/2022, quanto aos credores que apresentaram impugnações inseridas nos volumes 100, 104, 131, 204 a 206, 210, 246 e 248.
19 – Foram proferidos, em 26/11/2021, 15/12/2021, 16/12/2021 e 17/12/2021, seis despachos ordenando o desentranhamento/indeferindo liminarmente as impugnações da relação de credores interpostas por vários credores com fundamento em não pagamento ou não pagamento atempado de taxa de justiça.
20 - Por requerimento de 20/10/2021, A e B, apresentaram o seguinte requerimento “Os credores reclamantes, apesar de não terem sido notificados do douto despacho de V. Exa. datado de 08.10.2021, tiverem conhecimento do mesmo, dado que o seu mandatário é igualmente mandatário de outro credor reclamante que foi notificado para juntar o comprovativo de pagamento de taxa de justiça e procuração forense.
Assim, os credores reclamantes vêm informar V. Exa. que apresentaram a sua impugnação à lista de créditos em 13.08.2019 - conforme requerimento com referência 33184955 (cfr. doc. 1).
Mais requerem a V. Exa. que conste apenas como impugnante o credor A, tendo para o efeito liquidado a taxa de justiça no valor de 51,00€ conforme DUC e comprovativo de pagamento de taxa de justiça que se juntam como doc. 2 e 3.
Por fim requererem a V. Exa. se digne admitir a junção aos presentes autos de procuração forense, mais declarando que ratificam todo o processado até à presente data, uma vez que a mesma confere poderes especiais ao mandatário para o efeito - cfr. doc. 4.”
21 – Em 16/12/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“Na medida em que, pelas grandes dimensões dos presentes autos e pela quantidade de recursos humanos (no que tange aos oficiais de justiça) alocados para a tramitação destes autos, ainda não foi possível à Secção imprimir as oposições e constituir os respetivos volumes (sendo que o signatário já procedeu à análise da totalidade dos volumes contendo as impugnações que já foram constituídos – num total de 385 -, faltando ainda imprimir e constituir os volumes – que serão decerto na ordem de várias dezenas e não estando afastada a possibilidade de ultrapassarem a centena – quanto a uma quantidade não despicienda de impugnações, bem como – como se referiu – a quase totalidade das oposições, apenas tendo sido impressa uma), após uma primeira análise das impugnações, mas visando-se continuar a depurar os autos daquilo que seja possível depurar sem a análise das oposições às impugnações, irão ser, desde já, solicitados esclarecimentos ou formulados convites a aperfeiçoar elementos constantes da impugnações, sem prejuízo dos esclarecimentos/aperfeiçoamentos que possam ser motivados na sequência da análise das respetivas oposições, eventualmente com vista à antecipação do conhecimento do mérito.”
*
4. Fundamentação de direito
Os recorrentes impugnam os despachos, todos notificados em 05/01/2022 (ref.ªs 411828198, 411830027 e 411839091) proferidos:
- em 26/11/2021, no qual foi determinado o desentranhamento das impugnações apresentadas pelos recorrentes AG e TF, MP e herança de DF – ponto 15 da matéria de facto provada;
- em 15/12/2021, no qual foi determinado o indeferimento liminar da impugnação apresentada pelos recorrentes ML e MC – ponto 16 da matéria de facto provada;
- em 16/12/2021, no qual foi determinado o desentranhamento das impugnações apresentadas pelos recorrentes MA, JC e FC; MM e MG; SM e AM; CG e FM; MMG; FG e AGG; RT e JT; JD e MCT; JLD e JD e MCT; AS; MMD e LM; EA e DA e (novamente) MP – facto 17 da matéria de facto provada.
Todos os despachos têm por fundamento o não pagamento atempado da taxa de justiça que o tribunal a quo entendeu devida pela apresentação de impugnação à relação de credores pelos ora recorrentes.
Tal entendimento foi expresso pelo tribunal, em relação aos recorrentes, em dois despachos distintos, proferidos em 28/09/2021 e em 04/10/2021 – factos 5 e 6 - nos quais foi concedido o prazo de 5 dias para proceder ao pagamento da taxa de justiça.
Os recorrentes (e outros) pediram a prorrogação do prazo por 20 dias, invocando, nomeadamente o facto de muitos deles viverem fora de Portugal e o facto de serem representados, em grande número, pelo mesmo advogado, tendo tal requerimento sido deferido por 10 dias – factos 7 e 8 – despacho esse notificado na mesma data em que foi proferido (22/10/2022 – cfr. ref.ª  409722648).
Os recorrentes vieram a proceder ao pagamento das taxas respetivamente (factos 9 a 12):
- MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF em 08/11/2021;
- ML, MC, MA, JC, FC, MM, SM, AM, CG, FM, MMG, FG, AGG, RT, JT, JD, MCT, AS, MMD, LM, EZ, DA em 11/11/2021;
- MP em 06/12/2021;
- AG e TF, em 20/12/2021.
Tendo em conta que o prazo de 10 dias, concedido a todos os recorrentes pelo despacho de 22/10/2021, terminou em 04/11/2021, verificamos que um dos recorrentes (herança de Domingos Manso Fernandes) pagou no 2º dia útil posterior ao termo do prazo (08/11/2021) e todos os demais pagaram depois do termo do prazo e dos 3 dias úteis subsequentes.
Há que prevenir que não está em causa, neste recurso, a questão de se é devida taxa de justiça pela apresentação de impugnação à relação de credores em reclamação de créditos em processo de insolvência (ou, como no caso, em processo de liquidação de entidade bancária que segue os termos do processo de insolvência). Essa questão foi decidida nos despachos de 28 de setembro e de 4 de outubro de 2021, que não foram impugnados pelos aqui recorrentes, estando cobertos pelo caso julgado.
São os seguintes os argumentos invocados pelos recorrentes:
- os recorrentes foram injustificadamente discriminados face aos demais credores;
- tendo-lhes sido concedido um prazo inicial de 5 dias, foi apenas concedido um prazo adicional de 10 dias, quando o requereram;
- enquanto corria o prazo para que pagassem a taxa de justiça, foram notificados para o mesmo efeito vários outros credores cujos prazos terminavam entre 08/11/2021 e 15/01/2022;
- vários outros impugnantes obtiveram prazos para o efeito de 60 dias;
- foi violado o art. 4º do CPC aplicável ex vi art. 17º do CIRE;
- a concessão de prazos diversos para a junção de comprovativos de pagamento de taxa de justiça deixa os recorrentes numa posição fragilizada; há credores em relação aos quais ainda correm prazos para o efeito e os recorrentes já viram vedada a apreciação das impugnações que deduziram;
- a decisão tomada coloca em causa o princípio da igualdade de armas, protegido nos arts. 13º e 20º da CRP, sendo a única forma de obter paridade de condições entre as partes a concessão de um prazo único para que todos os impugnantes procedessem à junção dos comprovativos de pagamento da taxa de justiça; ou
- utilizando por analogia a regra do nº2 do art. 569º do CPC, todos poderem pagar até ao fim do prazo do último notificado;
- formalmente todos dispuseram de 5 dias mas as notícias correm céleres, e, desde que proferidos os primeiros despachos, os demais credores impugnantes têm acesso ao processo e podem assim gozar de uma posição privilegiada.
O tribunal recorrido, no despacho que ordenou a subida do recurso pronunciou-se pela improcedência da alegada violação do princípio da igualdade. Não tendo sido arguida a nulidade da decisão recorrida, não é aplicável o disposto no art. 617º do CPC, sendo, assim, irrelevante a pronúncia do tribunal recorrido sobre o mérito da questão a apreciar na instância recursiva.
Estamos perante um processo de dimensões inusuais. Trata-se da liquidação judicial de uma instituição bancária de grandes dimensões, sendo o presente recurso o apenso DT e o apenso de reclamação de créditos, no qual foram tomadas as decisões recorridas, o apenso BQ, que, em 16/12/2021, já contava com 385 volumes constituídos, faltando constituir vários outros e estando os despachos a ser congregados em “apenso do apenso”, como se verifica da última certidão enviada que certifica que os despachos proferidos, cuja localização nos autos se pediu fosse informada, foram proferidos no volume 1-A.
A opção tomada pelos Srs. Juízes a quo[1] de análise parcelar das impugnações apresentadas (e mesmo da repartição de trabalho entre si) são, claramente, opções de gestão processual que devem ser enquadradas nesses termos: a questão decidenda não passará tanto por saber se os despachos de 26/11, 15 e 16/12 de 2021 violaram, por si, o princípio da igualdade, mas sim se a tramitação adotada conduziu a um resultado material de desequilíbrio entre as posições das partes, ou, com mais propriedade, entre as posições dos intervenientes em posições jurídicas equivalentes: os credores que impugnaram a relação de credores junta pela Comissão Liquidatária.
O dever de gestão processual foi consagrado expressamente entre nós na revisão de 2013 do CPC, que introduziu a seguinte redação ao art. 6º do CPC:
« 1 - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
2 - O juiz providencia oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.»
Não se tratando exatamente de uma novidade da reforma de 2013[2], como se depreende do disposto no 2º do Decreto-Lei n.º 108/2006, de 8 de junho (Regime Processual Experimental) ou do art. 265º-B do CPC na versão anterior, é na alteração trazida pelo Decreto Lei nº 41/2013 de 26/06, surge consagrado como princípio geral[3].
O juiz tem o dever de dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou dilatório e adotando, depois de ouvir as partes, mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável. O aspeto substancial do princípio analisa-se na gestão processual e o aspeto instrumental na adequação formal (art. 547º do CPC).
A gestão processual consiste na direção ativa e dinâmica do processo, tendo em vista a rápida e justa resolução do litígio e a melhor organização do trabalho do tribunal[4].
“Estas duas perspetivas são fundamentais e acompanham qualquer reflexão sobre a gestão processual: A justa composição do litígio do caso concreto (visão micro) e a melhor organização do trabalho do tribunal (visão macro).”[5]
O aspeto substancial, que ora releva para o caso concreto, conforma a atuação do juiz que deve providenciar pelo andamento célere e regular do processo. Os concretos poderes do impulso dependem do modelo programático do processo. É um poder dever de geometria variável, que encontra os seus limites nos direitos das partes. Esta regra tanto se aplica ao aspeto substancial como formal, havendo, claramente, limites traçados que não podem ser ultrapassados.
Miguel Teixeira de Sousa e Castro Mendes[6] indicam como limites legais, no plano externo, o assegurar de um processo equitativo, indicando que, em qualquer tramitação tem que estar assegurada a possibilidade de as partes alegarem, de facto e de direito, de realizarem a prova de factos controvertidos e a oportunidade de o tribunal se pronunciar sobre a matéria de facto e de direito. Chamam-lhe o standard mínimo.
No plano interno o nº2 do art. 630º do CPC fornece um seguro guia dos princípios que não podem deixar de ser respeitados: igualdade das partes, contraditório, aquisição processual ou admissibilidade de meios de prova, a que podemos acrescentar o princípio do dispositivo e o da autorresponsabilidade das partes[7].
Há, pois, limites intransponíveis, não podendo o juiz, no exercício do poder dever de gestão processual afastar a aplicação ou funcionamento de determinadas normas. Por exemplo, a regra do cominatório (aplicável na forma de processo em causa), não pode ser afastada ou não aplicada.
Num processo como o presente, são indispensáveis medidas de gestão processual, em especial orientadas para a organização do trabalho do tribunal, claramente um desafio excecional dadas a dimensão e complexidade dos autos.
No entanto, essa orientação não pode postergar os limites já identificados e a justa composição do litígio para todos os intervenientes. Aliás, para estes é absolutamente alheio o facto de o processo ter milhares de intervenientes ou de haver (ou não) recursos humanos suficientes no tribunal. Esse é um equilíbrio que ao tribunal cabe atingir e a ferramenta para tal é, exatamente, a gestão processual e, compreendida nela, a adequação formal.
Feito este enquadramento, apreciemos os argumentos trazidos a juízo.
Os recorrentes argumentam ter sido violado o princípio da igualdade que encontra consagração do art. 4º do CPC e, na CRP, nos arts. 13º e 20º.
O princípio da igualdade, encontra-se consagrado na CRP nos seguintes termos: Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei (art. 13º, nº 1, concretizando o nº 2 do preceito este princípio geral).
A proteção conferida por este direito abrange a proibição do arbítrio (proíbe diferenciações de tratamento sem justificação objetiva razoável ou identidade de tratamento em situações objetivamente desiguais) e da discriminação (não permite diferenciações baseadas em categorias subjetivas ou em razão dessas categorias).
Na sua vertente de proibição de arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação ou de decisão dos poderes públicos, servindo o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo: nem aquilo que é fundamentalmente igual deve ser tratado arbitrariamente como desigual, nem aquilo que é essencialmente desigual deve ser arbitrariamente tratado como tal[8].
Valendo como princípio objetivo de controlo esta regra “não significa em si mesma, simultaneamente, um direito subjetivo público a igual tratamento, a não ser que se violem direitos fundamentais de igualdade concretamente positivados (por exemplo, igualdade dos cônjuges) ou que a lei arbitrária tenha servido de fundamento legal para atos da administração ou da jurisdição lesivos de direitos e interesses constitucionalmente protegidos.”[9]
Na vertente de proibição de discriminações a regra não significa uma exigência de igualdade absoluta em todas as situações, nem proíbe diferenciações de tratamento. “O que se exige é que as medidas de diferenciação sejam materialmente fundadas sob o ponto de vista da segurança jurídica, da proporcionalidade, da justiça e da solidariedade e não se baseiem em qualquer motivo constitucionalmente impróprio.”[10]
Gomes Canotilho e Vital Moreira sublinham ainda que as decisões mais recentes do Tribunal Constitucional continuam a assinalar corretamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate por igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente, não impedindo a diferenciação de tratamento, mas apenas as discriminações arbitrárias, irrazoáveis, ou seja, as distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante, sendo o ponto central da discussão em torno do princípio da igualdade “saber se existe fundamente material bastante para diferenciações de tratamento jurídico, o que nem sempre é fácil de averiguar…”[11]
O princípio da igualdade das partes consagrado no art. 4º do CPC[12] é “uma das facetas do processo equitativo (20º, nº4, CRP) e um dos corolários do princípio da igualdade perante a lei (art. 13º nº1, CRP) e da imparcialidade do órgão incumbido de apreciar e decidir a causa.”[13]
Relativamente ao argumento dos recorrentes de que a outros impugnantes foram concedidos, para este mesmo efeito (junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça) prazos mais longos, ele não revela qualquer violação deste princípio. Os requerentes pediram uma prorrogação do prazo e foi-lhes concedida (embora não pelo período pretendido). Não pediram nenhuma outra prorrogação, pelo que não se encontram sequer em situação comparável com outros impugnantes que pediram prorrogações várias vezes antes do esgotamento dos prazos concedidos. Os recorrentes deixaram esgotar o prazo concedido e prorrogado sem requerer nova concessão de prazo. Só em condições iguais e com decisão desigual – se tivessem pedido e lhe fosse negado e deferido a outros – se poderia sequer começar a analisar os concretos contornos da situação à luz do princípio da igualdade. Não sucedendo, neste segmento improcedem os argumentos dos recorrentes.
Depois, alegam os recorrentes, formalmente todos os credores impugnantes na mesma situação dispuseram de 5 dias, mas as notícias correm céleres, e, desde que proferidos os primeiros despachos, os demais credores impugnantes, que têm acesso ao processo, gozaram de uma posição privilegiada, face aos demais.
Este argumento merece ser ponderado, mas na perspetiva que já adiantámos: será que as opções de gestão processual tomadas nos autos, em concreto as opções de tramitação seguidas, criaram desigualdade de posições entre os vários credores reclamantes?
Assumindo que todos os credores que tenham deduzido impugnação e não pagaram taxa de justiça[14] já foram ou vão ser notificados para o fazer, do ponto de vista da celeridade e eficiência, o parcelamento da verificação e o desfasamento no tempo da notificação para o efeito não tem qualquer utilidade: só a final, quando todos tenham sido notificados e tenham ou não pago a taxa de justiça em tempo é que o processo poderá avançar para a fase seguinte, que será ainda a fase dos articulados – as impugnações admitidas podem ser respondidas nos termos do art. 131º do CIRE; só depois de saber as impugnações que permanecerão nos autos se poderá saber as respostas a considerar e em que condições.
Como resulta dos factos apurados, os aqui recorrentes foram notificados para o pagamento da taxa de justiça em 5 dias mediante os 1º e 2º despachos proferidos nesse sentido nos autos. A esses seguiram-se, num período superior a quatro meses, pelo menos, mais 12 despachos similares (factos 5, 6 e 18), alguns dos quais comuns com despachos já ordenando o desentranhamento dado o não pagamento ou não pagamento atempado da taxa de justiça entendida como devida (facto 19). Ou seja, em alguns dos despachos ordenou-se, simultaneamente a alguns credores que viessem comprovar o pagamento da taxa e, no mesmo despacho, ordenou-se o desentranhamento de credores anteriormente notificados para o efeito que se entendeu não terem pago ou pago em tempo (ou comprovado o pagamento em tempo).
Não só o que os recorrentes argumentam é verdade: a partir do momento em que foram proferidos os primeiros despachos todos os credores com acesso ao processo ficaram a saber que a mesma decisão iria, previsivelmente, ser tomada quanto a eles – como o demonstra o requerimento relatado sob o facto nº 20; como, a partir de 26/11/2021, credores houve que foram notificados para proceder ao pagamento e “advertidos” mediante despachos tendo por sujeitos outros credores, do que sucederia se não pagassem ou não pagassem em prazo.
Isto significa que, formalmente, foi concedido o mesmo prazo a todos os credores (5 dias) mas que, na prática, a maior parte dos credores teve mais tempo que os 5 dias para diligenciar pelo pagamento.
Resulta claramente dos requerimentos de junção de comprovativos de pagamento referidos em 9 e 10 (e outros existem nos autos), que nestes autos é comum que várias centenas de credores estejam representados pelo mesmo advogado[15] a que se somam outras dificuldades, relatadas, quanto aos recorrentes e outros no requerimento de prorrogação de prazo referido em 7 da matéria de facto provada: muitos dos credores vivem noutro países e continentes.
Assim, o conhecimento anterior aos 5 dias é relevante, permitindo o encetar de diligências de contacto e transferência de quantias para um grande número de pessoas, parte delas em locais distantes.
Aliás, na estrita perspetiva de apreciação das opções de gestão processual tomadas nos autos, a fixação, para este efeito, nestas circunstâncias (conhecidas do tribunal, que claramente analisou as impugnações uma a uma) de um prazo de 5 dias é surpreendente, de alguma forma chocante, e, principalmente, inútil, dado que fixar um prazo curto em nada adiantava, quer à celeridade, quer à eficiência, pois que, muito depois do seu decurso, novos prazos de cinco dias iriam ser fixados para o mesmo efeito, sempre sem que o processo pudesse avançar na respetiva tramitação.
Concluímos, assim, que as opções de condução dos autos tomadas tiveram, no tocante a este ponto, efeitos perversos e, como alegam os recorrentes, discriminatórios, criando não formalmente, mas materialmente, desigualdades entre os primeiros credores a serem notificados e os subsequentes, agravadas pela fixação de um prazo muito curto, sem qualquer vantagem visível para a tramitação dos autos e potencialmente prejudicial para os sujeitos processuais cujas caraterísticas (largos números representados por um mandatário e muitos residentes no estrangeiro) eram conhecidas.
Aqui chegados, e na parcial procedência dos argumentos avançados, resta-nos determinar as consequências.
Como esclarece Miguel Teixeira de Sousa[16] “Importa referir que, quando seja interposto recurso da decisão de simplificação ou de agilização, ao tribunal de recurso compete apenas verificar se os princípios da igualdade das partes ou do contraditório foram violados ou se a aquisição de factos ou a admissibilidade de meios de prova foram desrespeitadas, não cabendo a esse tribunal substituir-se ao tribunal recorrido na medida de adequação formal a tomar. Trata-se, noutros termos, de um controlo da legalidade dessa medida, não de um controlo do seu mérito.”
As decisões recorridas, todas comuns nos fundamentos e inseridas na mesma cadeia de atos processuais inquinada por violação do princípio da igualdade devem, assim, ser revogadas.
Não cabe a este tribunal fazer um juízo de substituição e determinar a forma de proceder do tribunal recorrido em matéria de gestão processual. Até porque como resulta da matéria de facto provada foi assumido um procedimento global que abrange milhares de credores e não apenas os credores aqui recorrentes.
Ainda assim, sempre se dirá que, das duas vias sugeridas pelos recorrentes, a única que se afigura passível de não criar desigualdades e diferenças objetivas nas situações dos credores impugnantes teria sido a de fixação de um prazo único (que tivesse em conta as especificidades e dificuldades já referidas, sempre maior que 5 dias) para todos os credores na mesma situação.
Esse resultado é já impossível de obter e sempre o seria no âmbito deste recurso dada a respetiva delimitação subjetiva.
A solução de aplicação analógica do art. 569º nº2 do CPC não só não eliminaria as desigualdades entre os sucessivamente notificados como as agravaria, concedendo, formalmente, aos primeiros notificados um prazo muito maior que aos últimos notificados.
Assim, há que constatar que os despachos recorridos devem ser revogados e valorar que, entretanto, todos os recorrentes procederam já ao pagamento da taxa de justiça, como resulta dos nºs 9 a 12 da matéria de facto provada.
Na impossibilidade, jurídica e de facto, de alteração da tramitação processual seguida, a revogação das decisões recorridas teria por efeito ser ordenada a baixa dos autos para fixação de um único novo prazo para estes recorrentes, para que pudessem proceder ao pagamento das taxas que foram entendidas como devidas.
Tendo em conta o apuramento do pagamento das mesmas por todos os recorrentes, essa decisão consubstanciaria, em si, um ato inútil e uma ordem para a prática de atos inúteis, em violação flagrante da regra do art. 130º do CPC.
Assim, a decisão que se entende correta e adequada é a de revogação das decisões que determinaram o desentranhamento/indeferimento liminar das impugnações apresentadas pelos aqui apelantes, com a consequência de ser considerado tempestivo o pagamento da taxa de justiça por todos os recorrentes, valorando-se o mesmo, e determinando-se, assim, o prosseguimento dos autos para a apreciação das impugnações à lista de credores prevista no art. 129º do CIRE apresentada pela Comissão Liquidatária que os aqui recorrentes apresentaram nos autos.
*
Não são devidas custas na presente instância recursiva, porquanto se mostra paga a taxa de justiça devida pelo impulso processual do recurso, este não envolveu diligências geradoras de despesas e não há lugar a custas de parte por não ter sido apresentada resposta às alegações de recurso – arts. 663.º, n.º 2, 607.º, n.º 6, 527.º, n.º 1 e 2, 529.º e 533.º, todos do Código de Processo Civil [17].
*
5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgando procedente a apelação:
a) revogar a decisão de 26/11/2021, na parte em que determinou o desentranhamento das impugnações à lista de credores apresentadas pelos recorrentes AG e TF, MP e herança de DF;
b) revogar a decisão de 15/12/2021, na parte em que determinou o indeferimento liminar da impugnação à lista de credores apresentada pelos recorrentes ML e MC;
c) revogar a decisão de 16/12/2021, na parte em que determinou o desentranhamento das impugnações à lista de credores apresentadas pelos recorrentes MA, JC e FC; MM e MG; SM e AM; CG e FM; MMG; FG e AGG; RT e JT; JD e MCT; JLD e JD e MCT; AS; MMD e LM; EA e DA e (novamente) MP;
d) considerar tempestivamente pagas as taxas de justiça relativas à apresentação das impugnações à lista de credores, prevista no art. 129º do CIRE elaborada e junta aos autos pela Comissão Liquidatária apresentadas pelos recorrentes ML e MC, MP, MA, JC e FC, MM e MG, SM e AM, CG e FM, AG e TF, MMG, FG e AGG, RT e JT, JD e MCT, JLD e JD e MCT, AS, MMD e LM, EA e DA e MF, na qualidade de cabeça de casal da herança de DF;
e) determinar, em consequência, o prosseguimento dos autos para apreciação das impugnações referidas em a), b) e c).
*
Sem custas de parte na presente instância recursiva.
Notifique.
*
Lisboa, 21 de junho de 2022
Fátima Reis Silva
Amélia Sofia Rebelo
Manuela Espadaneira Lopes
_______________________________________________________
[1] As decisões proferidas foram-no por dois magistrados.
[2] Ver neste sentido Vera Leal Ramos em O princípio da gestão processual: Vertente formal e material do princípio, tese de mestrado em Ciências Jurídico-Civilísticas/Menção em Direito Processual Civil, orientada pelo Professor Doutor Luís Miguel Andrade Mesquita, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, dezembro de 2017, pgs. 29 a 33, disponível em  https://estudogeral.uc.pt/bitstream/10316/85946/1/Tese%20Completa.pdf.
[3] No sentido da sua caraterização como princípio geral, Miguel Teixeira de Sousa e Castro Mendes em Manual de Processo Civil, I Vol., AAFDL Editora, 2022, pg. 92, que vamos seguir de perto e também Vera Leal Ramos, local citado, pg. 44.
[4] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro em Primeiras Notas ao CPC, Vol. I, 2013, pg. 30.
[5] Ac. TRL de 13/01/2022 (Carlos Castelo Branco).
[6] Local citado, pg. 94.
[7] Neste sentido Ac. TRL de de 13/01/2022 (Carlos Castelo Branco) e Ac. TRL de 11/10/2018 (Carlos Marinho).
[8] Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, pg. 339.
[9] Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit.
[10] Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., pg. 340.
[11] Gomes Canotilho e Vital Moreira, loc. cit., pg. 341.
[12] “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.”
[13] Teixeira de Sousa e Castro Mendes, Manual…, pg. 99.
[14] Serão, sem qualquer juízo de valor, naturalmente a maioria, dado que a posição assumida nos autos quanto à obrigatoriedade de pagamento de taxa de justiça é minoritária, sendo a maior parte da jurisprudência no sentido contrário.
[15] No requerimento referido em 9 foi junta quantia relativa ao pagamento de 343 taxas de justiça de € 51,00 e no requerimento referido em 10, mais 110 taxas de justiça.
[16] Em Apontamento sobre o princípio da gestão processual no novo Código de Processo Civil, pg. 7, disponibilizado em https://www.academia.edu/5187428/TEIXEIRA_DE_SOUSA_M_Apontamento_sobre_o_princ%C3%ADpio_da_gest%C3%A3o_processual_no_novo_C%C3%B3digo_de_Processo_Civil_10_2013_,
[17] Vide neste sentido Salvador da Costa in Responsabilidade das partes pelo pagamento das custas nas ações e nos recursos, disponível em https://blogippc.blogspot.com/.