Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
432/21.0YHLSB.L1-PICRS
Relator: PAULA POTT
Descritores: DESENHO OU MODELO
INFRACÇÃO
SINGULARIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: Desenho ou modelo – Âmbito de proteção resultante do registo – Singularidade do desenho ou modelo – Visibilidade – Impressão causada no utilizador informado – Infracção ao desenho ou modelo nacional registado – Artigos 4.º, 177.º, 193.º, 197.º e 347.º a 350.º do Código da Propriedade Industrial .

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência, na Secção da Propriedade Intelectual e da Concorrência, Regulação e Supervisão, do Tribunal da Relação de Lisboa

Configuração do litígio na primeira instância

1.–A recorrente (autora), intentou a presente acção contra a recorrida (1.ª ré) e contra a 2.ª ré Vecourbandesign, Unipessoal Lda., formulando o seguinte pedido:

“Nestes termos, julgada provada e procedente esta ação, deverão as Rés ser condenadas a:
I— Abster-se de produzir, utilizar, fornecer ou comercializar, por qualquer meio, os modelos melhor identificados nos doc. nº. 12 a 14 desta petição, e quaisquer produtos idênticos ou com aparência semelhante aos Desenhos ou Modelos n.º 3349 e n.º 5996 registados no INPI pela Autora;
II— Condenadas, solidariamente, a pagar à Autora uma indemnização, destinada a compensar os danos patrimoniais e não patrimoniais acima descritos, correspondente à soma dos seguintes montantes:
a)- Valor correspondente à margem que a Autora deixou de auferir em resultado da atuação das Rés, de montante não inferior a € 9.123,69 (nove mil cento e vinte e três euros e sessenta e nove cêntimos), a título de indemnização de perdas e danos patrimoniais; b)- € 2.000,00 (dois mil euros), a título de danos não patrimoniais;
c)- A soma das alíneas a) e b) deve ser acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, a contar da data da citação, até efetivo e integral pagamento
III— Subsidiariamente, para o caso de não ser possível apurar o prejuízo efetivamente sofrido pela Autora (referido no número anterior), que as Rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao valor devido por uma licença contratual para produção e comercialização das unidades ilicitamente vendidas pelas Rés, não inferior a € 10.594,45.
IV— Em qualquer caso, deverá ser ordenado, ao abrigo do artigo 348.º do CPI que todos os bens ilicitamente produzidos e/ou comercializados pelas Rés — incluindo os equipamentos referidos nos arts. 20.º a 24.º supra (os equipamentos instalados pela 1.ª Ré no Cartaxo) — sejam apreendidos e destruídos, a expensas das Rés.
V— Pagar à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de € 1.000 (mil euros), por cada exemplar de papeleira e de € 200 (duzentos euros), por cada exemplar de pilarete, referidos no número I, que as Rés venham, futuramente, a produzir ou comercializar em violação da condenação a proferir nestes autos.
VI— Deverá ainda ser ordenada a publicação da decisão final — a expensas das Rés —, no jornal diário e semanário de maior tiragem nacional à data da sentença.”

2.–Por decisões de 2.5.2022 e 2.11.2022, que aqui se dão por reproduzidas, foram homologadas, a desistência dos pedidos da autora contra à 2.ª ré e do pedido reconvencional da 2.ª ré contra a autora (cf. referências citius 483608 e 505263), tendo os autos prosseguido contra a 1.ª ré, aqui recorrida.

Sentença recorrida

3.–O Tribunal da Propriedade Intelectual (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo) por sentença de 6.3.2023 (referência citius 517585), proferiu a seguinte decisão:

“Termos em que, vistas as normas jurídicas e os princípios enunciados, se decide julgar improcedente a ação e, em consequência, absolver a Ré CONSTRUÇÕES PRAGOSA, SA do pedido.
Custas a cargo da Autora.”

Alegações de recurso

4.–Da sentença referida no parágrafo anterior veio recorrente (autora) interpor recurso, pedindo o seguinte:

Termos em que, julgando-se procedente o recurso, deverá revogar-se a douta sentença recorrida, na parte em que absolveu a Apelada dos pedidos relativos aos pilaretes fornecidos em violação do exclusivo do DOM 3349, sendo substituída por acórdão que a condene nos termos peticionados pela Apelante.”

5.–Nas suas conclusões, a recorrente invocou, em síntese, o seguinte erro de julgamento da sentença recorrida:

A sentença recorrida violou o disposto no artigo 193.º do Código da Propriedade Industrial (CPI)
  • O desenho ou modelo do pilarete comercializado pela recorrida difere do desenho ou modelo n.º 3349, de cujo registo é titular a autora, apenas quanto aos acessórios, a saber, um reforço interior e reflectores, colocados no desenho ou modelo comercializado pela recorrida, mas que não são visíveis de todas as perspectivas;
  • Entre o desenho ou modelo do pilarete dissuasor n.º 3349, de cujo registo é titular a recorrente, e o pilarete dissuasor comercializado pela recorrida existem essas duas diferenças que um utilizador informado é capaz de detecctar mas isso não obsta a que a impressão global causada por tais desenhos ou modelos seja idêntica.

6.–No que diz respeito às consequências da alegada infracção, a recorrente invoca, na motivação do recurso, em síntese, os seguintes fundamentos, remetendo, a final, para o pedido que já havia formulado na petição inicial, acima transcrito no parágrafo 1:

A sentença recorrida devia ter aplicado o disposto no artigo 347.º do CPI
  • A recorrente ficou privada do preço de venda de cento e oitenta e nove pilaretes, o que lhe causou uma perda de 6.937,65 euros devendo a recorrida ser condenada a pagar à recorrente esse valor ou, em alternativa, o valor de 60% do preço de venda de 68,07 euros por pilarete, como contrapartida da autorização da utilização do seu desenho ou modelo, caso lhe tivesse sido solicitada;
  • A indemnização a pagar à recorrente deve ser crescida de juros de mora desde a citação e deve ser ordenado o pagamento de uma sanção pecuniária compulsória;
A sentença recorrida devia ter aplicado o disposto no artigo 348.º do CPI
  • O Tribunal a quo devia ter ordenado a destruição dos pilaretes ilicitamente fornecidos pela recorrida à Câmara Municipal do Cartaxo;
A sentença recorrida devia terá aplicado o disposto no artigo 350.º do CPI
  • A sentença recorrida infringiu o disposto no artigo 350.º do CPI ao não ordenar a publicação da decisão em jornal diário e semanário de maior tiragem, a expensas da ré.

7.–Não foram juntas contra-alegações.

Delimitação do âmbito do recurso

8.–Têm relevância para a decisão as seguintes questões, suscitadas nas conclusões do recurso:

A.–Erro na interpretação e aplicação do regime previsto no artigo 193.º do CPI

B.–Consequências da infracção ao direito ao desenho ou modelo

Factos
9.–Nota prévia: o Tribunal indicará a seguir, entre parêntesis, a numeração dos factos constante da sentença recorrida, para facilitar a leitura e as remissões.

Factos provados da sentença recorrida
([Da] petição inicial)
10.–(1)-A autora dedica-se à conceção, desenvolvimento, fabrico e comercialização de produtos de mobiliário urbano destinados aos mercados de construção civil e de equipamentos, públicos e domésticos, além de mobiliário de escritório e para outros tipos de construção e obras públicas.

11.–(2)-A autora dispõe do seu próprio departamento de Design, para investigação e desenvolvimento de novos produtos.

12.–(3)-Recorrendo ainda à colaboração de designers e projetistas externos, entre os quais se incluem autores de renome internacional, como Siza Vieira, Souto Moura, Daciano da Costa, Alcinho Soutinho, Carrilho da Graça, David Adjaye ou Jesús Irisarri.

13.–(4)-Em resultado dessa estratégia e da qualidade dos seus produtos, a autora conseguiu afirmar-se no mercado nacional e internacional como uma empresa inovadora e prestigiada, sendo expressão disso os vários prémios de design e distinções que lhe foram atribuídos, nomeadamente os seguintes:
1991- Prémio Nacional de Design
1994- Nomeação para Prémio Europeu de Design
1998/’99- Prémio Nacional de Design (Gestão Global do Design)
1998/’99- Prémio Nacional de Design de Produto (Sistema Sinalética Expo’98)
2007- Menção Honrosa no DME Award
2008- Prémio Red Dot Design Award, vencedor na categoria iluminação
2009- Prémio Nacional de Design Sena da Silva, vencedor na categoria empresa
2009- Prémio Nacional de Design Sena da Silva, vencedor na categoria produto - Linha Rua 2010 - Prémio DME Award, Prémio Europeu de Gestão do Design
2011- Menção Honrosa no Red Dot Design Award, com a papeleira Tom 2014 - Prémio Red Dot Design Award, com um modelo de papeleira (“litter bin”)

14.–(5)-Entre os produtos desenvolvidos e fabricados pela autora, inclui-se uma linha de móveis e objetos de mobiliário urbano, denominada “Linha UFO”, constituída por bancos, papeleira, dissuasor de estacionamento, estacionamento de bicicletas, cinzeiro e contentor de dejetos, cuja aparência e características consta do catálogo da Autora, cujo extrato se encontra junto como doc. n.º 12.

15.–(6)-O modelo de papeleira dessa Linha UFO está registado no INPI – Instituto Nacional da Propriedade Industrial como Desenho ou Modelo Industrial N.º 5996, desde 12/08/2019, conforme consta da certidão junta como doc. n.º 13, cujo teor se dá por reproduzido. Esse modelo, destinado a uso exterior, em vias públicas, parques ou jardins, é constituído por uma papeleira paralelepipédica, com duas aberturas retangulares, nas faces maiores e na área superior, com ligeira abertura inferior alinhada com as aberturas superiores, com a aparência seguinte (definida pelas figuras 3.1 a 3.7 do registo)

16.(7)-

17.(8)-O pilarete dissuasor de estacionamento dessa mesma Linha UFO, está registado no INPI como Desenho ou Modelo n.º 3349, em nome da autora, desde 4.9.2013, conforme consta da certidão junta como doc. n.º 14, cujo teor se dá por reproduzido.

18.(9)-Esse modelo de pilarete, destinado a impedir o estacionamento nos passeios e noutras zonas interditas, é constituído por uma barra metálica de formato paralelepipédico, com a aparência seguinte (definida pelas figuras 1.1 a 1.4 do registo):

19.(10)-Estes produtos são muito conhecidos no mercado, encontrando-se instalados em inúmeros locais, de Norte a Sul do país, sendo do conhecimento da generalidade dos meios interessados, nomeadamente dos técnicos dos municípios, arquitetos e desenhadores, e dos fabricantes de mobiliário urbano.

20.(11)-A ré CONSTRUÇÕES PRAGOSA, S.A. é uma empresa que se dedica à construção civil e obras públicas (facto assente por acordo das partes).

21.(12)-No ano de 2018 foi lançado um concurso pela Câmara Municipal do Cartaxo, destinado à requalificação de vias de circulação nessa localidade, prevendo a realização de diversos trabalhos de construção civil e o fornecimento e instalação de uma certa quantidade de peças de mobiliário urbano, incluindo papeleiras, pilaretes dissuasores de estacionamento e bancos de exterior, entre outros (facto assente por acordo das partes).

22.(13)-Ainda durante a fase de concurso, em 12.10.2018, a PRAGOSA contactou a autora a fim de solicitar uma proposta comercial de fornecimento de diversos desses equipamentos (facto assente por acordo das partes).

23.(14)-Tendo-lhe a autora enviado, nesse mesmo dia, a proposta cuja cópia se junta, como doc. n.º 15, no valor de € 64.204,58 + IVA (facto assente por acordo das partes).

24.(15)-O referido concurso foi ganho pela PRAGOSA, tendo-lhe sido adjudicada a obra pela Câmara Municipal do Cartaxo (facto assente por acordo das partes).

25.(16)-Seguidamente, a PRAGOSA voltou a contactar a autora por correio eletrónico de 31.7.2019, solicitando-lhe o envio de mais elementos e a indicação de prazos de fornecimento, tendo a autora respondido nesse mesmo dia, enviando uma proposta revista, no valor de € 48.871,59 + IVA, cuja cópia se junta, como doc. n.º 16, aqui se dando por reproduzida (facto assente por acordo das partes).

26.(17)-Contudo, a PRAGOSA não deu seguimento a essa proposta, não tendo chegado a formalizar qualquer encomenda à Autora (facto assente por acordo das partes).

27.(18)-Não tendo recebido qualquer resposta da PRAGOSA, a autora ainda a questionou sobre isso por e-mail de 22.11.2019, mas sem qualquer resultado.

28.(19)-Mais tarde, a autora veio a tomar conhecimento de que a PRAGOSA havia efetivamente fornecido ao Município do Cartaxo e instalado nessa localidade um conjunto de equipamentos, sendo 189 (cento e oitenta e nove) pilaretes e 12 (doze) papeleiras metálicas (facto assente por acordo das partes).

29.(20)-As papeleiras foram encomendadas à sociedade Vecourbandesign, Lda, tendo sido colocado o seguinte modelo:

30.(21)-A ré fabricou e colocou o seguinte modelo de pilarete:
(assente por confissão da Ré, aceite pela autora em sede de réplica)

31.(22)-O preço de venda dos 189 pilaretes e das 12 papeleiras “UFO”, de acordo com a proposta da autora de 31.7.2019, ascendia a um valor de € 17.657,43 (acrescido de IVA à taxa em vigor).

32.(23)-Tendo em conta a estrutura de custos da autora, essas vendas permitir-lhe-iam auferir uma margem bruta de € 9.132,69.

33.(24)-Margem essa que corresponde à soma das parcelas dos encargos fixos unitários com o lucro unitário, conforme explicitado infra:

P. CustoEncargos

    (30%)
    Margem (€)
Margem (%)
    P. Venda
UdMargem

    Total
Papeleira UFO229,70
    68,91€
      158,26€
      53
    456,87€
    12
    2.726,04
Pilaretes UFO34,22€
    10,27€
      23,58€
      53
    68,07€
189
    6.397,65

34.(25)-A ré conhecia os modelos fabricados pela autora (facto assente por acordo das partes).
([Da] contestação)
35.(26)-Em 25.1.2007, foi requerido junto do EUIPO o registo do modelo nº 000685995, com a seguinte configuração:

36.(27)-O registo foi concedido em 25.1.2007 e publicado em 27.3.2007.

37.(28)-Em 24-03-2011, foi requerido junto do INPI o registo do modelo nº 1000023527, a favor de Vecojuncal, Comércio de Mobiliário e Iluminação, Unipessoal, Lda, com a seguinte configuração:

38.(29)-O registo foi concedido em 09.06.2011 e publicado em 17.06.2011.

39.(30)-O mapa de quantidades do concurso público promovido pela Câmara Municipal do Cartaxo previa o fornecimento de pilaretes em metal, com corpo em barra de aço de 8 cm duplamente quinada, 90 cm de altura, metalizada e pintada a esmalte forja, com reforço no interior e barra refletora no topo, sendo a referência o modelo UFO meramente exemplificativa.

40.(31)-Após lhe ser adjudicada a obra em questão, a ré Pragosa efetuou consultas ao mercado para poder adquirir e fornecer os equipamentos de mobiliário em questão, uma vez que os não produz.

41.(32)-Tendo consultado a autora e a co-ré Vecourbandesign, tendo decidido fabricar os pilaretes na sua oficina de metalomecânica e adquirir as papeleiras à co-Ré Vecourbandesign.

42.(33)-Equipamentos que forneceu e instalou na obra em questão.

43.(34)-A papeleira da co-ré Vecourbandesign encontra-se titulada pelo registo do desenho ou modelo nacional 2249.

Factos não provados

(Da petição inicial)
44.(1)-As rés agiram com intenção de imitar os modelos registados da autora e com perfeita
consciência da ilicitude do seu comportamento, visando beneficiar economicamente com a sua conduta, produzindo e fornecendo cópias mais baratas dos modelos desta.

45.(2)-Os produtos fabricados pela2ª ré têm uma qualidade inferior e uma aparência menos perfeita, que afeta a imagem comercial dos produtos genuínos fabricados pela autora.

46.(3)-A perda da imagem de exclusividade relativa a este modelo e a menor qualidade dos produtos da 2ª ré, dissuadirá os interessados neste tipo de produtos de procurar a Autora.

47.(4)-A autora comunicou à PRAGOSA que os seus modelos estavam registados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial e que não toleraria cópias dos meus modelos exclusivos.

(Da contestação)
48.(5)-No mapa de quantidades do concurso público lançado pela Câmara Municipal do Cartaxo refere-se o fornecimento de papeleiras em estrutura em barra de aço, metalizada e pintada a cinza esmalte forja, com contentor interno em plástico rotomoldado.

49.(6)-As papeleiras colocadas em obra são fabricadas em chapa de ferro com 4 mm de espessura dispondo de um sistema de abertura reclinável com fecho e fixação ao solo com 4 buchas metálicas M8.

Quadro legal relevante

Directiva 98/71/CE (Desenhos ou modelos)

Artigo 1º
Definições
Para efeitos do disposto na presente directiva:
a)-«Desenho ou modelo» designa a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto, resultante das características, nomeadamente de linhas, contornos, cores, forma, textura e/ou materiais do próprio produto e/ou da sua ornamentação;
b)-«Produto» designa qualquer artigo industrial ou de artesanato, incluindo, entre outros, os componentes para montagem de um produto complexo, as embalagens, os elementos de apresentação, os símbolos gráficos e os caracteres tipográficos, mas excluindo os programas de computador;
c)-«Produto complexo» designa qualquer produto composto por componentes múltiplos susceptíveis de serem dele retirados para o desmontar e nele recolocados para o montar novamente.


Directiva 2004/48/CE (Respeito pelos direitos de propriedade intelectual)

Considerando (17)
As medidas, procedimentos e recursos previstos na presente directiva deverão ser determinados, em cada caso, de modo a ter devidamente em conta as características específicas desse mesmo caso, nomeadamente as características específicas de cada direito de propriedade intelectual e, se for caso disso, o carácter intencional ou não intencional da violação.

Considerando (24)
Consoante os casos e quando as circunstâncias o justifiquem, as medidas, procedimentos e recursos a prever deverão incluir medidas de proibição que visem impedir novas violações dos direitos de propriedade intelectual. Além disso, haverá que prever medidas correctivas, nos casos adequados a expensas do infractor, como a retirada do mercado, o afastamento definitivo dos circuitos comerciais ou a destruição dos bens litigiosos e, em determinados casos, dos materiais e instrumentos predominantemente utilizados na criação ou no fabrico desses mesmos bens. Estas medidas correctivas devem ter em conta os interesses de terceiros, nomeadamente os interesses dos consumidores e de particulares de boa fé.

Considerando (27)
Como forma de dissuadir os futuros infractores e de contribuir para a sensibilização do público em geral, será também útil publicar as decisões proferidas nos casos de violação de propriedade intelectual.

Artigo 13.º
Indemnizações por perdas e danos
1.Os Estados-Membros devem assegurar que, a pedido da parte lesada, as autoridades judiciais competentes ordenem ao infractor que, sabendo-o ou tendo motivos razoáveis para o saber, tenha desenvolvido uma actividade ilícita, pague ao titular do direito uma indemnização por perdas e danos adequada ao prejuízo por este efectivamente sofrido devido à violação.
Ao estabelecerem o montante das indemnizações por perdas e danos, as autoridades judiciais:
a)-Devem ter em conta todos os aspectos relevantes, como as consequências económicas negativas, nomeadamente os lucros cessantes, sofridas pela parte lesada, quaisquer lucros indevidos obtidos pelo infractor e, se for caso disso, outros elementos para além dos factores económicos, como os danos morais causados pela violação ao titular do direito; ou
b)-Em alternativa à alínea a), podem, se for caso disso, estabelecer a indemnização por perdas e danos como uma quantia fixa, com base em elementos como, no mínimo, o montante das remunerações ou dos direitos que teriam sido auferidos se o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual em questão.
2.Quando, sem o saber ou tendo motivos razoáveis para o saber, o infractor tenha desenvolvido uma actividade ilícita, os Estados-Membros podem prever a possibilidade de as autoridades judiciais ordenarem a recuperação dos lucros ou o pagamento das indemnizações por perdas e danos, que podem ser pré-estabelecidos.

Artigo 14.º
Custas
Os Estados-Membros devem assegurar que as custas judiciais e outras despesas, razoáveis e proporcionadas, da parte vencedora no processo, sejam geralmente custeados pela parte vencida, excepto se, por uma questão de equidade, tal não for possível.

Código de Processo Civil

Artigo 3.º
Necessidade do pedido e da contradição
1-O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2-Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3-O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
4-Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.

Código da Propriedade Industrial ou CPI

Artigo 4.º
Efeitos
1-Os direitos conferidos por patentes, modelos de utilidade e registos abrangem todo o território nacional.
2-Sem prejuízo do que se dispõe no número seguinte, a concessão de direitos de propriedade industrial implica mera presunção jurídica dos requisitos da sua concessão.
3-O registo das recompensas garante a veracidade e autenticidade dos títulos da sua concessão e assegura aos titulares o seu uso exclusivo por tempo indefinido.
4-Os registos de marcas, de logótipos e de denominações de origem e de indicações geográficas constituem fundamento de recusa ou de anulação de denominações sociais ou firmas com eles confundíveis, se os pedidos de autorização ou de alteração forem posteriores aos pedidos de registo.
5-As ações de anulação dos atos decorrentes do disposto no número anterior só são admissíveis no prazo de 10 anos a contar da publicação no Diário da República da constituição ou de alteração da denominação social ou firma da pessoa coletiva, salvo se forem propostas pelo Ministério Público.

Artigo 34.º
Processos de declaração de nulidade e de anulação
1-A declaração de nulidade ou a anulação de patentes, de certificados complementares de proteção, de modelos de utilidade e de topografias de produtos semicondutores só podem resultar de decisão judicial.
2-A declaração de nulidade ou a anulação de registos de desenhos ou modelos, de marcas, de logótipos, de denominações de origem, de indicações geográficas e de recompensas resulta de decisão do INPI, I. P., salvo quando resulte de um pedido reconvencional deduzido no âmbito de uma ação que corra termos no tribunal.
3-Têm legitimidade para intentar as ações judiciais referidas no número anterior o Ministério Público ou qualquer interessado, devendo ser citados, para além do titular do direito registado, todos os que, à data da publicação do averbamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º, tenham requerido o averbamento de direitos derivados no INPI, I. P., e, ainda, o Ministério Público sempre que este atue em representação do Estado ou de ausentes.
4-Têm legitimidade para apresentar os pedidos referidos na primeira parte do n.º 2 qualquer interessado, devendo ser citados ou notificados, para além do titular do direito registado, todos os que, à data da publicação do averbamento previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 29.º, tenham requerido o averbamento de direitos derivados no INPI, I. P.
5-Nos casos previstos no n.º 1, quando a decisão definitiva transitar em julgado, a secretaria do tribunal remete a mesma ao INPI, I. P., sempre que possível por transmissão eletrónica de dados ou em suporte considerado adequado, para efeito de publicação do respetivo texto e correspondente aviso no Boletim da Propriedade Industrial, bem como do respetivo averbamento.
6-Sempre que sejam intentadas as ações judiciais referidas no n.º 1 e na parte final do n.º 2, o tribunal deve comunicar esse facto ao INPI, I. P., se possível por transmissão eletrónica de dados, para efeito do respetivo averbamento.
7-As ações judiciais de anulação e os pedidos de anulação apresentados no INPI, I. P., devem ser intentados ou apresentados no prazo de cinco anos a contar do despacho de concessão das patentes, dos modelos de utilidade e dos registos a que respeitam.

Artigo 173.º
Definição de desenho ou modelo
O desenho ou modelo designa a aparência da totalidade, ou de parte, de um produto resultante das características de, nomeadamente, linhas, contornos, cores, forma, textura ou materiais do próprio produto e da sua ornamentação.

Artigo 174.º
Definição de produto
1-Produto designa qualquer artigo industrial ou de artesanato, incluindo, entre outros, os componentes para montagem de um produto complexo, as embalagens, os elementos de apresentação, os símbolos gráficos e os carateres tipográficos, excluindo os programas de computador.
2-Produto complexo designa qualquer produto composto por componentes múltiplos suscetíveis de serem dele retirados para o desmontar e nele recolocados para o montar novamente.

Artigo 175.º
Requisitos de concessão
1-Gozam de proteção legal os desenhos ou modelos novos que tenham caráter singular.
2-Gozam igualmente de proteção legal os desenhos ou modelos que, não sendo inteiramente novos, realizem combinações novas de elementos conhecidos ou disposições diferentes de elementos já usados, de molde a conferirem aos respetivos produtos caráter singular.
3-Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o mesmo requerente pode, até à divulgação do desenho ou modelo, pedir o registo de outros desenhos ou modelos que difiram do apresentado inicialmente apenas em pormenores sem importância.
4-Considera-se que o desenho ou modelo, aplicado ou incorporado num produto que constitua um componente de um produto complexo, é novo e possui caráter singular sempre que, cumulativamente:
a)-Deste se puder, razoavelmente, esperar que, mesmo depois de incorporado no produto complexo, continua visível durante a utilização normal deste último;
b)-As próprias características visíveis desse componente preencham os requisitos de novidade e de caráter singular.
5-Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, entende-se por utilização normal a utilização feita pelo utilizador final, excluindo-se os atos de conservação, manutenção ou reparação.
6-Não são protegidas pelo registo:
a)-As características da aparência de um produto determinadas, exclusivamente, pela sua função técnica;
b)-As características da aparência de um produto que devam ser, necessariamente, reproduzidas na sua forma e dimensões exatas, para permitir que o produto em que o desenho ou modelo é incorporado, ou em que é aplicado, seja ligado mecanicamente a outro produto, quer seja colocado no seu interior, em torno ou contra esse outro produto, de modo que ambos possam desempenhar a sua função.
7-O registo do desenho ou modelo é possível nas condições definidas no artigo seguinte e no artigo 177.º desde que a sua finalidade seja permitir uma montagem múltipla de produtos intermutáveis, ou a sua ligação num sistema modular, sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior.
8-Se o registo tiver sido recusado, nos termos dos n.os 1 a 3 e das alíneas a), d) a f) do n.º 4 do artigo 192.º, ou declarado nulo ou anulado nos termos dos artigos 202.º a 207.º, o desenho ou modelo pode ser registado, ou o respetivo direito mantido sob forma alterada, desde que, cumulativamente:
a)-Seja mantida a sua identidade;
b)-Sejam introduzidas as alterações necessárias, por forma a preencher os requisitos de proteção.
9-O registo ou a sua manutenção sob forma alterada, referidos no número anterior, podem ser acompanhados de uma declaração de renúncia parcial do seu titular, ou da decisão pela qual tiver sido declarada a nulidade parcial ou anulado parcialmente o registo.

Artigo 177.º
Caráter singular
1-Considera-se que um desenho ou modelo possui caráter singular se a impressão global que suscita no utilizador informado diferir da impressão global causada a esse utilizador por qualquer desenho ou modelo divulgado ao público antes da data do pedido de registo ou da prioridade reivindicada.
2- Na apreciação do caráter singular é tomado em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs para a realização do desenho ou modelo.

Artigo 193.º
Âmbito da protecção
1-O âmbito da proteção conferida pelo registo abrange todos os desenhos ou modelos que não suscitem uma impressão global diferente no utilizador informado.
2-Na apreciação do âmbito de proteção deve ser tomado em consideração o grau de liberdade de que o criador dispôs para a realização do seu desenho ou modelo.

Artigo 197.º
Direitos conferidos pelo registo
1-O registo de um desenho ou modelo confere ao seu titular o direito exclusivo de o utilizar e de proibir a sua utilização por terceiros sem o seu consentimento.
2-A utilização referida no número anterior abrange, em especial, o fabrico, a oferta, a colocação no mercado, a importação, a exportação ou a utilização de um produto em que esse desenho ou modelo foi incorporado, ou a que foi aplicado, bem como a armazenagem desse produto para os mesmos fins.

Artigo 347.º
Indemnização por perdas e danos
1-Quem, com dolo ou mera culpa, viole ilicitamente o direito de propriedade industrial ou segredo comercial de outrem, fica obrigado a indemnizar a parte lesada pelos danos resultantes da violação.
2-Na determinação do montante da indemnização por perdas e danos, o tribunal deve atender nomeadamente ao lucro obtido pelo infrator e aos danos emergentes e lucros cessantes sofridos pela parte lesada e deverá ter em consideração os encargos suportados com a proteção, a investigação e a cessação da conduta lesiva do seu direito.
3-Para o cálculo da indemnização devida à parte lesada, deve atender-se à importância da receita resultante da conduta ilícita do infrator.
4-O tribunal deve atender ainda aos danos não patrimoniais causados pela conduta do infrator.
5-Na impossibilidade de se fixar, nos termos dos números anteriores, o montante do prejuízo efetivamente sofrido pela parte lesada, e desde que esta não se oponha, pode o tribunal, em alternativa, estabelecer uma quantia fixa com recurso à equidade, que tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas pela parte lesada caso o infrator tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos de propriedade industrial ou os segredos comerciais em questão e os encargos suportados com a proteção do direito de propriedade industrial ou do segredo comercial, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva.
6-Quando, em relação à parte lesada, a conduta do infrator constitua prática reiterada ou se revele especialmente gravosa, pode o tribunal determinar a indemnização que lhe é devida com recurso à cumulação de todos ou de alguns dos aspetos previstos nos n.ºs 2 a 5.
7-Em qualquer caso, o tribunal deve fixar uma quantia razoável destinada a cobrir os custos, devidamente comprovados, suportados pela parte lesada com a investigação e a cessação da conduta lesiva.

Artigo 348.º
Sanções acessórias
1-Sem prejuízo da fixação de uma indemnização por perdas e danos, a decisão judicial de mérito deve, a pedido do lesado e a expensas do infrator, determinar medidas relativas ao destino dos bens em que se tenha verificado violação dos direitos de propriedade industrial ou dos segredos comerciais.
2-As medidas previstas no número anterior devem ser adequadas, necessárias e proporcionais à gravidade da violação, podendo incluir a destruição, a retirada ou a exclusão definitiva dos circuitos comerciais, sem atribuição de qualquer compensação ao infrator.
3-Na aplicação destas medidas, o tribunal deve ter em consideração os legítimos interesses de terceiros, em particular dos consumidores.
4-Os instrumentos utilizados no fabrico dos bens em que se manifeste violação dos direitos de propriedade industrial ou dos segredos comerciais devem ser, igualmente, objeto das sanções acessórias previstas no presente artigo.

Artigo 349.º
Medidas inibitórias
1-A decisão judicial de mérito pode igualmente impor ao infrator uma medida destinada a inibir a continuação da infração verificada.
2-As medidas previstas no número anterior podem compreender:
a)-A interdição temporária do exercício de certas atividades ou profissões;
b)-A privação do direito de participar em feiras ou mercados;
c)-O encerramento temporário ou definitivo do estabelecimento.
3-O disposto no presente artigo é aplicável a qualquer intermediário cujos serviços estejam a ser utilizados por terceiros para violar direitos de propriedade industrial ou segredos comerciais.
4-Nas decisões de condenação à cessação de uma atividade ilícita, o tribunal pode prever uma sanção pecuniária compulsória destinada a assegurar a respetiva execução.

Artigo 350.º
Publicação das decisões judiciais
1-A pedido do lesado e a expensas do infrator, pode o tribunal ordenar a publicitação da decisão final.
2-A publicitação prevista no número anterior pode ser feita através da publicação no Boletim da Propriedade Industrial ou através da divulgação em qualquer meio de comunicação que se considere adequado.
3-A publicitação é feita por extrato, do qual constem elementos da sentença e da condenação, bem como a identificação dos agentes.

Apreciação do recurso

A.Erro na interpretação e aplicação do regime previsto no artigo 193.º do CPI

50.O presente recurso é limitado à questão de saber se houve ou não infracção a um dos desenhos ou modelos objecto da acção, a saber o desenho ou modelo nacional do pilarete registado a favor da recorrente com o n.º 3349. Com efeito, a recorrente começa por esclarecer, na motivação de recurso, que se conformou com a decisão recorrida no que respeita à absolvição dos pedidos relacionados com o desenho ou modelo n.º 5996 (papeleira) e que a sua discordância, no presente recurso, tem por base unicamente o âmbito de protecção do desenho ou modelo nacional n.º 3349, à luz do artigo 193.º do CPI.

51.Delimitado assim o objecto do recurso, importa então considerar que o Tribunal a quo julgou não ter havido infração ao desenho e modelo nacional n.º 3349 (pilarete) mas a recorrente discorda dessa solução, defendendo que o Tribunal de primeira instância incorreu em erro de direito por não ter aplicado correctamente o artigo 193.º do CPI.

52.Para resolver a controvérsia há que recordar que o desenho ou modelo do pilarete registado a favor da recorrente, com o nº 3349, goza de uma mancha de protecção conferida pelo artigo 193.º do CPI que abrange não só pilaretes idênticos, mas também todos aqueles cuja aparência não cause no utilizador informado uma impressão global diferente. Citando a doutrina a propósito da interpretação do artigo 193.º do CPI, que aqui está causa (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, página 779):

“Por outras palavras, o titular do registo pode proibir não apenas os desenhos ou modelos iguais ao seu, mas também aqueles que sejam semelhantes ao ponto de causar a mesma impressão global ao utilizador informado.”

53.O regime legal aplicável aos desenhos ou modelos nacionais está consagrado nos artigos 173.º a 207.º do CPI, preceitos que, adicionalmente, transpõem para o direito nacional a Directiva 98/71/CE. Pelo que, na análise que se segue este Tribunal interpretará o direito nacional de maneira conforme à Directiva 98/71/CE e levará em conta a jurisprudência relevante do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) e do Tribunal Geral da União Europeia (TG), mencionada infra.

54.Assim, a recorrente fez prova de ser titular do registo do desenho ou modelo nacional do pilarete, com o nº 3349, desde 4.9.2013 (cf. factos provados 8 e 9 da sentença recorrida).

55.Ficou igualmente provado que a recorrida fabricou e forneceu à Câmara Municipal do Cartaxo, onde estão instalados na via pública, 189 pilaretes, no âmbito de um procedimento de contratação pública (cf. factos provados 12 a 19 da sentença recorrida).

56.As características do desenho ou modelo da recorrente e a aparência dos pilaretes conflituantes, resultam igualmente dos factos apurados (cf. factos provados 9 e 21 da sentença recorrida). A esse propósito, o Tribunal constata que, em ambos os pilaretes em conflito, a barra usada é um sólido (paralelepípedo), moldada em forma de U ou rectângulo sem um dos lados mais curtos. No pilarete comercializado pela recorrida, no interior desse rectângulo, a unir os dois lados mais longos, existe um reforço, aqui designado por reforço interior, que é visível do ponto de vista representado na figura do parágrafo 30. Está igualmente assente que o pilarete comercializado pela recorrida tem reflectores.

57.Extrai-se dos factos provados e é aceite pela recorrente na motivação de recurso, que o pilarete comercializado pela recorrida difere do desenho ou modelo n.º 3349, de cujo registo é titular a recorrente, quanto aos dois aspectos acima mencionados: o pilarete comercializado pela recorrida tem um reforço interior e tem reflectores; elementos que não estão presentes no desenho ou modelo do pilarete registado a favor da recorrente.

58.A sentença recorrida julgou que, devido a essas duas diferenças que visaram dar resposta a especificações exigidas pela Câmara Municipal do Cartaxo na proposta de contratação pública, o pilarete comercializado pela recorrida causa uma impressão global diferente no utilizador informado. A recorrente discorda dessa apreciação e defende que tais diferenças dizem respeito a acessórios, que não são visíveis de todas as perspectivas, pelo que, quando vistos de certas perspectivas, os pilaretes comercializados pela recorrida causam a mesma impressão global no utilizador informado e, além do mais, as especificações técnicas exigidas na proposta de contratação pública não constituem uma limitação válida ao direito ao desenho ou modelo da recorrente.

59.Para resolver a controvérsia o Tribunal começa aqui por sublinhar que o direito ao desenho ou modelo protege a aparência da totalidade ou de uma parte de um produto que resulta das suas caraterísticas, nomeadamente, a forma, o contorno, as cores, as linhas, a textura, os materiais ou a ornamentação (cf. artigo 173.º do CPI e artigo 1.º - a) da Directiva 98/71/CE).

60.A noção de produto engloba qualquer artigo industrial ou de artesanato, incluindo os componentes para montagem de um produto complexo, as embalagens, os elementos de apresentação, símbolos gráficos, caracteres tipográficos (cf. artigo 174.º n.º 1 do CPI e artigo 1.º - b) da Directiva 98/71/CE).

61.Perante a alegação da recorrente de que os elementos diferenciadores dos pilaretes fornecidos pela recorrida à Câmara Municipal do Cartaxo são meros acessórios, convém clarificar também que não foi feita prova suficiente de que o pilarete comercializado pela recorrida seja um produto complexo. Com efeito, a noção de produto complexo constante do artigo 174.º n.º 2 do CPI exige a presença de múltiplos componentes passíveis de desmontagem e remontagem, nomeadamente para efeitos de reparação. Embora a noção de produto complexo seja discutível, afigura-se que a parte componente de um produto complexo deve ser, não apenas destacável, mas ter autonomia económica, embora com dependência funcional, servindo exclusivamente para ser recolocada no produto complexo (cf. Luís Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial, 9.ª Edição, Almedina, página 146). Ora, não foi feita prova de que o reforço interior ou os reflectores, existentes nos pilaretes comercializados pela recorrida tenham tais características ou sejam destacáveis. Mas, ainda que assim não fosse, ou seja, ainda que se tivesse provado que o reforço interior e os reflectores existentes no pilarete comercializado pela recorrida são componentes de um produto complexo, desde que os mesmos sejam visíveis, devem ser levados em conta na apreciação do presente litígio (cf. artigo 175.º n.º 4 do CPI).

62.Importa ainda ter presente que os requisitos de protecção de qualquer desenho ou modelo nacional são os seguintes: a novidade (artigos 175º n.º 1 do CPI); a singularidade (artigo 175.º n.ºs 1 do CPI); a visibilidade (artigo 173.º do CPI); a realidade prática, que resulta da susceptibilidade de o desenho ou modelo ser incorporado num produto (cf. artigos 173.º e 174.º n.º 1 do CPI); o requisito negativo de protecção previsto no artigo 175.º n.º 6 do CPI (arbitrariedade); e a licitude (artigo 192º do CPI).

63.No caso em análise, afigura-se que é a singularidade o requisito de protecção que está em causa, de entre os mencionados no parágrafo anterior. Com efeito, a recorrente discorda da apreciação que o Tribunal a quo fez da singularidade, para efeitos da aplicação do artigo 193.º do CPI, defendendo que existe erro de direito na aplicação e interpretação do critério do utilizador informado, levado em conta na sentença recorrida quando apreciou a singularidade.

64.A análise da singularidade serve, não só, para permitir aceder à proteção concedida pelo registo (cf. artigos 175.º n.º 1 e 177.º do CPI) como para delimitar a defesa do exclusivo perante a alegada infracção, que é o que está em causa no presente recurso (cf. artigos 193.º e 197.º do CPI). Ou seja, a bitola para apreciar a singularidade é a mesma nesses dois momentos, como será mencionado infra.

65.Convém também sublinhar que, da comparação entre a redacção do artigo 193.º com a redacção do artigo 177.º, do CPI, resulta a simetria entre, por um lado, os critérios de aferição do carácter singular para aceder à protecção e, por outro lado, os critérios de delimitação do âmbito de protecção, para apurar a existência de infracção. A propósito desta equivalência, que encontra expressão no princípio da reciprocidade, o Tribunal cita a seguinte doutrina (cf. Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, página 780):

“Esta simetria normativa implica que o âmbito de exclusividade que o titular de um desenho ou modelo pode reivindicar depende do grau de criatividade daquilo que concebeu. Em consequência, a eventual existência de infracção a um desenho ou modelo deverá ser julgada com o mesmo critério que foi utilizado para medir o caracter singular desse mesmo desenho ou modelo. A generalidade da doutrina conflui na ideia de que deve usar-se a mesma bitola quer na aquisição do direito quer na defesa desse direito. (...) É em função do que haja de pessoal no trabalho do criador que se delimitará o âmbito do seu direito. Por isso Pedro Sousa e Silva refere que “o âmbito de protecção de que beneficia um desenho ou modelo é directamente proporcional ao seu carácter singular: um elevado grau de singularidade confere ao desenho ou modelo um largo âmbito de protecção, enquanto que um grau de singularidade modesto apenas permite um âmbito de protecção estreito”.

66.Assim, para saber se existe singularidade dos desenhos ou modelos importa percorrer as quatro etapas, estabelecidas pela jurisprudência do TG no acórdão T-666/11, parágrafos 28 a 32 e nos demais acórdãos a seguir mencionados do TG e do TJUE:

1)-Primeira etapa: identificar o sector dos produtos em que se incorporam os desenhos ou modelos (artigo 183.º n.º 1 – b) do CPI), que neste caso é o mobiliário urbano, exterior;
2)-Segunda etapa: definir o conceito de utilizador informado, como alguém, entre o consumidor médio e o especialista, com vigilância especial em razão da sua experiência pessoal e porque tem alguns conhecimentos da arte prévia no sector do mobiliário urbano; a este propósito, se o grau de saturação da arte prévia for elevado (crowded art rule) isso justifica que se conceda protecção a inovações mais modestas mas, o grau de saturação não influencia o grau de liberdade criativa, repercute-se é na impressão global do utilizador informado, na medida em que a saturação da arte prévia torna o utilizador informado mais sensível às diferenças entre desenhos ou modelos mais recentes e os pré-existentes (cf. T-83/11 e T-84/11 parágrafo 89);
3)-Terceira etapa: ter em conta que o grau de liberdade do criador do desenho ou modelo (cf. artigo 193.º n.º 2 do CPI), quanto mais limitado for – devido a características impostas pela função técnica – mais as diferenças menores entre o desenho ou modelo mais recente e os desenhos ou modelos previamente existentes, são suficientes para suscitar uma impressão global diferente no utilizador informado (cf. T-83/11 e T-84/11 parágrafos 44 e 45);
4)-Quarta etapa: comparar o desenho ou modelo mais recente com os desenhos ou modelos pré-existentes para apurar se provocam no utilizador informado uma impressão global diferente (cf. artigo 193.º n.º 1do CPI), quando considerados individualmente e colocados par a par (cf. C- 345/13, parágrafo 35); a este propósito, não releva o escrutínio subjectivo baseado no conhecimento concreto do criador do desenho ou modelo; nesta comparação, que deve ser sintética, os desenhos ou modelos devem ser considerados tal como foram registados embora se possa ter em conta, a título ilustrativo, a existência de produtos efectivamente comercializados (cf. T-666/11, parágrafo 30); a arte prévia ao desenho ou modelo é composta pelos desenhos ou modelos divulgados nos termos previstos no artigo 178.º do CPI, ou seja, os que possam razoavelmente ter chegado ao conhecimento dos meios especializados do sector que operam na União Europeia; a impressão global a que se refere o artigo 193.º n.º 1 do CPI apenas pode ser visual (cf. T-9/07, parágrafo 50).

67.A este propósito, os elementos disponíveis nos autos são os seguintes:
  • O ramo de actividade em causa é o do mobiliário urbano;
  • Neste ramo, o utilizador informado não é um perito na área (um designer ou um arquitecto) mas um produtor, vendedor, revendedor, comprador que adquire e/ou instala, mobiliário urbano, em particular o tipo de produto no qual se incorpora o desenho ou modelo em causa que é um pilarete para protecção dos peões/dissuasor de estacionamento;
  • Relativamente ao estado da arte prévio ao registo da recorrente, resulta do facto provado 26 da sentença recorrida que, antes do registo do desenho ou modelo nacional n.º 3349 de que é titular a recorrente, já tinha sido publicado em 27.3.2007 e, portanto, divulgado, pelo Ofício da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), o pedido de registo apresentado por terceiro, de um desenho ou modelo da União Europeia com o nº 000685995, idêntico ao desenho ou modelo da recorrente (cf. factos provados constantes dos parágrafos 17 a 19, 35 a 36 e Doc. 1, junto à contestação da recorrida, com a referência citius 96335, do qual resulta que o pedido de registo do desenho ou modelo da União Europeia nº 000685995 foi apresentado em 25.1.2007, publicado em 27.3.2007 e caducou em 25.1 2017);
  • Tendo o desenho ou modelo da União Europeia nº 000685995, com a configuração constante do facto provado 26/parágrafo 35, sido publicado pelo EUIPO, como se apurou, o mesmo podia razoavelmente ter chegado ao conhecimento da recorrente, que opera num meio especializado, no mercado único, como se extrai dos factos provados 1 a 5 da sentença recorrida – cf. artigo 178.º n.º 1 do CPI.

68.Ora, no contexto mencionado no parágrafo anterior, a sentença recorrida, apesar de reconhecer que a recorrida não lançou mão do meio adequado, previsto nos artigos 34.º e 202.º a 207.º do CPI, para impugnar a singularidade do desenho ou modelo da recorrente, levou em conta o conhecimento pré-existente ou saturação da arte prévia, no que respeita à utilização de uma barra/paralelepípedo em forma de U (ou de rectângulo sem um dos lados mais curtos), o que conduz ao seguinte resultado: sendo apenas dignas de protecção as características visíveis, novas e singulares, incorporadas no produto da recorrente, tal como descrito no registo, inexistindo tais características, não existe infracção.

69.Porém, o problema que se coloca no presente recurso é o de saber que critérios levar em conta na comparação entre um desenho ou modelo registado a favor da recorrente e um produto comercializado pela recorrida sem que esta seja titular do respectivo desenho ou modelo registado. É neste contexto que importa determinar se se deve aplicar o critério da equivalência ou princípio da reciprocidade acima enunciado no parágrafo 65, mediante a apreciação das etapas mencionadas no parágrafo 66, levando em conta a arte prévia ao registo concedido à recorrente ou se, estando em conflito, por um lado, um direito ao desenho ou modelo registado a favor da recorrente e, por outro lado, os produtos – pilaretes fornecidos pela recorrida à Câmara Municipal do Cartaxo – relativamente aos quais não existe qualquer desenho ou modelo registado a favor da recorrida, o Tribunal deve aplicar a presunção juris tantum de validade, de que goza o direito da recorrente, para apreciar a singularidade. Com efeito, resulta do disposto no artigo 4.º n.º 2 do CPI que a concessão (à recorrente) do direito ao desenho ou modelo implica a presunção ilidível de que se verificam os requisitos para essa concessão, entre os quais a singularidade de tal desenho ou modelo. Pelo que, a não ser que a presunção seja ilidida pela via legalmente prevista, afigura-se que não é necessário, nem relevante, apreciar a arte prévia ao desenho ou modelo da recorrente para aferir se o mesmo é singular uma vez que isso se presume.

70.A este propósito, importa sublinhar que a presunção de que o direito ao desenho ou modelo registado a favor da recorrente goza de singularidade, não pode ser ilidida mediante a prova, feita nos presentes autos, de que foi divulgado previamente pelo EUIPO um pedido de registo de um desenho ou modelo idêntico. Isto porque a presunção de validade do direito da recorrente só pode ser ilidida nos termos previstos nos artigos 202º º a 207.º do CPI, a saber, mediante pedido de declaração de nulidade ou anulabilidade do desenho ou modelo da recorrente, apresentado ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), pelo interessado com legitimidade para o fazer, ou mediante reconvenção no âmbito de uma acção judicial, nos termos do artigo 34.º n.º 2 do CPI.

71.Não tendo a recorrida accionado nenhum dos mecanismos mencionados no parágrafo anterior para ilidir a presunção resultante do artigo 4.º n.º 2 do CPI, mantém-se a presunção de validade e, portanto, de singularidade, do direito da recorrente (cf. acórdão do TJUE no processo C-345/13, parágrafo 35), como aliás é mencionado na sentença recorrida.

72.Assim, ao comparar um desenho ou modelo registado com um produto comercializado por quem não detém o registo do respectivo desenho ou modelo, como é o caso, há que levar em conta que, tendo o registo dos direitos de propriedade intelectual natureza constitutiva à luz do direito nacional (cf. artigos 4.º e 197.º do CPI), sem registo a favor da recorrida, não há protecção. Neste contexto, o direito nacional prevê apenas a protecção provisória conferida pelo artigo 5.º do CPI, que permite assegurar ao titular de um simples pedido de registo uma defesa precária e condicional do seu direito, e o direito da União, no artigo 11.º n.º 1 do Regulamento 6/2002, prevê uma protecção menos intensa, durante três anos, que nasce do simples facto da divulgação do desenho ou modelo, que pode ocorrer mediante comercialização ou exposição do produto que o incorpora. Ora, a recorrida não provou factos que lhe permitam beneficiar de nenhuma destas formas de protecção, ainda que menos intensas do que a conferida pelo registo.

73.Em consequência, não tendo a recorrida requerido o registo de um desenho ou modelo dos pilaretes que comercializou, não beneficiando da protecção menos intensa conferida ao desenho ou modelo comunitário não registado e não tendo ilidido, pela via legalmente prevista, a presunção de validade de que goza o direito da recorrente, o Tribunal conclui que comercializou um produto que não beneficia da protecção legal conferida aos desenhos ou modelos, quer registados, quer não registados, mencionada no parágrafo 72. É ainda de notar que, ainda que a recorrida beneficiasse da protecção conferida pelo artigo 11.º n.º 1 do Regulamento 6/2002, aos desenhos ou modelos comunitários não registados, o nível de proteção conferido ao titular de um desenho ou modelo comunitário não registado é reduzido, pois, nos termos do artigo 19º n.º 2 do Regulamento n.º 6/2002, o titular apenas está protegido contra a cópia do seu desenho ou modelo comunitário não registado, o que também não é o caso nos presentes autos em que a situação é inversa, pois trata-se de saber se foi a recorrida que copiou o desenho ou modelo da recorrente (cf. C-123/20, parágrafo 42) .

74.À luz do que acima fica exposto, afigura-se que, por um lado, a recorrente não tem de provar a singularidade do seu desenho ou modelo cuja validade se presume e, por outro lado, a recorrida, ainda que gozasse da protecção precária conferida aos desenhos ou modelos não registados, o que não acontece, só poderia invocá-la perante cópias do seu modelo, situação que também não se verifica. Neste contexto, fica prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas em torno da singularidade, nomeadamente de saber se existiu liberdade criativa da recorrida e se o reforço e os reflectores existentes nos pilaretes que a recorrida comercializou, são visíveis de modo a causar no utilizador informado uma impressão global diferente.

75.Mas ainda que assim não fosse, quod non, importa sublinhar que a recorrida gozava de um certo grau de liberdade criativa quanto à forma do pilarete, apenas limitado pela função técnica de dissuadir o estacionamento mediante aplicação na via pública e simultaneamente não entorpecer a circulação de peões. A opção feita pela recorrida, de produzir um pilarete com uma barra em forma de U (ou de rectângulo sem um dos lados mais curtos), deveu-se ao clausulado na proposta de contratação pública, que indicou como exemplo do produto pretendido o desenho ou modelo da recorrente, e não a razões técnicas ou a imperativos legais. Em tais circunstâncias, as exigências feitas na proposta de contratação pública não excluem o grau de liberdade criativa da recorrida (cf. T-83/11 e T-84/11, parágrafo 49).

76.Quanto à questão de saber se a colocação de um reforço e de refletores, nos pilaretes comercializados pela recorrida, causaram no utilizador informado uma impressão global diferente, há que levar em conta que a aparência é um elemento determinante de um desenho ou modelo e, portanto, o facto de uma característica de um desenho ou modelo ser visível é uma condição essencial da sua protecção, como resulta do artigo 1.º - a) da Directiva 98/71, transposto no artigo 173.º do CPI (cf. processos conexos C – 361/15 e C- 405/15, parágrafos 62 e 63). A visibilidade, deve ser apreciada não só do ponto de vista do utilizador final do produto que, no caso em análise, é qualquer condutor, como do ponto de vista do observador externo, em geral qualquer utente da via pública (cf. C-472/21, parágrafo 46). Ora, à luz deste critério, que deve ser aplicado tanto no caso de modelos simples como de componentes de modelos complexos, o reforço interior e os reflectores existentes no pilarete comercializado pela recorrida são visíveis para um observador externo e para um utilizador final, como resulta do facto provado mencionado no parágrafo 30. Uma avaliação in abstracto da visibilidade do reforço interior e dos refletores existentes nos pilaretes comercializados pela recorrida, sem ligação com qualquer situação concreta de utilização desse produto, não basta mas, afigura-se que também não é de exigir – contrariamente ao que pretende a recorrente – que o pilarete continue visível na sua totalidade em cada momento da utilização (cf. acórdão do TJUE C-472/21, parágrafo 45).

77.Dito isto, não estando reunidas as condições para que a recorrida possa invocar, contra a recorrente, a protecção provisória conferida pelo artigo 5.º do CPI, nem a protecção conferida a um desenho ou modelo comunitário não registado, prevista no artigo 11.º n.º 1 do Regulamento 6/2002, impendia sobre a recorrida o ónus de provar que os pilaretes que fabricou e comercializou não tinham as mesmas características de conjunto do desenho ou modelo da recorrente. Ora, da prova produzida, o Tribunal conclui que, apesar de serem visíveis pequenas diferenças resultantes do reforço interior e dos reflectores, a recorrida fabricou e comercializou os pilaretes aqui em causa com as mesmas características de conjunto do desenho ou modelo da recorrente, como forma de dar resposta às exigências constantes da proposta de contratação pública, em particular a referência ao desenho ou modelo da recorrente, feita nessa proposta. É o que se extrai dos factos provados mencionados nos parágrafos 18, 22 a 30 e 39 a 42. O que leva este Tribunal a concluir que, tal como defende a recorrente, a mancha de protecção conferida ao direito da recorrente pelo artigo 193.º do CPI, cobre os pilaretes comercializados pela recorrida.

78.–Em consequência, afigura-se que existe infracção ao desenho ou modelo nacional n.º 3349, registado a favor da recorrente, podendo esta exercer o jus prohibendi previsto no artigo 197.º do CPI no que diz respeito aos pilaretes fabricados e comercializados pela recorrida, que aqui estão em causa.

79.Motivos pelos quais procede este segmento da argumentação da recorrente, devendo ser revogada, nessa parte, a sentença recorrida.

B.Consequências da infracção ao direito ao desenho ou modelo

80.Importa agora apreciar se existem fundamentos para aplicar o regime previsto nos artigos 347.º (indemnização), 348.º (sanções acessórias), 349.º (medidas inibitórias) e 350.º (publicação da decisão), do CPI, como defende a recorrente na motivação do recurso.

81.O artigo 347.º do CPI, que transpõe para a ordem interna os artigos 13.º e 14.º da Directiva 2004/48/CE, reforça a tutela dos direitos de propriedade intelectual na medida em que aligeira o requisito da culpa e consagra um conceito de dano que transcende os limites da teoria da diferença entre a situação real, em que o facto deixou o lesado e a situação hipotética, em que ele se encontraria sem o dano; porém, não resulta da Directiva 2004/48/CE a consagração de uma responsabilidade objectiva; adicionalmente, só são indemnizáveis “os danos resultantes da violação” como prevê o artigo 347.º n.º 1, ou seja, os interesses concretamente visados pelos artigos 13.º e 14.º Directiva 2004/48/CE não substituem a exigência de um nexo de causalidade adequada mas são um elemento a levar em conta na resolução das dúvidas que possam surgir quanto à existência da ilicitude ou do nexo de causalidade, de modo a que a interpretação do direito nacional seja conforme aos objectivos da directiva (cf. João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, 4.ª Edição, Almedina, páginas 809 e 814 e Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, páginas 1261 a 1271).

82.Feito este enquadramento e verificados que estão os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual (o facto, a ilicitude, o dano, o nexo de causalidade adequada entre o facto e o dano e a culpa), a quantificação da indemnização deve basear-se na ponderação dos elementos enunciados de forma exemplificativa no artigo 347.º do CPI, que estiverem disponíveis nos autos, a saber: (a)- os danos de natureza patrimonial e não patrimonial; (b)- os danos emergentes, o lucro cessante e o lucro obtido pelo infractor; (c)- os encargos suportados com a protecção do direito violado, com a investigação da infracção e com a cessação da conduta lesiva (cf. Abrantes Geraldes, citado em Código da Propriedade Industrial Anotado, Coordenação: Luís Couto Gonçalves, Almedina, página 1266).

83.A esta luz, embora não se tenha provado o dolo directo da recorrida (cf. parágrafos 44 e 47), provou-se a mera culpa a que se refere o artigo 347.º n.º 1 do CPI, já que, estando o direito da recorrente registado/publicado e sendo feita alusão a esse direito na proposta de contratação pública, a recorrida tinha motivos razoáveis para poder prever e evitar a ilicitude da sua conduta.

84.Dos factores elencados no parágrafo 82, provaram-se apenas os danos de natureza patrimonial que resultam do lucro cessante da recorrente, no valor 6.937,65 euros que é o valor pedido feito pela recorrente (cf. parágrafos 1 e 6, facto provado constante do parágrafo 33 e factos não provados constantes dos parágrafos 45 e 46).

85.Pelo que, dentro dos limites do provado e do pedido (cf. artigo 3.º n.º 1 do Código de Processo Civil), o Tribunal fixa em 6.937,65 euros o montante da indemnização a pagar pela recorrida à recorrente, a que acrescem os juros à taxa legal anual, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento (cf. artigos 347.º n.º 2 do CPI, 805.º n.º 3 e 806.º n.ºs 2 e 3 do Código Civil). Procedendo o pedido indemnizatório formulado a título principal, fica prejudicada a apreciação do pedido indemnizatório formulado subsidiariamente.

86.A recorrente pede ainda ao Tribunal que condene a recorrida a cessar a actividade ilícita e aplique uma sanção pecuniária compulsória no valor de 200 euros por cada pilarete que a recorrida venha a produzi ou comercializar (cf. parágrafos 1 e 6).

87.Tendo em conta as circunstâncias concretas do caso, já acima analisadas, nomeadamente a gravidade média da infracção, a referência ao modelo da recorrente feita na proposta de contratação pública, o preço de venda de cada pilarete praticado pela recorrente (68,00 euros), o valor do dano apurado (6.937,65 euros), o grau de culpa da recorrida (mera culpa) e a necessidade de prevenir infracções futuras, afigura-se adequado impor à recorrida uma medida inibitória da continuação da infracção verificada. Tal medida não consiste na inibição da utilização dos pilaretes, como pede a recorrente, pois o desenho ou modelo da recorrente incorpora-se em pilaretes destinados também a utilização pública mas deve consistir na inibição da recorrida produzir e comercializar pilaretes que infrinjam o direito da autora; a esta medida inibitória acresce uma sanção pecuniária compulsória que o Tribunal, à luz dos factores acima enunciados e tendo em conta os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, fixa no valor de 100 euros por cada pilarete que a recorrida venha a produzir ou comercializar em desobediência à medida inibitória – cf. artigo 349.º do CPI.

88.Adicionalmente, a recorrente pede a destruição dos pilaretes instalados pela recorrida na via pública, ao abrigo do disposto no artigo 348.º do CPI. A aplicação desta medida correctiva deve levar em conta o grau de culpa do infractor, os interesses de terceiros de boa-fé, a necessidade de mitigar os efeitos da infracção e as demais circunstâncias concretas apuradas, à luz do princípio da proporcionalidade – cf. considerandos (17) e (24) da Directiva 2004/48/CE. Nesse contexto, afigura-se desproporcional aos interesses em jogo, ordenar a destruição dos pilaretes comercializados pela recorrida, tendo em conta que: os pilaretes foram adquiridos pela Câmara Municipal do Cartaxo; destinam-se a uso público e já estão instalados na via pública (cf. parágrafo 42); a sua destruição acarretaria transtorno para terceiros de boa fé, os utentes da via pública em geral; não se apuraram danos causados na imagem da recorrente (cf. parágrafos 45 e 46); a recorrida agiu com mera culpa (cf. parágrafo 44); a indemnização pelos lucros cessantes, já acima ordenada, acrescida dos juros de mora legais, afigura-se suficiente e proporcional para mitigar os efeitos da infracção aqui apurados.

89.Pelo que, o Tribunal não ordena a destruição dos pilaretes aqui em causa, fornecidos pela recorrida à Câmara Municipal do Cartaxo, uma vez que tal medida se afigura desproporcional à luz da ponderação feita no parágrafo anterior.

90.Enfim, a recorrente pede a publicação da sentença no jornal diário e no jornal semanário de maior tiragem à data da sentença, a expensas da recorrida. À luz do considerando (27) da Directiva 2004/48/CE a publicação das decisões judiciais é uma forma de dissuadir os futuros infractores e de sensibilizar o público em geral. Pelo que, afigura-se adequado ordenar a divulgação da presente decisão, após trânsito, num jornal diário e num jornal semanário, de maior tiragem nacional à data do trânsito, a expensas da recorrida – cf. artigo 350.º n.ºs 1 e 2 do CPI. A publicitação deve ser feita nos termos previstos no artigo 350.º n.º 3 do CPI.

Em síntese

91.–Da prova produzida, o Tribunal conclui que, apesar de serem visíveis pequenas diferenças resultantes do reforço interior e dos reflectores, a recorrida fabricou e comercializou os pilaretes aqui em causa com as mesmas características de conjunto do desenho ou modelo da recorrente, como forma de dar resposta à referência ao desenho ou modelo da recorrente, feita na proposta de contratação pública. Daqui resulta que, não gozando os pilaretes comercializados pela recorrida de protecção resultante de um registo, de um pedido de registo ou da divulgação de um desenho ou modelo comunitário não registado, nem tendo a recorrida ilidido, pela forma legalmente prevista, a presunção de singularidade de que goza o desenho ou modelo registado a favor da recorrente, resultante do artigo 4.º n.º 2 do CPI, a mancha de protecção conferida ao direito da recorrente pelo artigo 193.º do CPI, cobre os pilaretes comercializados pela recorrida.

92.Em consequência, afigura-se que existe infracção ao desenho ou modelo nacional n.º 3349, registado a favor da recorrente, podendo esta exercer o jus prohibendi previsto no artigo 197.º do CPI no que diz respeito aos pilaretes fabricados e comercializados pela recorrida, que aqui estão em causa.

93.De entre as consequências da infracção, previstas nos artigos 347.º a 350.º do CPI, o Tribunal aplica as seguintes medidas: condena a recorrida a pagar à recorrente uma indemnização no valor de 6.937,65 euros, acrescida de juros à taxa legal anual, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; impõe à recorrida uma medida inibitória da continuação da infracção ao desenho ou modelo nacional da recorrente com o nº 3349, acrescida de uma sanção pecuniária compulsória no valor de 100 euros por cada pilarete que a recorrida venha a produzir ou a comercializar em desobediência à medida inibitória; ordena a divulgação da presente decisão, após trânsito, num jornal diário e num jornal semanário, de maior tiragem nacional à data do trânsito, a expensas da recorrida, nos termos do artigo 350.º n.º 3 do CPI.

94.No mais, improcede o recurso.


Decisão

Acordam os Juízes desta secção em julgar parcialmente procedente o recurso e, em conformidade:

I.Revogar a sentença recorrida.
II.Condenar a recorrida a pagar à recorrente uma indemnização no valor de 6.937,65 euros (seis mil novecentos e trinta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos), acrescida de juros à taxa legal anual, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
III.Inibir a recorrida de continuar a infracção ao desenho ou modelo nacional da recorrente com o nº 3349 (pilarete).
IV.Condenar a recorrida numa sanção pecuniária compulsória no valor de 100 (cem) euros por cada pilarete que venha a produzir ou a comercializar em desobediência à medida inibitória imposta no ponto III.
V.Ordenar a divulgação da presente decisão, após trânsito e baixa dos autos, num jornal diário e num jornal semanário, de maior tiragem nacional à data do trânsito, a expensas da recorrida, nos termos do artigo 350.º n.º 3 do CPI.
VI.Absolver a recorrida da restante parte do pedido.
VII.Condenar em custas ambas as partes, na proporção do decaimento, que o Tribunal fixa em 1/5 a cargo da recorrente e 4/5 a cargo da recorrida – artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC.



Lisboa, 13 de Julho de 2023



Paula Pott - (relatora)
Carlos M.G. de Melo Marinho - (1.º adjunto),
Eleonora Viegas - (2ª adjunta)