Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8426/13.3TCLRS-G.L1-6
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO (VICE-PRESIDENTE)
Descritores: RECLAMAÇÃO
ARTIGO 105.º N.º 4 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
COMPETÊNCIA TERRITORIAL
ALTERAÇÃO DA REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
RESIDÊNCIA DA CRIANÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/15/2024
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO – ARTIGO 105.º N.º 4 DO CPC
Decisão: RECLAMAÇÃO PROCEDENTE
Sumário: Tendo a criança mantido a sua residência em Loures até final do ano letivo de 2022/2023, local onde frequentava estabelecimento escolar, em abril de 2023, quando o requerimento para alteração da regulação das responsabilidades parentais foi apresentado, a criança residia em Loures, local onde frequentava o ensino e onde tinha o seu centro de vida, pelo que, face ao constante do nº. 1 do artigo 9.º do RGPTC, para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado, o qual se situava à data de instauração dos autos em Loures.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I. Em 13-04-2023, “A”, pai de “B” veio requerer a alteração das responsabilidades parentais daquele.
Indica, nomeadamente, que a mãe da criança, “C” lhe fez chegar informação de que “no termo do presente Ano Letivo, vai mudar de residência, residência essa no con[c]elho de Sousel, localidade (…)”.
Em 04-09-2023, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X” proferiu a seguinte decisão:
“”A” intentou a presente ação de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais contra “C”, relativamente ao menor “B”, residente com a requerida, a qual, segundo resulta dos autos (deste apenso e do apenso E) reside no concelho de Sousel desde fevereiro de 2023, o que já ocorria, portanto, à data da propositura da presente ação.
Cumpre apreciar e decidir
Nos termos do artº 9º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, é territorialmente competente o tribunal da residência do menor no momento em que o processo foi instaurado.
A exceção da incompetência territorial, que pode ser deduzida até à decisão final, deve ser conhecida oficiosamente, por força do disposto no artº 10º, nº 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
Ora, resultando como resulta dos autos que o menor reside no concelho de Sousel, carece o presente Juízo de Família e Menores de Loures de competência, em razão do território, para conhecer desta ação, por a mesma caber ao Juízo Local de Fronteira (artº 105.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).
Pelo exposto e ao abrigo das citadas disposições legais, declaro este Juízo de Família e Menores de Loures incompetente em razão do território para conhecer da presente ação.
Valor da ação: € 30.000,01.
Custas pelo requerente, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo legal, sem prejuízo do AJ.
Registe e notifique.
Após trânsito remeta os autos (acompanhados dos demais apensos, todos eles findos) ao Juízo Local de Fronteira, por ser o que tem jurisdição sobre o concelho de Sousel (artº 105º, nº 3 do Código de Processo Civil). (…)”.
Não se conformando com esta decisão, o requerente apresentou requerimento de reforma da decisão e, para a hipótese de esta não proceder, apresentou reclamação nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º, n.º 4, do CPC.
Conclui, em suma, que o despacho reclamado foi proferido por “puro lapso”, sendo que, a criança mantinha, à data de instauração da alteração, a residência dos autos, não se tendo concretizado a mudança de residência.
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II. Com interesse para a decisão da reclamação, mostra-se apurado o seguinte:
1) Por acordo alcançado em audiência de discussão e julgamento da ação de regulação das responsabilidades parentais, com o n.º (…)/13.3TCLRS, que correu termos na Instância Central de Loures – 1.ª Secção de Família e Menores, Juiz “X”, foi regulado o regime de residência e exercício das responsabilidades parentais, nomeadamente, nos seguintes termos: “1. Fixa-se a residência do menor “B” com a mãe”.
2) Em comunicação eletrónica junta ao apenso F, de 20-04-2023, a requerida menciona, nomeadamente, o seguinte: “”C”, vem por este meio reiterar a informação que já tinha enviado para esse tribunal, por e-mail, a comunicara alteração da sua residência para a morada :
Largo (…) [Sousel].
E decidiu ir residir para um sítio mais calmo e tranquilo, no Alentejo porque como é bastante doente, (já sofreu dois pequenos enfartes e pequenos AVC, que levaram à sua reforma por invalidez), achou que era a melhor decisão não só para ela, como também para o seu filho menor.
Quando assinou a escritura de compra e venda, de imediato deu conhecimento dessa compra ao pai do menor, tendo inclusive comunicado, que a mudança para essa casa só seria feita, após a conclusão deste ano letivo, porque o menor tem bom aproveitamento escolar e não pode nem quer, que o menor seja prejudicado com uma alteração de morada enquanto o ano letivo não terminar (…)”.
3) O Agrupamento de Escolas de [(…) Loures] informou nos autos – cfr. informação junta aos autos em 26-01-2024 - de que a criança, “no ano letivo 2022/2023 frequentou o Agrupamento de Escolas de [(…) Loures], tendo tido aprovação e transitado para o 7.º ano.
O mesmo foi transferido para o Agrupamento de Escolas de Sousel (…)”.
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III. Nos termos do disposto no artigo 3.º. al. c) do RGPTC (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de setembro), a regulação do exercício das responsabilidades parentais e o conhecimento das questões a este respeitantes, constitui uma das providências tutelares cíveis enunciadas no mencionado regime jurídico.
Sobre a competência territorial, estatui o artigo 9.º do RGPTC que:
“1 - Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado.
2 - Sendo desconhecida a residência da criança, é competente o tribunal da residência dos titulares das responsabilidades parentais.
3 - Se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, é competente o tribunal da residência daquele que exercer as responsabilidades parentais.
4 - No caso de exercício conjunto das responsabilidades parentais, é competente o tribunal da residência daquele com quem residir a criança ou, em situações de igualdade de circunstâncias, o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
5 - Se alguma das providências disser respeito a duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
6 - Se alguma das providências disser respeito a mais do que duas crianças, filhos dos mesmos progenitores e residentes em comarcas diferentes, é competente o tribunal da residência do maior número delas.
7 - Se no momento da instauração do processo a criança residir no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, é competente para apreciar e decidir a causa o tribunal da residência do requerente ou do requerido.
8 - Quando o requerente e o requerido residam no estrangeiro e o tribunal português for internacionalmente competente, o conhecimento da causa pertence à secção da instância central de família e menores de Lisboa, na Comarca de Lisboa.
9 - Sem prejuízo das regras de conexão e do previsto em lei especial, são irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo”.
Conforme salienta Tomé D’Almeida Ramião (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, 4.ª ed., Quid Juris, 2020, p. 45), por residência “deve entender-se o lugar onde a criança reside habitualmente, isto é, o local onde se encontra organizada a sua vida, em termos de maior estabilidade e permanência, onde desenvolve habitualmente a sua vida, onde está radicado.
Este conceito não coincide com o de domicílio legal do menor (o lugar de residência da sua família respetiva), ou com o domicílio do progenitor a quem foi confiado ou que sobre ele exerça as responsabilidades parentais e referido no art.º 85.º do C. Civ.
Tal critério assenta no facto de ser o tribunal da área onde a criança se encontra com maior frequência e estabilidade, aquele que dispõe de melhores condições para conhecer da realidade familiar e social em que se encontra inserido e tomar as providências adequadas”.
Por seu turno, alude o n.º 1, do artigo 42.º do RGPTC, sob a epígrafe “Alteração de regime”, que: Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
E a al. b), do n.º 2, desse mesmo artigo, preceitua que: Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova ação.
O processo de alteração de responsabilidades parentais trata-se de uma ação independente e autónoma, sendo competente para dela conhecer, o tribunal que. no momento da respetiva instauração, seja territorialmente competente, de acordo com os preceitos supra enunciados.
Ora, conforme resulta inequívoco, quer da comunicação da requerida, de 20-04-2023, quer da informação escolar entretanto obtida – e não obstante tenha sido alterada, em março de 2023, a menção da residência da criança para efeitos de inclusão nos dados referentes ao cartão de cidadão (cfr. documento n.º 1 anexo ao requerimento de 25-09-2023 junto ao apenso F) – a criança manteve a sua residência em Loures até final do ano letivo de 2022/2023, local onde frequentava estabelecimento escolar, pelo que, para o que ora interessa, em abril de 2023, quando o requerimento para alteração da regulação das responsabilidades parentais foi apresentado, a criança residia em Loures, local onde frequentava o ensino e onde tinha o seu centro de vida.
Face ao constante do nº. 1 do artigo 9.º do RGPTC, para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado, o qual, conforme decorre do exposto, se situava, à data de instauração dos autos em Loures.
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III. Nos termos expostos, julga-se procedente a reclamação apresentada, revogando-se o despacho reclamado, declarando-se competente para prosseguir a lide, o Juízo de Família e Menores de Loures – Juiz “X”.
Sem custas.
Notifique.
Baixem os autos.

Lisboa, 15-04-2024,
Carlos Castelo Branco (Vice-Presidente, com poderes delegados).