Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
262/20.7Y5LSB.L1-9
Relator: ALMEIDA CABRAL
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO
REGIME LEGAL DAS VENDAS ONLINE E SUA ENTRADA EM VIGOR
ENVIO À ASAE DA DECLARAÇÃO DE COMUNICAÇÃO DE SALDOS
VENDAS COM REDUÇÃO DE PREÇOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: I-O art.º 2.º, al. c) do DL n.º 70/2007, na redacção introduzida pelo DL n.º 10/2015, referindo-se ao seu âmbito de aplicação, previa,  as vendas a retalho efectuadas à distância, ao domicílio, ou por outros métodos fora dos estabelecimentos, mas essa mesma previsão não foi levada à letra da lei, na redacção introduzida pelo citado DL n.º 10/2015 no art.º 10.º, n.º 5 do DL n.º 70/2007, daí que, colmatado tal lapso, veio o legislador rectificar o mesmo através da publicação do DL n.º 109/2019, dissipando desta forma as dúvidas existentes;
II- O art.º 2.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que consagra o “Princípio da legalidade”, estatui que só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática;
III-Se  na data dos factos, ou seja em 19/02/2018, a redacção do art.º 10.º, n.º 5 do DL n.º 70/2007 era, ainda, aquela que lhe havia sido dada pelo DL n.º 10/2015 e na mesma não se previa a venda à distância, nem se exigia a emissão de declaração dirigida à ASAE com a indicação do endereço electrónico da respectiva página, sendo que  os factos omissivos não constavam do respectivo tipo de ilícito, o qual apenas foram introduzidos pelo DL n.º 109/2019, de 14 de Agosto, esta contra-ordenação, não pode ser imputada à recorrente.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

1 – No Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 7, Processo de Contra-Ordenação n.º 262/20.7Y5LSB, onde é arguida/recorrente L’ OCCITANE PORTUGAL - Unipessoal, Lda., veio esta interpor recurso da decisão proferida pela Autoridade da Segurança Alimentar e Económica, que a condenou na coima única no valor de €750, pela prática de duas contraordenações, previstas e punidas, respetivamente, pelas disposições conjugadas dos artigos 4.°, n.° 1 e 10.°, n.° 5, do Decreto-Lei n.° 70/2007, de 28 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.° 109/2019, de 14 de agosto e do artigo 16.°, n.° 1, alíneas a) e b) do mesmo diploma, consubstanciadas, respectivamente, na falta de indicação da data inicial da redução de preço que se encontrava em vigor na página da internet da arguida e na omissão da comunicação da referida venda, com a antecedência mínima de cinco dias, à ASAE.
Esta decisão veio a ser confirmada pelo tribunal “a quo”.
Porém, não conformada, também, com a sentença proferida pelo mesmo tribunal, dela interpôs a arguida o presente recurso, o qual sustentou no não preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos contra-ordenacionais que lhe foram imputados e na existência de fundamentos bastantes que justificam a opção por uma pena de admoestação.
Extraiu da respectiva motivação as seguintes conclusões:
“(…)
I. Vem a Recorrente acusada e condenada, em sede de recurso de impugnação judicial, julgado improcedente, por alegada violação das normas constantes dos artigos 4.°, n.° 1 e 10.°, n.° 5. do Decreto-Lei n.° 70/2007;
II. São imputadas a Recorrente, respetivamente, as contraordenações de “Falta de Informação para a concorrência leal na venda com redução de preço (data de início e período de duração”, bem como “Falta de envio à ASAE da declaração de comunicação de saldos...”;
III. À data, tais vendas eram feitas, em exclusivo, através da plataforma de e-commerce da Recorrente https://www.pt.loccitane.com;
IV. Existia, à data do ato inspetivo, uma falta de clareza quanto à obrigatoriedade de aplicação às plataformas de e-commerce das obrigações vertidas no DL 70/2007, de 26 de março;
V. Tal conclusão resulta de uma interpretação sistemática do seu âmbito de aplicação, bem como da letra do diploma, que se mostrava, à data do ato inspetivo, omissa de quaisquer elementos que pudessem, a fim, remeter para a sua aplicabilidade às plataformas de e-commerce;
VI. Uma falta de clareza e omissão de elementos que permitem concluir que à data do ato inspetivo não impendiam tais obrigações sobre a Recorrente;
VII. Em sentido oposto alega o Tribunal a quo que “(...) as vendas efetuadas através de um sítio da internet consubstanciam uma modalidade de vendas à distância em nada divergindo, por exemplo das vendas efetuadas por catálogo e nada justificando a sua exclusão do âmbito de aplicação do referido regime legal”.
VIII.  Resulta que tal interpretação do Tribunal a quo se revela por demais extensiva face ao nulo reconhecimento que tais procedimentos colhiam na letra da lei, pelo que nunca poderá, no entender da Recorrente, este ser punido pela respetiva omissão;
IX. Assim deverá ser a Recorrente absolvida de tais contraordenações, pelo não preenchimento do elemento objetivo de ambos os ilícitos contraordenacionais:
X. No que diz respeito à Culpa do Agente (vide. Recorrente), conforme resulta do n.° 1 do artigo 8.° do RGCO, “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”;
XI. Alega o Tribunal a quo, em posição já vertida pela Autoridade, que a coima aplicada a Recorrente “(...) fundou-se na prática, na forma de culpa dolosa, de duas infrações distintas (...)”, ainda que na forma eventual.
XII. Pela descrição ora abarcada em sede processual pela ASAE e “em cruz assinada” pelo Tribunal a quo, a conduta da Recorrente é plenamente marcada por uma total ausência quer do elemento volitivo, quer do elemento intelectual, uma vez que nunca procurou dirigir o seu impulso à prática das infrações ora in casu alegadas em sede contraordenacional.
XIII. Torna-se claro que a Recorrente não preencheu nem o elemento volitivo nem intelectual, essenciais para o preenchimento do elemento subjetivo;
XIV.  Deverá assim concluir-se pela não punibilidade do Agente (vide. Recorrente) a título de dolo eventual;
XV. No que diz respeito à gravidade da contraordenação, esta nunca poderá ser considerada de “média gravidade”, como teima o Tribunal a quo referir, em sequência da decisão condenatória da ASAE.
XVI.  As contraordenações dividem-se em leves, graves e muito graves;
XVII. Ao abrigo do princípio da legalidade do Direito Penal e da aplicação da lei penal mais favorável (extensíveis a todo o Direito Sancionatório) tem de se considerar que estamos perante uma contraordenação leve.
XVIII. Não foram colocados em causa quaisquer bens jurídicos essenciais, quer no que diz respeito aos destinatários da promoção (os consumidores), quer em sede de mercado;
XIX.  O que só reforça o grau diminuto das contraordenações em causa;
XX.   Face a ausência de quaisquer danos causados pela Recorrente, e que esta não ter obtido qualquer beneficio económico, deverá a coima ser substituída por mera admoestação, nos termos conjugados dos artigos 18.° e 51.° do RGCO.
Por tudo o acima referido, deve ser julgado procedente recurso e a decisão alterada por outra que absolva a Recorrente da contra-ordenação em que foi condenada (…)”
*
O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
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Notificado da interposição do mesmo recurso, apresentou o Ministério Público a respectiva resposta, onde, a final, extraiu as seguintes conclusões:
“(…)
1. A recorrente interpôs recurso da sentença proferida no âmbito dos presentes autos de recurso de contra-ordenação que julgou improcedente o recurso e manteve na íntegra a decisão administrativa proferida, que condenou a recorrente ao pagamento de uma coima de 500,00€ por falta de informações para a concorrência leal na venda com redução de preços, prevista no artigo 4.° n.° 1 do DL n.° 70/2007 de 26 de Março e uma coima de 500,00€ por falta de envio à ASAE da declaração de comunicação de saldos, prevista no artigo 10.° n.° 5 do DL n.° 70/2007 de 26 de Março.
2. Invoca a recorrente que à data dos factos a letra do DL n.° 70/2007 de 28 de Março era ambígua no que respeitava à aplicação do seu regime às vendas online pugnando assim pela sua não punibilidade quanto às referidas contraordenações.
3. Ora, à data dos factos o diploma em causa já tinha sido alterado pelo DL n.° 10/2015 de 16 de Janeiro que estabeleceu, no seu artigo 2.° al. c) que o mesmo se passaria a aplicar “Às vendas a retalho efectuadas à distância ao domicílio, ou por outros métodos fora dos estabelecimentos, com as devidas adaptações.”. Ou seja, não tem razão a recorrente quando invoca que foi com o DL n.° 109/2019 de 14 de Agosto que esta práticas e comunicações passaram a ser obrigatórias para as vendas em plataforma e-commerce.
4. Invoca ainda a recorrente a falta de preenchimento do elemento subjectivo porquanto esta entende que não agiu com dolo no cometimento das contraordenações.
5. Ora, sucede que a mesma sabia da existência do diploma e das práticas de concorrência leal, sabia que não fazia sentido discriminar as plataforma e-commerce da aplicação desse regime pelo que, a mesma agiu de forma dolosa, ainda que eventual.
6. Tais omissões revestem-se de uma gravidade elevada porquanto para além de não permitirem a fiscalização pelas entidades competentes, colocam em causa as regras e práticas de concorrência leal implementadas, seguidas e respeitadas pelos restantes agentes económicos.
7. Assim, e uma vez que face à gravidade da conduta da recorrente a aplicação de admoestação não se mostra suficiente, somos do entendimento que as coimas aplicadas à recorrente são adequadas e suficientes para dissuadi-la da prática de novas violações.
8. Termos em que se conclui pela manutenção da douta sentença sob recurso.
Por tudo o exposto, deve o presente recurso improceder e, em consequência, manter-se a douta sentença proferida pelo tribunal de 1.ª Instância. (…)”
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Neste Tribunal a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta não emitiu “parecer”.
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Mantêm-se verificados e válidos todos os pressupostos processuais conducentes ao conhecimento do recurso, ao qual foram correctamente fixados o efeito e o regime de subida.
Não existe causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade contra-ordenacional.
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2 - Cumpre apreciar e decidir:
É o objecto do presente recurso, à luz das conclusões formuladas pela recorrente, o não preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos contra-ordenacionais imputados e a existência de fundamentos bastantes que justificam a opção por uma pena de admoestação.
Foi a seguinte, no essencial, em termos de matéria de facto, a decisão recorrida:
“(…)
III - Fundamentação
Factualidade provada:
1. No dia 19 de fevereiro de 2018, pelas 15:00h, na página de internet https://p.loccitane.com, pertencente à Recorrente, constatou-se a realização de vendas com redução de preço;
2. Não havia sido realizada a comunicação da referida venda, com a antecedência mínima de 05 dias à ASAE;
3. Mais se constatou que não se encontrava anunciada informação quanto à data de início das reduções de preço;
4. A Recorrente, explorando um estabelecimento comercial onde realiza vendas com redução do preço, tinha obrigação de cumprir as obrigações que sobre si impendiam;
5. Ao deixar de cumprir tais requisitos legais a Recorrente prosseguiu com a sua ação, mesmo sabendo que violava o bem jurídico que se pretende proteger com as referidas obrigações;
6. São do conhecimento comum entre os empresários do ramo as obrigações associadas à realização de vendas com redução de preço;
7. A Recorrente tinha o dever de adotar uma conduta adequada ao cumprimento da lei, pois o comerciante tem o dever de se informar sobre as obrigações que regem a sua atividade comercial;
8. A Recorrente podia ter-se orientado e agido de acordo com as normas violadas, providenciando no sentido de que os incumprimentos não ocorressem;
9. A Recorrente previu e aceitou a realização do facto, na medida em que sabia que estava obrigada a comunicar à ASAE a venda em saldos e bem assim a informar da data de início do período de duração da venda com redução do preço, não o tendo feito, conformando-se com o resultado daí adveniente.
2. Factualidade não provada:
Não se provaram outros factos com interesse para os presentes autos, sendo que a mais matéria à qual não se responde constitui matéria de simples impugnação; conclusiva; de direito ou irrelevante para a apreciação do objeto dos autos.
3. Motivação da matéria de facto:
Na formação da convicção relativamente à factualidade provada e não provada o tribunal atendeu ao depoimento prestado pelas testemunhas OO e RR (ambos inspetores da ASAE) e AA (responsável pelo serviço de clientes da Recorrente).
Teve-se ainda em conta o teor do auto de notícia.
Assim, do conjunto formado pelo auto de notícia com o depoimento das supra referidas testemunhas - todos tendo deposto de forma que nos pareceu isenta e objetiva, e, por isso mesmo, merecedora de credibilidade - formou o tribunal a convicção quanto aos factos considerados provados, tanto mais que a Recorrente não põe em causa o cometimento dos factos que lhe são imputados, antes fundamentando o presente recurso na sua falta de culpa e na não aplicabilidade da lei.
No entanto, não deixa, em nosso entender, de resultar provada uma atuação dolosa, ainda que na modalidade de dolo eventual, porquanto, é dever da Recorrente tomar as diligências necessárias a acautelar a adoção de comportamentos adequados ao cumprimento das normas a que está sujeita e é manifesto que tal não sucedeu no caso dos autos, assim se conformando com o resultado da sua atuação. (…)”.
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Antes de se entrar no conhecimento do objecto do recurso importa salientar que esta instância, ante o que se dispõe no art.º 75.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, como regra, “apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões”.
Por outro lado, independentemente dos fundamentos de recurso invocados, sempre o oficioso conhecimento dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do C.P.P., ex vi art.º 41.º, n .º 1, do citado DL n.º 433/82, a esta mesma instância se impõe, desde que os mesmos resultem do texto da decisão recorrida.
Assim sendo, começa-se por dizer que não se reconhece a existência de qualquer um dos referidos vícios, razão por que a respectiva matéria de facto haverá, necessariamente, de ser tida por definitivamente fixada.
Deste modo, na parte em que para o conhecimento do objecto do recurso releva, tem-se como assente que:
“(…) No dia 19 de fevereiro de 2018, pelas 15:00h, na página de internet https://p.loccitane.com, pertencente à Recorrente, constatou-se a realização de vendas com redução de preço;
Não foi realizada a comunicação da referida venda à ASAE, designadamente com a antecedência mínima de 5 dias;
Não foi prestada informação quanto à data de início das reduções de preço;
A Recorrente explorava um estabelecimento comercial, onde realizava vendas com redução do preço, sabendo que tinha o dever de cumprir as obrigações que sobre si impendiam;
A Recorrente prosseguiu com a sua ação, mesmo sabendo que violava o bem jurídico que se pretende proteger com as referidas obrigações;
São do conhecimento comum entre os empresários do ramo as obrigações associadas à realização de vendas com redução de preço;
O comerciante tem o dever de se informar sobre as obrigações que regem a sua atividade comercial;
A Recorrente podia ter-se orientado e agido de acordo com as referidas obrigações, providenciando no sentido de que os incumprimentos não ocorressem;
A Recorrente previu e aceitou a realização do facto, na medida em que sabia que estava obrigada a comunicar à ASAE a venda em saldos e bem assim a informar da data de início do período de duração da venda com redução do preço, não o tendo feito, conformando-se com o resultado daí adveniente (…)”.
Ora, à luz da referida factualidade, imputou a ASAE à arguida e confirmou-o o tribunal “a quo” na decisão recorrida, a prática de duas contra-ordenações:
Uma delas, prevista no art.º 4.º, n.º 1 do DL n.º 70/2007, de 26 de Março, com a alteração introduzida pelo DL n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, nos termos do qual “Na venda com redução de preço deve ser indicado de modo inequívoco, a modalidade de venda, o tipo de produtos, a respetiva percentagem de redução, bem como a data de início e o período de duração”;
Outra, prevista no art.º 10.º, n.º 5, do mesmo DL n.º 70/2007, com a alteração introduzida, também, pelo citado DL n.º 10/2015, nos termos do qual “A venda em saldos fica sujeita a uma declaração emitida pelo comerciante dirigida à Autoridade de Saúde Alimentar e Económica (ASAE), com uma antecedência mínima de cinco dias úteis, através do “Balcão do empreendedor”, previsto no art.º 3.º do DL n.º 48/2011, de 1 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 141/2012, de 11 de julho, ou por qualquer outro meio legalmente admissível, da qual conste:
a) Identificação e domicílio do comerciante ou morada do estabelecimento;
b) Número de identificação fiscal;
c) Indicação da data de início e fim do período de saldos em causa”.
Assim, relativamente à primeira contra-ordenação, dúvidas não existem de que, ante a factualidade dada como comprovada, a mesma mostra-se verificada nos seus elementos típicos.
A arguida/recorrente realizou vendas com redução do preço, não dando, de todo, cumprimento ao disposto no citado art.º 4.º, n.º 1, apesar de conhecer as obrigações deste resultantes, tendo, por isso, actuado de forma determinada, livre e consciente.
Relativamente à segunda contra-ordenação, não se entende que a mesma possa ser imputada à recorrente.
Efectivamente, à data dos factos (19/02/2018) a redacção do art.º 10.º, n.º 5 do DL n.º 70/2007 era, ainda, aquela que lhe havia sido dada pelo DL n.º 10/2015 e na mesma não se previa a venda à distância, que aqui está em causa, nem se exigia a emissão de declaração dirigida à ASAE com a indicação do endereço electrónico da respectiva página. Estes elementos não constavam do respectivo tipo de ilícito, no qual apenas foram introduzidos pelo DL n.º 109/2019, de 14 de Agosto.
Ora, de acordo com o art.º 2.º do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, que consagra o “Princípio da legalidade”, só será punido como contra-ordenação o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.
É certo que o art.º 2.º, al. c) do DL n.º 70/2007, na redacção introduzida pelo DL n.º 10/2015, referindo-se ao seu âmbito de aplicação, prevê, também, as vendas a retalho efectuadas à distância, ao domicílio, ou por outros métodos fora dos estabelecimentos, no que se estribou o tribunal “a quo” em defesa da posição assumida.
A verdade, porém, é que essa mesma previsão não foi levada à letra da lei, na redacção introduzida pelo citado DL n.º 10/2015 no art.º 10.º, n.º 5 do DL n.º 70/2007.
Daí que, reconhecendo, porventura, o lapso em que incorrera, veio o legislador corrigir o mesmo através da publicação do DL n.º 109/2019, dissipando as dúvidas existentes, das quais a arguida/recorrente, também nesta parte, não poderá deixar de tirar o invocado proveito.
Assim sendo, haverá, nesta parte, de proceder o recurso.
Restando a condenação da arguida pela prática da infracção prevista no art.º 4.º, n.º 1 do DL n.º 70/2007, a qual oscila entre 250,00 €uros e 30.000,00 €uros, conforme art.º 16.º, n.º 1, al. b), na sua versão mais favorável àquela, peticiona a mesma a substituição da coima pela pena de “admoestação”, prevista no art.º 51.º do DL n.º 433/82, segundo o qual, “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.
Porém, para além da factualidade dada como comprovada relativamente à culpa da arguida/recorrente, também o art.º 16.º, n.º 1 do DL n.º 70/2007 considera a infracção em causa como “contraordenação económica grave”, facto que, só por si, inviabiliza a possibilidade de aplicação de uma pena de “admoestação”.
Por outro lado, também, não constitui objecto do recurso a medida da coima fixada, razão por que da justeza, ou não, da mesma não poderá esta instância conhecer.
Deste modo, ante as expostas razões, haverá de conceder-se, tão só, parcial provimento ao recurso.

3 - Nestes termos e com os expostos fundamentos, acordam os mesmos juízes, em conferência, em conceder parcial provimento ao recurso, absolvendo a arguida da contra-ordenação que lhe foi imputada à luz do art.º 10.º, n.º 5 do DL n.º 70/2007, de 26 de Março e confirmando a decisão recorrida na parte em que a condenou na coima de 500,00 €uros pela prática da contra-ordenação prevista no art.º 4.º, n.º 1 do mesmo DL.
Sem custas.
Notifique.

Lisboa, 21/10/2021
Almeida Cabral
Guilherme Castanheira